terça-feira, 30 de julho de 2013

A fé que corta montanhas

 

A fé que corta montanhas

Na desolada cidade de Lalibela, na Etiópia, 11 igrejas cristãs foram esculpidas na rocha há 800 anos. Fomos ao coração da África para contar esse verdadeiro mistério da fé, intacto até hoje


A entrada de uma das igrejas de Lalibela que ajudam
a manter o cristianismo na Etiópia já há oito séculos.

Vista da janela do hotel, ao amanhecer, a cena parece medieval. Na encosta da montanha, as igrejas de Lalibela, na Etiópia, não se deixam ver. É possível distinguir apenas os peregrinos, vestidos de branco, lentamente subindo a ladeira para, de repente, desaparecerem no interior da rocha dura e escura. Tudo sem barulho, quase em câmera lenta.

As igrejas de Lalibela impressionam. Invisíveis ao viajante desatento, foram escavadas num maciço rochoso há 800 anos. Bem perto umas das outras, são interligadas por valas e túneis cortados fundo na montanha. Dedicado ao culto cristão ortodoxo, por séculos a religião oficial do país, o santuário reúne 11 templos, alguns com mais de uma nave e abóbadas de 10 metros de altura.

A despeito de seu raríssimo conjunto arquitetônico, reconhecido pela Unesco como Patrimônio Histórico da Humanidade, Lalibela é um daqueles lugares de que poucos ouviram falar e menos ainda o conhecem. Por muito tempo permaneceu inacessível, a não ser aos peregrinos mais decididos. A cidade está numa área montanhosa, a 2 630 metros de altitude. Até recentemente, as estradas que levavam a Lalibela eram intransitáveis, a luz elétrica era desconhecida e ainda hoje não existe banco nem farmácia. O mundo, ali, anda em outro compasso.

O calendário é o juliano, criado por Júlio César em 45 a.C. para unificar as datas na vastidão do Império Romano. A adoção do calendário gregoriano, em 1582, não chegou ali.

Raro país da África nunca colonizado por metrópoles européias (a ocupação italiana durante a Segunda Guerra Mundial durou menos de dez anos), até a década de 70 a Etiópia era governada por reis e imperadores. Foi no século 12, durante o reinado do cristão copta Lalibela, de quem a cidade herdou o nome, que se ergueram suas igrejas. Diz a lenda, e diz também o guia que inevitavelmente acompanha o visitante morro acima e escada abaixo, que, antes de ser consagrado rei, Lalibela esteve exilado em Jerusalém, onde teria se deslumbrado com a beleza dos templos locais. E, assim segue a lenda, os anjos o ajudariam, anos depois, a esculpir sua adoração na rocha.

Um pouco de história. A conexão entre o povo da Etiópia e o de Jerusalém é antiga. A dinastia dos imperadores etíopes, encerrada com Haile Selassie (1892-1975), era conhecida como salomônica. Eles acreditavam descender diretamente do rei Salomão. Existem mais de 30 referências à Etiópia no Velho Testamento. A bela rainha de Sabá, etíope, seduziu o rei Salomão em Jerusalém e de lá voltou grávida do futuro rei Menelik, um dos mais poderosos governantes da história do país africano. O mesmo Menelik que, em uma de suas visitas ao pai, o rei Salomão, decidiu levar a Arca da Aliança para... a Etiópia. Diz-se que ainda hoje a arca original está escondida em algum lugar por ali. Onde exatamente? Uma pegadinha clássica a turistas mediante o pagamento de pequena soma - que pode aumentar de acordo com a cara de palerma do aventureiro. Não diga que não avisamos.

Voltando às igrejas submersas. No regresso de seu exílio, tendo se consagrado rei, Lalibela fez com que sua "Nova Jerusalém" fosse construída abaixo do nível do solo por pura estratégia. Assim, quando os mercadores muçulmanos aparecessem pela região à procura de novos escravos, os cristãos etíopes e seus templos tinham maior chance de passar desapercebidos - só quem caísse literalmente na armadilha, e com sorte se recuperasse do tombo, poderia encontrar o caminho para o esconderijo.

As construções são peculiares. No começo eram trincheiras de 3 metros de largura por 10 metros de profundidade, escavadas em torno de um maciço de pedra. Numa das faces do bloco que surgia, uma porta era aberta e, a partir dela, as naves cresciam no interior da rocha. Grande volume de matéria vulcânica foi retirado, dando lugar a diferentes ambientes. Tudo é de pedra, claro, as paredes, o chão, as colunas e o teto sem emenda. É como se um daqueles castelos de areia feitos na Praia de Copacabana fosse levantado em tamanho natural para que um homem pudesse passear por dentro.

Ao entrar no recinto, o visitante é convidado a tirar o sapato. Seja por causa da umidade, seja pelo excesso de tapetes que recobrem o chão ou pela falta de cuidado, o lugar é dominado por pulgas - se sua presença de espírito o tiver levado a guardar aquelas meias descartáveis distribuídas pela companhia aérea no vôo intercontinental, elas poderão ser usadas como proteção.

Cada uma das 11 igrejas tem um monge encarregado dos serviços religiosos - Lalibela é ainda hoje um centro de peregrinação. Na parte oposta à entrada, sempre protegida por uma cortina desgastada pelo tempo, está a arca onde é guardada a cruz. Se o dia não é de movimento e o monge tiver boa vontade, ele poderá mostrá-la a você. Ela é de ouro, bem, talvez, e foi carregada pelo rei Lalibela durante as batalhas e celebrações que marcaram seu reinado de glória. Se a história do monge é verdadeira? Ninguém
sabe ao certo, assim como até hoje nenhum arqueólogo desvendou o mistério da construção de suas igrejas - engenheiros estimam que pelos menos 40 mil homens teriam trabalhado freneticamente, dia e noite, durante anos a fio, para escavar os templos na rocha vulcânica.

Em Lalibela, enquanto os fiéis entoam seus cânticos e os peregrinos perseguem sua história, o passado ainda não encontrou o presente.
 
 

 

Leptis Magna – um pedaço de Roma na África

Leptis Magna é uma das mais bem preservadas ruínas romanas do Mediterrâneo. É considerada uma das maravilhas de África



Leptis Magna foi uma prospera cidade do Império Romano. Suas ruínas estão situadas em Al-Khums, Líbia, 130 quilômetros ao leste de Tripoli. Era uma das mais belas cidades do Império Romano devido a Septimus Severus, que a aumentou e embelezou, erigindo imponentes edifícios públicos, um porto, um mercado, armazéns, lojas e bairros residenciais.

Período Púnico

A cidade provavelmente foi fundada por colonos Fenicios em 1100 a.C., embora não tivesse a mesma importância que Cartago que se transformou em um poder principal no mar Mediterrâneo século IV a.C. Fez parte do estado de Cartago até a segunda guerra púnica. Em 146 a.C. foi anexada á república Romana.

Período Romano

Leptis Magna voltou a renascer durante o Período Romano, altura em que a cidade foi incorporada ao império no governo do imperador romano Tibério, como sendo uma parte da Província Romana de Àfrica.

Desde essa altura, passou a ser a 3ª cidade mais importante de Àfrica. Durante o reinado do Imperador Septímio Severo, atingiu o auge ao ser agraciada com um amplo programa de obras.


Teatro

Septímio Severo, originário de Leptis, favoreceu a sua cidade natal, patrocinando o seu engrandecimento em grande escala e em grande estilo.

Por volta do Séc. III , houve um declínio do comércio Romano, a importância de Leptis Magna também caiu, na metade do século IV, as principais partes da cidade tinham sido abandonadas.

Vândalos, Bizantinos e Árabes

Devido à anarquia militar, Leptis Magna e a maioria das cidades da Tripolitania estavam desprotegidas. Em 439 os Vândalos invadem o Império Romano fundando um reino no norte da áfrica, tendo Cartago como capital. Leptis Magna passou a fazer parte do Reino dos Vândalos.

