sexta-feira, 26 de julho de 2013

AS TRAMAS SINCRÉTICAS DA HISTÓRIA

Parabéns a Mãe Africa por seu dia: 25 de Maio dia Internacional da África
Perdoe-nos, Mãe África,
por termos subjugado seus povos
suas religiões, culturas, hábitos e tradições
Impondo-os o que julgávamos civilizado
e aceito pelo Deus que os obrigamos a conhecer e adorar.

(Poema de Pollyana Almie)

O dia 25 de maio foi instituído pela ONU como o “Dia da África”. A efeméride foi criada em 1972 para simbolizar toda a luta do povo africano pela sua independência e emancipação


Hierarquia no Culto de Ifá

Babálawó ou Iyánifá Sacerdote do Orixá Orúnmilá-Ifá do Culto de Ifá.
Após duas iniciações ("Mãos"), e sob a obediência a rígidos códigos morais, o Babálawó recebe o direito de utilizar o Opele-Ifá (ou Rosário de Ifá) e os ikins (sementes de dendezeiro - igui ope, em yorubá). O Merindilogun (Jogo de búzios) é franqueado somente aos Obaoriates e os Awófakans (Aqueles que receberam a "primeira mão")são chamados também de Olwós. Às Iyápetebis (Mulheres iniciadas a Ifá) usam o jogo de buzios chamados Ekuró. As omoIfas também usam. Os BabaIfas, que são da rama brasileira, onde as cores são o azul claro e branco.

Hierarquia no Culto aos Egungun

Masculinos

Alapini (Sacerdote Supremo, Chefe dos alagbás),
Alagbá Sacerdote (Chefe de um terreiro),
Ojê (iniciado com ritos completos),
Ojê agbá (ojê ancião),
Atokun (ojê que guia de Egum),
Amuixan (iniciado com ritos incompletos),
Alagbê (tocador de atabaque).
Alguns oiê dos ojê agbá: Baxorun, Ojê ladê, Exorun, Faboun, Ojé labi, Alaran, Ojenira, Akere, Ogogo, Olopondá.

Femininos

Iyalode (responde pelo grupo feminino perante os homens),
Iyá egbé (lider de todas as mulheres),
Iyá monde (comanda as ató e fala com os Babá),
Iyá erelu (cabeça das cantadoras), erelu (cantadora),
Iyá agan (recruta e ensina as ató), ató (adoradora de Egun).
Outros oiê: Iyale alabá, Iyá kekere, Iyá monyoyó, Iyá elemaxó, Iyá moro.
Assogba Supremo sacerdote do culto de Obaluaiyê
Babalosanyin: Responsável pela colheita das folhas.

Hierarquia no candomblé Ketu

Iyá / Babá: significado das palavras iyá do yoruba significa mãe, babá significa pai.
Iyalorixá / Babalorixá: Mãe ou Pai de Santo. É o posto mais elevado na tradição afro-brasileira.
Iyaegbé / Babaegbé: É a segunda pessoa do axé. Conselheira, responsável pela manutenção da Ordem, Tradição e Hierarquia.
Iyalaxé (mulher): Mãe do axé, a que distribui o axé e cuida dos objetos ritual.
Iyakekerê (mulher): Mãe Pequena, segunda sacerdotisa do axé ou da comunidade. Sempre pronta a ajudar e ensinar a todos iniciados.
Babakekerê (homem): Pai pequeno, segundo sacerdote do axé ou da comunidade. Sempre pronto a ajudar e ensinar a todos iniciados.
Ojubonã ou Agibonã: É a mãe criadeira, supervisiona e ajuda na iniciação.
Iyamorô: ou BabamorôResponsável pelo Ipadê de Exu.
Iyaefun ou Babaefun: Responsável pela pintura branca das Iaôs.
Iyadagan e Ossidagã: Auxiliam a Iyamorô.
Axogun sacerdote responsável pelo sacrificio dos animais. Dependendo do caso, no ritual de iniciação, este sacerdote pode "virar" no santo e assumir outro cargo, ja que axogun é um ogan.
Iyabassê: (mulher): Responsável no preparo dos alimentos sagrados as comidas-de-santo.
Iyarubá: Carrega a esteira para o iniciando.
Iyatebexê ou Babatebexê: Responsável pelas cantigas nas festas públicas de candomblé.
Aiyaba Ewe: Responsável em determinados atos e obrigações de "cantar folhas.
Aiybá: Bate o ejé nas obrigações.
Ològun: Cargo masculino. Despacha os Ebós das obrigações, preferencialmente os filhos de Ogun, depois Odé e Obaluwaiyê.
Oloya: Cargo feminino. Despacha os Ebós das obrigações, na falta de Ològun. São filhas de Oya.
Iyalabaké: A guardiã do alá de osaala.
Iyatojuomó: Responsável pelas crianças do Axé.
Pejigan: O responsável pelos axés da casa, do terreiro. Primeiro Ogan na hirarquia.
Alagbê: Responsável pelos toques rituais, alimentação, conservação e preservação dos instrumentos musicais sagrados. (não entram em transe). Nos ciclos de festas é obrigado a se levantar de madrugada para que faça a alvorada. Se uma autoridade de outro Axé chegar ao terreiro, o Alagbê tem de lhe prestar as devidas homenagens. No Candomblé Ketu, os atabaques são chamados de Ilú. Há também outros Ogans como Gaipé, Runsó, Gaitó, Arrow, Arrontodé, etc.
Ogâ ou Ogan: Tocadores de atabaques (não entram em transe).
Ebômi: Ou Egbomi são pessoas que já cumpriram o período de sete anos da iniciação (significado: meu irmão mais velho).
Ajoiê ou ekedi: Camareira do Orixá (não entram em transe). Na Casa Branca do Engenho Velho, as ajoiés são chamadas de ekedis. No Terreiro do Gantois, de "Iyárobá" e na Angola, é chamada de "makota de angúzo", "ekedi" é nome de origem Jeje, que se popularizou e é conhecido em todas as casas de Candomblé do Brasil. (em edição)
Iaô: filho-de-santo (que já foi iniciado e entra em transe com o Orixá dono de sua cabeça), nem todo Iaô será um pai ou mãe de santo quando terminar a obrigação de sete anos. Ifá ou o jogo de búzios é que vai dizer se a pessoa tem cargo de abrir casa ou não. Caso não tenha que abrir casa o mesmo jogo poderá dizer se terá cargo na casa do pai ou mãe de santo além de ser um egbomi.
Abiã ou abian: Novato. É considerada abiã toda pessoa que entra para a religião após ter passado pelo ritual de lavagem de contas e o bori. Poderá ser iniciada ou não, vai depender do Orixá pedir a iniciação.
Sarepebê ou sarapebê é responsável pela comunicação do egbe (similar a relações públicas).
Otun e Osy Axogun são os auxiliares do Axogun
Apokan responsavel pelo culto de Olwuaye e o Olugbajé

Hierarquia do candomblé Jeje

Os vodunsis da família de Dan são chamados de Megitó, enquanto que da família de Kaviungo, do sexo masculino, são chamados de Doté; e do sexo feminino, de Doné
No Jeje-Mahi

Doté é o sacerdote, cargo ilustre do filho de Sogbô
Doné é a sacerdotisa, cargo feminino, esse título é usado no Terreiro do Bogum onde também são
usados os títulos Gaiaku e Mejitó. similar à Iyalorixá
No Jeje-Mina Casa das Minas

Toivoduno
Noche
No Kwé Ceja Houndé
  • Gaiaku, cargo exclusivamente feminino
  • Ekede
Os cargos de Ogan na nação Jeje são assim classificados: Pejigan que é o primeiro Ogan da casa Jeje. A palavra Pejigan quer dizer “Senhor que zela pelo altar sagrado”, porque Peji = "altar sagrado" e Gan = "senhor". O segundo é o Runtó que é o tocador do atabaque Run, porque na verdade os atabaques Run, Runpi e são Jeje.

Hierarquia do candomblé Bantu

Títulos Hierárquicos Bantu, Angola, Congo

Tata Nkisi - Zelador.

Mametu Nkisi - Zeladora.

Tata Ndenge - pai pequeno.

Mametu Ndenge - Mãe pequena(há quem chame de Kota Tororó, mas não há nenhuma comprovação em dicionário, origem desconhecida).

Tata NGanga Lumbido - Ogã, guardião das chaves da casa.

Kambondos - Ogãs.

Kambondos Kisaba ou Tata Kisaba - Ogã responsável pelas folhas.

Tata Kivanda - Ogã responsável pelas matanças, pelos sacrifícios animais (mesmo que axogun).

Tata Muloji - Ogã preparador dos encantamentos com as folhas e cabaças.

Tata Mavambu - Ogã ou filho de santo que cuida da casa de Exu (de preferência homem, pois mulher não deve cuidar porque mulher mestrua e só deve mexer depois da menopausa, quando não mestruar mais, portanto, pelo certo as zeladoras devem ter um homem para cuidar desta parte, mas que seja pessoa de alta confiança).

Mametu Mukamba - Cozinheira da casa, que por sua vez, deve de prefer~encia ser uma senhora de idade e que não mestrue mais.

Mametu Ndemburo - Mãe criadeira da casa(ndemburo = runko).

Kota ou Maganga - Em outras nações EKEJI (todos os mais velhos que já passaram de 7 anos, mesmo sem dar obrigação, ou que estão presentes na casa, também são chamados de Kota).

Tata Nganga Muzambù - babalawo - pessoa preparada para jogar búzios.

Kutala - Herdeiro da casa.

Mona Nkisi - Filho de santo.

Mona Muhatu Wá Nkisi - Filha de santo (mulher).

Mona Diala Wá Nkisi - Filho de santo(homem).

Tata Numbi - Não rodante que trata de babá Egun(Ojé).

Sacerdotes na África

BANTU (ANGOLA-KONGO).
  • Kubama..................adivinhador de 1a categoria.
  • Tabi....................adivinhador de 2a categoria.
  • Nganga-a-ngombo.........adivinhador de 3a categoria.
  • Kimbanda................feiticeiro ou curandeiro.
  • Nganga-a-mukixi.........sacerdote do culto de possessão (Angola).
  • Niganga-a-nikisi........sacerdote do culto de possessão (Kongo).
  • Mukúa-umbanda...........sacerdote do culto de possessão (Angola-Kongo).

Divisão Sacerdotais no Brasil

Angola - língua quimbundo - Kongo - língua quicongo
  • Mam’etu ria mukixi......sacerdotisa no Angola.
  • Tat’etu ria mukixi......sacerdote no Angola.
  • Nengua-a-nkisi..........sacerdotisa no Kongo.
  • Nganga-a-nkisi.........sacerdote no Kongo.
  • Mam’etu ndenge..........mãe pequena no Angola.
  • Tat’etu ndenge..........Pai pequeno no Angola.
  • Nengua ndumba...........mãe pequena no Kongo.
  • Nganga ndumba...........pai pequeno no Kongo.
  • Kambundo ou Kambondo....todos os homens confirmados.
  • Kimbanda................Feiticeiro, curandeiro.
  • Kisaba.................pai das sagradas folhas.
  • Tata utala..............pai do altar.
  • Kivonda.................Sacrificador de animais (Kongo).
  • Kambondo poko...........sacrificador de animais (Angola).
  • Kuxika ia ngombe........Tocador (kongo).
  • Muxiki..................tocador( Angola).
  • Njimbidi................cantador.
  • Kambondo mabaia.........responsável pelo barracão.
  • Kota....................todas as mulheres confirmadas.
  • Kota mbakisi............responsável pelas divindades.
  • Hongolo matona..........especialista nas pinturas corporais.
  • Kota ambelai............toma conta e atende aos iniciados.
  • Kota kididi............toma conta de tudo e mantém a paz.
  • Kota rifula.............responsável em preparar as comidas sagradas.
  • Mosoioio................as (os) mais antigas.
  • Kota manganza............título alcançado após a obrigação de 7 anos.
  • Manganza.................título dado aos iniciados.
  • Uandumba................designa a pessoa durante a fase iniciatória.
  • Ndumbe..................designa a pessoa não iniciada

Candomblé

 
Candomblé é uma religião derivada do animismo africano onde se cultuam os orixás, Voduns, Nkisis dependendo da nação. Sendo de origem totêmica e familiar, é uma das religiões afro-brasileiras praticadas principalmente no Brasil, pelo chamado povo do santo, mas também em outros países como Uruguai, Argentina , Venezuela, Colômbia, Panamá, México, Alemanha , Itália, Portugal e Espanha .
Cada nação africana tem como base o culto a um único orixá. A junção dos cultos é um fenômeno brasileiro em decorrência da importação de escravos onde, agrupados nas senzalas nomeavam um zelador de santo também conhecido como babalorixá no caso dos homens e iyalorixá no caso das mulheres.
A religião que tem por base a anima (alma) da Natureza, sendo portanto chamada de anímica. Os sacerdotes africanos que vieram para o Brasil como escravos, juntamente com seus Orixás/Nkisis/Voduns, sua cultura, e seus idiomas, entre 1549 e 1888, é que tentaram de uma forma ou de outra continuar praticando suas religiões em terras brasileiras, portanto foram os africanos que implantaram suas religiões no Brasil, juntando várias em uma casa só para sobrevivência das mesmas. Portanto, não é invenção de brasileiros.
Diz Clarival do Prado Valladares em seu artigo «A Iconologia Africana no Brasil», na Revista Brasileira de Cultura (MEC e Conselho Federal de Cultura), ano I, Julho-Setembro 1999, p. 37, que o «surgimento dos candomblés com posse de terra na periferia das cidades e com agremiação de crentes e prática de calendário verifica-se incidentalmente em documentos e crônicas a partir do século XVIII». O autor considera difícil para «qualquer historiador descobrir documentos do período anterior diretamente relacionados à prática permitida, ou sub-reptícia, de rituais africanos». O documento mais remoto, segundo ele, seria de autoria de D. Frei Antônio de Guadalupe, Bispo visitador de Minas Gerais em 1726, divulgado nos «Mandamentos ou Capítulos da visita».
Embora confinado originalmente à população de negros escravizados, inicialmente nas senzalas, quilombos e terreiros, proibido pela igreja católica, e criminalizado mesmo por alguns governos, o candomblé prosperou nos quatro séculos, e expandiu consideravelmente desde o fim da escravatura em 1888. Estabeleceu-se com seguidores de várias classes sociais e dezenas de milhares de templos. Em levantamentos recentes, aproximadamente 3 milhões de brasileiros (1,5% da população total) declararam o candomblé como sua religião. Na cidade de Salvador existem 2.230 terreiros registrados na Federação Baiana de Cultos Afro-brasileiros e catalogados pelo Centro de Estudos Afro-Orientais da UFBA, (Universidade Federal da Bahia) Mapeamento dos Terreiros de Candomblé de Salvador.
Entretanto, na cultura brasileira as religiões não são vistas como mutuamente exclusivas, e muitas pessoas de outras crenças religiosas — até 70 milhões, de acordo com algumas organizações culturais Afro-Brasileiras — participam em rituais do candomblé, regularmente ou ocasionalmente. Orixás do Candomblé, os rituais, e as festas são agora uma parte integrante da cultura e uma parte do folclore brasileiro.
O Candomblé não deve ser confundido com Umbanda, Macumba, e/ou Omoloko, e outras religiões afro-brasileiras com similar origem; e com religiões afro-americanas similares em outros países do Novo Mundo, como o Vodou haitiano, a Santeria cubana, e o Obeah, em Trinidade e Tobago, os Shangos (similar ao Tchamba africano, Xambá e ao Xangô do Nordeste do Brasil) o Ourisha, de origem yoruba, os quais foram desenvolvidas independentemente do Candomblé e são virtualmente desconhecidos no Brasil.

