domingo, 28 de julho de 2013

UM MOVIMENTO POPULAR CHAMADO FREVO

UM MOVIMENTO POPULAR CHAMADO FREVO



No século XIX, as transformações das festividades carnavalescas acontecem de forma

lenta. Durante o Império, em meados desse século, o carnaval sofre uma ruptura

fundamental, o divertimento público é privatizado por clubes, que organizam para seus

sócios “bailes carnavalescos” para divertimento, exclusivo, da elite, em oposição ao

“entrudo”, coisa de gentinha, evento de rua, alvo da repressão policial.

Seguindo o novo modelo de carnaval veneziano das máscaras e figuras da

commedia

dell’arte

italiana de Pierrôs, Arlequins, Colombinas e dominós de seda, o carnaval de rua da

burguesia, no Brasil, passa a ser o “corso”, desfile de carros abertos, batalhas de flores,

seguindo os moldes de Paris.

O carnaval, até então, uma brincadeira pública, passa a ter entrada paga e desfile de

rua elitista, incorporando à festividade nacional a civilidade européia das festas fechadas dos

salões. O

Jornal do Commércio de 4 de fevereiro de 1856, anuncia que a elite paulista

também havia aderido ao “carnaval veneziano”, repudiando o “entrudo moleque”.

Também em 1856, houve a proibição aos capoeiristas pelo governo da província de

Pernambuco, na mesma época em que as limas-de-cheiro e os entrudos. No Rio de Janeiro

também os capoeiras eram alvo dessas proibições. No entanto, durante o Império e início da

República, os capoeiras costumavam aliar-se a pessoas influentes e ricas, sobretudo, a


políticos e chefes de partidos que lhes ofereciam proteção em troca de serviços como

capangas.

No Recife, particularmente, desde a metade do século XIX, as rivalidades dos partidos

de capoeiras costumavam se manifestar no extremado partidarismo pelas bandas de músicas

existente na cidade. Os capoeiristas adotavam uma banda marcial como de sua preferência e

consideravam adversárias todas as outras. Costumavam sair à frente, abrindo passagem,

pulando, saltando, dando pernadas. Essas disputas e confrontos entre os capoeiras que

apoiavam determinadas bandas de música militar, foram rigorosamente reprimidos pela

polícia.

Na passagem da Abolição, em 1888, para o carnaval de 1889, uma nova gama de

atores é inserida no carnaval de rua. Engrossando a massa dos excluídos urbanos, os exescravos

migraram das fazendas e engenhos, para o centro das cidades em busca de novas

oportunidades e, principalmente, de forma mais acentuada, para as atividades portuárias, no

caso das capitais do litoral, tendo como exemplos: Recife, Salvador e Rio de Janeiro

Nesse contexto, uma população majoritariamente analfabeta, inicia uma nova ordem

cultural na trajetória da sociedade brasileira. Ao final do século XIX, com o advento da

República, inicia-se um período de intensas e rápidas mudanças. De um lado a elite dirigente

empenhada em modelar e controlar a massa popular e, do outro, grupos de pessoas que se

viram forçados a mudar, ajustar e reajustar seus modos de vida e valores, sucessivas vezes.

O contraste da diversidade étnica envolve uma problemática aguda, pois sendo o

negro considerado um ser a-histórico, também suas manifestações, seus padrões de

organização e suas tradições, não faziam parte do passado do país, por conseguinte, fora dos

registros históricos ou percebidos por um viés preconceituoso.

Difícil é superar a barreira imposta pelos cronistas e pesquisadores, que não

percebiam a amplitude da pluralidade formadora das classes populares, suas experiências


 
através da convivência com outros seguimentos étnicos e sociais, amalgamando crenças e

tradições culturais, implicando em adaptações e reestruturações.

Na dinâmica dos fenômenos culturais permanecem aqueles que detiveram e

imprimiram seus símbolos. Tais grupos externaram concretamente suas marcas e, mesmo

sendo o aparato dos registros restritos as crônicas policiais e as crônicas de insensíveis

jornalistas, pode ser constatado que a superação foi o instrumento de liga para a “malta

barulhenta” do carnaval.

Assim, o carnaval de rua do Recife é reescrito e definido por estas classes populares.

O que não pode ficar a margem dessa história é o papel desse “movimento social de

liberação”, em relação ao carnaval de Pernambuco.

Romancear a história do frevo em datas estanques, é, no mínimo, maquiar a verdade.

Diferente da quase unanimidade dos estudos sobre este fenômeno popular denominado

“frevo”, sua criação é fruto de um processo que é iniciado através das bandas marciais,

comuns nos festejos públicos e religiosos de todo o Brasil. Em meados do século XIX, quando

da proibição dos capoeiras à frente das bandas marciais, as agremiações carnavalescas

populares, foi o espaço que abrigou esse grupo popular. Entretanto, os mesmos músicos que

compunham as bandas marciais, também faziam parte das “fanfarras” que acompanhavam

as agremiações carnavalescas populares como os Clubes Pedestres. Assim, em decorrência

desse processo de migração dos capoeiras das bandas marciais para os Clubes Pedestres,

acontece o nascimento de um conjunto coreográfico e rítmico que desse suporte as

manobras dos capoeiras, que também seguiam a frente dessas agremiações, na guarda de

seus símbolos, como o estandarte. Esse novo composto musical foi trabalhado e perpetuado

pelos Clubes Pedestres, principalmente, depois de 1888, com o aumento da massa popular

Por volta de 1880, os Clubes Carnavalescos Pedestres passa a ter maior destaque no

cenário do carnaval de rua do Recife. Os Clubes Pedestres, oriundos da classe trabalhadora

urbana pobre e remediada. Esses grupos, inicialmente, são originados nas organizações


religiosas e profissionais, daí suas denominações remeterem as suas ocupações cotidianas

como: espanadores, vassourinhas, caiadores, etc.