Em 523 um grupo de incursores Berberes saqueiam a cidade. Em 534 o general bizantino Belisario reconquista Leptis Magna e destrói o Reino dos Vândalos. A cidade foi anexada ao Império Bizantino. Em 650 os árabes venceram os bizantinos e dominaram toda Tripolitania.

A morte e a destruição da cidade

A invasão árabe, que atinge velozmente o norte de África depois da derrota de Bizâncio frente aos Muçulmanos, vem apenas concluir um processo de declínio e de apagamento de uma grande e importante rede de grandes cidades.

Segundo informações da Enciclopédia Britânica, Leptis Magna entrou em decadência e, após a conquista árabe do Norte da África, no século 07 d.C., foi deixada ao abandono, não tendo sido habitada desde então. Isso garantiu a preservação não só dos edifícios romanos, mas também de indícios de outras civilizações que ocuparam a região, como os cartagineses e os númidas.

Com o seguir dos anos, Leptis passou a ser uma fonte de lucro. Parte dos mármores de Versalhes, foi retirada de Leptis. A partir dos anos 1920 passou a ser escavada sistematicamente.

Ruínas Romanas


Arco de Septimus Severus

Algumas estruturas merecem destaque, como o Arco de Septimus Severus, logo na entrada, construção com quatro entradas em arco.


Termas de adriano


Mercado


Fórum


Basílica

Há também as Termas de Adriano, que ainda conservam quase intactas as latrinas de mármore utilizadas em tempos imperiais; o mercado; o Fórum e a Basílica, que embora não tenham mais teto, ainda conservam as paredes e vários dos relevos e inscrições originais. Algumas colunas da Basílica têm entalhes detalhados retratando a vida do deus Dionísio e os doze trabalhos de Hércules.


Anfiteatro

O edifício mais impressionante, porém, é o anfiteatro, em ótimo estado de conservação. 
 

 

A Civilização Songhai nos séculos XII ao XVI

Análise sobre uma das mais importantes civilizações do Vale do Níger, a civilização Songhai, que teria sucedido aos grandes impérios de Gana e Mali


O Império Songhai e suas rotas comerciais.

Ao fim de longa evolução de cerca de oito séculos, os Songhai, estabelecidos nas duas margens do médio Níger, erigiram um poderoso Estado e unificaram grande parte do Sudão, permitindo assim o desabrochar de brilhante civilização, em gestação durante todo esse tempo. Para maior clareza, consideraremos dois grandes períodos desta evolução, tentando distinguir seus principais aspectos, na medida em que seja possível discerni-los nos dois Ta'rikh de Tombuctu, nas fontes árabes e européias e nas tradições songhai.

O reino de Gao do século XII ao advento de Sunni 'Ali Der em 1464

Conhece-se mal a história dos Songhai anterior ao reinado de Sunní 'Ali Ber (1464-1492). As raras fontes árabes sobre o período mais suscitam problemas do que informam. As tradições orais dão apenas um quadro imperfeito da realidade desses tempos antigos. O estudo desse período será, portanto, crítico; levantará mais questões do que as resolverá, e as soluções propostas servirão apenas como hipóteses de pesquisa.

O reino de Gao no século XII


Cidade de Gao, Mali.

Por sua posição geográfica às margens do Níger, na zona fronteiriça entre o Sudão e o Sahel, Gao tornou-se, no século XII, a capital do jovem Estado songhai, acabando por eclipsar a antiga cidade de Kükya (ou Kugha, conforme os autores árabes). O comércio do sal de Tawtek (local não identificado), a passagem por Tadmekka de mercadorias provenientes da Líbia, do Egito, da Ifrikya, as caravanas do Tuat e de lugares mais distantes do Magreb ocidental transformaram Gao num grande mercado cosmopolita.
As fontes árabes, no entanto, não são muito precisas quanto ao nome da cidade. Segundo al-Bakri, que transcreve "Kaw-Kaw", a cidade situava-se no Níger. AI-Idrisi distingue a cidade de Kügha, "bem populosa", cercada de muros na margem norte, a vinte dias de marcha de Kaw-Kaw (Gao-Gao) ao norte. O que se deve sublinhar é a existência das duas cidades, Gao e Kükya, no século XII.
O reino que se estendia sobre as duas margens do Níger, de Dendi a Gao, era dirigido pelos Dia ou Za, provavelmente uma fração dos Songhai miscigenada com berberes. De qualquer modo, no século XI o Dia tinha o título songhai de Kanta ou Kanda. Evento de importância capital foi a conversão do Dia kossoy ao Islã em 1019; o exemplo não parece ter sido seguido pelos Songhai, que por muito tempo ainda permaneceram fiéis às suas crenças e práticas religiosas tradicionais.
Estelas funerárias encontradas em Gao-Sané mencionam nomes muçulmanos diferentes daqueles dos Ta'rikh. Por várias razões, elas parecem ter sido importadas.

A dominação Manden(Mandingo) e a Dinastia dos Sunni: séculos XIII a XV

Provavelmente entre 1285 e 1300, exércitos manden (mandinga) conquistaram o reino de Gao. Entre 1324 e 1325 aproximadamente, o mansa Kanku Miisã, voltando de peregrinação, construiu uma mesquita em Gao. Sob a direção dos farin ou governadores, os Manden organizaram a região da curva do Níger e encorajaram seu desenvolvimento econômico. Gao tornou-se, então, grande centro comercial e uma das cidades mais belas do Sudão.
A dominação manden não foi contínua. O Dia de Gao era, na realidade, um tributário que aproveitou as dificuldades do Mali para se emancipar. Em todo caso, parece que o final do século XIV marcou o término da dominação manden sobre o Gao. Uma nova dinastia - a dos Sunni - fundada por 'Ali Kolon no século XIII, tornou-se independente e expulsou os Manden.
Segundo Boubou Rama, esta dinastia, cuja origem ainda é objeto de discussão, teria vindo de Kuikya e expulsado os Manden de Gao. Os Sunní, também conhecidos como Sii ou Chi, eram guerreiros. Os três últimos representantes da linhagem deixaram Gao e levaram a guerra para leste, na direção da rica região de Macina e do Império do Mali. Sunni Madawu, pai de Sunní 'Ali", empreendeu grande ataque contra Niani, capital do Império Manden, saqueando-a e tomando 24 tribos de escravos pertencentes ao mansa. Seu sucessor Sunni Solimão Daama, por sua vez, invadiu e destruiu Nema (Mema), centro da província soninke do Império do Mali, arrebatando grande butim. As guerras aumentaram os meios de ação da monarquia. O rei de Gao tornou-se o verdadeiro senhor da curva do Níger e com a ascensão de Sunni 'Ali em 1464, a dinastia atingiu o apogeu.

O Império Songhai nos séculos XV e XVI


Sunní 'Ali Ber (1464-1492).