 

Nações

Barracão de Candomblé em Pernambuco - Foto Clodomir Oshagyian - Recife - Pernambuco.
Os negros escravizados no Brasil pertenciam a diversos grupos étnicos, incluindo os yoruba, os ewe, os fon, e os bantu. Como a religião se tornou semi-independente em regiões diferentes do país, entre grupos étnicos diferentes evoluíram diversas "divisões" ou nações, que se distinguem entre si principalmente pelo conjunto de divindades veneradas, o atabaque (música) e a língua sagrada usada nos rituais.
A lista seguinte é uma classificação pouco rigorosa das principais nações e sub-nações, de suas regiões de origem, e de suas línguas sagradas:

Crenças

Adeptos do Candomblé
(foto: Elza Fiúza/ABr).
Candomblé é uma religião monoteísta, embora alguns defendam a ideia que são cultuados vários deuses, o deus único para a Nação Ketu é Olorum, para a Nação Bantu é Nzambi e para a Nação Jeje é Mawu, são nações independentes na prática diária e em virtude do sincretismo existente no Brasil a maioria dos participantes consideram como sendo o mesmo Deus da Igreja Católica.
Os Orixás/Inquices/Voduns recebem homenagens regulares, com oferendas de animais, vegetais e minerais, cânticos, danças e roupas especiais. Mesmo quando há na mitologia referência a uma divindade criadora, essa divindade tem muita importância no dia-a-dia dos membros do terreiro, mas não são cultuados em templo exclusivo, é louvado em todos os preceitos e muitas vezes é confundido com o Deus cristão.
O Candomblé cultua, entre todas as nações, umas cinquenta das centenas deidades ainda cultuadas na África. Mas, na maioria dos terreiros das grandes cidades, são doze as mais cultuadas. O que acontece é que algumas divindades têm "qualidades", que podem ser cultuadas como um diferente Orixá/Inquice/Vodun em um ou outro terreiro. Então, a lista de divindades das diferentes nações é grande, e muitos Orixás do Ketu podem ser "identificados" com os Voduns do Jejé e Inquices dos Bantu em suas características, mas na realidade não são os mesmos; seus cultos, rituais e toques são totalmente diferentes.
Orixás têm individuais personalidades, habilidades e preferências rituais, e são conectados ao fenômeno natural específico (um conceito não muito diferente do Kami do japonês Xintoísmo). Toda pessoa é escolhida no nascimento por um ou vários "patronos" Orixás, que um babalorixá identificará. Alguns Orixás são "incorporados" por pessoas iniciadas durante o ritual do candomblé, outros Orixás não, apenas são cultuados em árvores pela coletividade. Alguns Orixás chamados Funfun (branco), que fizeram parte da criação do mundo, também não são incorporados.
Acreditam na vida após a morte, e que os espíritos dos babalorixás falecidos possam materializar-se em roupas específicas, são chamados de babá Egum ou Egungun e são cultuados em roças dirigidas só por homens no Culto aos Egungun, os espíritos das iyalorixás falecidas são cultuados coletivamente Iyami-Ajé nas sociedades secretas Gelede, ambos cultos são feitos em casas independentes das de candomblé que também se cultuam os eguns em casas separadas dos Orixás.
Acreditam que algumas crianças nascem com a predestinação de morrer cedo são os chamados abikus (nascidos para morrer) que podem ser de dois tipos, os que morrem logo ao nascer ou ainda criança e os que morrem antes dos pais em datas comemorativas, como aniversário, casamento, e outras.

Sincretismo

No tempo das senzalas os negros para poderem cultuar seus orixás, nkisis e voduns usaram como camuflagem um altar com imagens de santos católicos e por baixo os assentamentos escondidos, segundo alguns pesquisadores este sincretismo já havia começado na África, induzida pelos próprios missionários para facilitar a conversão.
Depois da libertação dos escravos começaram a surgir as primeiras casas de candomblé, e é fato que o candomblé de séculos tenha incorporado muitos elementos do cristianismo. Imagens e crucifixos eram exibidos nos templos, orixás eram frequentemente identificados com santos católicos, algumas casas de candomblé também incorporam entidades caboclos, que eram consideradas pagãs como os orixás.
Mesmo usando imagens e crucifixos inspiravam perseguições por autoridades e pela Igreja, que viam o candomblé como paganismo e bruxaria, muitos mesmo não sabendo o que era isso.
Nos últimos anos, tem aumentado um movimento em algumas casas de candomblé que rejeitam o sincretismo aos elementos cristãos e procuram recriar um candomblé "mais puro" baseado exclusivamente nos elementos africanos.

Templos

Ilê Axé Opó Afonjá.
Os Templos de candomblé são chamados de casas, roças ou Terreiros.
As casas podem ser de linhagem matriarcal, patriarcal ou mista:
  • Casas pequenas, que são independentes, possuídas e administradas pelo babalorixá ou iyalorixá dono da casa e pelo Orixá principal respectivamente. Em caso de falecimento do dono, a sucessão na maioria das vezes é feita por parentes consanguineos, caso não tenha um sucessor interessado em continuar a casa é desativada. Não há nenhuma administração central.
  • Casas grandes, que são organizadas tem uma hierarquia rígida, não é de propriedade do sacerdote, nem toda casa grande é tradicional, é uma Sociedade Civil ou Beneficente.
A lei federal nº. 6.292 de 15 de dezembro de 1975 protege os terreiros de candomblé no Brasil, contra qualquer tipo de alteração de sua formação material ou imaterial. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e o Instituto Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC) são os responsáveis pelo tombamento das casas.
A progressão na hierarquia é condicionada ao aprendizado e ao desempenho dos rituais longos da iniciação. Em caso de morte de uma iyalorixá, a sucessora é escolhida, geralmente entre suas filhas, na maioria das vezes por meio de um jogo divinatório Opele-Ifa ou jogo de búzios. Entretanto a sucessão pode ser disputada ou pode não encontrar um sucessor, e conduz frequentemente a rachar ou ao fechamento da casa. Há somente três ou quatro casas em Brasil que viram seu 100° aniversário.

Hierarquia

No Brasil, existe uma divisão nos cultos: Ifá, Egungun, Orixá, Vodun e Nkisi, são separados por tipo de iniciação ao sacerdócio.
  • Culto de Ifá participam tanto homens quanto mulheres, sendo um Culto patriarcal conduzido pelos Babalawos.
  • Culto aos Egungun participam tanto homens quanto mulheres, sendo Culto patriarcal que lida diretamente com a ancestralidade, conduzidos pelos Ojés.
  • Candomblé Ketu participam tanto homens quanto mulheres, sendo conduzido tanto por homens (Babalorixás) quanto por mulheres (Iyalorixás), entram em transe com Orixá.
  • Candomblé Jeje participam tanto homens quanto mulheres, sendo conduzido tanto por homens quanto por mulheres Vodunsis, entram em transe com Vodun.
  • Candomblé Bantu participam tanto homens quanto mulheres, sendo conduzido tanto por homens quanto por mulheres inicia Muzenzas, entram em transe com Nkisi.

Sacerdócio

Nas religiões Afro-brasileiras o sacerdócio é dividido em:

Livros

Temas polêmicos

Luta contra o preconceito , racismo e discriminação religiosa.
Manuel Raimundo Querino foi um abolicionista ferrenho, lutou contra as perseguições existentes aos praticantes das religiões afro-brasileiras que eram rotuladas de religiões bárbaras e pagãs.
Procópio de Ogum teve o seu reconhecimento por ter participado da legitimação da religião do candomblé, durante a perseguição às religiões afro-brasileiras promovida pelas autoridades do Estado Novo. Nesse período, o Ilê Ogunjá foi invadido pela polícia baiana, sob a supervisão do famoso delegado Pedrito Gordo. Procópio foi preso e espancado. O jornalista Antônio Monteiro foi uma das pessoas que ajudou na libertação de Procópio. Tal acontecimento - caso Pedrito - registrou o nome de Procópio na história popular baiana, chegando mesmo a fazer parte de uma letra de samba-de-roda:
Cquote1.svg“Não gosto de candomblé que é festa de feiticeiro quando a cabeça me dóe serei um dos primeiros Procópio tava na sala esperando santo chegá quando chegou seu Pedrito Procópio passa pra cá Galinha tem força n’aza o galo no esporão Procópio no candomblé Pedrito é no facão.” “Acabe com este santo Pedrito vem aí lá vem cantando ca ô cabieci”Cquote2.svg
Cquote1.svgO Jornal da Bahia, de 3 de maio de 1855, faz alusão a uma reunião na casa Ilê Iyá nassô: "Foram presos e colocados à disposição da polícia Cristóvão Francisco Tavares, africano emancipado, Maria Salomé, Joana Francisca, Leopoldina Maria da Conceição, Escolástica Maria da Conceição, crioulos livres; os escravos Rodolfo Araújo Sá Barreto, mulato; Melônio, crioulo, e as africanas Maria Tereza, Benedita, Silvana… que estavam no local chamado Engenho Velho, numa reunião que chamavam de candomblé".Cquote2.svg
 
Brasília - Ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria Especial para Políticas de Promoção da Igualdade Racial, com a Baiana Mãe de Santo Raida, na Conferência Regional das Américas.
A intolerância e a perseguição às religiões afro-brasileiras continua até os dias atuais, a Liberdade religiosa constante da Constituição Brasileira nem sempre é respeitada.
  • Cultura yoruba Palestra de Juarez Tadeu de Paula Xavier
Abdias do Nascimento conta em uma entrevista concedida ao Portal Afro: "Os cultos afro-brasileiros eram uma questão de polícia. Dava cadeia. Até hoje, nos museus da polícia do Rio de Janeiro ou da Bahia, podemos encontrar artefatos cultuais retidos. São peças que provavam a suposta deliquência ou anormalidade mental da comunidade negra. Na Bahia, o Instituto Nina Rodrigues mostra exatamente isso: que o negro era um camarada doente da cabeça por ter sua própria crença, seus próprios valores, sua liturgia e seu culto. Eles não podiam aceitar isso."
Homossexualidade
A homossexualidade está presente na maioria das religiões, porém oculta, indiscutivelmente abafada e muitas vezes negada pelos ditos ex-homossexuais.
No Candomblé a homossexualidade é amplamente aceita e discutida nos dias atuais, mas já teve um período que homens e homossexuais não podiam ser iniciados como rodantes (termo usado para pessoas que entram em transe), não era permitido em festas que um homem dançasse na roda de candomblé mesmo que estivesse em transe.
O mais famoso e revolucionário homossexual do candomblé foi sem dúvida Joãozinho da Goméia, que afrontou as matriarcas e ocupou seu espaço tornando-se conhecido internacionalmente. Tiveram muitos outros, mas nenhum conseguiu suplantá-lo em ousadia e popularidade.
Interrupção da gravidez
Nas religiões afro-brasileiras que na maioria são religiões derivadas das religiões tribais africanas, são contra o aborto e um dos motivos é o religioso, o africano vê o filho como a continuação da própria vida, filho é o bem mais precioso que o homem africano possa ter, em consequência disso, foram trazidos para o Brasil alguns conceitos.
  • No conceito social: Amparam e orientam adolescentes e mulheres grávidas.
  • No conceito religioso: Oxum é quem rege o processo de fecundidade, cuida do embrião, evita o aborto espontâneo, não aprova o aborto provocado, mantém a criança viva e sadia na barriga da mãe até o nascimento. Uma mulher quando não consegue engravidar, recorre à Oxum.
  • No conceito jurídico: Só aprova a interrupção da gravidez, nos casos previstos em lei.
Mas como em toda religião, quando acontece uma gravidez indesejada, muitas mulheres procuram soluções alternativas fora dos Terreiros, como: chás, remédios e até mesmo clínicas de aborto.
Em virtude do grande número de abortos clandestinos que são feitos e as inúmeras mortes ocorridas, algumas pessoas estão lutando por essas causas relacionadas às mulheres.
  • Leila Linhares Barsted, (advogada) atua na Comissão Estadual de Segurança da Mulher, que monitora e pressiona o governo em ações como manutenção de abrigos para vítimas de violência e delegacias especializadas.
  • Maria José de Oliveira Araújo (médica) comandou o setor de saúde da mulher da Prefeitura de São Paulo e implementou, pela primeira vez no país, o serviço de aborto em hospitais públicos para os casos previstos em Lei.
  • Silvia Pimentel, (advogada) em janeiro de 2005, assumiu o cargo de vice-presidente da mais alta instância de defesa dos direitos da mulher, o Comitê Cedaw da ONU.
Sacrifício no candomblé

Mudança de hábitos e costumes

As casas de candomblé são frequentadas e habitadas por um número variável de pessoas, pode variar de 20 a 300 pessoas dependendo do tamanho da casa e da ocasião ou do evento. Fora do período de festas na casa só ficam as pessoas residentes, mas nas obrigações e festas além dos residentes virão os outros filhos-de-santo da casa, os visitantes e convidados. Quanto maior o número de pessoas, maior será a preocupação com a higiene e alimentação. Os animais são abatidos pelo Axogum e limpos, as comidas são preparadas sempre sob a vigilância da Iyabassê encarregada da cozinha e responsável pela qualidade dos alimentos tanto para os Orixás como para as pessoas.
A maior preocupação nas casas de candomblé e das outras religiões afro-brasileiras sempre foi com as doenças infecciosas principalmente a tuberculose e hepatite, por serem transmissíveis através de copos e talheres, por esse motivo cada filho da casa deve ter seu prato e caneca identificados, iyawos durante o período de recolhimento não usam talheres só passam a usá-los depois da caída de quelê. A higiene com pratos, talheres e copos sempre foi constante. Nos tempos modernos quando já existem os materiais descartáveis ficou um pouco mais fácil de lidar com o problema.
Com o surgimento de novas doenças como HIV ou Aids muitos hábitos e costumes do candomblé tiveram que ser mudados Na iniciação os Iyawos tinham suas cabeças raspadas e curas feitas por uma única navalha que a Iyalorixá recebia de sua mãe-de-santo quando da posse do cargo, isso passou a ser feito com mais cuidado, adotando-se navalhas individuais ou descartáveis.
Um dos maiores problemas enfrentados nas casas de candomblé tem sido com a dengue, principalmente nas regiões onde os focos do mosquito estão sendo combatidos. Os potes de abô (infusão de folhas sagradas) foram esvaziados para evitar possível proliferação do mosquito, os banhos são preparados com água e folhas frescas e usados imediatamente.
A presença de crianças durante as festas de candomblé tem sido foco de discussões nos terreiros da Bahia, após a proibição feita pela Federação Baiana do Culto Afro-Brasileiro.



