domingo, 28 de julho de 2013

QUEM É OSVALDO DE ALMEIDA?

QUEM É OSVALDO DE ALMEIDA?


O registro do vocábulo “frevo”, em 9 de fevereiro de 1907, no Jornal Pequeno, não dá
a ele a autenticidade de uma certidão de nascimento. Isso, considerando que o frevo possa
ter certidão, pois, nascido como marcha carnavalesca, o frevo já fazia parte do carnaval de
rua do Recife, desde o final do século XIX.
Admitamos, porém, que a construção da história pelo prisma da classe dominante
requer o aprisionamento de parte dos movimentos populares, para proveito próprio. Para
tanto, utilizando-se da estrutura independente e coesa do movimento popular que
efervescia nas ruas do Recife, no século XIX, a burguesia atual, chama para si as tradições que
culminaram com o nosso ritmo pernambucano denominado frevo.
A importância desta expressão simbólica de rebeldia popular, é reelaborada na
contemporaneidade por um perfil romanceado, que chega a ser confundido com o lirismo
dos frevos-de-bloco e suas agremiações, que só surgiram a partir de 1920, do século XX, com
o retorno da classe média às ruas do Recife. A confusão instalou-se de forma tal, que chegouse
a se comemorar em 1º de novembro de 2006, no Pátio de São Pedro, o “Centenário do
frevo-de-bloco”, quando na realidade esta data apenas remete a instituição, por força da Lei
nº 17.026, decretada no ano de 2004, do dia 1º Novembro como o dia do Frevo-de-bloco.
Neste contexto, questiona-se, qual é o dia do “Frevo-de-rua?
Considerando o conceito de Hobsbawn, a “invenção de tradições” é essencialmente
um processo de formalização e ritualização, caracterizado por referir-se ao passado, mesmo
que apenas pela imposição da repetição. No processo de reconhecimento do “centenário do
frevo”, a procedência da criação, foi deliberada pelo aspecto evolutivo de um ciclo que se


inicia nas camadas populares pernambucanas mas, sem o reconhecimento final desses
atores.
Nestas comemorações do “centenário do frevo”, observa-se uma manobra de
apropriação de velhos costumes para novos fins. Adaptadas a nova roupagem para a
serventia da classe dominante, o frevo refaz um novo caminho, reinventando-se
transformações, atendendo as demandas das ofertas atuais.
Os Clubes de Frevo, herdeiros das transformações dos Clubes Pedestres, bem como
as Troças Carnavalescas, sucessores legítimos, do ciclo de evolução do nosso frevo, foram
relegados a pequenos grupos sub-culturais, ocupando posições minúsculas. Suas velhas
tradições, se quer tiveram o destaque merecido, a não ser por um remanejamento das suas
tão desprestigiadas apresentações, transferidas da Av. Dantas Barreto para a Av. Nossa
Senhora do Carmo. Pode-se argumentar que a área faz parte do Pólo Afro, mas, também
podemos dizer que faz parte do “gueto do carnaval afro-pernambucano”, que a não ser pela
“Noite dos Tambores Silenciosos”, continuam na invisibilidade do que realmente tem
destaque no cenário nacional e internacional do carnaval pernambucano.
Os Blocos Carnavalescos que continuam a representar a classe média recifense,
adquiriu, uma tão expressiva notoriedade, que ocupam a parte nobre e histórica do Recife,
tendo como palco das suas apresentações, o melhor corredor da cidade, e com o agravante
de que para muitos, são eles os representantes oficiais do frevo pernambucano.
O historiador tem que estar atento as referências que não correspondem ao que foi
realmente conservado na memória popular ou nos registros impressos. Muitas vezes
seleciona-se escritos e institucionaliza-se uma verdade.
Segundo Valdemar Valente, o que correspondia ao conceito do movimento popular
denominado frevo, impresso no imaginário da elite dominante, do início do século XX, era o
seguinte.


“Passo é dança com que se dança o frevo. O capoeira foi o ancestral
do passo. Em Pernambuco do tempo em que o frevo nasceu,
dominava o capoeira, que sempre gostou muito de acompanhar
banda de música, gingando na frente dela, com um cacete na mão. O
‘passista’ de hoje é descendente direto dos cafajestes, mas não
querendo fazer outra coisa senão o passo. Este já se fazia, também
nas caudas do clube .
Escritores como Hermógenes Viana, registram que o vocábulo frevo fazia parte da fala
das ruas do Recife, do início do século:
 Os ensaios do Clube Cara Dura (...) Formado por oficiais do
Exército, dos batalhões 14 e 40, o Cara Dura era a coqueluche das
noites de sábado que antecediam ao carnaval. Segundo o nosso
informante, ao burburinho formado pela turba que o seguiam dava-se
a denominação de ‘

fervedouro’”.
Também de acordo com a socióloga e antropóloga Rita de Cássia de Araújo, a
agitação, efervescência e grande reboliço das multidões nas ruas, a pular e a saltar ao som
das vibrantes marchas carnavalescas, invocavam a imagem da “

fervura”. Ferver e fervura
estavam associados à chaleira, sendo elementos presentes e corriqueiros na vida da
população, especialmente das camadas mais pobres que tinham contato direto com a
cozinha. Termos como chaleira e seus derivados

chaleirar, chaleirismo e chaleirador,
provavelmente, existiam há muito no vocabulário popular.
“Nos primeiros anos do século XX, especificamente a partir de 1904, o
termo chaleira ganhou expressivo vulto (...) Em abril, dando
continuidade a uma série de caricaturas políticas, o mesmo jornal