Conquista e organização de um império

Sunni 'Ali Ber mudou os destinos do reino de Gao. Abandonou a política de pilhagem adotada pelos predecessores, substituindo-a pela conquista territorial. Para tal, contou com um exército experiente e bem estruturado, chefiado por homens competentes: uma flotilha no Níger comandada pelo hi koy (ministro do rio e da esquadra), uma infantaria que aumentava continuamente com a incorporação dos guerreiros vencidos e, sobretudo, uma cavalaria que, por sua mobilidade, foi a ponta-de-lança de suas conquistas. Durante o reinado, Sunni 'Ali Ber percorreu, à frente dos cavaleiros, o Sudão nigeriano em todos os sentidos, desconcertando seus adversários pela surpresa e rapidez, e impondo sua autoridade pela violência e pelo medo. Seus contemporâneos julgavam-no invencível, a encarnação mesmo do espírito da guerra. Conhecido como grande mágico, era considerado um homem extraordinário, carismático, tanto que o povo conferiu-lhe o título de daali.
Como os predecessores, Sunnl 'Ali foi atraído pela rica região ocidental, pelas cidades nigerianas e pelo delta central do Níger. Conquistou sucessivamente Djenné, parte da região de Macina, onde abateu grande número de Fulbe (Peul ou Fulani), e, o mais importante, Tombuctu (1468). Atacou os tuaregues, rechaçando-os para o Sahel setentrional; no sul, empreendeu várias expedições contra os Dogon, os Mossi e os Bariba. Em 1483, nas cercanias de Djenné, venceu o rei mossi Nasere I, que voltava de Walata trazendo rico butim. Desta forma, Sunni 'Ali acabou com a ameaça dos Mossi no vale do Níger. Em 1492, ano de sua morte acidental, ele dirigia um grande império que, centrado no Níger, estendia-se desde a região de Dendi até a de Macina. Organizou-o segundo o modelo manden. Criou novas províncias, confiadas a soberanos que se intitulavam fari ou farma (manden) e koy ou mondzo (songhai). Nomeou um cádi para Tombuctu e provavelmente para outras cidades muçulmanas. Todos esses agentes do leste estavam diretamente subordinados a Sunni; desta forma, o Estado patriarcal e consuetudinário de Gao tornou-se um Estado centralizado que controlava todas as regiões do Níger. Sunni 'Ali favoreceu o desenvolvimento econômico do jovem império. Se, por um fado, falhou na escavação de um canal unindo o Níger a Walata, por outro, construiu diques no vale do rio e incentivou a agricultura.

Política religiosa

Sunni 'Ali Ber enfrentou grandes dificuldades junto à aristocracia muçulmana, principalmente em Tombuctu. Dois séculos mais tarde, os ulemás desta cidade descrevê-Io-iam à posteridade como um soberano cruel, tirânico e libertino; hoje já está reabilitado. Os motivos de sua oposição aos ulemás eram tanto políticos quanto ideológicos. Tendo sido educado no Faru (Sokoto), terra de sua mãe, nunca foi bom muçulmano, pois jamais abandonou os cultos tradicionais songhai. Os ulemás criticavam-no constantemente e muitos deles aliaram-se aos tuaregues de Akil Ak Melawl, contra os quais Sunni lutava. Acima de tudo, o imperador simbolizava a cultura tradicional songhai diante de forças novas: o Islã e as cidades.

A Dinastia dos Askiya (1492-1592)


Askíya Muhammad I.

A morte de Sunni 'Ali provocou uma guerra civil. Sunni Baare recusou-se a se converter ao Islã. Um partido muçulmano, dirigido pelo hombori-loi Muhammad e seu irmão 'Umar Komdiãgho, revoltou-se contra o novo sunni e o derrotou em Anfao, na região de Gao. Muhammad Turé ou Sylla apossou-se do poder soberano com o título de askiya, fundando, assim, uma dinastia muçulmana.
O Askiya Muhammad era de origem soninke, do clã dos Turé ou Sylla, provenientes do Takfür. Apesar de iletrado, era muçulmano fervoroso, homem equilibrado e moderado, além de político sagaz. Apoiou-se sobre as novas forças para expandir e consolidar o império fundado por Sunni 'Ali Ber; sua vitória foi a do Islã. O início de seu reinado foi marcado não tanto pelas conquistas, mas pela peregrinação que empreendeu a Meca.
Em 1496-1497, por motivos religiosos e políticos, o novo soberano visitou os lugares santos do Islã. Fez-se acompanhar de um exército de 800 cavaleiros e de numerosos ulemás, levando uma soma de cerca de 300 000 dinares para as despesas. No Cairo, visitou um dos pilares do Islã, o grão-mestre da mesquita de al-Azhar, al-Suyüti, de quem recebeu conselhos sobre a arte de governar. Adquiriu uma. concessão em Meca para abrigar os peregrinos do Sudão e obteve do xerife de Meca o título de califa do Sudão, as insígnias do novo poder, assim como o envio a seu império de embaixador, o xerife al-Sakli. Voltou ao Sudão legitimado na fé muçulmana e com seu poder universalmente consagrado.
O Askiya Muhammad deu continuidade à obra de Sunni 'Ali Ber. Auxiliado pelo irmão 'Omar Komdiãgho, expandiu o império em todas as fronteiras. Dominou as regiões de Macina e de Zara (Diara) onde, em 1512, foi morto Tenguella (Tonguella), sucedido pelo filho Koly Tenguella. Tornou-se senhor do Saara até as minas de Teghazza, conquistou Agadez e as cidades haussa de Katsina e Kano. No entanto, as incursões contra os povos do sul - os Bariba, os Mossi e os Dogon - não foram bem-sucedidas. Graças a suas conquistas, consolidou o Império Songhai, expandindo-o a seus limites máximos, de Dendi à Sibiridugu, ao sul de Segu, e de Teghazza à fronteira de Yatenga.
O askiya organizou o império conforme a tradição herdada de Sunni 'Ali. Para o cargo de kurmina fari, nomeou o irmão 'Omar Komdiagho, que construiu uma capital inteiramente nova, Tendirma. Criou, ainda, outras províncias, substituiu os funcionários de Sunni 'Ali por homens que lhe eram fiéis, além de nomear cádis para todas as cidades muçulmanas. Também reorganizou a corte e o conselho imperial, estabelecendo hierarquias e o protocolo, distribuindo as tarefas palacianas entre seus vários servidores e instituindo normas para os ulemás e os cádis da corte.
O Askiya Muhammad foi um soberano esclarecido que se interessou por todas as atividades do império. Além de ter encorajado o comércio, que muito enriqueceu o país, esforçou-se por estabelecer e controlar a utilização de instrumentos de medida, por garantir a pronta aplicação da justiça pelos cádis e por assegurar a ordem nos negócios, criando, para isso, um corpo de inspetores de mercado. Teria construído um canal na região de Kabara-Tombuctu. Incentivou a agricultura criando numerosas colônias de cultivo, povoadas de escravos trazidos das guerras e, principalmente, diminuindo os impostos pagos sobre os produtos agrícolas. Favoreceu, ainda, o desenvolvimento dos estudos, distribuindo presentes e pensões aos ulemás, e, sobretudo, cercando-os de respeito.

No entanto, o soberano sofreu o infortúnio de ter muitos filhos e permanecer por muito tempo no poder. Velho e cego, foi derrubado por uma conspiração dos filhos, liderados pelo primogênito, o fari mondzo (ministro das terras) Müsã, que foi proclamado askiya em 1528.

Os sucessores do Askiya Muhammad

Os filhos do Askiya Muhammad sucederam-se no poder até 1583: Müsã (1528-1531), Muhammad II Benkan Kiriai (1531-1537), Ismã'il (1537-1539), Ishak I (1539-1549), Dãwud (1549-1583). Em seguida, a sucessão passou para os filhos de Dãwud: al-Hadj Muhammad III (1583-1586), Muhammad IV (1586-1588), Ishak II (1588-1591) e Muhammad Gao (1592). Não tendo, de fato, mais o que conquistar, faziam incursões aos países limítrofes. No plano interno, a curva do Níger assistiu, mais de uma vez, a sangrentas crises de sucessão. No exterior, surge novo problema, o das minas de sal de Teghazza, O qual envenenaria as relações com os sultões do Marrocos. Examinaremos estes problemas nos três principais reinados.