Conferência Mundial da Tradição dos Orixás e Cultura

 
    
A Conferência Mundial da Tradição dos Orixás e Cultura é feita no sentido de haver um intercâmbio mundial na discussão da história afro-americana.
 
I Conferência Mundial da Tradição dos Orixás e Cultura foi realizada no ano de 1981 na cidade de Ilê Ifé, na Nigéria.
"Eu digo para nunca esquecerem o lugar de suas origens. Se nós participamos na religião de outros, se nós aprendemos a cultura dos outros, não devemos esquecer a nossa. Portanto, nós não devemos usar nossas mãos para relegar nossa própria cultura a posições inferiores. Toda pessoa deve aprender a colocar-se a si mesma num pedestal. Isto porque a galinha é que se abaixa quando está entrando em casa. Meus filhos, todos os tesouros do povo yoruba estão em Ilé-Ifé. Ifé é o lar e a origem de todos nós... Ilé-Ifé é a terra sagrada do povo negro e de todos os devotos da religião dos Orixás espalhados pelo mundo. Foi aqui em Ifé que Oduduwa criou a Terra sobre a qual todos nós hoje estamos em pé e no seio da qual nós desapareceremos quando mudarmos nossa presente posição mortal! Oduduwa que desceu para a terra numa corrente, e que foi o primeiro Olofin, não deixará secar nunca a fonte de vossa sabedoria. Eu saúdo a vossa coragem. Eu saúdo vossa paciência. Eu estou muito feliz por ver que vocês não esqueceram o seu lar ancestral." (Oba Okunade Sijuwade, Olubuse II, Rei de Ifé.)
 
II Conferência Mundial da Tradição dos Orixás e Cultura foi realizada no ano de 1983, na cidade de Salvador, Bahia.
"Peter Fry, Em texto a respeito da II Conferência Mundial da Tradição dos Orixás e Cultura, ocorrida em Salvador, em 1983, o autor[29] comenta documento, assinado pela Iyalorixá Mãe Stella de Oxóssi, do Ilê Axé Opô Afonjá, uma das mais importantes mães-de-santo baianas que lideraram movimento contra o sincretismo, segundo o qual, se o catolicismo foi útil aos escravos, hoje os praticantes da religião dos orixás, que têm liturgia e doutrina próprias, não necessitam mais desse disfarce. Para Peter Fry (1984, p. 40), a polêmica demonstra que “o conceito de ‘pureza’ e o seu oposto, a ‘mistura’ ou o ‘sincretismo’ são sempre construções essencialmente sociais e tendem a aparecer em ocasião de disputa de poder e hegemonia”. O autor conclui que o sincretismo religioso remete a uma discussão mais ampla sobre o pensamento brasileiro em relação ao negro e à sua cultura." Sergio F. Ferretti

III Conferência Mundial da Tradição dos Orixás e Cultura foi realizada no ano de 1986, na cidade de Nova Iorque, USA.
José Abade de Oliveira, representante oficial da Casa Branca do Engenho Velho, conta a história de como iniciou o Candomblé em Salvador através da fundação da primeira casa pela comunidade de Nagô chamada Candomblé da Barroquinha ou Ilè Asé Airá Intilè, nome da casa na língua yoruba. Sabe-se que esta comunidade fora fundada por três negras africanas cujos nomes são: Adetá ou Iyá Detá, Iyá Kalá, Iyá Nassô e Babá Assiká, Bangboshê Obitikô.

IV Conferência Mundial da Tradição dos Orixás e Cultura foi realizada no ano de 1987, na cidade de Salvador, Bahia.

V Conferência Mundial da Tradição dos Orixás e Cultura foi realizada no ano de 1997, na cidade de São Francisco, Califórnia.
Foi chamada de V Orishaworld os debates na conferência foram referentes a herança yoruba disseminada pelos países das Américas. Com a presença de autoridades religiosas e lideranças defenssoras do afrocentrismo, pesquisadores, iniciados na Tradição de Ifá de vários países do Caribe e da América do Norte e da América do Sul.


 Brasil e África

Esse intercâmbio de informações já era feito entre Brasil e África desde meados do século XIX pelos africanos e seus descendentes radicados em Salvador, Bahia.
A Iyalorixá Iyá Nassô, sua filha Marcelina da Silva mais conhecida como Oba Tossi, Madalena filha de Marcelina, após serem libertas, voltaram para a cidade de Ketu, na Nigéria e lá viveram durante sete anos, quando voltaram (1830), vieram acompanhadas do babalawo africano Bangboshê Obitikô (veio como embaixador do rei de Onim (atualmente Lagos), depois fixou residência no Brasil até sua morte, Madalena teve duas filhas em Ketu e veio grávida para o Brasil.


AS TRAMAS SINCRÉTICAS DA HISTÓRIA


Sincretismo e modernidades no espaço luso-brasileiro



Depois de decênios de tratamento "unânime"; transposição a nível analítico de uma evidência de senso comum naturalizado, o tema do "sincretismo no Brasil" sofreu, nos últimos vinte anos, uma série de objeções. A ênfase nos caminhos ideológicos, através dos quais, em qualquer sociedade, os dominantes obtêm o consentimento dos dominados para sua própria dominação, levou os cientistas sociais a interpretar a categoria de "sincretismo" como um ardil epistemológico, do qual seria importante analisar, não o conteúdo ou o grau de "realidade", mas o "processo histórico de formação" O tema do sincretismo em negativo começou, assim, a atravessar boa parte da literatura sobre o assunto, seja como a recusa militante de uma realidade estratégica doravante ultrapassada,  seja como o merecido abandono de um instrumento analítico redibitoriamente marcado por uma ideologia explícita,  ou, pelo menos, tendendo radicalmente a conotar, no seu processo de formação, uma matriz sociohistórica de desigualdade: "O conceito de ‘pureza’ e seu oposto, a ‘mistura’, ou o ‘sincretismo’, são sempre construções essencialmente sociais e tendem a aparecer freqüentemente em situações de disputa de poder e hegemonia . ‘Pureza’, ‘mistura’ e ‘sincretismo’ são, portanto, conceitos sempre e por definição etnocêntricos" ( 1984,) Enquanto isso, a aceitação tranqüila de uma realidade brasileira "sincrética" continuava a chave dominante na literatura descritiva e, até, em parte da produção de cunho analítico.


Aceitação do tema e da categoria, modulada, no entanto, pelo reconhecimento anárquico de uma multiplicidade de formas, todas igualmente legitimadas: junção, união, confluência, mistura, aglutinação, associação, simbiose, amálgama, paralelismo, correspondência, equivalência, justaposição ou convergência, acomodação, concordância e finalmente - e omito várias - síntese. "Do sincretismo à síntese", intitulava-se até um artigo sobre umbanda ( 1980) Era também preciso, aliás, acrescentar à problemática uma nota mais pitoresca: um dos grandes argumentos contra o "sincretismo", cujo conceito não passaria de instrumento da acusação desfechada pelas formas dominantes de religião - aquelas que se autoconsideram como "puras" - contra suas homólogas mais populares, menos dotadas de um corpus teológico racionalizador, encontrava-se crescentemente quase invertido, através da utilização da categoria por notáveis teólogos cristãos que não somente reconheciam o sincretismo como ativo no processo de formação de sua própria religião enquanto historiadores,  mas também, como teóricos, chegavam a reivindicar a presença indispensável de uma de suas modalidades para que uma religião fosse, de fato, religião.  Afinal: "Sincretismo? Sem dúvida, não! Pero que las hay, las hay..."


Tentarei, pois, na primeira parte desta comunicação, retomar o problema teórico do sincretismo, desfocando ligeiramente a lente de observação e compatibilizando assim - quem sabe? - posições antagônicas: a de não haver sincretismo, a do sincretismo como categoria ideológica, a do caráter "vazio" desse conceito, já que são tantos e tão distintos os fenômenos que pretende abarcar; enfim, e ao contrário, a aceitação descritiva do conjunto desses fenômenos como material oferecido a uma construção teórica, precisamente a do conceito de sincretismo.


Numa segunda parte, e reafirmando o caráter propenso ao sincretismo do filão "católico", tentarei encontrar, em uma relação diferenciada ao espaço e ao tempo, a razão de ser de duas modalidades diferentes de sincretismo católico, em Portugal e no Brasil: um sincretismo "que pro-vem" e um sincretismo "que ad-vem".


Na conclusão, enfim, gostaria de sugerir que esse caráter tradicionalmente ("pré-modernamente") "sincrético" do universo religioso brasileiro bem poderia constituir o Brasil num campo paradoxalmente fértil para o estudo de um fenômeno que os observadores das sociedades contemporâneas mais avançadas consideram como característico da última modernidade: o ecletismo religioso.


Uma estrutura "sincrética"?



Gostaria precisamente de tentar ampliar o campo desse conceito fundamental, saindo definitivamente da definição do senso comum sociológico, que faz simplesmente do sincretismo a mistura, especialmente no campo "do outro", de duas ou várias religiões. Para isso, e apesar de temer certo ridículo, abrigar-me-ei debaixo do solene pára-raios de Lévi-Strauss, sugerindo que se opere com o sincretismo uma transposição de nível, análoga àquela que ele realizou com o totemismo.


A situação, de fato, era sob certos aspectos muito semelhante: "Escreveu-se demais sobre o totemismo", dizia uma aluna de Boas em 1938 (Reichard, 1938, p. 430), duvidando de que tão grande variedade de fenômenos "totêmicos" possa ser subsumida a uma única categoria. Daí a abertura do conceito operada por Lévi-Strauss quando, da consideração descritiva de grupos humanos supostamente ligados por parentesco (origem) e complexo ritual, a uma classe de seres não humanos, ele passou a uma simples forma. Ou melhor "semiforma", já que o sistema pelo qual ele definia a verdade do totemismo, sendo, sim, um sistema formal de homologias entre relações, não se reduzia a essa forma vazia. Tratava-se de uma conexão entre dois sistemas reais de relações: aquele vigente entre grupos sociais concretos, e que os identifica contrastadamente, e aquele que existe entre espécies, animais ou vegetais, o primeiro se definindo homologamente através do segundo. Problema amplo de classificação, que ultrapassava as fronteiras do campo tradicional e empírico do "totemismo" e atingia, detonando, "o poder lógico dos sistemas denotativos tomados de empréstimo aos reinos naturais"  a radicalidade da fundação epistemológica de um universo dotado de sentido.


Pergunto-me se não seria possível fazer o conceito de sincretismo sofrer um análogo tratamento. Sua abordagem não procuraria mais diretamente identificar confusões e misturas, paralelismos inovadores e empréstimos - muito menos degradações - entre elementos de conjuntos religiosos, ou até entre estes conjuntos como sistemas, mas, num primeiro momento, se aproximaria do fenômeno como de um universal dos grupos humanos quando em contato com outros: a tendência  a utilizar relações apreendidas no mundo do outro para ressemantizar seu próprio universo. Ou, ainda, o modo pelo qual as sociedades humanas (sociedades, subsociedades, grupos sociais; culturas, subculturas) são levadas a entrar num processo de redefinição de sua própria identidade, quando confrontadas com o sistema simbólico de outra sociedade, seja ela de nível classificatório homólogo ao seu ou não.


Não se trata mais, pois - pelo menos diretamente - , de identificar o sincretismo com uma forma de confusão ou mistura de "naturezas" substantivas (no plano ideativo, organizacional, ou até mesmo sistêmico), já que a polivalência dessas transformações e misturas concretas parece desencorajar até hoje a procura de um sistema de categorias logicamente coerente e totalmente abrangente, mas de afirmar a tendencial universalidade de um processo, polimorfo e causador em múltiplas e imprevistas dimensões, que consiste na percepção - ou na construção - coletiva de homologias de relações entre o universo próprio e o universo do Outro em contato conosco, percepção que contribui para desencadear transformações no universo próprio, sejam elas em direção ao reforço ou ao enfraquecimento dos paralelismos e/ou das semelhanças. Uma forma de constante redefinição da identidade social.


Isto vale dizer:


 O processo de sincretismo não é próprio do campo da religião, mas estende-se ao campo, genérico, da cultura. As identidades que ele articula podem até se situar assimetricamente num campo religioso e num campo cultural global (ou especificamente profano), um grupo religioso redefinindo-se a partir das coordenadas gerais da matriz cultural onde ele submerge. Pense-se, por exemplo, além dos ambientes "étnicos "ou "nacionais", no caso da "modernidade". O que nos permite recuperar, com os corretivos que diremos, boa parte da problemática culturalista da "reinterpretação". É a reinterpretação que vai permitir uma convivência não-explosiva de universos abstratamente contraditórios. É ela também que abrirá aos dominados as veredas de um jogo de esconde-esconde, muitas vezes condição de sobrevivência, outras vezes de prosperidade, o mais das vezes - e ao mesmo tempo - de equilíbrio emocional coletivo e individual.

 O processo se dá, em geral, no interior de uma relação duplamente desigual entre duas culturas, duas religiões, uma religião e uma cultura. A primeira desigualdade corresponde a uma situação objetiva de hierarquia estabelecida: conquista, dominação de classe, dominação política, hegemonia, cultural ou especificamente religiosa etc. É dizer que, na maioria das situações, o processo sincrético não funciona senão num sentido pré-orientado e/ou pré-constrangido por relações de poder. As controvérsias bem conhecidas em torno da tranqüila "aculturação" do culturalismo clássico têm aqui a sua aplicação imediata: "situação colonial", "fricção interétnica", pressão da cultura ou religião dominantes, emergência, no interior do campo religioso, de lideranças articuladas aos níveis superiores das hierarquias sociais, lutas para a imposição de ortodoxias ou de legitimidades - e resistências a essas pretensões -, reivindicações de "pureza" e "autenticidade" da parte de grupos no interior das instituições e de instituições dentro dos limites do campo. Essas modalidades - políticas - das relações, no entanto, não esgotam a definição do processo sincrético. Elas orientam seu sentido, marcam o conteúdo do "material" oferecido a sua dinâmica, mas não bastam para determinar sua existência; ele pode, com efeito, se impor, se desdobrar em efeitos efetivos de transformações, até no caso de uma relação relativamente igualitária das duas instâncias identitárias. Pois existe uma segunda desigualdade, não sem interferência (prestígio ou rejeição) - mas não interferência mecânica - com a primeira. É aquela criada pela contrastada valorização, na consciência do grupo - e no sistema de valores codificado em seu inconsciente - , tanto dos elementos que, organizados, compõem o fluxo atual da identidade própria quanto daqueles (também valores e valores organizados) oferecidos pelo "outro" no processo de intercurso social. Sendo notório que os caminhos dessa valorização do alternativo podem ser invertidos em relação aos da dominação: o "vencido" e sua religião, menos "civilizados" no sentido de N. Elias, e por isso percebidos e interpretados como mais soltamente próximos do mundo natural das pulsões, ou mais afeitos aos poderes "primitivos" da magia, pode exercer sobre seu Senhor um verdadeiro fascínio.


