sexta-feira, 26 de julho de 2013

AHistória da África nos bancos escolares...

 

 





Não costumo iniciar minhas reflexões com perguntas diretas,




já que as mesmas exigem respostas diretas. E efetivamente

esta não é uma qualidade que carrego. Porém, neste momento, é

difícil encontrar outra forma de chamar a atenção do leitor, provavelmente

 “O que sabemos

sobre a África?”

Talvez as respostas sofram algumas variações, na densidade e

na substância de conteúdo, dependendo para quem ou onde a pergunta

seja proferida. Acredito, no entanto, que o silêncio ou as

lembranças e imagens marcadas por estereótipos preconceituosos

vão se tornar ponto comum na fala daqueles que se atreverem a

tentar formular alguma resposta. Atrevimento sim! Quantos de

nós estudamos a África quando transitávamos pelos bancos das escolas?

Quantos tiveram a disciplina História da África nos cursos

de História? Quantos livros, ou textos, lemos sobre a questão? Tirando

as breves incursões pelos programas do


National Geographic




ou


Discovery Channel, ou ainda pelas imagens chocantes de um




mundo africano em agonia, da AIDS que se alastra, da fome que

esmaga, das etnias que se enfrentam com grande violência ou dos

safáris e animais exóticos, o que sabemos sobre a África? Paremos

por aqui. Ou melhor, iniciemos tudo aqui.

O ofício de historiador ou de professor—não consigo percebê-

los tão separados—habilita-nos à compreensão e análise da

humanidade em sua trajetória no tempo. Isto não pode ocorrer

apenas por adoração às pesquisas ou ao poder de contar histórias.

Voltar ao passado apenas por erudição ou curiosidade não é a nossa

tarefa. O passado comunica o presente, o presente dialoga com o

passado. Só assim nossa árdua função se recobre de significados e

de sentidos. Desconfio que os alunos também pensem assim. Se a

História da África, como um campo do pensamento humano, se

justifica por si só, no nosso caso, a responsabilidade adquire um

duplo peso.

Primeiro: temos que reconhecer a relevância de estudar a

História da África, independente de qualquer outra motivação.
 


 




Não é assim que fazemos com a Mesopotâmia, a Grécia, a Roma

ou ainda a Reforma Religiosa e as Revoluções Liberais? Muitos

irão reagir à minha afirmação, dizendo que o estudo dos citados assuntos

muito explica nossas realidades ou alguns momentos de

nossa História. Nada a discordar. Agora, e a África, não nos explica?

Não somos (brasileiros) frutos do encontro ou desencontro de

diversos grupos étnicos ameríndios, europeus e africanos? Aí está a

dupla responsabilidade. A História da África e a História do Brasil

estão mais próximas do que alguns gostariam. Se nos desdobramos

para pesquisar e ensinar tantos conteúdos, em um esforço de, algumas

vezes, apenas noticiar o passado, por que não dedicarmos um

espaço efetivo para a África em nossos programas ou projetos. Os

africanos não foram criados por autogênese nos navios negreiros e

nem se limitam em África à simplista e difundida divisão de bantos

ou sudaneses. Devemos conhecer a África para, não apenas dar notícias

aos alunos, mas internalizá-la neles. Para isso devemos saber

responder, com boa argüição, a pergunta inicial do texto. Porém,

chega de defesas ou apologias de uma História, e nos concentremos

nas “coisas sérias”.




A História da África nos bancos escolares




Se o ensino de História no Brasil


 passou por uma profunda




transformação nos últimos vinte anos, a mesma parece não ter

atingindo de forma significativa o estudo daHistória da África. Da

criação da primeira cátedra deHistória no país, em 1838, no Colégio

Pedro II, até o final dos anos 1970, as mudanças no ensino da

disciplina foram limitadas pelo modelo positivista hegemônico

em uso. Porém, os anos 1980 e 1990 reservaram um espaço fecundo

e estimulante para a (re)significação de sua existência. Estabeleceu-

se um diálogo, mais ou menos aberto, entre os diversos setores

interessados em repensar a abordagem daHistória em sala de aula.

Outras perspectivas teóricas—Marxismo eHistóriaNova—passaram

a inundar os livros didáticos, levando à incorporação de

abordagens econômicas estruturais e temáticas dos conteúdos tratados

ou determinados pelos currículos.

Aqueles que se sentaram em bancos escolares até o fim da ditadura

militar tinham que se contentar, ou aturar, umaHistória de

influência positivista recheada por memorizações de datas, nomes

de heróis, listas intermináveis de presidentes e personagens. Sem

contar a extrema valorização da abordagem política pouco atraen-
 



te, do eurocentrismo na História Geral e da exaltação da nação e de

seus governantes na História do Brasil. Todos esses conteúdos

eram apresentados com pouco ou nenhum perfil crítico e não existiam

brechas para a participação das pessoas comuns nos fatos tratados.

O ruir da traumática aventura dos militares ao poder se fez

acompanhar de um esforço de historiadores, professores e técnicos

na tentativa de modificar o ensino da história.

Como ressonância dos debates que circulavam nas universidades

desde os anos 1950, o marxismo pareceu ser a alternativa óbvia

para referenciar as modificações dos currículos e reescrever os

livros didáticos. Porém, a dose de mudanças foi muitas vezes ortodoxa,

limitando a história a modelos vulgares das análises marxistas

e a complexas estruturas e sistemas econômicos. Outras vezes

foi inócua, atingindo de forma bastante limitada a docentes e alunos.

Para alguns, cristalizou-se como única proposta a ser seguida,

fugir dela era renunciar ao papel de formador de consciências críticas

e esclarecidas. Para outros, a troca de perspectiva teórica não se

fez acompanhar da qualificação docente e do material utilizado em

sala de aula. É essa perspectiva teórica, com seus avanços e obstáculos

que, até o final dos anos 1990, foi, se não hegemônica, majoritária

no ensino da disciplina.

Nessa mesma década—como reflexo das mudanças teóricas

que inundavam os cursos de História, a partir os ventos soprados

pela historiografia francesa—percebeu-se que, se a reestruturação

escolar tinha sido frutífera, era ainda inadequada. Apesar da experiência

paulista


2 dos anos 1980, é a partir de 1995 que encontramos




uma presença mais marcante dos referenciais da História

Nova nos livros didáticos e nas salas de aula, chamada aí de História

temática. Não se pode negar os efeitos positivos dessas influências.

Uma série de atividades pedagógicas,


3 envolvendo abordagens




diversificadas da História, associadas à escrita de novos manuais

e reedições dos que já circulavam por algum tempo, informavam

os novos rumos tomados pelo ensino da disciplina. Porém,

e apesar dos esforços, existem lacunas e problemas de certa relevância

no debate que se montou acerca da adoção do ensino temático

no Brasil. A formação de alguns centros de Pós-Graduação,





especializados no ensino de História, e de núcleos de pesquisa,






além da promoção de congressos e encontros nacionais revelam a

preocupação com as mudanças acerca do assunto. Fica evidente

também, ainda hoje, por motivos conjunturais maiores, o descontentamento

de boa parte dos alunos e docentes pela forma como

 

 



ainda é ministrada a disciplina História nas escolas. Porém este é

um outro problema.

A partir deste quadro, de certa forma crítico, mas estimulante

para aqueles que defendem mudanças ainda maiores para aHistória

ensinada, percebemos um outro desencontro. vários pensadores

fizeram incursões reflexivas sobre o atual momento do ensino

de História e das inovadoras e, de certa forma, problemáticas

propostas dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Entre

as discussões levantadas, uma chamou-nos a atenção: o debate

acerca do combate à discriminação racial e do ensino da História

da África.





contra a discriminação racial no Brasil,



merece uma referência à




parte. Mesmo guardando idéias gerais, ainda que elucidativas, a

autora demonstra sensibilidade e iniciativa ao levar para um palco

de discussões maior um assunto lembrado por poucos: o ensino da

História da África. Mattos alerta para a necessidade de um redimensionamento

teórico e espacial sobre a questão. Se existia uma

tendência dos estudos anteriores de olhar o negro no Brasil, a

proposta da autora, influenciada pelas reflexões do britânico Paul

Gilroy, é de perceber a África, os africanos, e a identidade negra do

país dentro de um contexto histórico mais abrangente: o Mundo

Atlântico.




Quando se rompe com uma perspectiva essencializada das relações entre

identidade e cultura, decorre que qualquer abordagem sobre as ambigüidades

da identidade negra no Brasil se torna indissociável do entendimento

da experiência da escravidão moderna e de sua herança racializada

espalhada pelo Atlântico , Gilroy aborda este processo [a afirmação

de novas identidades negras] como construção política e histórica

fundada em diferentes trocas culturais (africanas, americanas e européias)

através do Atlântico, desde o tráfico negreiro, na qual a questão das

origens interessa menos que as experiências de fazer face à discriminação

através da construção identitária e da inovação cultural.




Outra fundamental questão abordada pela historiadora é a

negligência com a qual se trata aHistória da África nas universidades

e as conseqüências de tal fato no ensino.




Ainda mais grave, há alguns conteúdos fundamentais propostos nos novos

PCNs—especialmente a ênfase na história da África—que, infelizmente,

ainda engatinham como área de discussão e pesquisa nas nossas








 




universidades, impondo-se como limite ainda maior ao esforço pedagógico

que pode ser feito para uma abordagem que rompa com o europocentrismo

que ainda estrutura os programas de ensino das escolas.








As últimas páginas de seu artigo são dedicadas à análise de

como a História da África foi trabalhada em um dos novos livros

didáticos utilizados no país   MODELLATO 2000 O ponto de

destaque é que o volume analisado, voltado para a 6ª série do Ensino

Fundamental, utiliza uma proposta de abordagem temática da

História. A autora passa a dialogar com o livro procurando salientar

seus avanços e tropeços, que parecerem ser em maior número.