Ishak I (1539-1-549) é descrito nos Ta'rik como príncipe autoritário, que impunha obediência. Seu irmão Dãwüd liderou uma incursão contra a capital do Mali para pilhá-la. Foi no reinado de Ishak I que veio à tona a questão de Teghazza: o sultão do Marrocos, o sa'di Muhammad al-shaykh reivindicou o direito de propriedade sobre as minas de sal, mas fracassou na tentativa de ocupá-las; Ishak I reagiu, organizando os cavaleiros tuaregues para invadir o Dra (Dar'a) marroquino.
Dãwüd (1549-1583), filho do Askiya Muhammad I, teve um reinado longo e próspero, que correspondeu ao florescimento do Império Songhai. Os Ta'rik descrevem o askiya Dãwüd como príncipe inteligente, astuto, aberto a tudo, amigo dos letrados. Sua grande experiência nos negócios e no trato com as pessoas decorria do fato de ter exercido vários cargos políticos e de se ter envolvido nas questões surgidas nos reinados dos irmãos.
O império alcançou o apogeu durante o reinado do askiya Dãwiid, prosperando econômica e intelectualmente. O vale do rio foi intensamente cultivado e as grandes cidades de comércio mostraram-se mais' ativas do que nunca. Era a época em que as caravanas transaarianas suplantavam as caravelas atlânticas, conforme narra V. M. Godinho. A prosperidade geral trouxe grandes lucros ao askiya, que chegou a amealhar um tesouro com o numerário proveniente das taxas sobre o comércio e as terras imperiais. Seus armazéns recebiam milhares de toneladas de cereais recolhidos através do império. Como o pai, Dãwud foi grande mecenas. Honrou os homens de letras, cumulando-os de consideração e presentes. Contribuiu para a restauração de mesquitas e para o sustento dos pobres.
No plano militar, o askiya promoveu inúmeras campanhas de pacificação na região de Macina e a leste, combatendo principalmente os Mossi. O litígio em torno de Teghazza continuava a ser o problema mais grave. O sultão do Marrocos, Mülay Ahmad al-Mansur, insistia em reivindicar as minas. Ao que parece, chegou-se a um acordo pelo qual eram preservados os direitos e propriedades songhai. No entanto, uma expedição marroquina ocupou as minas durante o reinado do askiya al-Hadj Muhammad III (1583-1586). Os tuaregues passaram a explorar Tenawdãra (Taud'eni), situada 150 quilômetros ao sul de Teghazza, que logo caiu em ruínas.
Com a morte de Muhammad III em 1586, seu irmão Muhammad IV Bano foi proclamado askiya, fato que terminou por originar uma guerra civil. Muitos irmãos do askiya revoltaram-se, entre eles o balamo da região de Tombuctu, al-Saddik. Liderando as forças de Kurmina e das províncias ocidentais, al-Saddik -marchou sobre Gao em 1588. Proclamado askiya em Tombuctu, foi, porém, derrotado pelo novo askiya de Gao, Ishak II, que reprimiu cruelmente a rebelião e dizimou os exércitos ocidentais. O império se viu, assim, moralmente cindido. A região ocidental, decepcionada, perdeu o interesse por Gao, e muitos príncipes songhai aliaram-se sem dificuldade aos invasores marroquinos em 1591, três anos após a guerra civil. O Império Songhai iria, assim, desmoronar, vítima das próprias contradições.

A civilização songhai




Organização política e administrativa

O Império Songhai foi profundamente original quanto à organização política e administrativa. A forte estruturação do poder, a centralização sistemática e o absolutismo real são características que atribuíram uma coloração moderna à monarquia de Gao, distinguindo-a do sistema tradicional de federação de reinos, vigente nos impérios de Gana e do Mali.

A monarquia

A monarquia de Gao sob os askiya, herdeira de longa tradição de governo, fundava-se nos valores islâmicos e consuetudinários. Segundo os antigos costumes sudaneses e songhai, o toi (rei) era o pai do povo, dotado de poderes semi-sagrados, fonte de fecundidade e prosperidade. Quem dele se aproxi- masse, tinha de se prostrar em sinal de veneração. Já a tradição islâmica estipulava que o monarca de Gao, muçulmano desde o século XI, devia governar segundo os preceitos do Corão. Estas duas tradições combinavam-se dependendo da personalidade do soberano, predominava uma ou outra. Askiya Muhammad I e o askiya Dãwüd apoiaram-se no Islã; Sunni 'Ali e maioria dos outros askiya foram mais songhai do que muçulmanos.
O imperador residia em Gao, cercado de numerosa corte, a sunna, que compreendia membros da família, grandes dignitários e griots Guesere e Mabo. Sentava-se numa espécie de estrado, rodeado de setecentos eunucos. O griot Wandu atuava como arauto. Inúmeros serviçais, geralmente escravos, realizavam as diversas tarefas domésticas, dirigidos pelo hu hokoroy koy, mordomo-mor do palácio. O encarregado do guarda-roupa cuidava do vestuário.


O Mausoléu dos Askia Muhammad, em Gao, Mali.

Com a morte do soberano, sucedia-lhe o irmão mais velho. De fato, decidia-se a sucessão pela força, daí as crises periódicas. O novo askiya era proclamado pela sunna e entronizado na antiga capital de Kukya.
O governo era constituído por ministros e conselheiros nomeados, que podiam ser demitidos pelo askiya, e obedeciam a uma hierarquia segundo a sua função. Pode-se distinguir o governo central do askiya e o das províncias.

O governo central

Os funcionários do governo central formavam o conselho imperial, que debatIa todos os problemas do império. Um secretário-chanceler redigia as atas do conselho, tratava da correspondência do soberano, da redação e da execução de suas leis. Outros funcionários, cujas tarefas são mais ou menos conhecidas, cuidavam dos vários departamentos administrativos. Não havia propriamente especialização de funções. Os Ta'ríkh fornecem a lista de dignitários do poder central, sendo os principais.
O hi koy era o "senhor da água", o chefe da flotilha. Sua função era das mais antigas e importantes, em virtude do papel do Níger na vida dos antigos Songhai. O hi koy tornou-se um dos mais altos dignitários da corte, uma espécie de ministro do Interior, que dirigia os governadores das províncias. Desta maneira entende-se, sob o reinado do askiya Ishak I, que o hi koy repreenda o príncipe Dãwüd, governador de Kurmina, ordenando-lhe que volte imediatamente à sua província.
O fari mondzo ou mondio era o ministro da Agricultura. É possível que dirigisse as numerosas propriedades imperiais espalhadas pelo país, grandes fontes de renda. Sua função, muito importante, era geralmente confiada a príncipes de sangue, senão ao príncipe herdeiro. Com certeza, competia também ao fari mondzo resolver conflitos de terra. O hari farma, inspetor das águas e lagos, o saw farma, inspetor das florestas e o waney farina, encarregado das propriedades, desempenhavam funções semelhantes.
O kalissa farma (ministro das Finanças) tem uma função mal definida nos Ta'rík; devia estar ligada à tesouraria imperial. Sabe-se que os askiya eram muito ricos, e que suas rendas em espécie ou dinheiro eram centralizadas em Gao. O kalissa farma cuidava da guarda do tesouro e controlava as despesas do soberano. O numerário em moedas constituído pelo askiya Dãwud estava, sem dúvida, sob a responsabilidade de um desses funcionários. O kalissa farma era auxiliado pelo waney farma, senhor dos bens, pelo bana farma, encarregado dos salários, e pelo doy farma, chefe de compras.
O balama desempenhava funções militares, embora os Ta'rik não as descrevam com precisão. Em tempos antigos, o balama era chefe do exército. O cargo deve ter perdido importância no século XVI, quando não há menção do balama à frente dos exércitos imperiais. O balama tornou-se chefe de um corpo de exército estacionado na região de Kabara-Tombuctu, com certeza sob a jurisdição do kurmina fari. Ao que parece, a função era reservada a príncipes de sangue. Embora não haja referências nos Ta'rik, é possível que para a administração do império, Gao possuísse outros departamentos. Pode-se mencionar o korei farma, ministro encarregado dos estrangeiros brancos, e os comissários imperiais, que o imperador enviava periodicamente às províncias para resolver problemas urgentes, arrecadar impostos extraordinários dos comerciantes das grandes cidades ou fiscalizar os funcionários e administradores das províncias.

O governo das províncias


Mapa do Império de Songai e de seus vassalos (século XVI).