No caso brasileiro, tal visão do sincretismo deixa, por conseguinte, um espaço aberto tanto para as qualificações do sincretismo como fruto de um processo de domesticação quanto para uma problematização em termos de resistência e de sofisticado revide . Simplesmente, nenhuma dessas interpretações poderia pretender recobrir a totalidade desse espaço teórico, como se o fenômeno se reduzisse a ela. A definição do sincretismo não se esgota em nenhuma das suas emergências empíricas, todas elas transformações de sua estrutura profunda. O processo sincrético é polivalente o suficiente para acolher as mais diversas cristalizações, sem que a multiplicidade das pesquisas se encontre nunca condenada à repetição ou à aplicação sistemática de um mecanismo sincrético particular, uma vez descoberto. É bem o caso de relembrar aqui os preceitos metodológicos de Boas: a mesma causa pode produzir efeitos diferentes, e causas diversas podem produzir os mesmos efeitos, dependendo dos múltiplos fatores que presidem a mudança: fatores endógenos ou exógenos, ambientais ou históricos. A segunda e penúltima palavra deve, pois, ser deixada às pesquisas empíricas, cujos respectivos resultados, estritamente situados, não poderão extrapolar os limites de sua situação. O sincretismo é um fenômeno demasiadamente rico para permitir, desde já, e mesmo num espaço limitado como o do Brasil, conclusões generalizantes. Ao contrário, a definição-quadro que propusemos pode proporcionar - terceiro e último passo - a lenta construção comparativa de uma matriz, quem sabe estrutural, onde se articulem, com sentido, as formas as mais diversificadas.


Até agora, estamos frente a um processo de longa duração, apreensível através da multiplicidade e diversidade dos dados empíricos e de sua subseqüente comparação, sob a luz de um princípio estrutural de organização, e para explicitar suas transformações. Mas é preciso insistir, acentuando o flexionamento da ortodoxia estrutural: por "longa" que seja a duração em que se inscrevem essas transformações não deixam de se dar na diacronia, e por conseguinte a estrutura deve ser vista como necessariamente inscrita na História .

 Pois os fatores que determinam a ordenação de uma religião - ou cultura - a outra são de ordem estritamente histórica, podendo se transformar, eles e suas conseqüências, sob o impacto do acontecimento, tanto em termos de modalidades quanto em termos de direção e sentido. Em função de uma mudança da situação político-social de dominação (pense-se no exemplo do vodu no Haiti de Duvalier), ou ainda independentemente de tal mudança, pois não há determinação unívoca das instâncias sociais uma pela outra. Também deverá ser levada em conta a diversidade dos grupos no interior da mesma sociedade e relativamente à mesma relação sincrética. O sincretismo entre catolicismo e religiões afro, por exemplo, será provavelmente bem diferente se partir do povo-de-santo ou do grupo de Agentes Negros da Pastoral católica que, atualmente, está se esforçando por criar um quadro ideológico e cultual - teológico e litúrgico - no qual lhes seria possível se definirem (e se expressarem como) ao mesmo tempo católicos e, cultural e religiosamente, Negros. Para uns e outros, o sistema-matriz, a partir do qual os acréscimos e empréstimos recebidos são processados e assimilados, poderá ser invertido. E nada impede que chegue uma hora em que os dois sistemas possam se reinterpretar mutuamente, sem que exista mais algum sistema-matriz , (1980) Mais ainda: é o princípio mesmo da existência do núcleo matricial desse sistema que poderá ser rejeitado in limine, como acontece em situações caracterizadas como "pós-modernas". Mesmo assim, o tipo de "síntese" então obtido, ainda que fruto de desinstalação profunda e de radical novidade, continuará fazendo parte, segundo nosso esquema, do processo sincrético.


Enfim, essa direção mutável do vetor de orientação entre o sistema de partida e o "outro" permite-nos recuperar as duas distinções às quais Bastide atribuía um claro poder heurístico: a da dupla reinterpretação e a da dupla aculturação. A primeira, que ele detectava diretamente no Brasil, faz reinterpretar traços culturais ocidentais (a existência e as funções dos santos, ou ainda o concubinato) em termos africanos, no sentido de colmatar as brechas ou preencher os vazios de uma memória coletiva que a História não permitiu se conservasse articuladamente prenha da totalidade de seu sentido; ou, ao contrário, faz reinterpretar traços culturais africanos (culto dos mortos, transe) em termos ameríndios ou portugueses. A segunda ("dupla aculturação"), que ele observou mais no meio dos estudantes africanos em Paris e que chamou de "aculturação material" e "aculturação formal". "Material", quando o movimento transformador leva a adotar categorias, valores e comportamentos extraídos da cultura de empréstimo, sem modificar as estruturas profundas do próprio ser cultural: visão do mundo, etos, sistema psicossocial. "Formal", quando, ao contrário, o estudante, de volta a sua terra - ou o negro paulista transformado em "negro-espetáculo" como quer Pereira (1983, pp. 93-105) -, adota os sinais diacríticos da cultura "africana" ou "afro-brasileira", mas para afirmar conscientemente uma opção identitária moderna e ocidentalmente construída a partir de uma mudança, inconsciente e profunda, de sensibilidade, de etos, de lógica.


Com tal instrumento analítico - do qual será preciso esmiuçar mais as características e as conseqüências - , quem sabe estaríamos armados para reconhecer e valorizar profundas diferenças entre os processos sincréticos concretos que marcam com seu signo as construções histórico-sociais de identidades religiosas coletivas. Quero aqui destacar três deles, o primeiro no nível dos grandes caudais de articulações identitárias que atravessam a História do Ocidente, cristalizados em instituições religiosas, mas não se confundindo com elas, recobrindo vários espaços societários sem se deixar definir por nenhum deles: o catolicismo. Os dois outros, formações sociais territorialmente afastadas uma da outra, mas assim mesmo concatenadas e contrapostas pela História, e que, de certo modo, o presente Congresso almeja cotejar: Portugal e Brasil.


As tramas sincréticas da História


Catolicismo

O cristianismo já foi amplamente - e matizadamente - analisado como uma religião sincrética.   Como toda religião, sem dúvida,  porém mais do que muitas outras, nascido como foi na confluência dos leitos históricos de três grandes correntes religiosas e/ou filosóficas: o judaísmo, ele mesmo fruto sincrético do caldeamento cultural de Médio Oriente, Grécia clássica e helenismo tardio. No entanto, a concepção cristã do homem e de sua relação com Deus trazia em seu bojo o germe de uma ruptura - radicalmente anti-sincrética - com o universo da religião: "Religião da saída da religião", A exigência fundamental que o cristianismo instaurava para o homem era; com efeito, a de uma opção autônoma e individualmente responsável que, prescindindo de todo aparato institucional enredado à sociedade terrena, assentava um tipo novo de relação do homem com Deus:  a fé. Essa "fé" que, no interior da própria tradição teológica cristã, será muitas vezes - e com intensidades diversas - contradistinguida de e oposta à "religião". Nesse sentido, o cristianismo contradizia o sincretismo. E, no entanto, a emergência dessa dimensão radical, específica e inconfundível na vida coletiva das primeiras comunidades cristãs articulava-se com a presença de uma dimensão oposta, aquela que, na esteira do fenômeno "religioso" institucional de sempre, reconhecia na mensagem de Jesus também a exigência de criação de um grupo organizado, de uma articulação de seus papéis hierárquicos internos com aqueles da sociedade ambiente, de um universo de sinais e de símbolos efetivamente portadores e transmissores do bem salvífico por excelência, a Graça. É precisamente porque se autorepresentava como continuadora e mediadora, na História, da presença substantiva do Deus encarnado, que essa instituição recuperava pouco a pouco, no decorrer dos primeiros séculos, todas as características que marcaram sempre com sua presença o fenômeno social "religioso": tempos e lugares sagrados, hierarquia sacerdotal, códigos institucionalizados de interpretação da mensagem e da experiência, textos canônicos, ritos para tomar conta do espaço, do tempo, do desenrolar da vida dos homens, para exorcizar o "mundo" e adorcizar o escaton. Sacramentos. Dogmas. Templos e altares. Sacerdotes. Sacrifício. Afinal, uma "religião".


Os primeiros séculos do cristianismo vivenciaram o instável equilíbrio entre estes dois princípios contraditórios. Mas não resta dúvida de que a tendência a valorizar o segundo e a fazer cada vez mais do cristianismo uma "religião" caracterizará o que vai acabar emergindo na História como catolicismo. É ele que se esforçará, numa tendência histórica de longa duração, por articular o absoluto pessoal e direto do laço de fé, característico do cristianismo, ao conjunto de realidades erigidas em sistema que, por sua vez, caracterizam o universo da "religião".  No interior do mundo cristão, pelo menos ocidental, o catolicismo parece-me o único a evidenciar essa marca, sincrética por natureza e, conseqüentemente, sincrética por vocação.


Com efeito, é no próprio terreno das instituições e das tradições religiosas que o catolicismo - cristalizado na "Igreja Católica"  - se ombreia com seus homólogos. Nos seus vários níveis institucionais, desde os conceitos que suas teologias carreiam até os ritos de passagem que ele fomenta e os personagens que venera, ele será constantemente chamado a modular-se e redefinir-se historicamente em função dos campos onde se implanta, dos universos simbólicos que pretende substituir, dos cosmos socializados onde seu sistema de símbolos encontra sentido. É assim que definimos o sincretismo.


Portugal


Mas essa mesma constante estrutural, que faz o catolicismo tendencialmente sincrético, tomará formas históricas diferentes em "momentos" e "lugares" distintos. Na bacia mediterrânea - e não somente nela, bem o sabemos - trata-se de um sincretismo com o que o precedeu. Num mesmo lugar (topos). Importância primordial e crescente, depois da cidade, do domínio rural e da "aldeia", topoi onde se operam, para as populações camponesas de pagani, a transmutação genética num reassumir de raízes, a sedimentação de camadas sucessivas, que asseguram a formação progressiva e cumulativa de uma identidade "única", mesmo se formada a partir da acumulação transmutada de identidades passadas. Portugal talvez seja caso paradigmático para tal estudo, e já tivemos a ocasião de acenar para essa análise, centrada na época da "sociogênese"  do atual Portugal religioso, quando S. Martinho de Dúmio, sob a égide da monarquia sueva, encerrava, por um lado, o episódio priscilianista, provável tentativa sincrética, para retomar em termos cristãos a visão tipicamente luso-romana de um mundo e de um destino humano suspensos à vontade dos astros; mas, por outro lado estabelecia involuntariamente a base de um sincretismo de tipo novo, quando, pontuando os campos de santuários, chamados doravante a canalizar a devoção camponesa, ele se arriscava em muitos casos a metamorfosear em santos cristãos os deuses ou genii "locais", cujo culto cristalizava e expressava a veneração religiosa precisamente dedicada a tal espaço ou acidente geográfico particular.


Pois em Portugal, pelo menos no Portugal interior, o pesquisador recebe até hoje de imediato a impressão de uma evidência forte, a mesma - mas talvez em grau maior de concentração - que sofreria, parece-me, o observador do catolicismo vivido em qualquer canto da Europa tradicional: a importância primordial do grupo social local, a aldeia. Sobre essa aldeia, insistem hoje os historiadores, situs de fixação das populações bárbaras, que se tornou "paróquia" na época carolíngia, definitivamente implantada como estrutura fundamental do catolicismo nos séculos XI-XIII. Sem dúvida não é simples, a partir das paróquias suevas , reconstituir a implantação, em Portugal, de tal tecido geográfico, social e demográfico. Uma trama que articula e trança, de um lado, o fio das comunidades locais, com sua tendência para a organização autônoma  muitas vezes apoiada pelo poder real; de outro lado, os fios variados das forças de senhorialização com as relações de dependência no nível militar, judiciário e religioso 1982,que elas conseguem pouco a pouco difundir. Mas, em todos os casos, é em referência a um espaço determinado ("chão", domínio, terra, território, denotação de um acidente geográfico) que se constrói uma identidade comunitária e, ao lado do castelo, junto com ele ou contra ele, é a paróquia, com sua igreja e seus santuários que, dessa identidade local, se constitui em centro, fulcro difusor, emblema e cristalização. "Mesmo quando os paroquianos perdem o direito de eleger seu cura, nem por isso a igreja deixa de constituir, afinal, um dos principais vínculos da solidariedade campesina. É nela, pertencente ou não ao senhor, que todos os habitantes da freguesia se reúnem para celebrar coletivamente os ritos de passagem, de entrada na vida e na morte, aí que pedem a bênção divina para os filhos, os animais e as searas, aí que se refugiam quando chegam os cavaleiros para praticar violências e abusos"  Palavras de historiador, referidas à Idade Média. Mas pouco deveria mudar o etnógrafo, para falar do hoje - ou quase - de muitas aldeias, ou melhor freguesias (paróquias), em seu quadro geográfico, real e imaginário, com seu conjunto de atividades associadas aos ciclos naturais e suas redes próprias de sociabilidade. Uma aldeia da qual o catolicismo aparece ao pesquisador como a expressão (ou seria melhor falar simplesmente em "uma das expressões privilegiadas"?) e o princípio de organização, ao mesmo tempo que, numa dialética literalmente durkheimiana,  ela própria se erige em princípio de organização do catolicismo. Um catolicismo enraizado numa identidade local.



Não é preciso comentar longamente os caracteres dessa identidade, sem dúvida familiar a todos aqueles que tiveram, até mesmo em cidadezinhas interioranas, uma experiência de vida rural ou semi-rural. Importância primordial, a do sentimento dessa identidade local, mais presente em muitos casos do que o da identidade regional ou nacional. Referências históricas inscritas na topografia, as narrativas familiais, as genealogias, os patronímicos, que articulam, através do casamento, essa identidade local com outras de mesmo tipo no interior de uma rede regional, mais do que com uma identidade regional propriamente dita. Cristalizações simbólicas de tipo emblemático, de natureza eminentemente - embora não exclusivamente - religiosa: o vigário, a igreja, os padres aposentados que voltaram a viver em casas de suas linhagens, os santuários de romaria e os caminhos que levam a eles, santuários e caminhos que, todos, marcam o mapa imaginário e sentimental da região, o calendário, "os trabalhos e os dias" locais, as festas que os acompanham; o próprio santo, o "padroeiro", quase inscrito nas tábuas genealógicas da comunidade,  a confraria, que recapitula os vivos (presentes ou ausentes por emigração) e os mortos, os vivos, aliás, enquanto futuros mortos (as missas encomendadas com antecedência); as festas, enfim, romarias ou não emblemas, às vezes agressivamente fechados, da comunidade local  ou, ao contrário, operadoras da articulação entre a comunidade local e o espaço regional. O importante, na nossa atual perspectiva, é mostrar como essa identidade religiosa - e mais amplamente social - se constitui sobre a base ao mesmo tempo do local topos e do passado, num processo unitário de sincretismo, um sincretismo "diacrônico" e "cumulativo", ao termo do qual a Igreja é vivida como autóctone, nascida dessa terra, identificando-se com ela e com suas raízes históricas. Pré-cristãs. Os santuários de romaria, por exemplo, e as manifestações individuais e coletivas que lhes correspondem, recapitulam inconscientemente, para prolongá-los no tempo, reassumidos numa realidade cristã, os cultos, às vezes ambíguos, das antigas divindades ou genii locais.