Por exemplo, no capítulo que trata da Expansão Marítima Européia

dos séculos XV e XVI, a “África aparece apenas como uma sucessão

de pontos geográficos a serem ultrapassados”. Na unidade

seguinte, que estuda o “desencontro entre culturas” Mattos se incomoda

que




não haja nem uma palavra sequer sobre África, africanos ou os diversos

povos daquele continente e de como participaram destes desencontros.

Eles entram em cena na terceira unidade, para caracterizar “a construção

da sociedade colonial”, basicamente como força de trabalho.




Em outros momentos, como no debate sobre a escravidão,

os autores do livro reproduzem versões tradicionais da historiografia

brasileira, ao naturalizarem a escravidão por “ela”, de alguma

forma, já existir em África. A África pré-colonial só irá aparecer na

última unidade, porém, Mattos não realiza nenhum comentário

mais específico sobre o assunto. Por fim, a autora conclui que




a tendência de conjunto [...] é o lugar encapsulado (como uma simples

questão de mão-de-obra) e naturalizado (negro = africano = escravo) da

questão negra no ensino da história do Brasil.Qualquer trabalho com livros

didáticos anteriores aos PCNs apenas reforçaria esta tendência [...].


 




Cabe ressaltar que este trabalho da autora não é especificamente

sobre o ensino da História da África, mesmo que o aborde

ao longo do texto, e nem ela é uma africanista. Talvez isso revele a

pouca profundidade ao analisar a abordagem da África anterior ao

século XIX, presente no manual. De qualquer forma, sua contribuição

deve ser destacada, já que foi uma das poucas vozes entre os

historiadores a publicar algum material sobre o tema. Suas conclusões

gerais também demonstram sua preocupação com a formação




 
 




dos professores. Mesmo que timidamente, aponta algumas alternativas.




Desenvolver condições para uma abordagem da história da África no

mesmo nível de profundidade com que se estuda a história européia e

suas influências sobre o continente americano. Já começaram a estar disponíveis

em língua portuguesa alguns títulos que tornam esta tarefa relativamente

viável, para além dos dois volumes monumentais sobre história

da África pré-colonial, de Alberto da Costa e Silva. Ensinar história

da África aos alunos brasileiros é a única maneira de romper com a estrutura

eurocêntrica que até hoje caracterizou a formação escolar brasileira.






No que concerne ao estudo da História da África, não podemos

ignorar o fato de que após o processo de libertação africano,

ocorrido na segunda metade do século XX, principalmente até os

anos 70, ocorreu uma expansão — quantitativa e qualitativa —

significativa das pesquisas realizadas sobre a história do Continente,

tanto por africanistas como por historiadores dos países recém formados

 Porém, devido a problemas internos e

ao descaso externo, esses países—falamos especialmente dos países

africanos de língua portuguesa


6 —, tiveram alguma dificuldade




em transportar para seus ensinos as inovações conquistadas por

seus pesquisadores. No mundo europeu, esse momento foi marcado

por um novo perfil das pesquisas, até então realizadas sob a tutela

do olhar colonialista. Já na América, concentraram-se, principalmente

nos Estados Unidos e no Brasil, os maiores esforços de

entendimento sobre a África, evidenciados pelas pesquisas e centros

de estudos montados.Mesmo assim, se comparados com estudos

realizados sobre outras temáticas, ainda são esforços pálidos.

Enfim, o momento é propício ao debate da questão, já que o

atual governo, na época com poucos dias de existência, sancionou

uma lei


 tornando obrigatório o ensino da História dos




afro-brasileiros e da África em escolas do Ensino Fundamental e

Médio.Medida justa e tardia, e ao mesmo tempo difícil de ser implementada.

Isso por um motivo prático: muitos professores formados

ou em formação, com algumas exceções, nunca tiveram,

em suas graduações, contato com disciplinas específicas sobre a

História da África. Soma-se a esse relevante fator a constatação de

que a grande maioria dos livros didáticos deHistória utilizada nesses

níveis de ensino não reserva para a África espaço adequado,

pouco atentando para a produção historiográfica sobre o Continente.

Os alunos passam assim, a construir apenas estereótipos so-
 





bre a África e suas populações. Portanto, seria justo perguntar:

como a História da África é ensinada em nossas escolas?

Para responder a tal questão faremos um breve exercício. Na

realidade, é uma espécie de teatro experimental de uma pesquisa

maior, que desenvolvo em tese de doutorado na linha de pesquisa

Comércio e Transculturação no Mundo Atlântico, do Programa

de Pós-Graduação em História da Universidade de Brasília. Em

meu projeto tenciono fazer o seguinte percurso: analisar a forma

como os livros didáticos de História — produzidos a partir de

1995—utilizados nas escolas brasileiras, portuguesas, angolanas

e cabo-verdianas representaram(am) por meio de imagens e textos

escritos os africanos, e qual o papel reservado à História da África

em meio às temáticas e conteúdos abordados.

Neste caso, farei aqui um breve, mas fundamental, teste.

Nesta primeira parte do artigo tivemos a preocupação de alertar,

assim como outros já o fizeram, para as graves lacunas existentes na

formação acadêmica e no ensino sobre a História da África. Na segunda

parte apresentaremos a trajetória das leituras realizadas sobre

os africanos e que revelam as representações construídas ao

longo do tempo acerca da África. E por fim, em um terceiro momento

realizaremos um estudo de caso. Ao analisarmos um dos

poucos livros didáticos  que abordam a História

da África pré-colonial com um capítulo específico, intentamos

iniciar uma leitura crítica sobre os acertos e desacertos da abordagem

efetuada sobre a levantada temática nos manuais. Esperamos

que seja uma iniciativa válida.




Os africanos sob os olhares ocidentais e notícias da

historiografia sobre a África




Silêncio, desconhecimento e representações eurocêntricas.

Poderíamos assim definir o entendimento e a utilização da História

da África nas coleções didáticas deHistória no Brasil. Das vinte

coleções compulsadas pela pesquisa, apenas cinco possuíam capítulos

específicos sobre a História da África.


 Nas outras obras, a




África aparece apenas como um figurante que passa despercebido

em cena, sendo mencionada como um apêndice misterioso e pouco

interessante de outras temáticas. Tornou-se evidente também

que, quando o silêncio é quebrado, a formação inadequada e a bibliografia

limitada criam obstáculos significativos para uma leitura

menos imprecisa e distorcida sobre a questão. Percebemos, en-
 




tão, que a tarefa de análise de manuais didáticos exigiria não apenas

um conhecimento considerável acerca da História e da historiografia

africanas. Seria preciso fazer uso de outro suporte de análise,

que permitisse o entendimento de como esses livros influenciaram

a construção das distorções e simplificações elaboradas sobre a

África e apropriadas por milhares de alunos e professores naquele

Continente, no Brasil e em Portugal.

Se o objetivo aqui é analisar a forma como os africanos e a

História da África foram representados na literatura didática de

História, torna-se indispensável fazermos uma incursão por alguns

dos trabalhos que tentaram esclarecer como o imaginário ocidental

sobre a África e os africanos foi gestado. É claro que as contribuições

vão além dos conceitos que serão discutidos, passando

pelo entendimento das relações sistêmicas maiores. No entanto,

construir instrumentos de pesquisa e reflexão mais apurados apresentam-

se como tarefas obrigatórias. Para isso, retornaremos às citadas

reflexões traçando uma breve trajetória das representações

elaboradas sobre os africanos, articulando-a aos caminhos seguidos

pela historiografia africana.




Visões sobre a África




Em recente viagem à África,


o presidente Luiz Inácio Lula




da Silva demonstrou a intenção do Estado brasileiro, pelo menos

de forma simbólica, de quebrar o silêncio de algumas décadas nas

relações econômicas e diplomáticas mais vantajosas entre as duas

margens do Atlântico. Deixando de lado as perspectivas figurativas

do


tour pela região sul do Continente—São Tomé e Príncipe,




Angola, Moçambique, Namíbia e África do Sul — o presidente,

em seus improvisados, e, portanto, mais reveladores discursos, cometeu

o que foi para alguns uma gafe, para outros uma dura ofensa

à África. Ao fazer comentários sobre a limpeza e organização de

Windhoek, capital da Namíbia, Lula evidenciou as imagens que

incorporamos e perpetuamos sobre o Continente. Não tiremos as

palavras do presidente, sua íntegra nos ajuda à reflexão sobre nosso

imaginário acerca da África e dos africanos.




Estou surpreso porque quem chega aWindhoek [capital daNamíbia], não

parece estar num país africano. Poucas cidades do mundo são tão limpas,

tão bonitas arquitetonicamente e têm um povo tão extraordinário como

tem essa cidade [...]. A visão que se tem do Brasil e da América do Sul é de

que somos todos índios e pobres. A visão que se tem da África é de que

também é um continente só de pobre.








Não iremos crucificar o  EX presidente como outros fizeram.

Não que concordemos com tal disparate conclusivo, até porque,

tendo oportunidade de se corrigir nos dias seguintes, Lula afirmou

que apenas constatou o óbvio. Porém, é muito mais enriquecedor

analisar os pensamentos do nosso chefe de Estado por uma outra

dimensão. Independente de Lula ter formação superior ou não, ser

presidente ou cidadão comum, nordestino ou gaúcho, pobre ou

rico, sua postura de admiração com uma “cidade limpa” na África é

surpreendentemente comum. Para ser mais claro: excluindo um

seleto grupo de intelectuais e pesquisadores, uma parcela dos afrodescendentes

e pessoas iluminadas pelas noções do relativismo

cultural, nós, brasileiros, tratamos a África de forma preconceituosa.

Reproduzimos em nossas idéias as notícias que circulam

pela mídia, e que revelam um Continente marcado pelas misérias,

guerras étnicas, instabilidade política, AIDS, fome e falência econômica.