Jornal Pequeno), publicou a litografia de um mascarado vestido de
chaleira, com os dizeres: Ando

a ferver à procura do Sigismundo...
Não o encontro. O homem se esconde de mim... Não era assim o
Ferreira (...) A 23 de abril, nova gravura intitulada ‘Chaleira Escura”
 Na parte inferior, vinha escrito: Escura ou branca... a chaleira


ferve

do mesmo modo.”


Chaleira, chaleirismo e chaleirar, ferver, fervura e frevar era uma tendência cultural
daquela época, eram expressões das massas, das grandes aglomerações humanas, da
multidão que habitava a cidade do Recife do final do século XIX e princípio do século XX. Os
membros da elite e dos grupos letrados tinham a percepção de algo novo que crescia
rapidamente e descontroladamente. Como protagonistas desta massa o povo comum, o
trabalhador assalariado pobre e a massa dos marginalizados.
O clima era de agitação e efervescência na cidade. Muitas greves, algumas às
vésperas do carnaval. Arruaças e confusões entre bandas de música, partidos de capoeiras,
clubes carnavalescos, polícias civil e militar. Osvaldo de Almeida capta naqueles
acontecimentos a palavra que melhor representava a situação histórica e particular da vida
social do Recife. O povo estava nas ruas fazendo protestos, reivindicando direitos e
mostrando sua força também nos dias de carnaval.
O reconhecimento social deste fato histórico teve seu registro assegurado com a
profusa divulgação da palavra “frevo”, que teve como seu principal articulador Osvaldo de
Almeida, com o início da sua “Coluna Carnaval”, no

Jornal Pequeno, em 31 de janeiro de
1908.
Em sua coluna do dia 12 de fevereiro de 1908, publica:
"Entrei hontem no

frevo, fui na ondia com o pessoal – espanadifero –
que trastejou bonito pelas escuras e mal calçadas ruas da nossa
Veneza americana. Fiz parte do cordão e quando a fanfarra rompeu a
marcha fogosa com todas as variações do trombone e repinicados de
caixa, entrei feioso no passo do

calungogê que foi um successo.
De volta do passeio, todo esbodegado, esbaforido, suarento e
sentindo ainda o gostinho da bicada, ao virar a esquina da “Lafayette”
dei de cara com um bicho. – Olha o bicho... – Arreda negrada, lá vae
um urso... Fiz um passo de quem vae e já volta (...) Foi um

freuvo
medonho.


 
O historiador e folclorista Evandro Rabelo, publicou uma matéria no

Diário de
Pernambuco

, de 11 de fevereiro de 1990, no Caderno Viver, com o título “Osvaldo Almeida –
O mulato boêmio que não criou a palavra frevo

 
Rabelo sugere, em sua matéria, a falta de capacidade e credibilidade de Osvaldo de
Almeida, quando da sua entrevista ao

Diário de Pernambuco, em 1944, ao declarar
textualmente:

“Nota-se que não saiu da cachola de Osvaldo de Almeida, que não foi o
‘mulato boêmio’ o inventor da consagrada palavra frevo e nem seu primeiro divulgador”.


Nesta mesma publicação Rabelo, mesmo reconhecendo a ativa participação de
Osvaldo de Almeida na vida do Recife, não confere a ele, o seu principal papel, para além de
um importante divulgador da palavra frevo, um personagem que fez parte do cenário da
época, não apenas registrando, mas vivenciando o fato histórico. Textualmente Rabelo
ratifica que: “

Deve-se ao Clube Empalhadores do Feitosa, a glória maior, até prova em
contrário

 
Rabelo quer fazer crer, que uma pequenina nota, no

Jornal Pequeno, em 09 de
fevereiro de 1907, em uma estreita seção, na qual, figura, quase no seu rodapé, a palavra
frevo, tem em seu conteúdo, elementos suficientes para autenticar e personificar um
movimento popular, que até então, não detinha a denominação de ”frevo”. Nela não contém
nenhuma descrição que remeta a efervescência da expressão, não oferece nenhum detalhe
relevante que converta tal nota em documento cabal. Trata apenas de registrar a execução
de uma marcha, sem referência de autoria, entre outras tantas “Arias e Tangos”, que faziam
parte do repertório, de um baile a ser realizado pelo “Clube Carnavalesco Pedestre
Empalhadores do Feitosa”, onde, naquela oportunidade, o jornal (

Jornal Pequeno) agradece
o convite enviado a sua redação:


“Empalhadores do Feitoza, em sua sede que se acha com uma
ornamentação bellíssima, fez hontem este apreciado club o seu
ensaio geral, sahindo após em uma bonita passeata, a fim de buscar o
seu estandarte que se achava em casa do sr. Alfredo Bezerra, sócio
honorario do referido club.