A identidade que resulta desse processo é sem dúvida uma identidade unificada e organicamente construída, tanto no plano institucional quanto no nível psicossocial. Mas a construção mesma dessa unidade não deixa de ser sincrética, pelo reassumir, a cada etapa, dos estratos anteriores de sua definição. Um sincretismo diacrônico, uma identidade "que pro-vem".


Brasil


Ora, o sincretismo que vamos encontrar no Brasil é de gênero bem diferente. A esse enraizamento opõe-se o desenraizar. O catolicismo arranca-se de seu humo, de seu solo, do quadro de sua história local, para se projetar num outro hemisfério. Ruptura com uma implantação ecológica já orgânica, com a continuidade entre o tempo sagrado de sua liturgia e as estações: a ressurreição do Deus não corresponde mais à ressurreição da natureza, e a experiência espiritual da Páscoa se aliena da experiência humana da primavera. A ruptura é equivalente com o grupo social local, sua escala e sua história, para ad-vir a um espaço novo, desmesurado, cuja escala transforma o olhar, desassossega a definição identitária, frustra qualquer esforço, para compatibilizar com essa "natureza" a "cultura" de que se é portador. Bem o analisa R. Bastide: "O Brasil agiu sobre a sociedade portuguesa que se lhe queria implantar à maneira de uma carga de dinamite que fez essa sociedade explodirem pedaços. (...)As forças centrífugas predominam sobre as forças de coesão." Num primeiro momento, tenta-se a implantação de uma "Nova Lusitânia" no litoral, e encontra-se, de chofre, "o Outro". A presença do indígena é incontornável e o escambo com ele tem que passar, ao menos em parte, pelo diálogo. Vêm os jesuítas. Poderia se pensar numa política religiosa visando implantar, nas próprias tabas, um cristianismo "inculturado", num processo de transmutação semelhante àquele que acabou dando na Europa e, singularmente, em Portugal, o catolicismo luso. Mas tal tentativa não irá além de três tímidos anos,  e os jesuítas vão sistematicamente desenraizar também os indígenas, para chapear neles, em "aldeamentos" artificiais, um catolicismo pré-moldado .


Sobretudo, a voragem da imensidão atrairá rapidamente esses batalhões de duplamente desenraizados,  lançando, em bandeiras e monções, portugueses e índios mansos no desconhecido de um território que se representava como vazio.  Nesse espaço, enfim, a abertura indefinida para uma expansão sem raízes, comandada e regulada por duas entidades abstratas - o Estado e a Igreja. O Estado: não mais a totalidade aldeana concreta, concentrada sobre sua identidade unitária, mas a mola de um povoar difuso, que redistribui sem parar as cartas da sociabilidade no isolamento de um espaço desmesuradamente alargado, em constante expansão, sem que seja a ninguém permitido - até hoje, em alguns casos - parar e pensarem deitar raízes, sem possibilidade de construir redes de vizinhanças que compartilhem um passado comum. Até a época em que, mais tarde, irão se estabelecer duas relações fundamentalmente diferentes com o espaço, a da "bandeira" e a da "casa grande" os pontos de fixação continuarão marcados por "esta disseminação pasmosa e sem paralelo que afasta e isola os indivíduos, cinde o povoamento em núcleos esparsos de contato e comunicações difíceis, muitas vezes até impossíveis. (...) Daí a instabilidade da população, com seus reflexos no povoamento, determinando nela uma mobilidade superior ainda à normal dos países novos"   cidades ambulantes, conduziam milhares de pessoas, iam fazendo roças, se fixando, e depois se deslocando" E, nessas bandeiras, rezadores, eventualmente sacerdotes, altares portáteis e imagens de santos, índios e escravos negros.


Pois um terceiro povo de desenraizados tinha vindo encontrar os dois primeiros. Falando dos africanos no Brasil, Bastide: "O lugar onde se nasce não é um mero sistema de acidentes geográficos, montanhas lagos ou rios, é um todo social-geográfico onde os mitos locais, a divisão das tribos no solo, os locais determinados de reunião das sociedades secretas etc., constituem um só e mesmo todo" (1971, ) Etnias e culturas misturadas desde o embarque nos navios negreiros, estrategicamente mescladas nos mercados de escravos e nas fazendas para evitar os perigos de reconstituições identitárias;  o negro, como o português, como o índio manso, tinha sido arrancado à matriz - topológica e social - de seu universo de significação e, como eles e com eles, estava disponível para os encontros transformadores: "A vida íntima do brasileiro não é bastante coesa, nem bastante disciplinada, para envolver e dominar toda a sua personalidade, integrando-a, como peça consciente, no conjunto social. Ele é livre, pois, para se abandonar a todo o repertório de idéias, gestos e formas que encontre em seu caminho, assimilando-os freqüentemente sem maiores dificuldades." Um sincretismo que "ad-vem", tornando porosas as identidades, através de todas as opressões e além de todas as resistências  e relativizando, nesse sentido, a força propriamente definitória do princípio radical da lógica. Ecoa com antecedência nesses encontros, que contribuíram para "fazer" o brasileiro, a proclamação antropofágica de Oswald de Andrade: "Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval".


A referência fundamental ao tempo parecia, ela também, invertida: o Brasil construiu-se - e, com notáveis exceções, da qual Minas Gerais talvez seja a mais patente, continuou a se construir- a partir do futuro, constantemente descentrado num projeto de ser coletivo sem assentamento comunitário. Presença/ausência para esses camponeses, sem terras porque as têm demais, do único e gigantesco projeto estatal.


Quanto ao corpo institucional da Igreja, ele será representado somente, durante três séculos, por um, dois, depois três longínquos bispos, de visitas raras, mais controladores do que impulsionadores. São as ordens religiosas, cuja estrutura era geograficamente universal, que afiançarão a presença da Igreja no projeto do Estado. A implantação enraizadora das paróquias será sempre fraca: das 6.588 paróquias atuais, dois terços datam do presente século e a metade dos cinqüenta últimos anos. Nessas condições, a instituição católica não constitui mais a continuidade do grupo social, como em Portugal (o vigário "Sr. Prior", os "padres residentes" ou aposentados na e da aldeia, os seminaristas da família, os sacramentos que acompanham tempos individuais e coletivos, as confrarias, o cemitério): ainda em 1982, depois de quase cinco séculos, 26,6% dos bispos e 38,8% dos padres no Brasil são estrangeiros, tendo chegado de 64 países. E, mesmo sendo brasileiros, muitas vezes oriundos do Sul, região de recente colonização italiana, alemã ou polonesa, eles se vêem redistribuídos geograficamente para longas distâncias, ao bel-prazer das necessidades da administração eclesiástica ou dos impulsos missionários. A Igreja enquanto instituição nunca conseguiu expressar organicamente a comunidade.


É claro que dessa situação vai decorrer uma dialética diferente na construção do catolicismo, muito particularmente no que diz respeito a sua propensão ao processo sincrético e à relação entre vivência popular e instituição eclesiástica. Em Portugal e no Brasil, algumas das dinâmicas presentes nesse processo de ajuste poderão parecer as mesmas, mas seu sentido geral, o quadro e os elementos por elas carreados serão diferentes. Resumidamente, a uma identidade unificada e cumulativamente construída opõe-se uma aparente ausência sistemática do próprio princípio de identidade. "Quem somos nós?" será o grande problema com o qual nunca deixaram de deparar os intelectuais brasileiros quando tentaram elaborar uma definição unitária de seu país. Pois aqui é possível ser ao mesmo tempo isto e aquilo, numa coexistência ou rápida sucessão de identidades, múltiplas porque enraizadas em outro lugar. No campo das identidades religiosas, com efeito, não é somente o catolicismo que "ad-vem", mas, além das religiões africanas, o espiritismo, os protestantismos de imigração, hoje o budismo, as religiões japonesas, variadas seitas orientais e sobretudo os grupos evangélicos pentecostais. Quanto às religiões indígenas, além do fato, que dissemos, de ter sido perdida a ocasião de fazer delas a base de um enraizar do catolicismo homólogo àquele que presenciamos no Portugal de S. Martinho de Dúmio, a própria destruição dos "aldeamentos", quando ocorreu, foi ocasião de dispersões e mais radicais dissoluções de identidades: o tapuia é precisamente o índio que acaba não sabendo mais que o é - e o que é - e se define pelo outro, sem deixar de ser si mesmo (Moreira Neto, 1978).


Sem dúvida, trata-se do mesmo catolicismo, com sua consciência de totalidade, e cujo regime de intensa mediação se abre com potencial riqueza para a polivalência do signo, assim tornando eventualmente compatíveis elementos que, em outros quadros e circunstâncias, se revelariam totalmente inacomodáveis. Mas esse novo tipo de compatibilidade não operará mais, como o outro, por sedimentação e osmose de camadas sucessivas. Muito pelo contrário, pela convergência de identidades múltiplas, que se articulam em co-presença no seio de uma composição sincrética, sem se abolir num processo unitário de ultrapassagem hegeliana.


Nesse jogo histórico de cruzamentos de identidades religiosas dentro de um quadro geral de dominação (a religião católica continuando até hoje a ser a religião declarada da quase totalidade dos brasileiros e se beneficiando até há pouco de um regime de "concordata não-escrita"), será preciso distinguir dois níveis analíticos: em primeiro lugar, o das instituições religiosas (quando as houver) que, em geral, afirmam sua diferença e reivindicam sua especificidade; em segundo lugar, o da vivência efetiva dos "fiéis", ao qual se aplica antes de tudo o processo que acabamos de descrever. É se, por exemplo, concretamente católico e filho de santo, pajé e católico. Mas a pregnância desse modelo é tal que, até no nível institucional acabou emergindo uma realidade que o representa quase paradigmaticamente. A codificação da umbanda, com efeito, que data destes últimos cinqüenta anos, pretende constituir uma articulação consciente e teórica dessa convergência de identidades múltiplas num sincretismo assumido: católico, africano, espírita, oriental, às vezes mágico nos insterstícios. Por isso mesmo reivindica o estatuto de religião nacional brasileira, fruto da construção secular de uma identidade polivalente em suas fontes e orientada para o futuro. Sua missão nesse sentido será expandir pelo mundo o sincretismo brasileiro.


Como toda ação suscita uma reação, apareceu no outro pólo do campo religioso brasileiro, em tensão extrema com a umbanda sincrética, o protestantismo pentecostal, que reivindica - e até agora parece obter, até no nível da vivência popular - o assumir. de uma identidade sem mistura, hostil a qualquer sincretismo. E, como era de se esperar, começa a suscitar nos últimos anos uma Guerra Santa contra os demônios dissimulados nas religiões africanas e na umbanda. Autos-de-fé, exorcismos violentos se realizam hoje em imensos espaços recuperados de outras atividades e até nas próprias praias do Rio, exercícios que, rompendo com a tradição sincrética (e não necessariamente tolerante, aliás) brasileira, assinalam a entrada no campo religioso das categorias modernas do indivíduo e de sua opção clara, distinta e racionalmente identitária. Entre os dois, o reino do sincretismo não-teorizado mas tranqüilamente vivido, certo catolicismo tradicional popular e o território variegado das religiões afro-brasileiras, ou então, sobretudo no Norte amazônico, das heranças menos sistematizadas das religiões indígenas.


A Igreja como instituição desconhece tanto quanto pode essas duplas pertenças de vários de seus fiéis. Abundam os testemunhos de padres estrangeiros e até brasileiros - sem falar em bispos -, que descobrem um dia com estupor a extensão desse fenômeno. Numa cidade como Salvador, por exemplo, as manifestações ambíguas - ou, melhor, ambivalentes - de piedade popular são corriqueiras, e uma das estratégias possíveis da Igreja é tentar fechar os olhos a sua realidade. Por parte de muitos pais e mães-de-santo, ao contrário, como de seus fiéis, essa dupla fidelidade constitui uma tranqüila - e rica - afirmação.


No interior dessa situação já tradicional, no entanto, é preciso observar a emergência de duas correntes de tipo novo. Alguns teóricos das religiões africanas, minoritários na vida efetiva de suas instituições (com exceção, talvez, de São Paulo) e pouco seguidos no nível popular, fazem hoje campanha para a supressão de todo sincretismo com o catolicismo e reivindicam, no plano constitucional e até no da educação oficial, um reconhecimento pleno de sua religião - como religião e como religião puramente africana .Também fenômeno de "modernidade", protendido pela militância política do "Movimento Negro". Paradoxalmente, é no seio deste mesmo movimento que um grupo ativo de padres, religiosos e agentes de pastoral negros trabalha, em sentido oposto, na procura de uma expressão litúrgica e até teológica própria, que lhes permita a recuperação explícita, sem a nada renunciar de seu catolicismo e de sua identidade "africana", desta vez numa simbiose não espontaneamente sincrética, mas logicamente articulada com rigor. É que a modernidade do trabalho nos espaços sociais brasileiros se articula diferencialmente, conforme as regiões, os grupos e os estratos sociais, com as lógicas culturalmente assentadas. É no entanto provavelmente a primeira vez na História do Brasil que ela desafia tão fundamente, no nível popular, um dos traços marcantes da "pré-modernidade" religiosa: a relativização dos princípios de identidade e de não-contradição. Mas ela o faz por uma multiplicidade de caminhos: pentecostais, correntes dentro do candomblé, movimento negro, espiritismo, mais unitário que a umbanda, são manifestações - com seus paralelos no campo da política e das burocracias estatais - de uma crescente "modernidade" da sociedade brasileira.


No mais das vezes, no entanto, a problemática tradicional continua presente: como ser ao mesmo tempo católico e umbandista (ou candombleista, ou membro da seita japonesa seicho-no-iê)? Ou ainda passar como o raio de uma obediência - neste caso, até a do protestantismo evangélico - a outras? "Princípio de identidade", de "não-contradição", qual o destino, neste jogo complexo das identidades religiosas, dos princípios cardinais da lógica do Ocidente?


Conclusão



Tal dinâmica recente, como acabamos de analisá-la, nos orientaria em direção a uma interpretação do "sincretismo brasileiro" como tipicamente pré-moderno. Nesse sentido no entanto, é interessante constatar que um fenômeno muito próximo àquele que esse sincretismo conota parece invadir atualmente os espaços sociais da mais avançada modernidade.


Uma profunda "des-institucionalização" religiosa, com efeito, está em curso nos países europeus, como o evidenciam várias pesquisas recentes realizadas na França, na Suíça, na Holanda e na Itália  sendo presente, aliás, também no Brasil.