Às imagens e informações que dominam os meios de comunicação,

os livros didáticos incorporam a tradição racista e preconceituosa

de estudos sobre o Continente e a discriminação à

qual são submetidos os afrodescendentes aqui dentro. A África não

poderia ter, fazendo uma breve inversão do olhar presidencial, ruas

limpas, um povo extraordinário e bela arquitetura. Seguindo esse

raciocínio, a viagem não poderia ter outra dimensão do que a econômica,

e o Brasil não poderia ter outra postura do que a de ajuda

humanitária à África, já que, por sermos tão melhores do que eles,

seria ilógico esperar algo de lá.

Para além da educação escolar falha, é certo afirmar que as

interpretações racistas e discriminatórias elaboradas sobre a África

e incorporadas pelos brasileiros são resultado do casamento de

ações e pensamentos do passado e do presente. Neste caso, percebe-

se que as representações deturpadas sobre o Continente africano

não são uma exclusividade brasileira dos dias do presidente

Lula. As distorções, simplificações e generalizações de sua história

e de suas populações são comuns a várias partes e tempos do mundo

ocidental. Dessa forma, se continuarmos a reproduzir leituras e

falas como a citada, é muito provável que o imaginário de nossas

futuras gerações sobre a África não sofra modificações significativas.

Alguns autores


10 já tinham alertado sobre as dificuldades de




compreensão dos olhares estrangeiros que percorreram o Continente

africano. O historiador português José da Silva Horta

(1995, 1991) em dois excelentes trabalhos, refletiu sobre os possíveis

limitadores e influenciadores das leituras européias realizadas
 
 

em África, leituras essas que incorporamos durante o período colonial

e que foram reforçadas ao longo dos séculos seguintes. Horta

defende a idéia, comungada por outros autores, de que os textos

sobre os africanos—escritos ou imagéticos —, presentes nas mais

diversas obras ao longo do tempo, não passam de

representações,11

ou seja, são (re)construções do real. É certo que esses textos foram

escritos (pintados) a partir de uma série de referências ou categorias

culturais daqueles que estiveram em África ou procuram interpretar

as notícias que lá chegavam.

Ao lermos os textos europeus que retratam o Africano (o mesmo sucede,

aliás, se interpretarmos ícones), mesmo os mais descritivos, temos de

partir sempre do princípio de que estamos perante representações, o que

é dizer, perante (re)construções do real. [...] Essa construção faz-se de

acordo com as categorias culturais e mentais de quem viu, ou (e) de

quem escreve [...]. A representação é, aqui, a tradução mental de uma realidade

exterior que se percepcionou e que vai ser evocada—oralmente,

por escrito, por um ícone — estando ausente. (Horta, 1995: 189)

Evidencia-se dessa relação — observado/observador — um

jogo não só de dominação e resistência, mas também de dificuldade

de explicar e reconhecer a alteridade. Ao mesmo tempo, fica claro

que as relações sociais, intelectuais e culturais só se concretizam

quando ocorre entendimento. E para entendermos algo, quase

sempre, fazemos uso de nossa cosmovisão e estrutura de explicação

do universo, emprestando significados ao que está sendo observado

ou apresentado

 Sabemos que as representações

são construídas em nosso imaginário não de forma passiva. Quase

sempre incorporamos outras definições e conceitos de forma consciente,

e mesmo que adotemos determinada postura menos irrefletida,

ela pode ser alterada a qualquer momento, dependendo dos

reflexos que nos chegam e de nossas intenções.

A representação, enquanto tradução mental de uma realidade exterior

percepcionada, implica um processo de abstração que passa pelo gerir—

mais ou menos inconsciente — das classificações disponíveis no


stock

cultural



para tornar inteligível e avaliar essa realidade.Os valores que lhe

subjazem cristalizam-se assim em categorias, lugares-comuns e estereótipos,

que organizam a cada momento as representações, das quais são

como que a linguagem, o código de referência permanente.




Compete aqui lembrar que esse processo não ocorreu em

uma via de mão única—europeus/africanos. Os africanos eviden-
temente elaboraram suas interpretações e significações para o que

vivenciavam ao entrar em contato com os europeus.

Em suma: as representações recíprocas são uma dimensão essencial do

encontro de Europeus e Africanos, de uma história em comum. Práticas

e representações constituem um binômio indissociável. As últimas têm,

portanto, um papel coadjuvante na explicação da natureza do relacionamento

entabulado entre duas partes que se observam e que interagem.

[...] Trata-se de uma convergência natural e necessária em todos os fenômenos

resultantes do encontro ou confronto de culturas .




Seria plausível afirmar que os olhares sobre oOutro estariam

impregnados do “estranhamento”, da dificuldade de emprestar

significados e aceitar as diferenças. Ao mesmo tempo, tal relação é

fundamental para a afirmação/reelaboração da própria identidade.

Nesse movimento os europeus emprestaram, quase sempre,

um aspecto de inferioridade aos povos da região. De certa forma,

também teriam sido os contatos com os europeus que fizeram os

africanos perceberem ou serem “obrigados” a aceitar que entre eles

existiam elementos de proximidae e de identidade.

Opsiquiatra negro Frantz Fanon,

12 ao investigar os impactos

psicológicos do processo de dominação européia na África, afirmava

que “o negro nunca foi tão negro quando a partir do momento

em que foi dominado pelos brancos” (Fanon, 1983:212). O filósofo

africano Kwame Appiah confirma a idéia de que “a própria

categoria do negro é, no fundo, um produto europeu, pois os

‘brancos’ inventaram os negros a fim de dominá-los” (Appiah,

1997:96).

Percebe-se, portanto, que a troca de olhares sobre o outro e

sobre a própria identidade é um instrumento dinâmico, em constante

resignificação e com múltiplas variáveis. Neste caso, atentemos

para as visões européias sobre os africanos.

Desde da Antigüidade, os escritos de viajantes, historiadores

ou geógrafos, como Heródoto (séc. V a.C.) e Cláudio Ptolomeu

(séc. II), fazem referência à África de forma a demarcar as diferenças

e a representar, a partir dos filtros estrangeiros, o Continente e

suas gentes.

13 Os elementos que parecem ter chamado mais a atenção

das leituras européias foram a cor da pele dos africanos, chamados

de etíopes, e as características geográficas da região, conhecida

por Etiópia. Essa própria forma de denominar a África conhecida,

que no período se limitava à área acima do Saara, utilizada

por gregos e romanos, levava em consideração um desses grandes

AHistória da África nos bancos escolares...

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elementos de estranhamento, já que o termo grego

Aethiops, significa

terra dos homens de pele negra (Difuila, 1995: 53).

Heródoto, em sua

História, deixou registrada sua impressão

acerca dos africanos, em um misto de estranhamento, admiração e

desqualificação. Em sua lógica descritiva ele afirmava que “os homens

daquelas regiões são negros por causa do calor” e os “etíopes

da Líbia são entre todos os homens os de cabelos mais crespos”

(Heródoto, 1988: 95, 361). A relação entre a cor e o clima, associada

à ênfase no tipo de cabelos revela o impacto que a diferença de

fenótipos entre os europeus e os africanos causava ao estrangeiro.

Além disso, afirmava o historiador que “o sêmem por eles ejaculado

quando se unem às mulheres também não é branco [...], e sim

negro como a sua tez (acontece o mesmo com o sêmem dos etíopes)”

(

ibidem: 182). Em seus comentários também encontramos

elogios aos etíopes, já que estes seriam “homens de elevada estatura

e muito belos e de uma longevidade excepcional”.Na descrição geográfica

da região o viajante grego acredita ser a Etiópia “a mais remota

das regiões habitadas; lá existe muito ouro e há enormes elefantes,

e todas as árvores são silvestres, e ébano (...)” (

ibidem:

185-6).

Porém, não só de curiosidade se constituem seus escritos.

Emoutros trechos fica evidente a inferioridade dos etíopes perante

os gregos e egípcios, já que estes eram bárbaros—sem civilização

— e identificados como trogloditas.

Esses soldados, estabelecendo-se na Etiópia, contribuíram para civilizar

os etíopes, ensinando-lhes os costumes egípcios (


ibidem: 98).

Esses garamantes saem com seus carros de quatro cavalos à caça de trogloditas

etíopes, pois os trogloditas etíopes são os corredores mais rápidos

sobre os quais já ouvimos contar histórias. Esses trogloditas se alimentam

de serpentes, de lagartos e de répteis do mesmo gênero; eles não

falam uma linguagem parecida com qualquer outra, e emitem gritos

agudos como os dos morcegos (


ibidem: 250).

Ainda na Antigüidade, o geógrafo alexandrino Cláudio Ptolomeu,

baseando-se em estudos anteriores, conseguia “com sua

Geografia


a evolução máxima dos conhecimentos relativos aos

contornos da África” (Djait, 1982: 119). A África não passaria da

região do Equador e o clima abaixo dele seria insuportável. Sua

cartografia serviria de base para os teólogos e geógrafos medievais.

No medievo, as imagens sobre os africanos foram completamente

tangidas pelo imaginário europeu. A teoria camita e a fusão

da cartografia de Cláudio Ptolomeu com cosmologia cristã rele-

gam a África e os africanos às

piores regiões da Terra. Na

cartografia medieval, os mapas

seguem um padrão, sendo

a Terra um círculo com as

terras conhecidas — Europa,

Ásia e África—distribuídas

no centro em forma de

um T. Na realidade, o termo

mais usado para designar essas

representações era “mapas

TO”, de

Orbis Terrarum.

Um exemplo desses

mapas é o de Psalter (1250),

ao lado (Noronha, 2000).