Os Songhai adotaram dois sistemas de governo, de acordo com o território em questão.
Um primeiro grupo compreendia as províncias conquistadas, governadas por chefes nomeados e demissíveis a qualquer momento pelo askiya. Estes governadores, hierarquizados, exerciam o poder soberano - exceto a justiça, confiada aos cádis. Eram intitulados fari, farma ou farba, nomes derivados da instituição manden farin. O Império do Mali havia instituído farin (governadores) na curva do Níger, e Sunni 'Ali e os askiya deram continuidade à função e ao título. O koy (chefe) era uma instituição songhai de menor importância, assim como o mondzo, título que se aplicava tanto ao funcionário de uma localidade (Tombuctu mondzo) quanto ao de um departamento ministerial (fari mondzo). Nada sabemos sobre os títulos de cha, marenfa e outros.
O império era dividido em duas grandes províncias: Kurmina a oeste e Dendi a sudeste. A função do kurmina fari ou kanfari era exercida, com raras exceções, por príncipes de sangue, muito freqüentemente pelo próprio príncipe herdeiro. O kurmina fari habitava Tendirma, aparecendo como o segundo personagem em importância do Estado. Não se conhecem com certeza os limites de sua jurisdição; ao que parece, dirigia todas as províncias a oeste de Tombuctu. Isso carece, porém, de confirmação, já que os governadores da região eram nomeados por Gao e subordinados ao askiya. Por volta do final do século XVI, o kurmina fari tornou-se o verdadeiro chefe de todas as províncias do oeste, impondo-se pelo seu poderio militar. De fato, dispunha de poderoso exército que, com cerca de 4 mil homens, era capaz de contrabalançar as forças de Gao, conforme ficou patente em várias ocasiões.
O dendi fari, governador da província de Dendi, supervisionava toda a região dendi, ou seja, a parte sudeste do império. Era o terceiro personagem em importância do Estado; o titular era geralmente grande dignitário da corte. Seu exército devia ser pouco mais modesto que o de Kurmina, tendo por função defender as fronteiras meridionais do império. As províncias secundárias eram governadas por chefes nomeados pelo askiya: o hora koy, o dirma koy, o hombori koy, o arabinda forma, o benga forma, o kala cha e o baghena forma, que perdera seu título de askiya.
As cidades de comércio, como Tombuctu, Djenné, Teghazza e Walata, gozavam de certa autonomia sob o governo de seus koy ou mondzo. As atividades comerciais e artes anais e a grande população requeriam a presença de muitos funcionários administrativos. Assim, em Tombuctu, além do cádi encarregado da justiça e do Tombuctu koy, chefe da cidade, havia extenso quadro de funcionários: o asara mondzo, espécie de comissário responsável pelo poli Clamento dos mercados e pela execução das sentenças do cádi, os inspetores de pesos e medidas, os coletores de impostos dos mercados, os inspetores alfandegários de Kabara, os mestres de diversas profissões, os chefes das diversas subdivisões de etnias - agrupadas por bairros - e os comissários das cabanas dos subúrbios. Este pessoal formava o núcleo de uma administração eficaz nas grandes cidades.

Administração indireta

A administração indireta concernia aos países vassalos ou tributários. O chefe do território era nomeado segundo os costumes locais e reconhecido pelo askiya. Disputas entre os pretendentes ou rebeliões contra a autoridade imperial, no entanto, aconteciam. Neste caso, o askiya intervinha e impunha seu candidato. Dessa forma, o fondoko da região de Macina, Bubu Mariama, foi destronado pelo askiya al-Hadj Muhammad III, que o exilou em Gao. Os Estados haussa - Kano e Katsina -, o reino de Agadez, o Império do Mali, a federação tuaregue Kel Antessar (os Andassen de al-Sa'di'), a de “Magcharen" (tuaregues de origem Sanhadja da região de Tombuctu-Walata) agrupavam-se nessa categoria, sendo mais ou menos tributários, de acordo com a orientação política de Gao. Seus soberanos deviam pagar tributos periódicos, enviar contingentes de guerreiros quando o imperador pedisse e manter boas relações com Gao através de visitas, presentes e casamentos.
Com estes vários sistemas de administração - o central, o provincial e o indireto, o Império de Gao conseguiu organizar as populações do Sudão nigeriano, manter pessoas e bens em segurança e alcançar grande desenvolvimento econômico. A monarquia dos askiya foi um poder estruturado e impessoal, enraizado em valores songhai e islâmicos, que triunfou em diversas crises dinásticas. Se não houvesse sido debilitada pela conquista marroquina, poderia ter evoluído para uma forma de Estado moderno africano, que preservasse as liberdades essenciais do homem apesar da forte centralização política.
 

A Civilização Songhai nos séculos XII ao XVI

As grandes instituições do Estado

O Estado dispunha de importantes recursos para se consolidar e permanecer independente, e de uma força armada permanente, capaz de proteger o império, impor a vontade do soberano a seus súditos e dominar qualquer rebelião. Este aparelho de Estado, poderoso e estável, não era, no entanto, despótico. A justiça, confiada a cádis quase autônomos ou a chefes consuetudinários, preservava a liberdade e os direitos do povo. O estudo das engrenagens do Estado põe em evidência a modernidade do Império Songhai, o qual herdou longa tradição guerreira. Os Songhai não eram camponeses ou comerciantes, mas guerreiros: "Os grandes homens do Songhai", escreveu Mahmud Ka'ti, "eram versados na arte da guerra. Eram bravos e audaciosos e conheciam os ardis da guerra".
A nobreza tinha vocação para as funções políticas e militares. Constituía a parte essencial da cavalaria, ponta-de-lança do exército songhai. Armados de longas lanças, sabres e flechas, os cavaleiros songhai usavam armaduras de ferro sob suas túnicas de guerra. Como os cavalos custavam muito (valiam cerca de dez escravos no século XVI), à cavalaria pertencia uma elite privilegiada. A unidade mais numerosa era a infantaria, que reunia homens de todas as camadas sociais: escravos, baixa nobreza, homens livres etc. Como armas, utilizavam lanças, flechas e escudo de couro ou cobre. Os pescadores do Níger, principalmente os Sorko, constituíam uma flotilha permanente no rio, de mais de 2 mil pirogas. O exército levava estandartes e longas trombetas, os kakaki, seguia uma ordem de marcha e, no combate, procedia à formação em leque.




Ignoram-se os verdadeiros efetivos do exército. As reformas dos askiya Muhammad I e Muhammad II Benkan aumentaram o exército permanente de Gao para 4 mil homens, sem contar os 300 guerreiros da guarda pessoal do soberano, a sunna. Em sua maioria, os soldados eram escravos do askiya, que lhes herdava os bens e podia desposar suas filhas. O exército completo, reunido em 1591 na batalha de Tondibi, contava 30 mil soldados de infantaria e 10 mil cavaleiros. Era a maior força organizada do Sudão ocidental; permitiu que o askiya impusesse sua vontade e trouxe-lhe substanciais butins de guerra.

Recursos financeiros

O soberano de Gao era rico e poderoso. A monarquia dispunha de recursos seguros e permanentes, arrecadados em todo o império e geridos por grande número de funcionários administrativos, sob a direção do kalissa farma. Havia diversas fontes de renda imperial: os rendimentos das propriedades pessoais do soberano, o zakãt, dízimo coletado para o sustento dos pobres, os impostos sobre as colheitas, o gado e a pesca, pagos em espécie, as taxas e os direitos alfandegários sobre a atividade comercial, as contribuições extraordinárias arrecadadas dos comerciantes das grandes cidades e, principalmente, o butim de guerra quase anual. O soberano dispunha, portanto, de rendas inesgotáveis, que gastava como queria. Grande parte era utilizada para a manutenção da corte e do exército permanente. O askiya também contribuía para a construção e restauração de mesquitas, para o sustento dos pobres do império, para as esmolas e os presentes dados aos grandes marabus.