Tudo indica, de fato, que a segunda vaga de secularização, mais do que a acabar de eliminar, naqueles países, a dimensão religiosa da vida social, está a operar uma reformulação dos laços institucionais que definiam tradicionalmente (na "tradição" de uma modernidade j á plurissecular) a identidade religiosa dos fiéis - e, em parte, dos ex-fiéis, participantes todos eles de um espaço cultural marcado por exclusivas pertenças confessionais de há muito sedimentadas. A modernidade contemporânea ("pós-modernidade"?) parece, ao contrário, propiciar ao indivíduo a possibilidade de recriar pessoalmente seu universo religioso (ou "pararreligioso"), por uma operação (universalmente apelidada, nesta literatura, de "bricolagem") através da qual são ecleticamente reaproximados, sobrepostos e/ou refundidos elementos oriundos das várias tradições, nativas e importadas, que a mobilidade geográfica das pessoas e dos produtos culturais põe hoje a sua disposição. Sem dúvida, novas entidades coletivas apontam eventualmente no horizonte dessas operações, mas elas tendem, em regra, a serem transconfessionais, ameaçando desde já, nesse sentido, redesenhar nessas sociedades centrais o mapa do campo religioso contemporâneo.


Parece então possível esperar das conseqüências desse fenômeno uns efeitos de transformações mais radicais que as do tradicional "sincretismo brasileiro", situadas que se encontram aquelas num além - e não mais num aquém - da modernidade ocidental. No entanto, os dois fenômenos podem não ser tão estranhos um ao outro como parece à primeira vista. Com efeito, bons observadores daquelas sociedades pensam poder encontrar, no estudo da "pré-moderna tradição de identidades sincréticas" no Brasil, lições para traçar rumos em direção a uma pós-modernidade socialmente viável. Afinal, o Brasil aprendeu, de há séculos, a se haver com problemáticas só agora emergentes noutra parte. Tanto é verdade que, no embate entre a modernidade, por um lado, e por outro o que a precedeu (pré-) e o que a segue (pós-), continua verdadeira aquela indecisão, e permanente aquela dúvida, j á presente no Evangelho, sobre quem serão, na verdade, os "primeiros" e quem serão os "últimos".

 

Discursos sobre as religiões afro-brasileiras - Da desafricanização para a reafricanização.

 
A mistura de raças que começou com a colonização portuguesa no Brasil no ano de 1500, continuou a ser característica da população brasileira. O fato do Brasil ser uma sociedade pluriétnica criou a crença de que não existe preconceito racial. Esta crença se expressa na ideologia de que o Brasil tem "uma democracia racial". A Umbanda, uma religião que se originou no sudeste brasileiro na década de 1920, tem sido apresentada como uma expressão desta ideologia. No entanto, a Umbanda tem sido uma da manifestações da supremacia branca. Este artigo vai examinar como preconceitos contra população negra brasileira foi expressa através da desafricanização da Umbanda e do discurso religioso que acompanhou este processo. E vai continuar a examinar a mudança recente da reafricanização das religiões afro-brasileiras.

As Religiões Afro-Brasileiras.

Estima-se que um total de 3.600.000 escravos foram transportados da África para o Brasil entre os séculos XVI e XIX (Bastide, 1978: 35), fazendo do Brasil o segundo maior importador de escravos do novo mundo. Durante este período, a população negra escrava era maior que a dos brancos que legislavam. Os escravos vieram principalmente da Nigéria, Daomé (atual Benin), Angola, Congo e Moçambique. Apesar da instituição escravagista ter quebrado as famílias e espalhado grupos étnicos através do país, os escravos conseguiram manter alguns laços com sua herança étnica. Isso aconteceu devido ao fato, entre outros, dos portugueses usarem a política de dividir para governar, separando os escravos em diferentes nações. O termo nações se refere ao local geográfico de um grupo étnico e sua tradição cultural (por exemplo, os que falavam Yorubá da Nigéria eram os Nagô, Ketu, Ijejá, Egba etc.) A conseqüência inesperada dessa divisão foi que o conceito de nação desempenhou um papel importante para a manutenção de várias identidades étnicas africanas e para a transmissão cultural e as tradições religiosas.
Os escravos africanos eram proibidos de praticar suas várias religiões nativas. A Igreja Católica Romana deu ordens para que os escravos fossem batizados e eles deveriam participar da missa e dos sacramentos. Apesar das instituições escravagistas e da Igreja Católica Romana, entretanto, foi possível aos escravos comunicar, transmitir e desenvolver sua cultura e tradições religiosas. Houve vários fatos que os ajudaram a manter esta continuidade: os vários grupos étnicos continuaram com sua língua materna; havia um certo número de líderes religiosos entre eles; e os laços com a África eram mantidos pela chegada constante de novos escravos.
Entre as tradições religiosas africanas que exerceram influência nas religiões afro-brasileiras, o culto aos Orixás e Voduns foram de capital importância. Orixás e Voduns são divindades dos grupos da Nigéria e Benin que falam Yorubá e Jeje. Na África cada divindade preside um aspecto da natureza e uma família em particular. No Brasil, como a escravidão dividiu as famílias, eles se tornaram protetores dos indivíduos. O ponto central das religiões afro desenvolvidas no Brasil eram as festas para os Orixás e Voduns, que envolviam possessões de divindades e sacrifícios de animais.
As religiões afro-brasileiras constituem um fenômeno relativamente recente na história religiosa do Brasil. Por exemplo o primeiro terreiro de Candomblé, que é localizado no nordeste, mais precisamente na Bahia, é geralmente situado no ano de 1830. Estas novas religiões apareceram primeiro na periferia urbana brasileira, onde os escravos tinham maior liberdade de movimento e era capazes de se organizar em nações. Daí eles se espalharam por todo o país, e tomaram diversos nomes como Catimbó, Tambor de Minas, Xangó, Candomblé, Macumba e Batuques. O Candomblé, a mais tradicional e africana dessas religiões, se originou no Nordeste. Nasceu na Bahia e desde longa data tem sido sinônimo de tradições religiosas afro-brasileiras em geral. Desde o começo os pais-de-santos buscavam re-africanizar a religião. Isto foi possível em parte, porque a rota dos navios entre Nigéria e Bahia, conservou viva a conexão com a África. Isso continuou mesmo depois da abolição da escravidão em 1888. Escravos libertos que puderam viajar para áreas dos Yorubás foram iniciados no culto dos Orixás e então, ao retornar ao Brasil, puderam fundar terreiros a revitalizar a prática religiosa. Quando as religiões afro-brasileiras começaram a aparecer, o conceito de nação ganhou nova força e significado, em parte como um símbolo de transmissão de tradições religiosas locais, e em parte como uma marca da identidade étnica.
Reafricanização ou não, as religiões afro-brasileiras ainda carregam os efeitos de sua interação com outras tradições religiosas, especialmente do Catolicismo. Os Voduns e Orixás foram justapostos com os santos católicos e o interior dos terreiros possuía numerosos elementos católicos, incluindo e estátuas de santos, enquanto os objetos religiosos africanos eram escondidos. As religiões afro-brasileiras eram proibidas, e os terreiros eram freqüentemente visitados pela polícia. Por isso seus praticantes deviam sempre buscar caminhos para fortalecer a aparência católica dos Orixás e dos terreiros. O sincretismo se tornou assim estratégia de sobrevivência. Apesar de que a libertação dos escravos em 1888, a ratificação da Constituição Republicana em 1889 e a separação da Igreja e do Estado em 1890 foram caracterizados pelo mesmo espírito liberal, a república ainda proibia o Espiritismo. Esta proibição era dirigida especialmente contra as religiões afro-brasileiras, que eram denunciadas como baixo espiritismo. Nesta designação está implícito o preconceito social direcionado contra os membros destas religiões, que pertenciam aos setores mais baixos da sociedade brasileira.
Os negros brasileiros não cabiam na modernização republicana. Inspirada pelas teorias raciais "científicas" européia e norte americana, a elite branca dominante via a população negra como uma desgraça ao caráter nacional brasileiro.
( 1974 )O problema da cor da pele exigia de alguma forma uma solução, e a proposta dos intelectuais e das elites em geral era o embranquecimento. A idéia era de que a miscigenação continuada poderia levar a um embranquecimento de toda a população brasileira. Isso poderia ser levado adiante e acelerado com a abertura do Brasil aos imigrantes europeus.

O Espiritismo Branco

Enquanto as religiões afro-brasileiras estavam concentradas no nordeste do Brasil, as correntes religiosas do sudeste tiveram uma importância decisiva na fundação da Umbanda, uma nova religião brasileira. Para a burguesia intelectual branca do sudeste, a França era o maior expoente das mais novas correntes culturais e espirituais. Assim, o Espiritismo de Allan Kardec, que foi praticado primeiro em Paris por volta de 1855 pelo francês Hippolyte Léon Denizard Rivail (1804-69), rapidamente se espalhou no sudeste brasileiro. Essa nova forma de Espiritismo misturava filosofia, ciência e religião. As idéias de Kardec sobre a imortalidade da alma e a comunicação com os espíritos combinavam com o evolucionismo social, o positivismo de Comte, o magnetismo, conceitos Hindus de reencarnação e karma e os ensinamentos cristãos da caridade.
Os que primeiramente abraçaram o Kardecismo foram as classes médias brancas. Isso incluía os imigrantes europeus, especialmente médicos, advogados, intelectuais e oficiais do exército. Os espíritas eram perseguidos pela Igreja Católica, mas a separação entre a igreja e o Estado tornou possível ao Espiritismo ganhar chão. O governo republicano continuou perseguindo as organizações espíritas por causa da prática ilegal da medicina, mas apesar disso, muitos governadores estavam envolvidos com o movimento kardecista que era menos estigmatizado que o Espiritismo Afro-brasileiro. Foi introduzida uma distinção entre baixo espiritismo que era relacionado com as religiões afro-brasileiras e a população negra do setor mais baixo e o alto espiritismo que estava relacionado Espiritismo Kardecista e a população branca dos setores mais altos. ( 1993)
No Espiritismo Kardecista brasileiro, as noções de evolução de Kardec combinam com os conceitos de reencarnação e karma. Neste tipo particular de evolucionismo cultural os espíritos de povos como os astecas, egípcios e chineses são vistos como representantes de civilizações mais desenvolvidas, enquanto os espíritos dos africanos e dos índios brasileiros são vistos como inferiores e pertencentes a culturas inferiores. A estes espíritos inferiores é recusada a admissão nas sessões espíritas. A maioria dos espíritos que participam das sessões espíritas são renomados cientistas, especialmente médicos, incluindo os que foram praticantes do Espiritismo Kardecista brasileiro.
Desde o início os centros de espiritismo kardecista brasileiro ofereceram serviços de saúde ao doentes e pobres. Não houve, entretanto, recrutamento entre as classes baixas. Ao contrário, a distância social entre ricos e pobres foi mantida firmemente. ( 1994)

Macumba

Além do Espiritismo Kardecista, a Umbanda tem um importante predecessor na Macumba. O termo Macumba se refere a várias misturas de afro-brasileiras com outras religiões que se originaram no sudeste brasileiro, especialmente no Rio de Janeiro. Macumba é também um termo depreciativo para baixo espiritismo. Acredita-se que a Macumba se originou no Rio de Janeiro e sua imediações, onde a população dos ex-escravos eram em grande escala do Congo, da Angola e de Moçambique, e foram agrupados de acordo com as nações.
A Macumba no Rio era caracterizada por um ecletismo religioso distinto, e pelo fato de que se difundiu entre grupos étnicos de quase todos os setores sociais. Entre as várias tradições religiosas que entram na Macumba estão o Candomblé, o culto aos Caboclos. e o Espiritismo Kardecista. Com a Macumba apareceram dois arquétipos diferentes: o Caboclo (o índio brasileiro) e o Preto Velho (um espírito de escravo), ambos assumiram grande importância na fundação da Umbanda mais tarde.
João do Rio, um jornalista que descreve o ecletismo religioso que se desenvolveu no Rio na virada do século, refere-se a numerosos especialistas que eram representantes da população negra dos setores baixos. Os especialistas eram consultados por uma clientela que vinha do setor médio e das elites. Eles recorriam aos especialistas religiosos, e pagavam bem para serem salvos de situações críticas envolvendo doenças, amor, dinheiro, poder...(Rio 1976[1904])
A heterogeneidade étnica e social dos membros e clientes da Macumba fez dela uma religião que pode mediar os antagonismos religiosos entre baixo espiritismo e alto espiritismo. Desta forma a Macumba antecipou a Umbanda.

Uma Renovação Religiosa

A Umbanda é freqüentemente vista como a maior síntese entre as tradições religiosas Afro-brasileiras e Ameríndias, o Espiritismo Kardecista e o Catolicismo. Por seu sincretismo e caráter eclético, a Umbanda tem sido percebida como uma religião que reúne os vários grupos étnicos brasileiros, sua cultura e tradições religiosas, e assim reflete a miscigenação que compõe a sociedade brasileira. A Umbanda é vista como uma tentativa de formular uma religião nacional, de criar uma religião democrática que seria capaz de unir os vários grupos étnicos e classes sociais.
Enquanto a Umbanda é freqüentemente classificada como religião Afro-brasileira, essa questão é muito discutida entre os especialistas do Brasil. A tendência original de ver a Umbanda como religião Afro-brasileira parece refletir preconceitos generalizados contra as religiões Afro-brasileiras e uma inclinação para transformá-las em folclore. Há ainda muita discordância e confusão sobre a Umbanda entre os especialistas. Ela tem sido interpretada às vezes como uma religião de negros brasileiros, dos oprimidos, dos imigrantes europeus e das classes médias. Atualmente estas posições parecem verdadeiras. Os estudiosos brasileiros geralmente concordam que ela é somente uma religião brasileira, isto é, uma religião que faz bricolage, um coerente ajuntamento de quase tudo o que existe nas tradições religiosas do Brasil e que expressa certa "brasilinidade" (Ortiz 190 : 107-08). Tal como a Umbanda é vista como sendo mediadora, inclusiva, assim é a cultura e a sociedade que a reflete. (Da Matta 1995). Os especialistas tem visto a Umbanda como uma religião criada pela classe média e ao mesmo tempo como uma religião que une a classe média branca e a classe baixa de cor. Por ter sido interpretada e distanciada de outras tradições Afro-brasileiras por meio da desafricanização, embranquecimento e abrasileiramento, a Umbanda se ajusta à ideologia dominante da "democracia racial". ( 1991).

A Fundação da Umbanda

O fundador da Umbanda é freqüentemente identificado com um homem chamado Zélio de Moraes, do Rio de Janeiro. Zélio era branco, classe média, e filho de um espírita kardecista. Ele afirma que em 1920 o espírito de um padre jesuíta se revelou a ele e lhe disse que ele seria o fundador de uma nova religião, genuinamente brasileira que seria dedicada a dois espíritos brasileiros: O Caboclo e o Preto Velho. Estes eram precisamente os dois tipos de espíritos que haviam sido rejeitados como inferiores pelos kardecistas. Nos meados dos anos 20, Zélio fundou seu primeiro centro de Umbanda em Niterói e nos anos seguintes vários outros centros de Umbanda foram fundados por iniciativa do povo lá.
Como Zélio, os primeiros fundadores de centros de Umbanda eram antigos kardecistas e da classe média branca. Eles tinham achado o Espiritismo Kardecista inadequado, e tinham portanto começado a freqüentar os terreiros de Macumba nas favelas do Rio de Janeiro. Lá eles adquiriram gosto pelos espíritos africanos e indígenas da Macumba, aos quais acharam muito mais competentes e eficientes que os espíritos Kardecistas para lidar com doenças e outros problemas. Além do mais, os rituais da Macumba eram considerados mais emocionantes que as sessões pouco ritualizadas do Espiritismo Kardecista. Se os kardecistas foram inspirados por certos aspectos da Macumba, entretanto eles repeliram outros como os sacrifícios de animais, os espíritos "demoníacos", a conduta freqüentemente grosseira e o ambiente social baixo dos centros de Macumba.