Outra idéia explica a “nomenclatura

TO: ela sugere o

Cristo crucificado (T) e o

oceano (O) que circunscreve todo o orbe” ou ainda o T como “representação

geométrica dos três mares”, o Mediterrâneo, o Helesponto


O paraíso terrestre aparecia sempre ao Norte, no topo, distante

dos homens, e Jerusalém, local da ascensão do filho de Deus

aos céus, no centro. A Europa, cuja população descendia de Jafet,

primogênito de Noé, ficava à esquerda (do observador) de Jerusalém

e a Ásia, local dos filhos de Sem, netos deNoé, à direita. Ao Sul

aparece “o continente negro e monstruoso, a África. Suas gentes

eram descendentes de Cam, o mais moreno dos filhos de Noé”

 Neste caso, mais uma vez o desprestígio

recobria a África. Segundo os textos bíblicos, Cam foi punido

por flagrar seu pai nu e embriagado. Seus descendentes deveriam

se tornar escravos dos descendentes de seus irmãos e habitar parte

do território da Arábia, do Egito e da Etiópia.

Com as Grandes Navegações e os contatos mais intensos

com a África, abaixo do Saara, os estranhamentos e os olhares preconceituosos

continuam. No século XV, duas encíclicas papais—

a

Dum Diversas e a Romanus Pontifex—“deram direito aos Reis de

Portugal de despojar e escravizar eternamente osMaometanos, pagãos

e povos pretos em geral”Além disso, o

imaginário dos navegantes iria sobreviver, de forma diversa, nos

séculos seguintes. Os temores sobre oMar Oceano e a região abai-

xo do Equador iriam alimentar as elaborações e representações dos

europeus sobre os africanos. Monstros, terras inóspitas, seres humanos

deformados, imoralidades, regiões e hábitos demoníacos

iriam ser elementos constantes nas descrições de viajantes, aventureiros

e missionários.Emexcelente obra introdutória à História da

África, Mary Del Priore e Renato Venâncio, retrataram essas construções

mentais.

Acreditava-se, também, que a parte habitável da Etiópia era moradia de

seres monstruosos: “os homens de faces queimadas”. [...] A cor negra, associada

à escuridão e ao mal, remetia no inconsciente europeu, ao inferno

e às criaturas das sombras. O Diabo, nos tratados de demonologia,

nos contos moralistas e nas visões das feiticeiras perseguidas pela Inquisição,

era, coincidentemente, quase sempre negro

Para a maior parte dos autores, a descrição física da zona meridional africana

se associava à idéia de intolerância climática.No século XI, Vicente

de Beauvais, dominicano e leitor da real família de França, opunha o

Norte e o Sul para explicar que o primeiro era seco e frio e o segundo,

quente e úmido. Ao norte, os homens seriam sadios e belos; ao sul, frágeis,

doentes e feios. Por culpa do clima tórrido, seus corpos negros e moles

eram sujeitos a males como a gangrena, a epilepsia, as diarréias. Ao norte,

os corpos, isentos de doenças, teriam uma coloração rosada



 

Ao longo dos contatos estabelecidos nos tempos modernos

os preconceitos foram apenas se alternado. A ausência da fé cristã,

trocada em África por “cultos pagãos e fetichistas”, de Estados organizados

aos moldes dos europeus e o convívio com padrões urbanísticos,

estéticos e artísticos diversos fizeram com que as leituras

européias sobre a África pouco mudassem.

No século XIX, as crenças científicas, oriundas das concepções

do Darwinismo Social e do Determinismo Racial, alocaram

os africanos nos últimos degraus da evolução das “raças” humanas.

Infantis, primitivos, tribais, incapazes de aprender ou evoluir, os

africanos deveriam receber a benfazeja ajuda européia, por meio

das intervenções imperialistas no Continente. Neste mesmo período,

o pensamento histórico passa por (re)adequações, surgindo

uma espécie de história científica.

As perspectivas das reflexões historiográficas, do século XIX

até a década de 1960, espelham, em parte, os silêncios insuportáveis

que até pouco tempo se fizeram sobre a temática no Ocidente

e no Brasil, e explicam a manutenção das representações construídas

em relação aos africanos. Partindo da idéia de que a história é o

campo das ações — mentais e materiais — humanas no tempo, a

África é a região do mundo de mais longa historicidade. Berço da



humanidade, esse Continente foi palco de diversificadas experiências

sociais e múltiplos fenômenos culturais. No entanto, o aparecimento

da “ciência histórica”, na Europa dos oitocentos, desconsiderou,

por meio de seus pressupostos, a história vivenciada naquele

Continente.

Nas leituras dos autores que abordaram a trajetória da historiografia

africana encontramos alguns elementos em comum na

identificação de como a África aparece nos escritos historiográficos

ocidentais e nos dos próprios africanos. A divisão/classificação

desses escritos, realizada pelo cientista social guineense Carlos Lopes,

servirá como guia de nossa incursão. Segundo Lopes, existiriam

três grupos nos quais poderiam ser localizadas, por afinidades

maiores, as diversas investigações ou “falas” realizadas sobre a África,

a partir do século XIX: a Corrente da Inferioridade Africana, a

Corrente da Superioridade Africana, e uma Nova Escola de estudos

africanos. Para uma melhor apreensão dessas interpretações, é

preciso lembrar que elas são herdeiras diretas de um imaginário

 

bastante distorcido acerca dos africanos.

Segundo os pensadores do século XIX, os povos africanos

subsaarianos encontravam-se imersos em um estado de quase absoluta

imobilidade, seriam sociedades sem história.No caso, é preciso

que se frise que aHistória, naquele momento, passara a se confundir

com dois elementos: as trajetórias nacionais—entendidas

como os inventários cronológicos dos principais fatos políticos

dos Estados europeus, quase sempre protagonizados por figuras

ilustres ou heróis; e com o movimento retilíneo e natural rumo ao

progresso tecnológico e civilizacional. Dessa forma, a idéia da

transformação, da busca constante pelo novo, pelo moderno, se

tornaria uma obsessão. Além disso, devido aos rigores metodológicos,

o passado somente poderia ser acessado com o uso dos documentos

escritos oficiais.

Observados de dentro dessa perspectiva histórica, os povos

africanos não possuíam papel de destaque na história da humanidade.

Primeiro pela ausência, em grande parte das sociedades abaixo

do Saara, de códigos escritos—havia a predominância da tradição

oral. E, segundo, por serem classificadas como sociedades tradicionais

 


— quando a tradição aparece no sentido de preservar,

como em uma bolha do tempo, o passado —, estando fadados a

um eterno imobilismo.

Os pesquisadores que abordam a construção da historiografia

africana utilizam exemplos, que hoje poderíamos chamar de

“clássicos”, para descrever este estado de

coisas. O mais citado é a
categórica afirmação do filósofo alemão Friedrich Hegel, ainda na

primeira metade do séc. XIX, acerca da inexistência da História

em África, ou de sua insignificância para a humanidade.

A África não é uma parte histórica do mundo. Não tem movimentos,

progressos a mostrar,movimentos históricos próprios dela.Quer isto dizer

que sua parte setentrional pertence ao mundo europeu ou asiático.

Aquilo que entendemos precisamente pela África é o espírito a-hstórico,

o espírito não desenvolvido, ainda envolto em condições de natural e

que deve ser aqui apresentado apenas como no limiar da história do

mundo.

Apesar de Hegel não ter uma influência tão significativa assim

nos historiadores do período seguinte, parece que essa idéia

não ficou limitada aos oitocentos, influenciando trabalhos posteriores.

Manuel Difuila lembra que um dos primeiros estudiosos

das temáticas africanas, H. Schurz, comparou a “História das raças

da Europa à vitalidade de um belo dia de sol, e a das raças da África

a umpesadelo que logo se esquece ao acordar”

Ainda nesta direção um renomado professor da Universidade de

Oxford, Sir Hugh Trevor-Hoper, demonstrou, em 1963, compartilhar

das idéias de seus companheiros anteriores.

Pode ser que, no futuro, haja uma história da África para ser ensinada.

No presente, porém, ela não existe; o que existe é a história dos europeus

na África. O resto são trevas [...], e as trevas não constituem tema de história

[...] divertirmo-nos com o movimento sem interesse de tribos bárbaras

nos confins pitorescos do mundo, mas que não exercem nenhuma

influência em outras regiões”



Para os historiadores do século XIX ou da virada para o XX, a

História da África—vivenciada ou contada—teria começado somente

no momento em que os europeus passaram a manter relações

com as populações do Continente. Não só pela ação de registrar

e relatar, feita por viajantes, administradores, missionários e

comerciantes do século XV ao XIX, mas principalmente pelas mudanças

introduzidas pelos europeus na África.

O filósofo africano Valentin Mudimbe chamou a atenção,

por exemplo, sobre as argumentações utilizadas pelos europeus

para explicar as origens da técnica estatuária usada pelos iorubás,

da arte do Benin e da arquitetura do Zimbabwe. Todos esses elementos

de destaque da cultura africana seriam frutos de interferências

de outras civilizações na África negra, e não criação africana

1988, . Carlos Lopes apresenta outras pesquisas

neste estilo. A tendência seria, de alguma forma, preservar as afir-



mações de que a África não possuiria história, e de que tudo lá encontrado

não passaria de uma cópia inferior ao produzido em outros

lugares.

Ao estudar os conhecimentos astronômicos dos Dogon nos anos 40, M.

Griaule e os seus discípulos ficaram fascinados com o nível de conhecimentos

existente. Recentemente, o conhecido astrônomo Carl Sagan, da

Universidade Cornell, decidiu avaliar esses mesmos conhecimentosDogon,

e concluiu que os “Dogon, em contrate com todas as sociedades

pré-científicas, sabiam que os planetas, incluindo a Terra, giram sobre si

próprios e à volta do Sol”... Como é que se pode explicar este extraordinário

conhecimento científico? Sagan não duvidou um segundo que

deve ter sido devido a um gaulês que atravessou aquelas paragens, e que

provavelmente estava mais avançado que a ciência da época

1995

Infere-se, portanto, que, há cinqüenta anos, investigar o

passado do Continente negro ainda era uma tarefa marcada por

um certo isolamento e pelo descaso. Mesmo que percebida como

inovadora, por alguns, a maioria dos historiadores a julgava desnecessária

ou inviável.

O Continente que deu vida ao próprio homem

foi condenando por muitos deles ao esquecimento ou à inferioridade.