Naquele momento, a questão social do país e, em particular no Recife, passa a ser

retratada nos festejos carnavalescos de forma flagrante quando da ocupação das ruas do

Recife pelos Clubes Carnavalescos Pedestres, representantes das classes populares e dos

Clubes de Alegorias e Críticas das Sociedades Carnavalescas, constituídos pela burguesia.

Esse movimento popular que, mais tarde é denominado “frevo”, em seus primórdios

é perseguido violentamente, no intuito de restabelecer a ordem preestabelecida pela elite

vigente.

A sociedade pernambucana, ao final do século XIX, basicamente, é definida em duas

categorias. As classes populares, formadas por trabalhadores que, efetivamente, pegavam no

pesado, exercendo funções que a burguesia não se submetia. Eram os trabalhadores de lojas,

fábricas, boticas, oficinas, tipografias, carvoarias, vendedores ambulantes, artistas e artesãos,

entre muitos e, um grande percentual de pessoas sem ocupação definida.

As classes conservadoras eram formadas por grandes comerciantes, latifundiários,

proprietários de bancos e indústrias. Existindo, ainda, os profissionais liberais, médicos,

comerciantes e funcionários públicos, que faziam parte, como um apêndice necessário, dessa

elite e, que, mais tarde, vem formar a classe média.

Os Clubes de Alegorias e Críticas, composto pela elite e oriundos das Mascaradas,

levavam às ruas finos e elegantes figurinos, retratando fatos recentes ocorridos no cotidiano

da cidade, principalmente, na esfera política. Eram custeados pelos comerciantes e seus

préstitos tinham um alto custo.

Na passagem para o século XX, os Clubes de Alegoria e Críticas tem sua derrocada

instituída. O surgimento de um novo clube dessa categoria burguesa era motivo de novo

alento ao carnaval da elite. O projeto de um novo modelo de carnaval baseado em Veneza,


Paris e Nice, mostrava sinais de falência. O

Jornal do Recife, em 18 de fevereiro de 1900,

registra que o carnaval, ano a ano, encaminhava-se para a morte.

O carnaval civilizado teve como principal ponto da sua decadência, o descaso com

que os grandes comerciantes locais passaram a tratar tais Clubes de Alegoria e Críticas,

retirando a ajuda financeira que costumavam doar, como também, a recusa da decoração

das principais ruas da cidade.

Um outro fato que corroborou para o fracasso do carnaval de rua da burguesia, diz

respeito ao seu modelo de carnaval, no qual, o projeto de carnaval civilizado pressupunha o

monopólio e o controle da festividade pelas classes dominantes. Aos dominados restava o

papel de espectador. Entretanto, os planos da burguesia não foi compartilhado pela grande

maioria da população que se mobilizava em grupos e organizava-se em formas próprias de

divertimento para serem vivenciados publicamente.

Ao contrário do carnaval burguês que oscilava a cada ano de acordo com a crise

econômico-financeira dos seus patrocinadores, o carnaval popular ia conquistando as ruas e

tomando toda a cidade.

Enquanto o extrato da elite desfilava no carnaval costumes diferentes dos nacionais,

buscando representações em culturas de outros países e, retratando suas insatisfações em

encenações dramáticas, a massa popular reagia à polícia, extremamente violenta e arbitrária.

Essa situação de dispersão dos Clubes Carnavalescos Pedestres, por ordem das autoridades,

permaneceu, até 1904, quando a polícia procurou modificar o tratamento.

No entanto, as rixas e rivalidades entre as agremiações populares herdaram os

antigos confrontos das bandas marciais. As bandas marciais foram proibidas de executar

músicas para promover esses movimentos, estando sujeitas a sérias conseqüências.

Identificado como subversivos pelas autoridades, esse movimento popular que

passou a fazer parte do carnaval de Pernambuco, tinha em seu quadro elencado 
os mesmos


músicos das bandas militares, que proibidos de executar a “marcha pernambucana” nas

apresentações das bandas nas corporações, saiam com os mesmos instrumentos, vestidos

com fantasias, no lugar da farda, acompanhando os Clubes Carnavalescos Pedestres. Afinal,

os componentes das bandas marciais, também, faziam parte das camadas populares da

sociedade pernambucana.

Em fim, o movimento popular que culmina com a denominação de frevo, nasce da

realidade dos conflitos sociais das ruas do Recife, ao longo do século XIX. Suas origens

remetem as lutas e resistências. Os pernambucanos que reivindicavam a libertação dos

escravos, a expulsão dos portugueses e a Proclamação da República, foram os mesmos

atores sociais, que propiciaram o surgimento do “FREVO”.


 

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