A Desafricanização das Tradições Afro-Brasileiras Na Umbanda



A Umbanda pode ser considerada uma síntese de diferentes tradições religiosas representadas pelos vários grupos étnicos e sociais do Brasil, que são freqüentemente antagônicos. Entretanto os umbandistas tem freqüentemente uma atitude ambígua em relação às tradições Afro-brasileiras. Isto reflete as tendências sócio-culturais dominantes na sociedade brasileira.
A Umbanda se originou num período político turbulento que testemunhou, entre outros fenômenos, a emergência de movimentos nacionalistas e facistas. Esse desenrolar político culminou na ditadura de 1937, com o chamado Estado Novo. Foi durante este período de grande nacionalismo que a ideologia da democracia racial começou. De acordo com esta ideologia, que era baseada no igualitarismo racial, os vário grupos teriam tido igual importância na formação da civilização brasileira. Esta ideologia deu assim um ímpeto na crença de que o preconceito racial não existia no Brasil. Seus efeitos já tinham começado a se fazer sentir no final da década de 1920, com a nacionalização e institucionalização da cultura Afro-brasileira. Práticas culturais como o carnaval e as escolas de samba, que tinham sido relegadas ao mais baixo status por causa de sua associação com a classe social dos negros eram agora reconhecidas como componentes importantes da cultura nacional ,Os estudiosos brasileiros também começaram a se interessar seriamente pela cultura Afro-brasileira, que desde o início era considerada de um ponto de vista folclórico. Ao mesmo tempo a ditadura aboliu os movimentos negros que lutavam contra a discriminação racial, que continuou profundamente enraizada na realidade social.
O espiritismo, especialmente o baixo espiritismo representado pelas religiões Afro-brasileiras, era ainda proibido por lei. Durante o período da ditadura, que também representa os anos de formação da Umbanda, a perseguição a pessoas envolvidas no espiritismo se intensificou. Com toda a certeza era a perseguição a pessoas envolvidas no baixo espiritismo (isto é, em religiões Afro-brasileiras), que levou os umbandistas a se identificarem com o espíritas (termo usado pelos espíritas kardecistas para se identificarem). Escolhendo esta auto identificação os umbandistas se associaram com o Kardecismo e com o alto espiritismo. Parece que o termo espírita foi usado para esconder nomes e para dissociar praticantes das novas religiões de sua ascendência Afro-brasileira, um gesto que traz a reminiscência da máscara católica das religiões Afro-brasileiras durante certo tempo.
Como foi mencionado, a ideologia da democracia brasileira era, e é, manifestada como uma hegemonia branca. Este estado de coisas revela-se como primeira tentativa de legitimar a Umbanda como religião. A legitimação envolve a desafricanização e o esbranqueamento da Umbanda. Em 1939 alguns fundadores dos centros originais da Umbanda do Rio de Janeiro, inclusive Zélio de Moraes, estabeleceram a primeira federação da umbanda, a União Espírita da Umbanda do Brasil (UEUB). A federação foi criada para organizar a Umbanda como uma religião coerente e hegemônica e assim obter legitimação social. Em 1941 a UEUB realizou a primeira conferência sobre o Espiritismo da Umbanda, que foi uma tentativa para definir e codificar a Umbanda como uma religião com direitos próprios, e como uma religião que une todas as religiões, raças e nacionalidades. A conferência é ainda conhecida por promover maior dissociação com as religiões Afro-brasileiras. Os participantes concordaram em fazer dos trabalhos de Allan Kardec a doutrina fundante da Umbanda. Mas os espíritos fundamentais da Umbanda, os Caboclos e o Pretos Velhos ainda permanecem como espíritos muito evoluídos. Pode-se afirmar que os participantes se esforçaram para legitimar a Umbanda como uma religião bastante evoluída. Por exemplo declarou-se que a Umbanda existiu como uma religião organizada por bilhões de anos, e estava assim à frente de outras religiões.
Neste esforço para legitimar a Umbanda como uma religião original e evoluída, os participantes procuraram cortá-la de suas raízes Afro-brasileiras. A origem da Umbanda foi traçada no Oriente de onde, se dizia, teria se espalhado para a Lemúria (um continente perdido), e daí para a África. Na África, continua a estória, a Umbanda degenerou em feiticismo. Desta forma foi trazida para o Brasil pelos escravos negros. (Federação Espírita de Umbanda 1942: 44-47). A influência africana da Umbanda não era assim negada, mas olhada como uma corrupção da tradição religiosa original, na sua fase anterior de evolução. A Umbanda, teria ficado exposta ao barbarismo africano, na forma vulgar dos costumes, praticada por povos de costumes rudes, defeitos psicológicos e étnicos. (Ibid.: 116). Outro jeito de sublinhar o caráter africano da Umbanda foi expresso no reconhecimento de que ela se originou na África, mas na África oriental (Egito), portanto na parte mais ocidental e civilizado do Continente.
Um dos objetivos da conferência era desta forma traçar as raízes genuínas da Umbanda do Oriente. A invenção de raízes orientais- somada à negação das africanas- refletiu na definição do termo Umbanda, que se crê geralmente ser derivado da língua Banto. Declarou-se que umbanda teria vindo do Sânscrito aume bhanda, termos que foram traduzidos como "o limitado no ilimitado", "Princípio Divino, luz radiante, fonte de vida eterna, evolução constante" ,Os participantes se esforçaram em associar a Umbanda com coisas como as tradições religiosas esotéricas européias e as novas correntes religiosas da Índia, representada pela Vivekananda.
A influência africana da Umbanda foi reconhecida como uma mal necessário que serviu meramente para explicar sua chegada e desenvolvimento no Brasil. O Candomblé, centralizado no nordeste do Brasil, era olhado como um estágio anterior da Umbanda, que havia se desenvolvido no sudeste. O Candomblé estava ainda marcado pela barbárie dos rituais africanos e assim associado com a magia negra. A lavagem branca da origem da Umbanda era expressa em termos como umbanda pura, umbanda limpa, umbanda branca e umbanda da linha branca no sentido de "magia branca". Estes termos contrastavam com magia negra e linha negra que estavam associados com o mal. Além disso, a divisão dos espíritos estabelecida, desenhou a linha entre aqueles da direita (bons), representados pela Umbanda, e os espíritos da esquerda (maus), representados pela magia negra. As únicas instâncias de identificação positiva da influência africana da Umbanda tem a ver com os Pretos Velhos (que eram vistos como pessoas simples e humildes, mas espíritos muito evoluídos), e com a África como um continente heróico e sofredor.
A atitude dos participantes em relação à herança religiosa africana era assim caracterizada pela ambigüidade. Elas eram positivas e negativas, oscilando da tentativa de dissocia-los das tradições religiosas africanas até sua atitude distintamente paternalista para com a África, a quem classificavam com a imagem de humilde escrava. Os negros brasileiros eram aceitos porque afinal tinham alma branca.

A Desafricanização na Cosmologia da Umbanda

A cosmologia da Umbanda é dividida em três níveis: o mundo astral, a terra, e o mundo inferior ou submundo. O mundo astral é presidido por deus, e é seguido por várias linhas. Cada linha é guiada por um orixá, que freqüentemente corresponde a um santo católico. O mundo astral é um lar hierárquico, onde cada figura religiosa é colocada segundo o seu nível de evolução espiritual. Nos níveis mais baixos, estão os fundadores espirituais da Umbanda: os Caboclos e Pretos Velhos. A terra constitui a plataforma para espíritos que experienciam sua encarnação humana em diferentes níveis de evolução espiritual. Ela é visitada por espíritos do mundo astral, que são incorporados pelos médiuns nos centros de umbanda, ajudando deste modo os seres humanos. O submundo, freqüentemente denominado quimbanda, é o domínio da magia negra. Ela representa uma anti-estrutura da Umbanda. O submundo é habitado por espíritos que viveram sua encarnação com caráter duvidoso (desonestos, prostitutas...). Eles são vistos como maus por falta de evolução espiritual. Estes espíritos também podem subir à terra, causando danos que devem ser desfeitos pelos espíritos do mundo astral que devem descer para isto.
Os especialistas que focalizam a desafricanização da Umbanda, tem procurado mostrar como a África e as tradições religiosas Afro-brasileiras são re-interpretadas na sua cosmologia. Na Umbanda os orixás afro-brasileiros foram marginalizados e tem menos importância que no Candomblé, onde todas as cerimônias estão centradas neles, que são incorporados pelos filhos-de-santos. Nas cerimônias da Umbanda, os orixás são periféricos. Devido à sua posição elevada na hierarquia, eles permanecem na esfera astral, porém raramente são incorporados pelos médiuns. Parece que os espíritos menos evoluídos e mais baixos da terra, os Caboclos e Pretos Velhos, tem tomado na Umbanda a posição que os orixás tradicionalmente ocupam no Candomblé.
Desde o século XIX, há tradição oral e escrita referente a estas duas figuras. O Caboclo é geralmente descrito como o representante de um indígena inculto, selvagem e orgulhoso e se tornou símbolo da antiga idade do ouro do Brasil. O Preto Velho tem sido representado como um Tio Tomás, humilde e fiel como escravo. Tem sido enfatizado que apesar das diferenças entre os dois tipos de espíritos, ambos são marcados pelo processo de aculturação e civilização, e partilham a experiência histórica comum de terem sido escravizados. A substituição dos orixás pelos Pretos Velhos tem sido interpretada como uma expressão do estrangeiro -África- sendo substituído pelo nacional - Brasil. A substituição dos orixás orgulhosos e livres pelos Pretos Velhos e escravos, também tem sido interpretada como um símbolo da transformação da África (de ter sido livre na África e se tornado escravo no Brasil). Essa substituição tem sido vista como uma instância de sua aculturação, domesticação e embranquecimento da identidade africana na sua transformação em identidade afro-brasileira e nacionalidade brasileira.
O brincalhão Exu, que entre outras coisas representa o mensageiro dos orixás no Candomblé, é outra figura africana e afro-brasileira que foi reinterpretada e marginalizada na Umbanda. Exu foi associado com o demônio antes da fundação da Umbanda. Nesta religião, entretanto, essa figura maligna foi complementada. Exu se tornou o representante do demônio, do perigo e da imoralidade. Por causa destas característica, parece que os primeiros umbandistas associaram Exu com africanos e escravos rebeldes. Exu foi portanto segregado da Umbanda, e se tornou o legislador da quimbanda, do submundo.
Outra reinterpretação umbandista coloca Exu na ordem evolucionista de precedência conforme o modelo kardecista; ele é reduzido a um espírito menos evoluído que todavia tem potencial para evoluir e se tornar um espírito bom. Alguns umbandistas distinguem entre Exu pagão e Exu batizado, que se submeteu à doutrinação e encontrou o caminho certo da escada da evolução. Esta distinção reflete algo do caráter original ambivalente de Exu, apesar do rito de passagem do batismo, que define a distinção que é certamente novo. Novamente este batismo do Exu pagão tem sido interpretado como uma expressão e aculturação e domesticação do mal, do perigo e da imoralidade.

Reafricanização Incipiente


O fim do regime autoritário em 1945 abriu caminho para a democratização. Isto também significou que a perseguição sistemática aos umbandistas parou. Entre os umbandistas, isto desencadeou um distanciamento na identificação com o Espiritismo Kardecista e abriu a possibilidade para outras identificações diferentes e novas definições da Umbanda. Este novo desenvolvimento pode ser interpretado como uma reafricanização incipiente da Umbanda. Também como alternativa à Umbanda Branca, apareceu a Umbanda Africana. Esta buscou suas origens na África, não na Índia, e exaltou a herança africana.
A mudança democrática capacitou a Umbanda de se espalhar e se tornar mais visível no sudeste brasileiro por meio de programas de rádio, jornais e da fundação de várias federações da Umbanda. No início dos anos 60, apesar do fim da perseguição governamental, a Igreja Católica liderou uma cruzada contra a Umbanda. Depois do Concílio Vaticano II (1962-1965), entretanto, a Igreja Católica no Brasil parou a perseguição, e começou a dialogar com as religiões não-cristãs. No Brasil esta resolução levou muitos padres católicos a se dar conta que o futuro do Catolicismo no país passa pela habilidade de lidar com as religiões Afro-brasileiras (Boff 1977). A Igreja Católica no Brasil começou a adotar um pluralismo litúrgico, incorporando elementos das religiões Afro-brasileiras em certas missas. Além disso a Igreja começou a reconhecer oficialmente a Umbanda como religião. Esta mudança significou que a Umbanda e outras religiões Afro-brasileiras puderam ganhar melhor posição no campo religioso.
Durante a ditadura militar (1964-1985) a Umbanda obteve reconhecimento oficial e legitimação.Isto está relacionado ao projeto nacionalista da ditadura. Presumivelmente os militares apoiaram a interpretação de democracia racial brasileira branca da Umbanda. O regime militar diretamente apoiou a Umbanda para usá-la para manipular as massas, causando o desprezo dos que estavam na oposição ao governo. Da mesma forma o regime também usou a Umbanda contra a Igreja Católica no Brasil, especialmente contra os clérigos que se opuseram a ele.
No anos sessenta, durante a repressão da era militar, a contracultura chegou da Europa e dos Estados Unidos ao Brasil. O movimento contracultural se espalhou nos centros urbanos do sudeste brasileiro, adotado pelas classes médias brancas, particularmente por intelectuais, estudantes e especialistas. Os movimentos de esquerda se levantaram em protesto e em solidariedade com os marginalizados, os pobres e os negros. Como na Europa e nos Estados Unidos, a contracultura dos anos sessenta envolveu a busca de alternativas para a racionalidade ocidental. A classe média branca do sudeste, de forma crescente, se voltou para o oriental, o místico e o ocultismo, na busca das origens da cultura brasileira. Sua atenção se voltou para a Bahia, o berço do Candomblé. A ambivalência religiosa e cultural da Bahia Afro-brasileira se tornou a representante do remanescente autêntico da verdadeira cultura brasileira. Logo a cultura popular brasileira adotou a Bahia e sua cultura e tradições religiosas. Os poetas da música popular começaram a se referir aos mistérios do Candomblé, às grandes mães-de-santos e aos orixás.
Durante a década de sessenta a cultura e a religião afro-brasileira se tornaram assim menos estigmatizadas pelas classes médias brancas do sudeste. Como conseqüência, o Candomblé começou se tronar visível nesta região.