A mudança dessa perspectiva começou a ocorrer um pouco

antes das lutas pelas independências, nos anos 1950 e 1960, e se estenderia

até o final da década de 1970. De uma forma geral, pode-

se afirmar que, na segunda metade do século XX, aconteceu

uma espécie de revolução nos estudos sobre a África. As investigações

se diversificaram e ampliaram suas abordagens.

Em um primeiro momento, a fragmentação política do

Continente forçava a construção de histórias nacionais para cada

região “inventada” pelos europeus e reinventada pelos africanos.

De forma geral, a independência criou, por parte de uma nova elite

política e intelectual, a necessidade da elaboração das identidades

africanas dentro do Continente, e deste perante o mundo. Para

isso, era imprescindível retornar ao passado em busca de elementos

legitimadores da nova realidade e encontrar heróis fundadores

e feitos maravilhosos dos novos países africanos e da própria África.

Por essa visão, o Continente possuiria uma história tão rica e diversificada

quanto a européia.

Segundo o filósofo africano Kwame Appiah, era preciso ter

qualidades e forças em um mundo competitivo e em uma África

submersa em problemas dos mais diversos tipos. Para ele, entre esses

primeiros pensares pós-independência estaria o aparecimento
de ideologias que defendiam e (re)significavam a identidade africana:

o pan-africanismo e a negritude. Ambas, com intensidades e

objetivos diferentes, buscavam enfatizar a existência de uma identidade

comum africana, que serviria como sinal distintivo e de

qualificação, muitas vezes apaixonada, dos africanos com relação

ao resto da humanidade 1997 Essas correntes tiveram

uma grande influência nos estudos ali organizados até o final

dos anos 1970, e na própria articulação e crescimento dos movimentos

negros do outro lado do Atlântico.

Uma das principais gerações de pensadores desse grupo foi

a dos intelectuais liderados pelos africanos Joseph Ki-Zerbo e

Cheikh Anta Diop. A maior parte dos historiadores ligados a esse

movimento supervalorizou o argumento de que a África também

tinha sua história. Tal iniciativa fez com que Carlos Lopes chamasse

esse grupo de “Pirâmide Invertida”, ou Corrente da Superioridade

Africana. Para Lopes, não seria difícil entender ou justificar

este nome, já que eles estavam ligados à iniciativa de modificar as

leituras e visões sobre a África, procurando redimensionar sua história,

inclusive colocando-a como o ponto de partida para explicar

a História Ocidental.
As investigações deveriam, portanto, focar a África em sua

própria trajetória. As histórias dos reinos e civilizações africanas

foram utilizadas como exemplo da capacidade de organização,

transformação e produção africanas, que em nada ficava a dever

para os padrões europeus. Assim como os vestígios materiais deixados

do passado—técnicas de cultivo, padrões de estética da arte

estatuária, ruínas dos mais diversos matizes—foram usados para

evidenciar as qualidades do Continente. No entanto, os autores

que abordam o período são unânimes em afirmar que os esforços

dessa vertente

 resvalaram em erros anteriormente cometidos.

Um dos mais evidentes era a ação desproporcional de enaltecer as

características histórico-culturais da África. A imprecisão, aqui,

foi cometer o mesmo erro dos estudos europeus, só que agora não

utilizando o eurocentrismo, mas sim o afrocentrismo. Em alguns

estudos os africanos passaram a ser percebidos como meras vítimas

das ações externas, perdendo novamente o papel como agentes históricos


No final dos anos 70 e início dos 80, passada a euforia de se

pensar a África por ela mesma, surgiu,
“nova escola de historiadores africanos”, despojados das cargas

emocionais dos seus predecessores e igualmente preocupados com

a continuidade das investigações. Porém, no caso desses novos his-


toriadores, competia a eles a trabalhosa tarefa de ampliar os estudos

sobre o Continente e integrar suas pesquisas às constantes inovações

da historiografia mundial

 

Nesse período, ficou claro que as fontes escritas não eram tão

escassas para a África. Arquivos ultramarinos europeus, na própria

África, além das diversas fontes em árabe, facilitavam a investigação

sobre certos sistemas vigentes durante séculos na história da região.

Houve também uma sofisticação do uso de metodologias no

caso da tradição oral, assim como a aproximação com a Antropologia,

a Lingüística e a Arqueologia, que já ocorria há algum tempo,

acentuou-se.

Nos últimos anos, a historiografia africana passou a ser caracterizada

por estudos ligados às epidemias, ao cotidiano, às novas

tendências da economia e da ciência política, da importância

do regional, do gênero, da escravidão, da cultura política, das influências

da literatura e de uma quase incontável diversidade de temáticas

para investigação. Pesquisas realizadas por africanos e africanistas

têm procurado desvendar e explicar o Continente pelas

óticas sempre diversificadas das reflexões históricas. Estudos sobre

o passado remoto ou recente das regiões, do processo de formação

da África atual, do entendimento da diversidade de suas culturas e

povos, das releituras sobre os contatos com os europeus e sobre os

complexos problemas a que submerge hoje o Continente foram

alvo de uma quantidade avassaladora de investigações.

Encontros e publicações

 têm imprimido um ritmo estimulante

para aqueles que se interessam pelo seu passado. Apesar dos

problemas, alguns inerentes à própria situação socioeconômica da

região, e às heranças e ranços historiográficos que ainda insistem

em destratar ou minimizar a relevância dos estudos históricos ali

desenvolvidos, as investigações aumentaram em termos quantitativos

e qualitativos.

De qualquer forma, e apesar dos esforços, seria precipitado

afirmar que as velhas representações sobre os africanos tenham desaparecido.

Talvez a viagem de Lula à África tenha sido um sinal

disso.

O livro didático de História entre representações

Se levarmos em consideração que a grande maioria dos autores

de livros didáticos são historiadores, ou pelo menos professores

deHistória, os manuais escolares—com seus textos escritos e ima-

géticos — ganham o

status de serem representações da História.

Da mesma forma, seria natural pensar que as mesmas serão (re)significadas

pelos seus leitores, sejam eles professores ou alunos.

Entendemos, portanto, que os textos e os recursos imagéticos presentes

em um livro didático—mapas, figuras, fotografias, pinturas,

charges ou desenhos—são produtos da interpretação e da representação

de uma certa realidade pelos seus autores.

Os próprios manuais guardam uma larga possibilidade de

entendimento a partir do contexto no qual foram fabricados, do

momento
historiográfico vivenciado, das diversas demandas e influências
que se apresentaram na elaboração desse tipo de material
e de ideologias ou mentalidades circulantes. Ao escrever um texto
sobre a formação dos Estados nacionais europeus e ignorar a multiplicidade
étnica da África pré-colonial, ou utilizar imagens de
africanos escravizados e brutalizados e não aquelas em que aparecem
resistindo ou interagindo ao tráfico, o autor está fazendo uso
de uma série de critérios: sua formação acadêmica, suas convicções
ideológicas, seu contexto histórico, o público para quem está elaborado
o material, a intenção das editoras, as limitações de sua formação
para tratar todos os assuntos e as pressões do mercado editorial.
De certa forma, seu trabalho final é o resultado de seus olhares
direcionados e cheios de significados e interpretações, resultando
num tipo de representação da história. O livro didático


[...] é um importante veículo portador de um sistema de valores, de uma
ideologia, de uma cultura. Várias pesquisas demonstraram como textos e
ilustrações de obras didáticas transmitem estereótipos e valores dos grupos
dominantes, generalizando temas, como família, criança, etnia, de
acordo com os preceitos da sociedade branca

 


A partir das palavras e imagens—significantes—presentes
nos livros, os próprios alunos irão construir suas representações—
significados — ou somente absorverão as representações elaboradas
pelos autores.


Com relação à produção do conhecimento em sala de aula, lidamos diretamente
com a construção e elaboração de imaens e palavras. Neste aspecto,
a compreensão dos sentidos das palavras é de fundamental importância
[...] Quando uma palavra adquire determinado significado, pode
ser aplicada a outras situações: é a aplicação de um conceito a novas situações
concretas, é um tipo de transferência.



Entretanto, acreditamos que a construção de significados
em sala de aula não se limita às palavras ou textos escritos. As ima-










gens, além de contribuírem para o processo de ensino-aprendizagem
em História

 também informam uma maneira
de os alunos olharem os indivíduos ou grupos sociais que convivem
com eles.


A imagem enquanto representação do real estabelece identidade, distribui
papéis e posições sociais, exprime e impõe crenças comuns, instala
modelos formadores, delimita territórios, aponta para os que são amigos
e os que se deve combater.



Seria plausível, então, pensar que se uma criança africana,
européia ou brasileira for acostumada a estudar e valorizar apenas
ou majoritariamente elementos, valores ou imagens da tradição
histórica européia elas irão construir interpretações ou representações
influenciadas pelas mesmas. Da mesma forma, se as imagens
reproduzidas nos livros didáticos sempre mostrarem o africano e a
História da África em uma condição negativa, existe uma tendência
da criança branca em desvalorizar os africanos e suas culturas e
das crianças africanas em sentirem-se humilhadas ou rejeitarem
suas identidades.

 
Tentaremos, neste artigo, realizar um exercício inicial sobre
essas questões.