O seu repertorio é o seguinte

:
Marchas

 Priminha, Empalhadores, Delicias, Amorosa, O Frêvo, O
Sol, Dois pensamentos e Luis do Monte, José de Lyra, Imprensa,
Honorarios.


Aria

. José da Luz; Tango. – Pimentão.
Agradecemos o convite que nos foi endereçado para o baile no 2º dia
de carnaval.”
Osvaldo de Almeida, que nasceu em 1882 e, segundo Luis da Câmara Cascudo, em seu
Dicionário do Folclore Brasileiro, morre em 1953, é tratado por este renomado pesquisador
com o devido reconhecimento de autor da nominação do frevo:

“Osvaldo de Almeida, (1882-
1953) deu em 1907 ao conjunto coreográfico do Passo em efervescência da exibição o nome
de Frevo, consagrado pela aceitação do uso popular no Recife”.


O jornalista, músico, compositor, escritor teatral, Osvaldo de Almeida, foi um grande
destaque da crônica carnavalesca recifense, formulando a partir de 1908, no

Jornal Pequeno,
textos bem humorados, nos quais, registra a forma espontânea dos termos em uso na época
pela gente das camadas populares. Em sua Coluna Carnaval, do dia 10 de fevereiro deste
mesmo ano de 1908, Almeida, dentre vários outros registros, refere-se ao ensaio do Clube
Chaleiras de São José, com sua forma peculiar de escrever, com riqueza de detalhes,
captando as expressões em uso da época:
“Faz ensaio de manobras, hoje, á Rua da Concordia n.108, executando
a marcha “Florencia Santos”, composição do professor Tartaruga.
As chaleiras na maior

effervescencia, vão afinando o bico.”
Não obstante o esforço de descredenciar Osvaldo de Almeida como o primeiro
divulgador da expressão frevo, Rabelo indica ser o mesmo, concomitantemente, colaborador


dos vespertinos recifenses,

Jornal Pequeno e Jornal do Recife. Este fato seria, no mínimo
contraditório, visto que, o

Jornal Pequeno, fundado em 1898, não era representante oficial
de nenhum partido político, sendo distinguido dos demais por dedicar, na época, um espaço
mais amplo e aberto às questões rotineiras da vida na cidade, os costumes populares, a
atuação da polícia em relação aos segmentos populares, a administração dos bens públicos e
aos serviços urbanos. Em especial, publicava uma seção diária voltada aos preparativos e os
festejos do carnaval. Assim, o

Jornal Pequeno poderia ser classificado como opositor do
Jornal do Recife

, órgão do Partido Republicano, de propriedade do então governador
Sigismundo Gonçalves Ferreira, sendo, neste sentido, um jornal sujeito ao crivo tendencioso
dos interesses da elite dominante.
Na entrevista concedida ao

Diario de Pernambuco, em 1944, Osvaldo de Almeida,
como testemunha viva da história da cidade do Recife, conta que os jornais, daquela época,
nada falavam de positivo sobre o carnaval de rua do Recife. A polícia era rigorosa demais
com os simpatizantes das agremiações e o cenário registrava tais fatos:
“Neste ano de 1907, houve uma briga danada entre Lenhadores e
Clube das Pás, no Pátio da Santa Cruz, terminando em sangrento
conflito com intervenção da cavalaria. Soldados armados com
mosquetões, espadas e lanças investem contra o povo, gerando
confusão e medo (...) sai Osvaldo a procura das autoridades policiais,
depois de constatar ter havido ‘um fuzilamento em massa’”.
Neste “centenário do frevo” quem está homenageando Osvaldo de Almeida? O
“mulato boêmio” ou, melhor dizendo, o afrodescendente que usava o codinome

Pierrot em
sua coluna carnavalesca, viveu naquele tempo, foi contemporâneo do nascedouro do frevo e
registrou os fatos históricos. Representante da massa popular, se não pode ser nomeado
como criador do vocábulo frevo, com certeza podemos afirmar que é o padrinho do primeiro
registro, no qual, descreve com riqueza de emoções, o verdadeiro significado que contém a
expressão “frevo”




De um folião para outro... Vamos considerar o ano de 2007 como a abertura das
comemorações centenárias do frevo e reconhecer os méritos de Osvaldo de Almeida.
Vamos botar pra ferver!!!




 

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