O Alastramento e a Africanização do Candomblé no Sudeste do Brasil


Durante os anos setenta, a linha dura do regime militar no Brasil foi afrouxado e a proibição contra o culto do Candomblé e outras religiões Afro-brasileiras chegou ao fim em 1977. O número de registros do Candomblé cresceu consideravelmenteForam constituídas muitas novas federações do Candomblé e reorganizadas outras tantas da Umbanda e então incluídos nelas novos centros de Candomblé. Este desdobramento reflete a africanização estrutural da Umbanda e a sua reaproximação com as religiões Afro-brasileiras. Uma das conseqüências do novo reconhecimento do Candomblé e sua adaptação estrutural pelas federações da Umbanda foi que os pais-de-santos dos centros da Umbanda foram incorporados e, em larga escala, praticados no Candomblé. Mais ainda, os pais-de-santos umbandistas começaram a ir à Bahia para serem iniciados nos centros de Candomblé. Ser feito no Candomblé se tornou a legitimação da competência dos líderes umbandistas. A incorporação do Candomblé na Umbanda, deu origem a uma síntese denominada "umbandomblé" e "candombanda" e causou surpresa aos especialistas, pelo fato de que a Umbanda não só representava uma prática religiosa distinta, mas também uma combinação de tradições que abrangem desde o Espiritismo até ao Candomblé (Negrão 1993: 64-66).
Até 1987 o número de centros de Candomblé registrados em São Paulo chegaram a 2.500, enquanto o número de centros de Umbanda teve apenas um ligeiro crescimento depois da queda da ditadura militar. Por trás do crescimento do Candomblé no sudeste estão principalmente muitos pais-de-santos que transformaram seus centros de Umbanda em centros de Candomblé e que foram, em muitos casos, seguidos por seus adeptos e clientes. Muitos centros de Umbanda estão assim num período de transição para o Candomblé e são salvos pela transformação (como o Candomblé é uma religião mais exigente que a Umbanda). Antes os umbandistas recrutaram muitos membros do Candomblé, porém agora o curso do recrutamento está indo na direção oposta.
Outro fator que contribuiu para o desenvolvimento do Candomblé no sudeste foi a onda migração do nordeste, que tem crescido desde os anos sessenta. Entre os migrantes tem vindo muitos pais-de-santos, que trazem consigo seus centros de Candomblé ou abrem filiais de seus centros no sudeste. O transplante ou desenvolvimento de novos centros de Candomblé no sudeste é um fenômeno novo. Mas a composição de seus seguidores também é nova, desde que as classes baixas negras e as classes médias brancas estão igualmente representadas. Entre os pais-de-santos negros e brancos, o conceito de nação foi revitalizado e forma parte de sua auto imagem religiosa. Os pais-de-santos buscam sua identidade no local das áreas geográficas e das tradições culturais na África, pelas quais eles legitimam a pureza e a autenticidade de suas práticas religiosas. Por isso a genealogia religiosa dos novos pais-de-santos é fortemente ligada com a legitimação. No marketing de um centro de Candomblé é muito importante ser capaz de traçar uma linha ininterrupta de ligação religiosa com o Candomblé da centros mais antigos e de maior prestígio da Bahia.
Parece que muitos ex-pais-de-santos viram a Umbanda como um estágio no seu caminho para o Candomblé. Eles consideram o Candomblé como uma religião mais pura e estética, com forte raízes e tradições culturais. O Candomblé é também considerada mais eficaz magicamente e mais forte. Finalmente, ao dar suas razões por terem mudado para o Candomblé, os pais-de-santos declaram freqüentemente que ele não é mais uma religião estigmatizada e perseguida no Brasil .
No despertar do recente crescimento das religiões Afro-brasileiras no sudeste do Brasil, está acontecendo também um processo de reafricanização nestas religiões. O esforço de purificar o Candomblé dos elementos sincréticos como Caboclos e Pretos Velhos representa o reverso do processo de desafricanização e sincretismo que aconteceu na Umbanda. De acordo com isto, os centros de Candomblé estão começando a celebrar festas de despedida em honra dos Caboclos e Pretos Velhos da Umbanda. Além disso, há esforços para purificar o Candomblé de seus elementos católicos, a fim de retornar às tradições genuínas da Nigéria e do BeninUma expressão que salienta a africanização do Candomblé é o cultivo das tradições religiosas e culturais da Nigéria, por meio do estudo da língua Yorubá e da mitologia dos orixás, através da peregrinação à Nigéria. Alguns dos pais-de-santos reafricanizados mesmo se dissociam do Candomblé como um produto afro-brasileiro. Ao invés disso, escolhem o nome de sua religião como tradição do orixá ou culto do orixá
De modo geral parece que as religiões Afro-brasileiras se tornaram mais visíveis na sociedade do sudeste brasileiro. Pais-de-santos aparecem na mídia com suas revistas próprias e seus próprios programas de rádio e televisão. Ele ainda aparecem a caráter nas novelas e como adivinhos, fazendo prognóstico sobre eventos de importância política e social. O Candomblé se tornou também alvo de comercialização. O número crescente de anúncios de objetos rituais e pacotes de viagem ao locais sagrados dos orixás na Nigéria acontece, na maioria das vezes, devido ao interesse comercial profano. Sua existência, entretanto, é evidência do interesse no Candomblé. Desde os anos setenta, os imigrantes nigerianos , que originalmente vem ao Brasil como estudantes de intercâmbio, se estabelecem no sudeste do Brasil e ganham a vida importando e vendendo objetos rituais vindos da Nigéria. O primeiro mercado dos orixás foi estabelecido em São Paulo em 1996. Adicionalmente, o desenvolvimento no campo da educação reflete crescente interesse na cultura e na religião afro-brasileira e nas raízes culturais africanas. Desde 1977, especialistas nigerianos visitantes, tem oferecido cursos de cultura e língua Yorubá na Universidade Estadual de São Paulo (USP). Cursos como estes tem atraído tanto estudantes, intelectuais como praticantes do Candomblé. A partir dos final da década de setenta, outras instituições educacionais em São Paulo, tem também começado a oferecer cursos de língua e religião Yorubá, (incluindo mitologia, dança e música para os orixás). Estas instituições funcionam, de alguma maneira, como porta de entrada para os centros de Candomblé .

Os Significados da Reafricanização


Os estudiosos que pesquisam a Umbanda ou o Candomblé discutem atualmente se o Candomblé está competindo com a Umbanda (isto é se está uma transferência geral da Umbanda para o Candomblé). Apesar da Umbanda ser ainda muito mais espalhada do que o Candomblé, e de seus membros continuarem olhando o Candomblé com preconceito, o Candomblé parece estar crescendo no sudeste às custas da Umbanda. O Candomblé também se estende a todas as camadas da sociedade brasileira.
Apesar da pesquisa no crescimento e reafricanização das religiões Afro-brasileiras ser ainda incipiente, tem já aparecido interpretações divergentes do fenômeno. O sociólogo brasileiro Reginaldo Prandi tem argumentado que mudança da Umbanda para o Candomblé está continuando e esta mudança é o reflexo de certas mudanças sociais  , a Umbanda é uma religião cuja ideologia reflete a sociedade de ontem (isto é, a moderna classe social que apareceu nos anos 1920, era caracterizada pela crença no nacionalismo, na igualdade e na mobilidade social). Este tipo de sociedade não se concretizou. Devido às crises políticas e às mudanças sociais que ocorreram durante o regime militar posterior, o povo perdeu seu senso de segurança e sua crença na sociedade e na mobilidade social. Na visão de Prandi, o Candomblé está mais afinado com a sociedade contemporânea. Ele caracteriza o Candomblé como uma religião não ética, onde o valor das coisas mundanas está localizada no indivíduo. Assim o candomblé se ajusta na sociedade hedonista, narcisista, pós ética - em outras palavras, pós moderna- de hoje .
Outra hipótese que Prandi defende é que o Candomblé, como foi transplantado do nordeste para o sudeste do Brasil, sofreu a passagem de uma religião étnica para universal. Prandi afirma que a popularização do Candomblé, que tem se dado através da música e dos meios de comunicação desde os anos sessenta, tem preparado o caminho para o crescimento e reconhecimento da cultura e da religião afro-brasileira e africana. Esta redescoberta da África tem atraído a classe média branca aos centros de Candomblé, algo que tem contribuído para a legitimação e popularização do mesmo. De acordo com Prandi, a reafricanização não tem nada a ver com a cor da pele ou com a identidade afro-brasileira. A religião e a cultura afro-brasileiras perderam quase toda a sua identidade étnica e a ligação com a população afro-brasileira. Ao invés, Prandi vê a reafricanização como uma espécie de invenção das tradições intelectualizadas, nas quais o retorno às raízes africanas representa a busca da origem e da autenticidade (Ibid.: 118). A argumentação de Prandi é diretamente apoiada em outros argumentos, os quais, por exemplo, afirmam que o Candomblé tem conseguido uma aceitação geral pelo setor dominante branco da sociedade brasileira, em parte como resultado de ter sido marcado como uma religião autêntica e pura.
O ponto de vista de Prandi em relação a reafricanização representa o Candomblé como um expressão do culturalismo. Os elementos culturais aparecem livremente flutuando a ponto de perder qualquer relação com o estrato sócio-econômico ou categoria etno-histórica. Outros estudiosos tomaram outro caminho e relacionam o crescimento e a reafricanização das religiões afro-brasileiras diretamente a questões étnicas e políticas. Assim a antropóloga norte-americana Diana Brown liga o crescimento do Candomblé no sudeste ao aumento da consciência da racial da ascendência africana entre os brasileiros. Brown chama a atenção para o fato de que o crescimento do Candomblé, com respeito ao espaço e ao tempo, coincide com o aparecimento do interesse cultural e político pela identidade africana entre os negros brasileiros (isto é, com os movimentos de consciência racial que começaram no fim dos anos sessenta) Mas Brown nega que há explicação clara e ambígua para o desabrochamento do Candomblé no sudeste brasileiro. Ela argumenta em particular que se tem que levar em conta as diferenças entre a identificação das classes médias brancas e das classes baixas negras com o Candomblé.
Os pontos de vista diversos discutidos aqui, representam duas interpretações do recente crescimento e reafricanização do Candomblé no sudeste do Brasil. Uma apela à universalidade e ao multiculturalismo do Candomblé e outra destaca questões políticas e étnicas. Na primeira interpretação , o candomblé é parte de um repertório simbólico e é uma entre muitas identidades religiosas no supermercado multicultural e plurireligioso da sociedade moderna, onde cada indivíduo é livre para escolher e combinar os elementos das várias e multiformes identidades religiosas. O outro ponto de vista considera que o Candomblé está ligado com a consciência étnica e política na luta contra a discriminação que tem crescido desde os anos setenta entre a população afro-brasileira. Aqui o Candomblé aparece como uma fonte na luta política onde a reinvenção das tradições religiosas africanas podem ser usadas como meio de mobilização étnica e caminho para despertar a consciência do povo e construir uma identidade étnica. Os dois pontos de vista não se excluem. É como se aos olhos das classes médias brancas o Candomblé não fosse mais uma expressão da identidade afro-brasileira, enquanto ao mesmo tempo, ele pode se constituir em fonte de consciência étnica e mobilização entre a população afro-brasileira.
Na minha pesquisa sobre a reafricanização do Candomblé no sudeste brasileiro, observei uma forte diferença no envolvimento nas religiões afro-brasileiras de negros e brancos. Entre os dois grupos há no momento sérias controvérsias a respeito da definição do Candomblé, da africanidade e da negritude. Os mais africanizados- isto é os que estudam mitologia Yorubá e vão em peregrinação a África- tendem a ser brasileiros brancos da classe média. Eles geralmente tentam se dissociar do Candomblé, que consideram uma religião Afro-brasileira sincrética "impura". Preferem definir sua religião como afro-descendente, denominando-a de Tradição do Orisa ou Culto do Orixá. Há apenas uma representação pequena de negros brasileiros nos centros religiosos dos praticantes destes "afro-descendentes".
Os negros brasileiros parecem predominar nos centros tradicionais afro-brasileiros do Candomblé, que inclui uma forte representação de participantes dos Movimentos Negros. Ligam seu envolvimento religioso à consciência racial e à luta contra a discriminação. Eles se dissociam dos movimentos de brasileiros brancos mais africanizados, reprovando-os por ignorar a realidade social que os negros brasileiros enfrentam, e por cultuar somente a África, aos invés de ligar a África com o Brasil. Eles destacam que a cultura africana existe no Brasil, que o Candomblé sincrético é parte da história social e da identidade dos negros brasileiros. Apesar das controvérsias entre negros e brancos, eles se unem em federações e organizações, como praticantes de religiões afro-brasileiras.
Interpretando o crescimento e a reafricanização das religiões afro-brasileiras, os pontos de vista culturalista e etnico-político não são sim ou não, mas podem acontecer simultaneamente. O desafio está em reconhecer que o Candomblé não pode mais ser visto sem a dimensão ambígua. Após ter sido olhado como uma espécie de "gueto cultural", como um fenômeno cultural restrito principalmente ao nordeste, o Candomblé agora se espalha por todo o país, e é adotada por larga escala de grupos sociais e étnicos, onde cada um a interpreta de seu próprio jeito. Um dos desafios no estudo das religiões afro-brasileiras hoje parece ser os vários sentidos que elas tomaram na sociedade intercultural do sudeste do Brasil, onde questões relacionadas à raça são marcadas por complexidade desencontrada e ambigüidade.
No seu trabalho Identidade Cultural e Processo Global, o antropólogo norte-americano Jonathan Friedman argumenta que quando um centro hegemônico começa a declinar torna-se crescentemente difícil de manter a identidade dominante. Uma crise na sociedade maior leva ao enfraquecimento do poder e da identidade do grupo dominante, e oferece a oportunidade a grupos reprimidos anteriormente de reforçar sua identidade cultural Como identidades modernas fracassam, identidades culturais emergentes e processo étnico aparecerão como alternativas, incluindo movimentos indígenas e movimentos religiosos fundamentalistas. Cada movimento representa a emergência de novo primitivismo, uma busca de significado primordial .
Na explicação da mudança da desafricanização para a reafricanização da religião Afro-brasileira, faz sentido aplicar a teoria de Friedman, juntamente com as hipóteses de Prandi, recordando a mudança da Umbanda para o Candomblé como expressão de mudança social. A Umbanda se originou com a sociedade moderna brasileira, como a religião brasileira, ajuntando os vários grupos étnicos do Brasil e sintetizando suas crenças. No processo assimilativo da desafricanização e embranquecimento, fazendo o afro-brasileiro se tornar apenas brasileiro, a Umbanda se ajustou à ideologia dominante da sociedade moderna. Ela viveu seu momento auge durante a ditadura militar nacionalista. Quando a crença na nação e nos valores da sociedade moderna falharam durante o regime militar, no entanto, alternativas política , culturais e identidades religiosas começaram a aparecer. Simultaneamente, houve um afrouxamento gradual da política repressiva da ditadura. Quando o regime militar finalmente acabou em 1985, o crescimento do número de centros de Umbanda estagnou, enquanto outras identidades culturais começaram a emergir. Depois de terem sido reprimidas, a cultura e as religiões afro-brasileiras tem tomado agora novas formas de construção de identidade numa sociedade inter-cultural onde a identidade é questão de livre escolha. A identificação com a religião afro-brasileira agora parece englobar desde a busca de primitivismo de brasileiros brancos até as raízes culturais e as exigências de consciência racial de brasileiros negros.


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