Justiça

A justiça era prerrogativa real. O askiya, como emir dos muçulmanos, pai do povo, delegava-a a representantes completamente independentes do poder central ou de seus funcionários. Pode-se distinguir duas jurisdições, a muçulmana e a consuetudinária.
A primeira regia as comunidades muçulmanos. Inspirava-se no direito maliquita, ensinado nas universidades sudanesas. O cádi era o juiz soberano e Supremo, com cargo vitalício outorgado pelo imperador; a reduzida procura para esse cargo fazia com que, freqüentemente, o askiya nomeasse o cádi à força. Em Tombuctu, durante todo o século XVI, o cargo foi monopólio da família do cádi Mahmud ben 'Umar al-Akit (1498-1548), a que também pertenciam os imãs da mesquita de Sankoré. Em numerosas cidades, o cargo tornou-se hereditário. O cádi era assistido por auxiliares de justiça: oficiais da corte, secretários, notários etc. A execução das penas cabia ao assara mondzo, funcionário do poder imperial. O cádi julgava todos os assuntos, criminais ou comerciais, e não era possível recorrer da sentença. Além disso, atuava como uma espécie de tabelião: registrava alforrias de escravos, partilhas de herança, validava documentos privados etc. O cádi era o verdadeiro chefe da cidade de Tombuctu; sua autoridade exercia-se além do quadro da justiça, protegendo também a liberdade dos cidadãos.
A justiça consuetudinária concernia à maior parte do império, e, mesmo nas grandes cidades muçulmanas, as pessoas resolviam seus conflitos em família ou com o chefe do grupo étnico, de acordo com seus próprios costumes. Em Gao, o conselho imperial mantinha um tribunal para julgar os casos de Estado, geralmente de conspiradores - príncipes e seus cúmplices. Para combater a licenciosidade e, particularmente, o adultério, um flagelo na refinada sociedade da curva do Níger, o askiya Ishak II instituiu um tribunal de adultério que punia severamente os casos de flagrante. Digno de nota é o fato de a população poder fazer uso da justiça em seu próprio benefício através de tribunais competentes, garantia maior da ordem e da liberdade. O Estado songhai favoreceu, deste modo, o desabrochar de brilhante civilização intelectual e de grande desenvolvimento econômico e social.

Desenvolvimento econômico

Por sua localização geográfica no centro do Sahel sudanês, o Império Songhai era uma região privilegiada para os intercâmbios transaarianos. O Níger, que o atravessava de oeste para leste, facilitava as comunicações, e seu vale fértil era intensamente cultivado. Assim, distinguem-se dois setores econômicos, um rural e tradicional, e o outro urbano e comercial.

Setor rural

Os Ta'rik dão-nos pouca informação sobre as atividades rurais. As técnicas agrícolas não evoluíram muito desde aquele tempo. A enxada (o kaunu dos Songhai), os adubos animais, a prática da horticultura no vale, a cultura itinerante na savana etc., são os mesmos há séculos, mas o vale do Níger torna-se mais densamente povoado por indivíduos que praticam a agricultura, a pesca e a criação. As grandes propriedades dos príncipes ou dos ulemás eram expl9radas por escravos estabelecidos em colônias agrícolas. O próprio askiya, grande proprietário de terras, tinha seus campos, espalhados pelo vale, cultivados por comunidades de escravos sob a direção de capatazes, os janja. Uma espécie de imposto era arrecadado sobre as colheitas e enviado a Gao. O mesmo ocorria com os escravos pertencentes a particulares.
A pesca era praticada pelos Sorko, pelos Do e pelos Bozo. Os peixes eram secados ou defumados e vendidos por todo o império. A criação de bovinos e caprinos na região fronteiriça do Sahel e nas regiões de Macina e do Baxunu, bem como a criação de bovinos praticada pelas populações sedentárias do vale do Macina, constituíam importante fonte de leite e carne, principalmente para as populações urbanas.
De fato, grande parte dos produtos agrícolas (cereais, peixe, carne) alimentava o comércio e permitia à população rural obter produtos de primeira necessidade, como o sal.

Setor comercial

As cidades do Sahel sudanês - Walata, Tombuctu, Djenné, Gao -, centros do grande comércio transaariano, tinham contato com os grandes mercados do Saara e com as regiões mais longínquas, como a Europa mediterrânica. Do vale do Níger, partiam caravanas transaarianas, estabelecendo rotas em direção ao norte.


Tombuctu se encontrava na confluência de 4 rotas comerciais do Saara.

As principais eram as de Tombuctu- Teghazza-Tuat rumo ao Tãfilãlet e ao oeste argelino, Tombuctu-Walata-Tichit- -Wadane rumo ao Dra (Dra'a) e ao Tãfilãlet, Gao-Tadmekka-Ghãt rumo à Líbia e ao Egito, Gao--Tadmekka-Ghadames rumo à costa líbia e tuni- siana, e Gao-Haussa-Kanem-Bornu rumo ao vale do Nilo. Como se pode observar, o comércio transaariano dos séculos XV e XVI orientava-se principalmente para o Marrocos, a Argélia e a Líbia. No centro, as minas de sal de Teghazza e os oásis de Tuat e de Ghãt eram as grandes etapas comerciais rumo ao Sudão. O comércio estava em mãos de mercadores árabo-berberes (havia muitos mercadores de Tuat e de Ghadames em Tombuctu), e dos sudaneses Wangara (Manden), Wakore (Soninke), Mossi, Haussa e Songhai. Os pontos de encontro eram as cidades em que os habitantes obtinham grandes benefícios com a corretagem. Alguns comerciantes, bem organizados, tinham sucursais em muitas cidades e acompanhavam, com lucro, a flutuação dos preços. Dispunham de frota comercial no Níger, de camelos e bois para o transporte das mercadorias. O porto de Kabara estava repleto de artigos comerciáveis quando Leão, o Africano, lá chegou, no início do século XVI.
O comércio se fazia por trocas e mais freqüentemente por intermédio de moeda de transferência: cauris para os pequenos negócios, ouro, sal ou cobre, conforme o mercado. O Sudão importava tecidos que vinham, em sua maior parte, da Europa (Veneza, Florença, Gênova, Maiorca, Inglaterra, França etc.), sal de Teghazza e de Idjil, armas, cavalos, cobre, artigos de vidro, açúcar, artesanato magrebino (sapatos, artigos de lã) etc. O sal era a mola-mestra deste comércio. Era moldado em blocos retangulares de 25 a 30 kg, e distribuído por todo o interior do país. Os artigos de exportação do Sudão eram ouro, escravos, marfim, especiarias, nozes-de-cola, artigos de algodão etc. O ouro - em pó (tibar).ou em pepitas -, proveniente das minas de Bambuku, do Burem, da região mossi e principalmente da região ashanti, o Bitu, consti- tuía-se no pivô do comércio transaariano e supria o mercado europeu.
O comércio interno sudanês baseava-se nos produtos locais. Em todas as aglomerações importantes, havia um mercado, lugar de encontro dos camponeses, que trocavam produtos agrícolas e compravam sal, tecidos e demais mercadorias de mascates vindos do norte. Os cereais do delta central ou da região de Dendi, por exemplo, eram encaminhados para Tombuctu, Gao e para o Sahel, enquanto as nozes-de-cola e o ouro seguiam do sul para o norte, de onde saíam as mercadorias transa arianas. Djenné teve papel considerável como mercado de atração e distribuição dos produtos de todo o oeste africano.
Concluindo, o comércio favoreceu o enriquecimento das cidades do vale do Níger bem como a instalação de um padrão de vida razoável no campo. Infelizmente, só envolvia pequena parte dos produtos locais, agrícolas ou artesanais. As mercadorias essenciais eram produtos de extração mineral ou coleta. Em suma, o comércio transaariano apontava antes para um sistema de trocas de produtos que para uma verdadeira economia de mercado baseada na produção local. Não pôde, assim, provocar mudança nas estruturas sociais nem favorecer a revolução tecnológica, permitindo, no entanto, certo progresso material nas condições de vida das populações nigerianas e a ascensão de uma refinada aristocracia. A longa túnica (bubu), os chinelos (babum), o conforto das residências, a dieta variada eram os sinais de progresso na sociedade do Níger.

