domingo, 28 de julho de 2013

ENSAIO SOBRE O FOLCLORE BRASILEIRO

A Carta do Folclore Brasileiro de 1951, com o adendo aprovado no Congresso da

Bahia, em 1957, põe o estudo dos fenômenos folclóricos, como fenômenos de cultura, no

quadro das Ciências Socioculturais. Esta posição brasileira teve importância fundamental na

luta que os folcloristas travaram pelo reconhecimento do seu trabalho.

As Ciências Sociais defrontam-se todas com o mesmo problema: como os homens

obrigados a viver num dado meio social, atingem num dado momento, a uma organização

estruturada e duradoura. Cada disciplina, em particular, procura explicar o mecanismo dessa

existência, quer relacionando o presente com o passado quer investigando os diferentes

processos de interação social.

Por muito tempo o folclore foi considerado matéria “morta”, arqueológica, histórica,

passível de observação indireta. O interesse dos fenômenos folclóricos dependia da

antigüidade, de suas, cada vez, mais longínquas origens. E, como disciplina, parecia fadado a

ter por campo de estudo as “sobrevivências do passado”. Não tem outro sentido o texto da

carta de William John Thoms, publicada em 22 de agosto de 1846, na revista londrina

The

Atheneum


, propondo a expressão Folk-Lore, então empregada pela primeira vez, para

designar precisamente as “antigüidades populares”.

Surgem freqüentemente, na sociedade, novas “expressões” folclóricas, enquanto

outras desaparecem ou se transformam. A sociedade moderna, baseada na ciência e na

tecnologia acelera intensamente a dinâmica social. Sobre o fato folclórico recaem as

influências mais diversas, submetendo-o a certos processos dinâmicos em que “a cada ação

corresponde determinada reação”. O folclore permeia toda a vida social, que participa da sua

criação e manutenção.

O fenômeno folclórico participa de um processo geral que envolve, permanentemente,

mecanismos internos, aquisitivos, desagregativos e de recomposição, recombinação e

movimentos externos, que tomam forma agressiva ou acomodatícia, que, por sua vez,

ocasionam novos processos internos, portanto, o folclore é dinâmico na sua essência, estando

em constante transformação, nos fornecendo a idéia de “matéria viva”.

No Brasil, em face das diversidades e contrastes regionais que se encontram em seu

território, vasto e diversificado física e humanamente, mais cresce a importância da base


regional, que não se restringe, ao fato folclórico isoladamente, mas, se alarga a todos os fatos

sociais e culturais. Tanto quanto nos tipos humanos que vão do tapuio amazônico ao

jangadeiro cearense, do vaqueiro pernambucano às baianas de Salvador, do garimpeiro das

Minas Gerais ao gaúcho do Rio Grande do Sul, do caipira de São Paulo ao candango de

Brasília, do canoeiro do São Francisco ao teuto de Santa Catarina, também variam as

manifestações folclóricas diante da diversidade regional.

Essa definição regional é que permite se caracterizar a origem, o fundamento, a

manutenção dos fatos folclóricos, estudando os grupos étnicos e a cultura da região em que

eles aparecem.

No Brasil não há, rigorosamente, trajes populares ou típicos, tal como acontece em

outros países como: Portugal, Espanha e Itália, cada qual com seus trajes típicos de cada

região.

Mas, pelo menos, três trajes regionais são característicos: o da baiana, o do vaqueiro

nordestino e o do gaúcho. Mesmo assim, se compararmos os trajes do vaqueiro

pernambucano com o vaqueiro de Marajó, mesmo tendo a mesma atividade econômica, que é

a pecuária, cada um deles terá, em fase das influências do respectivo meio, diferenciações

como conseqüência da ecologia cultural, ou da região.

Para estudarmos o folclore brasileiro a base regional é fundamental. As peculiaridades

da região, de grupos étnicos, de formação cultural, de gênero de vida, imprimem no folclore

sua feição regional.

Esse conjunto tem como base o encontro entre os três grupos que inicialmente

entraram em contato na terra brasileira: o indígena, o português e o negro africano, o folclore

brasileiro reflete as marcas que cada um desses grupos lhe trouxe, através de seus valores

culturais, elementos representativos de seus ethos, aqui se mesclando, sob os influxos do novo

ambiente e os imperativos de uma sociedade que se formava.

Nosso populário, nossos mitos, nossas tradições, nossas técnicas, nossas festas são o

resultado dessa miscigenação cultural. Se cada um dos grupos marcou sua maior ou menor

influência, o fato é que o processo transculturativo criou as novas formas que, hoje, podemos

considerar brasileiras.

Pelo nordeste agrário, começou a formação do povo brasileiro; mais nítida e

aprofundada se tornou a influência cultural lusitana. Surgida no momento da expansão

marítima portuguesa, no substrato de sua formação se fixaram os temas marítimos. Sobretudo,


no século XVIII, estruturam-se os folguedos de fundo marítimos: as Cheganças, os

Fandangos, os Reisados.

Dada a natureza da economia agrária, os temas folclóricos dessa origem se tornam

comuns; é a região do folclore do açúcar. Os temas em torno da cana-de-açúcar, do engenho e

mais modernamente, da usina, são ricos, expressando nitidamente a influência dessa atividade

na vida regional. Características desta região são, também, as danças primitivamente de

umbigadas, destacadamente o coco, encontrado em diferentes formas. Ainda são tradicionais

as festas natalinas com numerosos folguedos e autos pastoris.

É no mundo da atividade pecuária nordestina, em especial, que aparece no folclore

brasileiro um dos mais ricos ciclos, o do boi, nas formas mais típicas do bumba-meu-boi.

Estendendo-se, o folclore do boi, à apresentação das vaquejadas, e nas vaquejadas as

manifestações folclóricas dos repentistas, violeiros e dos grupos de forró, que garantem a

animação e da literatura de cordel, relatando os feitos heróicos dos vaqueiros, suas montarias

e do cotidiano do homem do sertão.

Assim, as subjetividades regionais trazidas à reflexão nesse ensaio, estabelecem

especificidades para uma discussão mais alargada dessa trama cultural, que se vale da

interação de diversos povos em território brasileiro.

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