O racismo no Brasil se manifesta em construção de
lugares permitidos para brancos e negros. A escola, como instituição social, se
manifesta como um espaço em que estas idéias se reproduzem
O tema e racismo
e educação com foco na lei 10.639 e as cotas raciais nas universidades.
Há uma
tendência forte no movimento anti-racista de considerar que a superação do
racismo se dá pela educação. Não é a toa que duas bandeiras fortes do movimento
atual referem-se à educação: a Lei 10.639 que altera a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação ao instituir a temática da história da África e da cultura
afro-brasileira nos conteúdos curriculares do ensino básico e a implementação
das cotas raciais nos processos seletivos das universidades públicas.
À medida
que a luta contra o racismo no Brasil avança em todos os sentidos, alguns
privilégios vão sendo questionados e, por isto, a gritaria começa desmontando
todo o discurso do mito da democracia racial brasileira. Eu procuro entender o
problema do racismo pelo viés do marxismo. Uma das idéias mais interessantes do
pensamento marxista é que os homens estabelecem relações concretas uns com os
outros com base na produção material. O racismo no Brasil origina-se do fato do
capitalismo por aqui ter se construído com base na acumulação primitiva de
riquezas obtida pelo modo de produção chamado pelo pensador Jacob Gorender, de
escravismo colonial. O “escravismo colonial” foi muito bem conceituado
por Gorender – ele sustentou o mercantilismo na Europa durante muito tempo,
possibilitou em certo momento, recursos para inversão em modos de produção mais
avançados e, após a proibição do tráfico de escravos em 1850 (lei Eusébio de
Queiroz), os recursos que eram destinados ao tráfico foram direcionados para
investimentos em sistemas produtivos, possibilitando aí, a transição negociada
do escravismo colonial para o capitalismo.
Reforço
esta idéia da “transição” – não houve ruptura com a ordem anterior e sim uma
transição. A classe dominante brasileira é descendente dos escravocratas. Por
isto, elementos construídos nas relações sociais do escravismo se transfiguram
para o capitalismo. A “tolerância opressiva” de que fala Darcy Ribeiro –
tolerar o outro para poder oprimi-lo – serviu como mecanismo legitimador da
escravização e, atualmente, para a superexploração da mão de obra assalariada.
Negros são tolerados desde que em seu “devido lugar”.
Por isto,
o racismo no Brasil se manifesta em construção de lugares permitidos para
brancos e negros. A escola, como instituição social, se manifesta como um
espaço em que estas idéias se reproduzem. O sociólogo Pierre Bourdieu elaborou
o conceito de “capital cultural” para definir as competências e habilidades
exigidas e universalizadas pela instituição escola como mecanismos de violência
simbólica, à medida que exige um “enquadramento” daqueles que desejam ser bem
sucedidos neste espaço.
É com
base nestas referências que entendo que a luta pela lei 10639 e pelas cotas são
instrumentos que explicitam conflitos dentro da instituição educacional. A
resistência à implementação ou mesmo a distorção dos mesmos se dá não por uma
“deformação” ou “incompreensão” dos agentes envolvidos na instituição, mas sim
porque uma concepção mais radical dos significados destas normas implica em
questionar os sistemas de “violência simbólica” inseridos na instituição
escolar.
É importante
lembrar que a lei 10639 altera a LDB, portanto os conteúdos ali previstos não
são “periféricos”, mas tem o mesmo status de qualquer outro conteúdo
obrigatório do currículo, como Português ou Matemática. E também que ele é
obrigatório para todas as escolas do ensino básico, mesmo aquelas em que não há
negros ou que atenda uma elite branca. Qual a importância desta reflexão? É que
ela aponta que os conteúdos de História da África e cultura afro-brasileira
passam a integrar o conjunto de competências e habilidades exigidas na
instituição escolar, reposicionando a figura do africano e do afro descendente
da periferia para o centro simbólico.
No caso
das cotas nas universidades, a presença de mais e mais negros e negros nas
universidades conflita com as imagens estabelecidas de que os lugares negros
são os subalternos – as periferias, os trabalhos precarizados, a exclusão.
Transformando um espaço “monocromático” em “multicolorido”, conflita com as
imagens simbólicas de lugares consolidados de negros e brancos.
Ora, a
medida que se reposiciona estes lugares simbólicos de negros, há um
deslocamento também da posição do que é ser branco. O ser branco se consolida
como o lugar da “universalização” da condição humana (por isto, muitos brancos
não se assumem como “grupo étnico” e se definem como “humanos”, “mestiços”,
“misturados” e outras definições que apagam a idéia de ocuparem um lugar
hegemônico construído pela subalternização de outro). A condição social do
ser branco se configura a partir de “privilégios adquiridos racialmente” –
como, por exemplo, contar sempre com a possibilidade de existir uma mulher
negra pobre para ser explorada como trabalhadora doméstica ou ainda ser
escolhido em uma seleção visual de trabalho em que concorre com uma pessoa
negra – que se transfigura em um leque maior de oportunidades. A medida que a
luta contra o racismo avança em todos os sentidos, estes privilégios vão sendo
questionados e, por isto, a gritaria começa desmontando todo o discurso do mito
da democracia racial brasileira.
Diante
disto, o racismo não se resolve meramente com a educação, até porque a escola,
como instituição social o reproduz. A luta pelas cotas e pela lei 10639 tem uma
função importante de abrir frentes de embate dentro da instituição escolar,
porém sem criar a ilusão de que a mera implantação resolverá o problema das
relações étnicas no Brasil.
A escola
é um espaço de conflitos – demonstrado, nitidamente, quando se ouve um
professor, afirmar, em uma reunião, que “a implantação das cotas poderia aumentar
a violência NA ESCOLA. A luta contra o racismo é uma ação, portanto, de
natureza política e não um processo educacional.
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