Sociedade

Em suas estruturas profundas, a sociedade songhai assemelhava-se aos demais grupos sociais do Sudão ocidental. Sua originalidade baseava-se no desenvolvimento de uma economia comercial, a qual deu origem a uma sociedade urbana com atividades diferenciadas, por sua vez um tanto marginal em relação ao conjunto da sociedade, fundamentalmente rural.

Estrutura da sociedade do Niger

Na cidade ou no campo, a sociedade songhai definia-se pela importância atribuída aos laços de parentesco. O elemento básico que coloria todas as instituições sociais na vida cotidiana era a família.
Os clãs agrupavam muitas famílias. As mais antigas eram de origem Soninke (os Turé, os Sylla, os Tunkara, os Cisse, os Diakite, os Drame, os Diwara) . Poucas (os Maiga) eram Songhai, o que levanta o problema da própria estrutura do povo Songhai, bastante miscigenado de Soninke, berberes e outras etnias, como a Manden, a Gobri, a Haussa etc.
Quanto à composição étnica, ela só é mencionada nos Ta'rikh para designar populações servis, ou rurais, presas à cultura dos campos, ou a castas de ofícios. A característica fundamental da sociedade songhai era a hierarquização, que dividia a população em nobreza, homens livres, membros de castas de ofícios e escravos. No Sudão ocidental, a nobreza se distinguia claramente das demais classes, por dedicar-se quase exclusivamente à administração e às armas. Os escravos, bastante numerosos, cumpriam tarefas domésticas ou trabalhavam nos campos, tendo papel político e militar subalterno.

Sociedade rural

Fora do vale do Níger, onde se encontravam as cidades comerciais, os Songhai e os demais povos do império viviam de atividades rurais. Agrupados em aldeias de cabanas redondas, os camponeses dos séculos XV e XVI eram pouco diferentes dos atuais; as estruturas fundamentais não foram modificadas por revolução técnica ou de qualquer outra natureza. Sem dúvida, as condições de vida transformaram-se. As poucas informações dos Ta'rikh mostram uma densa população rural no vale do Níger, principalmente na região de Djenné, que vivia sobretudo da agricultura. Lá também se encontravam artesãos divididos em castas (ferreiros, carpinteiros, ceramistas etc.), mas seu trabalho era temporário e a maior parte deles tirava o sustento das atividades agrícolas. O mesmo devia ocorrer com os pescadores do Níger (os Sorko, os Bozo, os Somono), que cultivavam o solo durante a estação das chuvas. As condições de vida não parecem ter sido tão miseráveis, como afirma Leão, o Africano. Havia segurança e a fome era rara. Os Ta'rikh nos deixam entrever alguns aspectos da vida no campo. Não há, praticamente, nenhuma alusão a revoltas camponesas; a renda exigida pelos senhores nunca era esmagadora para os escravos. O inventário da fortuna de um capataz imperial na região de Dendi dá, ao contrário, a impressão de certo bem-estar no campo. Os camponeses podiam vender parte da produção nos mercados locais, onde obtinham produtos como sal e tecidos, participando, assim, dos intercâmbios comerciais.
O Islã não enraizou no campo: os camponeses mantiveram os valores locais, e as regiões mais rurais, como a de Dendi e as do sul, permaneceram ligadas às crenças tradicionais, apesar da islamização superficial. Deste modo, o campo, aberto à economia comercial, continuou fechado aos valores espirituais originários das cidades, segundo característica fundamental da sociedade do Níger.

As cidades e a sociedade urbana

A grande expansão comercial permitiu o desenvolvimento da civilização urbana em toda a região do Sahel sudanês. Nos séculos XV e XVI, destacam-se as cidades de Walata, Djenné, Tenenku, Tendirma, Tombuctu, Bamba, Gao, Agadez e as cidades haussa de Kano e Katsina. Eram, geralmente, cidades abertas, sem muralhas. O mercado ficava no interior da cidade, e uma população móvel residia em tendas e cabanas nos subúrbios. No centro, encontravam-se casas de alvenaria, no estilo sudanês, de um ou dois andares; um vestíbulo dava acesso a um pátio interno, para o qual abriam-se os quartos.
É necessário dizer mais sobre as três maiores cidades: Tombuctu, Djenné e Gao. Conquistada por Sunni 'Ali por volta de 1468, Tombuctu alcançou o apogeu no século XVI: teria cerca de 80 mil habitantes no reinado do askiya Dãwüd. Era então a capital econômica do império, cidade sagrada do Sudão, célebre pelos homens santos e pela universidade.
Djenné, uma ilha no delta central, ligada econômica e espiritualmente a Tombuctu, com população de 30 a 40 mil habitantes, constituía a aglomeração negra mais importante do interior do Sudão. Dominada por sua bela mesquita, pérola da arte sudanesa, era o grande mercado do sul, tendo contato com a região da savana e da floresta.
Gao, capital política, mais antiga do que as outras, era uma cidade imensa, com cerca de 100 mil habitantes. Sua posição orientava-a para o mundo haussa, para a região do Dendi, a Líbia e o Egito.
Em todas estas cidades, encontrava-se, ao lado de um núcleo Songhai predominante, cuja língua servia de vínculo comum, uma população cosmopolita de árabo-berberes, Mossi, Haussa, Manden (Wangara), Soninke, Fulbe etc.
O mundo urbano era constituído por uma sociedade hierarquizada segundo o modelo sudanês, mas entre os Songhai o critério de diferenciação era econômico. A sociedade urbana compreendia três elementos básicos, os comerciantes, os artesãos e os religiosos, que viviam todos, direta ou indiretamente, do comércio.
Os comerciantes eram, na maioria, estrangeiros; os artesãos e pequenos comerciantes, camada dinâmica e ativa, agrupavam-se em corporações, com suas regras e costumes. Os intelectuais - marabus, estudantes -, pessoas de maneiras requintadas, gozavam de grande consideração social.
Pelo menos ao nível da aristocracia, a sociedade nigeriana denotava organização e refinamento. Gostava de roupas amplas, das clássicas babuchas amarelas, do bem-estar em casa, de pratos bem temperados e principalmente de boa companhia. Isto levou a certa negligência moral, evidenciada pelo grande número de cortesãs e pela devassidão da aristocracia principesca.
A sociedade urbana distinguia-se, portanto, da sociedade tradicional do campo, para onde nunca extravasou. Sua camada dirigente era formada, em geral, por estrangeiros, imbuída de valores islâmicos e comerciais, e parecia justaposta à sociedade global. Do mesmo modo, a burguesia comerciante não conseguiu se implantar solidamente no país, já que sua economia de trocas não permitiu que exercesse sobre a sociedade songhai influência mais profunda e durável.

Desenvolvimento religioso e intelectual

Implantado no Sudão ocidental desde o século XI, o Islã progrediu lenta e desigualmente, acabando por se impor na curva do Níger e na região do Sahel. Em outras partes, aplicou apenas um frágil verniz sobre as antigas crenças, sem se enraizar profundamente. Nas zonas urbanas, o Islã criou uma elite letrada que, através de grande esforço criador, contribuiu para ilustrá-lo e reinterpretá-lo. Este desenvolvimento foi possível graças à prosperidade geral do Sudão, que atraiu, a partir do século XV, grande número de intelectuais estrangeiros, principalmente graças à política benevolente dos soberanos de Gao. Seguindo o exemplo do fundador da dinastia dos askiya, estes cumularam os doutores muçulmanos de honras e presentes, assegurando-lhes grande prestígio social no país. O Askiya Muhammad I adotou uma política muçulmana sistemática, visando implantar e expandir o Islã no Sudão.