Um estudo de caso: a África na

Nova História Crítica de
Mario Schmidt



“Muitos brasileiros de hoje descendem de povos africanos.
Por isso, conhecer a história da África nos faz conhecer nossa própria
história”. É com esse parcial

 argumento que Mario Furley
Schmidt

 inicia o décimo primeiro capítulo (África) do segundo
volume de sua coleção intitulada

Nova História Crítica. Antes de
maiores reflexões sobre o tema que se registre o elogio. Juntamente
com outras poucas coleções, esta é uma das obras que dedica um
espaço exclusivo para tratar o Continente. Quase sempre, a África
aparece em óbvias passagens daHistória do Brasil ou Geral, ligada
à escravidão, ao domínio colonial no século XIX, ao processo de
independência e às graves crises sociais, étnicas, econômicas e políticas
em que mergulhou grande parte dos países africanos formados
no século XX. A África torna-se um apêndice ou um complemento.
São poucos os livros que dão destaque à

História da África.
Por razões que talvez espelhem as defasagens da formação
acadêmica e do mercado editorial, e as circunstâncias específicas
da elaboração de um livro didático, o autor do manual incorreu em


algumas imprecisões—que têm sido comuns quando o assunto é
abordado. Mesmo citando uma literatura clássica sobre a historiografia
africana, e apesar de vários aspectos positivos de seu texto,
observar os desvios cometidos motivam a análise sobre a questão.
Voltemo-nos a elas.
Apesar do título da coleção, o livro de Schmidt demonstra
ter uma inquestionável influência “marxista”. O vocabulário empregado
em certas passagens ao longo dos capítulos, e da própria




 
História —, evidenciam uma abordagem marcadamente econômica
dos temas e o uso de conceitos como o de luta de classes, ancorando
parte de sua narrativa nos antagonismos entre dominados
e dominadores, capitalistas e proletariados, senhores e escravos.
Mesmo que, no

Manual do Professor, o autor cite a História Social
como referencial teórico, e nas temáticas abordadas dê uma atenção
especial a aspectos culturais, a influência dos pressupostos da
Nova História Francesa ou da História Social Inglesa é limitada.
Seu texto possui uma base “marxista” e que ao poucos vai incorporando
as pesquisas e idéias oriundas das novas concepções historiográficas.
Na realidade, soma-se a um grande grupo de livros que
se encontram em uma espécie de transição.
No que concerne ao estudo da História da África, o volume
aqui analisado guarda algumas singularidades e alguns lugares comuns.
No

Manual do Professor, que vem separado do livro didático,
Schmidt procura justificar a inserção de um capítulo deHistória
da África na sua coleção.


Eis aqui um tema freqüentemente negligenciado por nosso ensino. Falta
mais grave quando sabemos que todos os brasileiros são culturalmente
descendentes dos africanos.
Como falar de um assunto tão vasto em tão pouco espaço? Preferimos
nos concentrar em alguns aspectos fundamentais. Primeiro, mostrar aos
alunos que os “africanos” são na verdade diferentes uns dos outros (e apenas
alguns desses povos vieram como escravos para o Brasil). Segundo,
rejeitar os clichês próprios de filmes, desenhos animados e quadrinhos
etnocêntricos, ao estilo Tarzan e Fantasma. Procuramos transmitir nosso
próprio sentimento de encanto e surpresa com as maravilhosas criações
dos povos africanos: as pirâmides de Méroe, a vida intelectual agitada em
Tombuctu, as geniais esculturas iorubás, o imponente e misterioso grande
Zimbábue.



Se, de fato, é um tema negligenciado pelo nosso ensino, por
que o autor alerta que sua abordagem será restrita, se sua intenção
é valorizar ou minimizar o esquecimento daHistória da África que


 







fizesse uma análise efetivamente abrangente. Como veremos logo
a seguir, se sua coleção possui espaço para tratar a Reforma Religiosa
européia em catorze páginas, por que reservar apenas dez para
toda a África pré-colonial? Escolha do autor? Da editora? Do mercado
consumidor? Dos currículos?
Tais questões nos fazem percorrer rapidamente o citado volume
realizando um balanço das páginas dedicadas aos assuntos. É
revelador o grande espaço reservado às temáticas oriundas de uma
abordagem eurocêntrica da História, e as restrições a que são submetidas
aHistória da América e da África. Por exemplo, enquanto
os capítulos que tratam de temas como EuropaMedieval, AbsolutismoMonárquico,
Renascimento Cultural e Construção do Pensamento
Moderno Ocidental

possuem respectivamente vinte,
quinze, vinte e dezoito páginas e vasta bibliografia, a História da
América pré-colombiana, América Espanhola e História da África




possuem, cada uma, onze, dez e dez páginas, e literatura de
apoio restrita. Ou por falta de conhecimento ou de interesse, a escolha
foi feita no sentido de conceder menor atenção para essas temáticas.
Com relação à História da África, a bibliografia citada, apesar
de conter nomes importantes da historiografia africana, é ainda
bastante restrita se comparada à difusão de estudos e pesquisas que
a História da África passou nos últimos vinte anos. A presença dos
trabalhos de Basil Davidson, Roland Oliver, Joseph Ki-Zerbo demonstra
o contato com a vertente de estudos efetuados até a década
de 1970. Já a citação da obra de Alberto da Costa e Silva revela
um pequeno contato com os novos estudos, porém, a referência é
ainda insuficiente.

Fora o capítulo específico sobre a África, ela transita em outras
partes do volume. No capítulo 5 — “A ExpansãoMarítima” -,
o Continente é retratado ora como um obstáculo a ser superado
para atingir o lucrativo mercado de especiarias do Oriente, ora
como uma fonte de riquezas naturais — ouro, marfim — ou de
oferta de mão-de-obra — os escravos.


Apesar de tantos riscos, de tantas incertezas, aqueles bravos homens toparam
o desafio. E fizeram o que nenhum outro europeu havia conseguido
antes: contornar o litoral da África, alcançaram o Oriente pelo mar e
chegaram à América. E tudo em apenas algumas décadas!
Ao contornar a África, os portugueses observavam o que podiam. Na
África haviam interessantes riquezas: o marfim, por exemplo, o precioso
dente do elefante, que servia para fazer objetos de luxo. Na Guiné, uma
região ao sul do deserto do Saara, era possível

obter ouro em boas quantidades... A

África também tinha algo que atraiu a cobiça

européia: seres humanos



Um ponto de destaque no capítulo

é a citação sobre o viajante

muçulmano Ibn Battuta, que percorreu

grande parte da África setentrional

deixando em sua obra,

Viagens,



informações coletadas pelas

suas observações pessoais. Com relação,

ao que ele menciona sobre

Ibn Battuta, alertamos para as imprecisões

e a pequena relevância

concedida a sua passagem sobre a

África, já que Schmidt cita suas impressões

acerca da Ásia.

Neste mesmo capítulo, o autor

transita entre outros acertos e

desacertos. Quando trata das relações da África com o mercantilismo

europeu e a sua integração aoMundo Atlântico o autor utiliza

corretamente uma imagem feita por um grupo étnico que habitava

o Benin, representando os europeus que chegavam ao Continente.

A postura mercantil-bélica fica evidente na pequena estatueta.

Alertar para as representações feitas de europeus pelos diversos

grupos africanos é um exercício fecundo para que os alunos passem

a reconhecer a diversidade cultural e a autonomia dos grupos

humanos da África. Normalmente,

o que ocorre é a

reprodução das representações

elaboradas pelos europeus

sobre os africanos.

Porém, ao analisar os

efeitos da escravidão nas

populações africanas, o texto

revela uma frágil preocupação

com o contexto histórico

da época, sendo evidentemente

carregado de

juízos de valor e de um grave

anacronismo.

Por incrível que pareça, alguns papas chegaram a autorizar a escravização

dos africanos. A Igreja Católica alegava que essa era uma maneira de fazer

os africanos “abandonarem as religiões do diabo e conhecerem o cristianismo”.


Ao exigir da Igreja Católica do período uma postura contrária

à que historicamente manteve, o autor desconsiderou as perspectivas

teológicas e temporais do Catolicismo. A idéia de que a

Igreja foi omissa ou permissiva não condiz com as práticas e posturas

do Vaticano à época, são reflexões que encontram eco apenas a

partir dos olhares contemporâneos.

 Não podemos esquecer que

os elementos que embasaram as bulas papais que autorizavam os

reis portugueses a escravizar eternamente os muçulmanos, os pagãos

e os africanos negros, foram retirados de um imaginário

maior, no qual o negro e os infiéis eram tipificados como inferiores

aos homens da cristandade européia.

 Soma-se a esse quadro passional

o uso pouco adequado de uma imagem ilustrando a relação

da Igreja com a escravidão.Nela é reproduzido o estereótipo do negro

passivo, submisso e sofredor.

 “O Escravismo Colonial”,  incorre

em erros tradicionais à literatura didática. Um dos mais “clássicos”

é se referir à África apenas a partir do tráfico, como se o Continente

não tivesse uma história anterior à escravidão atlântica.

Schmidt não repete este deslize, porém, ao reproduzir o mapa do

tráfico de escravos volta a uma antiga divisão, na qual a África se

encontra separada em duas ou três faixas étnico-geográfico-lingüísticas

de onde sairiam os escravos. A diversidade e complexidade

dos povos africanos ficam nubladas ao realizarmos este imperfeito

fatiamento da África. Os alunos, ao terem contato com está

simplista leitura passam a reproduzi-la, transformando milhares

de grupos étnicos em outros dois—

bantos e sudaneses.Oautor do

livro procura estabelecer uma outra divisão, na qual, usando ainda

uma fusão de grupos lingüísticos com espaços físicos, opta por denominar

as regiões do tráfico em África deGuiné, Costa daMina e

Angola, de onde viriam os “congos” e os “angolas”. Parece que

soma voz às leituras científicas do século XIX que percebiam os

africanos subsaarianos como iguais, em sua simplicidade e inferioridade.

Ao fazer referência do uso da escravidão noMundo Atlântico

e das motivações econômicas que alimentaram o tráfico negreiro,

duas posturas do autor incomodam. Primeiro, ele não faz alusão

explicativa à escravidão tradicional africana, como se a escravi-

dão fosse uma invenção

árabe ou européia

naquele Continente.