Vida religiosa

A religião dominante nos séculos XV e XVI, no entanto, não foi o Islã. A grande maioria dos Songhai e dos povos do império, que viviam no campo, permaneceu ligada às crenças ancestrais da região. Em uma carta a al-Maghili, o Askiya Muhammad I deplora esta situação, que em vão procurou combater.
Os Songhai cultuavam os hole (duplos) e os espíritos que habitavam a natureza, dos quais se podia obter favores. Seu panteão era numeroso, incluindo, entre outros, Harake Dikko, divindade do rio, e Dongo, do trovão. Seus curandeiros mágicos, os sonyanke, considerados descendentes da dinastia deposta dos Sunní, eram venerados pelo povo e protegiam a sociedade contra os espíritos maléficos e os feiticeiros tierkei. Todo chefe de clã promovia um culto aos mortos. Deste modo, a religião tradicional, tão viva no campo, servia à sociedade, protegendo-a, proporcionando-lhe equilíbrio psíquico e continuidade.
Justaposta a estas crenças, a fé islâmica pouco impacto teve no campo. Urbana e aristocrática, acabou sofrendo adaptações para melhor se expandir; já se tratava, portanto, de um islamismo negro-africano, tolerante. Ganhou terreno pela ação do Askiya Muhammad I e dos doutores muçulmanos, bem como pela expansão pacífica do comércio, ao qual era intimamente ligado desde os começos de sua difusão na África negra. Aconselhado pelos grandes doutores al-Maghili de Tuat e al-Suyüti do Cairo, e por grande número de marabus do império, o Askiya Muhammad I combateu os fetiches, perseguiu os companheiros de Sunní, os "maus muçulmanos", impôs o cádi e o direito maliquita a numerosas comunidades e empreendeu a djihãd (guerra santa) contra os infiéis Mossi. Os vendedores ambulantes e outros negociantes fizeram o resto, levando o Islã ao coração das zonas florestais do sul.


Grande Mesquita de Djenné.

Assim, no final do século XVI, a religião islâmica dominava toda a curva do Níger, da região de Macina à do Dendi; seu avanço fora considerável também em outras partes. A vida religiosa pode ser mais bem entendida observando-se as cidades. Djenné e Dia no delta central, Gao, Tombuctu etc. tinham mesquita, imã, cádi, cemitérios e inúmeras escolas dirigidas por homens piedosos e santos, ainda hoje venerados na curva do Níger. Tombuctu serviu de modelo: as três grandes mesquitas - Djinguereber, Sidi Yahyã e Sankore (as duas últimas, construídas na primeira metade do século XV) - e a reputação de seus santos e doutores (o xerife Sidi Yahyã, morto em 1464; O cádi Maqmud ben 'Umar al-Akit, morto em 1548 e muitos membros de sua família, como o cádi al-Akib, que restaurou as grandes mesquitas etc.), tornaram-na conhecida como a cidade santa do Sudão. Sua universidade contribuiu para a difusão da cultura islâmica no Sudão ocidental.

Vida intelectual

O Sudão nigeriano conheceu grande florescimento intelectual nos séculos XV e XVI; o humanismo sudanês impôs-se como componente fundamental do Islã universal. Formada nos séculos XIV e XV nas universidades de al-Karawiyyin em Fés e al-Azhar no Cairo, a elite sudanesa emancipou-se e, por seu próprio esforço, alcançou o apogeu da ciência islâmica. Os centros de movimentação intelectual continuavam a ser as grandes cidades; os lucros advindos do comércio propiciaram o surgimento de uma classe de letrados dedicada à religião e aos estudos. A prosperidade geral atraiu para as cidades do Níger estudiosos de todas as regiões do Sudão e do Sahel.


A Universidade de Sankoré foi o mais
importante centro universitário de Timbuktu.

Sem dúvida, a universidade mais célebre foi a de Tombuctu, que nos deu os dois Ta'rTkh; apesar de escritos no século XVII, constituem a obra histórica mais monumental já produzida no Sudão. A universidade, centro de aquisição e difusão de conhecimento, não era uma instituição organizada como na África setentrional; compreendia grande número de escolas autônomas, destacando-se a famosa mesquita de Sankoré, que ministrava o ensino superior. Tombuctu abrigava, no século XVI, cerca de 124 escolas corânicas freqüentadas por milhares de estudantes de todas as regiões do Sudão e do Sahel, que moravam com os professores ou em alojamentos especiais. Os professores, apesar de não remunerados, não enfrentavam dificuldades materiais, dedicando todo o seu tempo aos estudos.
Havia dois níveis de estudo: o elementar (escola corânica), centrado na leitura e recitação do Corão, e o superior, em que o estudante aprendia a ciência islâmica. Como todas as universidades contemporâneas do mundb muçulmano, a universidade sudanesa ministrava o ensino de humanidades, que comportava as ciências tradicionais - teologia (tawhid), exegese (tafsir )" tradições (hadith), direito maliquita (fikh), gramática, retórica, lógica, astrologia, astronomia, história, geografia etc. Os conhecimentos científicos e matemáticos deviam ser bem rudimentares. O direito maliquita era a especialidade dos doutores de Tombuctu, que os Ta'rikh chamam de "jurisconsultos". Os métodos de ensino pouco evoluíram desde o século XVI, sendo sua característica essencial a explicação e o comentário de textos nos moldes escolásticos.


Ahmad Baba foi um dos mais importantes
doutores em Timbuktu. Foi o último
chanceler da Universidade de Sankoré.

Numerosos professores sudaneses e saarianos aí ensinavam. Destacaram-se no século XV, o xerife Sidi Yahyã e Moadib Muhammad al-Kabãri (originário de Kabara), que formaram os mestres da geração seguinte. O século XVI viu surgir uma série de professores famosos na curva do Níger, muitos deles originários de duas grandes famílias berberes, os Akit e os Anda Ag Muhammad, ligadas entre si por casamentos. Os mais célebres foram o cádi Mahmud ben Umar al-Alkit (1463-1548), jurista e gramático, seu irmão Aihad (morto em 1536), seu primo al-Mukhtãr, seus sobrinhos, entre os quais o famoso 'Abbãs Ahmad Baba ibn Ahmad ben Ahmad Akit (1556-1627).
Pouco nos chegou da grande atividade intelectual dos séculos XV e XVI. No entanto, as obras conhecidas por seus títulos constituem, em geral, trabalhos de erudição que não devem ser subestimados. Os eruditos sudaneses tentaram entender e interpretar a jurisprudência islâmica, teórica e prática, com seus próprios recursos.
Esta cultura islâmica deve, porém, ser situada no contexto geral sudanês. Era fundamentalmente uma cultura de elite, acessível a poucos; embora fosse baseada na escrita, não chegou a integrar as línguas e culturas autóctones. Urbana, permaneceu marginal e desmoronou com as cidades que lhe deram origem.
 

 

A Cavalaria Númida

A Cavalaria Númida era um tipo de cavalaria ligeira desenvolvida pelos númidas, foi utilizada principalmente por Aníbal durante a Segunda Guerra Púnica. 


A Cavalaria Númida empurrando os Romanos para o rio Trebia, 218 a.C.

Eles foram descritos pelo historiador romano Tito Lívio como "de longe os melhores cavaleiros na África."

Os cavalos usados pelos númidas, ancestrais do cavalo árabe, eram menores que os da contemporânea cavalaria romana e foram bem adaptados para um movimento mais rápido. Para economizar peso, os cavalarianos não usavam uma sela ou cabeçada e armadura. Seu armamento consistia principalmente de lanças, dardos, escudo e uma espada curta.

Devido a sua perícia e agilidade, eram mais adequados para ataques rápidos e, em seguida, dispersava-se, uma tática eficaz para assediar o inimigo e dividir suas formações. Na invasão de Aníbal durante a Segunda Guerra Púnica mais conhecida pelo uso de lentos elefantes de guerra, foi também empregada a cavalaria númida onde o movimento mais rápido era necessário, como atrair os romanos em uma armadilha na Batalha de Trebia e para a luta em seu flanco direito.

A cavalaria númida era amplamente conhecida e não lutou só no exército cartaginês, mas em outros exércitos da época, como os romanos empregaram cavaleiros númidas contra o próprio Aníbal na batalha de Zama.

Séculos depois, os númidas lutaram no exército romano em unidades separadas de cavalaria ligeira (Equites Numidarum ou Maurorum).

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