Mesmo sabendo

das profundas

diferenças entre a escravidão

praticada

pelos africanos e

aquela utilizada sob

influência dos árabes

ou europeus, seria

fundamental um comentário

sobre o

tema. Segundo, ao

tentar situar o aluno

perante as relações

das práticas materiais

com as mentalidades de um certo período, a análise do autor se

reveste de um perigoso anacronismo.  mesmo

sendo apoiada pela Igreja, governos, comerciantes, políticos, fazendeiros

e pela mentalidade da época,

 a escravidão era injusta

em sua própria essência e nunca poderia ter sido justificada. O autor

perde os limites temporais e os critérios do relativismo, fazendo

com que o aluno visualize uma história na qual todos devem ter

como valores e referências de vida os padrões ocidentais atuais.

 
Além das necessidades econômicas, existia a mentalidade da época. A escravidão

não era escandalosa como é hoje. Até mesmo os padres tiveram

escravos. Já pensou se alguém disser que temos de aceitar as injustiças sociais

de hoje porque no futuro alguém vai falar que no nosso tempo “as

injustiças eram normais?”

De forma parecida, não existem menções aos africanos traficantes.

Para o autor, somente os comerciantes portugueses, espanhóis,

ingleses e brasileiros fizeram parte das redes de lucro oriundas

de tal atividade. A participação de africanos no comércio de

homens é simplesmente ignorada

 

Com relação a “África”, algumas considerações

gerais a realizar. Schmidt se esforça em legitimar o estudo da

África, o que não deixa de ser um ponto louvável. Porém, o critério

por ele eleito nos parece falho.

Ao citar os grupos étnicos africanos que foram estudados, o

autor utilizou uma difundida idéia entre os historiadores africanos



pertencentes à chamada corrente da “Superioridade Africana”,

 

que no período próximo —anterior e posterior—às independências

utilizaram padrões ou referências europeus para afirmar ao

mundo e aos próprios africanos que a História do Continente negro

possuía elementos sofisticados e formas de organização avançadas,

e que deveriam ser estudadas. Neste sentido, encontrar os

grandes “impérios”, as grandes construções e as esplendorosas

obras de arte tornou-se quase que uma obsessão.

32 Porém, se a África

era e é uma região de grande autonomia, capacidade criativa e de

fecunda participação na História geral, não seria preciso eleger padrões

europeus para sua afirmação. Esta crítica já foi feita, com

grande pontualidade, a alguns daqueles historiadores. Porém,

Schmidt parece desconhecê-la, pois é justamente esse o critério

eleito pelo escritor para selecionar o que será estudado no capítulo.

Quem não admira o povo do rioNilo, das múmias, dos faraós, que escrevia

livros de Matemática e construía pirâmides? A maioria dos egípcios

antigos eram africanos e tinham a pele negra ou mulata. O que é mais

uma prova contra as pessoas racistas que teimam em dizer que “os negros

não foram capazes de formar uma grande civilização”. Acontece que o

Egito não foi a única grande civilização da África. Existiram muitas outras.

É o que descobriremos a partir de agora.

Como se os “pequenos” grupos não tivessem relevância, ou

diante da impossibilidade de atentar para os milhares de grupos

que se espalham pela África, a seleção ocorreu se espelhando na

História da Europa: o estudo das grandes civilizações ou reinos.

Não é isso que realizamos com relação ao ensino da História? Não

elegemos a Civilização Grega, o Império Romano, o Império Bizantino,

a Civilização muçulmana? Não ignoramos a existência

em África de organizações políticas ou sociais, com grandes semelhanças

às européias ou americanas, mas é preciso que se demonstre

e enfatize suas singularidades e especificidades.

Com relação à forma de denominar ou identificar as etnias

africanas, o uso de alguns termos ou conceitos como

nação ou civilização

parece ser por demais impreciso, diante do grande suporte

que as pesquisas antropológicas e históricas já deram sobre o assunto.

Soma-se a isso uma abordagem muitas vezes simplista e restrita

a descrições da economia ou da formação política de reinos

como o da Núbia — civilização Kush —, de Gana, do Mali, do

Kongo e do Ndongo e de etnias como a dos hauças, iorubás, ibos,

askans e ajas. Fica evidente que o autor encontra dificuldades em

tratar os grupos étnicos africanos, e confunde ainda mais os alunos
ao usar termos ou definições que se ajustam mais especificamente

ao contexto histórico europeu ou de outras regiões do que ao africano.

Não que não possam ser aplicados no entendimento da África,

mas, se utilizados, devem ser contextualizados. Porém, neste

caso, o uso de

civilização, nação e povo como sinônimos é uma postura

pouco didática. É o que ocorre, por exemplo, ao tentar explicar

que eram os hauças, da África Ocidental.

A


civilização dos hauças começou a ser construída por volta do século XI


Os hauças eram, na verdade, diversos povos que falavam uma língua semelhante.

Habituados ao comércio internacional, os hauças aceitavam conviver

com pessoas de outras


nações

Outra confusão acerca da questão ocorre quando o autor refere-

se aos iorubás.Na África, esse grupo passou apenas a se identificar

dessa forma por volta do século XVIII. Até então eles se auto-

identificavam de acordo com a origem de suas cidades ou pequenos

reinos: Oyo, Ifé, Ijexá, Ketu, Ijebu. No Brasil, foram chamados,

de uma forma geral, de nagôs. São praticamente inexistentes

as referências que denominam os iorubás na África como nagôs.

Porém, Schmidt parece desconhecer este dado.

Muitos habitantes do povo ioruba vieram escravizados para o Brasil, a

partir do século XVIII. Era comum chamá-los de nagôs, embora na verdade

os nagôs fossem apenas os iorubás estabelecidos onde hoje está o


 
Quando passa a descrever algumas características gerais das

civilizações africanas eleitas para estudo, o autor volta a incorrer

em desacertos. Por exemplo, ao citar a cidade de Tombuctu, no

Mali,a importância cultural e comercial da região,

mas insere no texto e nos seus comentários conceitos ou termos

que só poderiam ser aplicados em outros contextos. É o que

acontece quando ele faz referência à Tombuctu como um centro

de comércio

internacional.

Essa famosa cidade tinha dezenas de milhares de habitantes e uma das

maiores universidades do mundo. Era também um grande centro de comércio

internacional. Vendiam-se até livros escritos em árabe que abordavam

assuntos comoMedicina,Geometria, Religião, Poesia eHistória.



Podemos perguntar: onde estavam as

nações africanas naquele

momento, já que partimos da premissa de que o comércio

internacional ocorre entre nações. Ao mesmo tempo, era de se esperar
que a conversão de parte das populações da área ao islamismo

fizesse da leitura do Alcorão e de outros textos em árabe uma

prática comum. Por que então o espanto do autor (

Vendiam-se até

livos...


)?

Ocorreram também imprecisões e simplificações, ao descrever

a cultura material dos “reinos” do Kongo e Ndongo. O autor

poderia ter enfatizado a relevância da metalurgia e o circuito comercial

que envolvia as atividades econômicas da região, mesmo

que não fosse a atividade econômica principal. Porém, ele segue o

caminho da simplificação: “A organização social dos reinos Kongo

e Ndongo era semelhante. Produziam ferro e sal, criavam galinhas,

cachorros e cabritos” (

ibidem: 181).

Alguns deslizes mais graves demonstram a pouca preocupação

do autor em permitir a construção de conhecimento e análises

por parte dos alunos. Ele antecipa essa ação e incorre emarriscadas

afirmações. Isso se torna claro em passagens nas quais Schmidt

tece considerações sobre o poderio militar/econômico e as práticas

da cultura material de alguns grupos africanos. As imprecisões variam

entre a emissão de juízos de valor e a realização de leituras

anacrônicas. Ao tratar dos conflitos entre o Abomei (Daomé) e os

iorubás,  uma das conseqüências do conflito:

“Infelizmente grande parte das riquezas do reino Abomei vieram

do comércio de escravos”

Infelizmente para quem? E por

que?

Algo parecido repete-se ao citar uma das características “comuns”

às culturas do reino do Kongo e do Ndongo, na qual transparece

uma ação “moralizadora” ocidental despropositada em evidenciar

o consumo de bebidas alcoólicas na região.

O vinho feito de palmeira era muito apreciado, embora fizesse muito

mal à saúde quando bebido exageradamente. O guerreiro bêbado era fácil

de ser derrotado, o sábio bêbado não passava de tolo. (


idem)

Interessante notar que a mesma crítica não ocorre com relação

aos europeus.

Outra limitação evidente é concentrar a análise na costa ocidental

do Continente, reservando um pequeno parágrafo à África

oriental, que é assim apresentada.

No litoral oeste da África, banhado pelo oceano Índico, muitas cidades-

estados se desenvolveram em função do comércio internacional.

Mercadores árabes e chineses traziam seus produtos em troca de ouro,

marfim e cobre. As escavações dos arqueólogos já encontraram até mes-

mo, vasos de porcelana chinesa antiga! (Também existem pinturas chinesas

antigas representando girafas africanas) (


ibidem: 182)

No que se refere às cosmologias africanas, em nenhum momento

o autor atenta para uma abordagem explicativa da relação

entre as diferentes percepções e definições daquilo que os ocidentais

chamam de religião para as elaborações africanas sobre a questão.

A literatura existente sobre o pensamento tradicional religioso

africano oferece um rico subsídio para este debate, na minha opinião,

fundamental para relativizar o universo africano e demonstrar

como suas estruturas de explicação das relações sociais e de

suas cosmovisões são diferentes das ocidentais.

33

Schmidt incorre também em comprometedoras simplificações.

Muitos povos africanos desenvolviam o culto aos antepassados.

Os parentes mortos eram adorados como deuses por seus familiares,

que acreditavam que os espíritos podiam ajudar ou perturbar

o cotidiano dos vivos. Por isso, era comum jogar-se um pouco

de bebida na terra para que o espírito do parente morto pudesse

beber e se alegrar.

[...]

Uma parte importante dos africanos acreditava num único

Deus: eles se tornaram muçulmanos. (


ibidem: 183)

No primeiro exemplo se empresta ao universo

africano algumas práticas que, se ocorriam em certas

regiões do continente, possuíam significados singulares

e complexos, comuns às tradições afro-brasileiras,

sem maiores explicações ou detalhamentos. Já, na segunda

citação fica uma inquietante dúvida: que parte

importante dos africanos era monoteísta? E esse é o

único elemento que possibilitou a conversão ao islamismo? Não

podemos ignorar o fato de que o fenômeno religioso em África não

tem as mesmas bases do que oOcidental. Por isso, para os povos da

região seria mais adequado usar o termo cosmologia e não religião.

Além disso, é difícil identificar este número tão grande de sociedades

que “adoravam apenas um deus”.

Destaca-se, no entanto, a citação do orixá Exu, divindade-

chave do panteão iorubá, e que foi confundida e sincretizada

pelos missionários cristãos tanto em África como na América

como a figura do Diabo, da tradição judaico-cristã. Schmidt chama

a atenção dos alunos para as faces africanas do orixá, mesmo

que de forma superficial se afastando dos significados e funções de

Anderson RibeiroOliva

452

(Schmidt,

1999: 183)

maior destaque emprestados ao orixá pelos iorubás, mas evitando

estereótipos e ocidentalizações.

No uso das imagens, Schmidt parece se sair um pouco melhor,

apesar das citações de fontes imprecisas ou ausentes. A apresentação

do capítulo, com um conjunto de máscaras africanas, é

bastante estimulante, assim como o mapa da África presente na página

seguinte, que incorre, como ele mesmo alerta, em algumas

imprecisões temporais, mas foge das representações cartográficas

tradicionais dos manuais.

As presenças de imagens da Mesquita de Sexta-feira, em

Mopti, da cidade de Tombuctu, no Mali, do Grande Zimbabwe,

assim como de esculturas feitas pelos iorubás e no Daomé, são importantes

instrumentos na apresentação das formas arquitetôni-

AHistória da África nos bancos escolares...

453

(Schmidt, 1999: 176 e 177)

Mesquita no Mali (Schmidt, A cidade de Tombuctu (


idem)

1999: 179)

cas, das religiosidades, artes e filosofias africanas. Da mesma forma,

o autor inova traçando uma linha do tempo com os principais

momentos da História do Continente.

Schmidt também procura chamar a atenção dos alunos para

as representações dos africanos feitas pelos europeus. A mudança

Anderson RibeiroOliva

454

O Grande Zimbabwe (Schmidt, 1999: 182) As artes do Benin e ioruba (


ibidem: 180 e 181)

(


idem)

(


idem)

da fisionomia dos africanos, de seus gestos, roupas e comportamentos,

que recebem feições européias, é destacada pelo autor. A

demonstração do preconceito europeu com o Continente, ou o

olhar eurocêntrico que marcava a relação entre as partes citadas,

pode se tornar uma abertura para o palco de debates e reflexões sobre

a temática do racismo, da discriminação e da intolerância.

No final do capítulo, Schmidt demonstra sua preocupação

em articular os conteúdos históricos estudados com o contexto

presente. Porém, a imagem que ele transmite aos alunos da África

contemporânea é simplista e falsa. Ninguém desconhece as dificuldades

e carências do Continente, mas resumir a África a essas

faces é um perigoso argumento. “Hoje em dia, os países da África

são pobres e a população passa por grandes necessidades”

(Schmidt, 1999: 183).

Reflexões

Acredito que, percorrido esse breve caminho sobre a abordagem

daHistória da África em nossos bancos escolares, temos ainda

não respondida a questão que introduz o artigo—“o que sabemos

sobre a África?”. Talvez demore mais algum tempo para que possamos

— professores e alunos — fazê-lo com desenvoltura. Porém,

fica evidente que ensinar a História da África, mesmo não sendo

uma tarefa tão simples, é algo imperioso, urgente. As limitações

transcendem—ao mesmo tempo em que se relacionam—os preconceitos

existentes na sociedade brasileira, e se refletem, de um

certo modo, no descaso da Academia, no despreparo de professores

e na desatenção de editoras pelo tema. Por isso, não sei se aquela

pergunta ainda uma tem resposta aceitável.

É obvio que muito se tem feito pela mudança desse quadro.

Louve-se, nesse sentido, a ação de alguns núcleos de estudo e pesquisa

emHistória da África montados no Brasil, como o Centro de

Estudos Afro-Orientais (CEAO), da Universidade Federalda Bahia,

o Centro de Estudos Afro-Asiáticos e o Centro de Estudos

Afro-Brasileiros, da Universidade CandidoMendes (UCAM), e o

Centro de Estudos Africanos, da USP. Enalteça-se a iniciativa legal

do governo, do movimento negro e de alguns historiadores atentos

à questão. Ressalte-se a ação de algumas instituições e professores

que têm promovido palestras, cursos de extensão e oferecido ou

proposto cursos de pós-graduação emHistória da África, como na

UCAM e na Universidade de Brasília (UnB). Porém, ainda exis-

AHistória da África nos bancos escolares...

455

tem grandes lacunas e silêncios. A obrigatoriedade de se estudar

África nas graduações, a abertura do mercado editorial — traduções

e publicações—para a temática, até a maior cobrança de História

da África nos vestibulares são medidas que tendem a aumentar

o interesse pela História do Continente que o Atlântico nos

liga. Talvez assim, em um esforço coletivo, as coisas tendam a mudar.

Incursionar sobre o ensino de História da África parece se

algo tentador, motivador e necessário. Esperamos que o presente

trabalho venha a contribuir na melhoria e continuidade de algumas

iniciativas aqui abordadas, sempre objetivando à formação

humana e o reconhecimento do Continente que se conecta conosco

pelas fronteiras Atlânticas.

Notas

1. Sobre a temática ver os ótimos trabalhos de Nadai (1992),Munaka (2001), Fonseca

(1993) e Diehl (1999), presentes na bibliografia.

2. Estamos nos referindo às importantes experiências com o ensino temático ocorridas

no estado de São Paulo e em outras partes da Federação nos anos oitenta. Naquela

oportunidade, os debates de (re)elaboração dos currículos deHistória nas Secretarias

de Educação levariam à constatação de que o modelo de ensino até então adotado era

insustentável e que era imperiosa a confecção de uma nova abordagem para a História

ensinada nas escolas. Porém, neste momento, tirando os debates iniciais sobre a

Nova História francesa que ocorriam na UNICAMP e na USP, o Brasil não possuía,

nas graduações e nas pesquisas históricas, elementos suficientes para ancorar tal perspectiva.

Já nos anos noventa o quadro era outro. Tanto as graduações como as

pós-graduações já estavam voltadas para as temáticas comuns àNovaHistória, àHistória

Social e à História Cultural, possibilitando uma “transferência” mais coesa dessas

perspectivas para o ensino da História.

3. Sobre o tema ver o artigo escrito por Pereira (2001).

4. Como da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e do Departamento

de História da Universidade Estadual de Londrina.

5. Citamos, como exemplo, o núcleo regional da ANPUH-RS, com seu Grupo de Trabalho

(GT) sobre Ensino de História e Educação.

6. Angola, Cabo Verde, Moçambique, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe.

7. Lei 10639, de 9 de janeiro de 2003.

“Art. 26-A.Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares,

torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.

§ 1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo

daHistória da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira

e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do

povo nego nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil”.

Anderson RibeiroOliva

456

8. A pesquisa se encontra em fase inicial, na qual, apenas quinze, das trinta coleções de

livros didáticos de História, selecionadas para análise, foram compulsadas. As obras

são as seguintes:Mozer (2002), Rodrigue (2001),Macedo (1999),Dreguer (2000) e

Schmidt (1999).

9. A viagem ocorreu no mês de novembro de 2003.

10. Entre os vários pesquisadores que dissertaram sobre a trajetória da historiografia africana

e pensaram as questões acerca das representações encontramos nomes como Joseph

Ki-Zerbo,Djibril Tamsir Niane, Elikia M’Bokolo, Kwame Appiah, Franz Fanon,

Carlos Lopes, José da Silva Horta, John Fage e Philip Curtin.

11. Para CarloGinzburg o termo guarda em sua aplicação nas ciências humanas uma certa

ambigüidade, que se revelaria por dois encaminhamentos reflexivos acerca da

questão. Para alguns a representação “faz as vezes da realidade”, lembrando sua ausência.

Para outros, ela “torna visível a realidade representada e, portanto, sugere sua

presença”. Neste caso, o primeiro exemplo seria efetivamente uma representação e

seria lida como tal. Já no segundo exemplo ela poderia se confundir com o que é representado,

não sendo mais percebida como um instrumento de ligação, para ser o

próprio objeto que está sendo representado. Ocorreria, portanto, uma oscilação entre

evocação e substituição do que é representado (Ginzburg, 1999: 85). Já para Roger

Chartier “[...] nenhum texto—mesmo aparentemente mais documental [...]—

mantém uma relação transparente com a realidade que apreende. O texto, literário

ou documental, não pode nunca se anular como texto, ou seja, como um sistema

construído consoante categorias, esquemas de percepção e de apreciação, regras de

funcionamento, que remetem para as suas próprias condições de produção” (Chartier,

1988: 63).

12. Fanon nasceu na ilha deMartinica, na América Central, em 1925. Até sua morte, em

1962, esteve engajado na luta de libertação das colônias francesas na África.

13. Fora os trabalhos dos citados autores encontramos várias outras referências: Políbio,

séc. II a.C.; Estrabão, séc. I a.C.; Plínio, o Velho, séc. I; Tácito e Plutarco, séc. II.

14. Desde da Antigüidade os escritos de viajantes ou “historiadores”, como Heródoto e

Plínio, o Velho, fazem referência à África. No medievo, a teoria camita e a fusão da

cartografia de Cláudio Ptolomeu com o imaginário cristão, relegam a África e os africanos

às piores regiões da Terra. Com as Grandes Navegações e os contatos mais intensos

com a África abaixo do Saara os estranhamentos e olhares simplificantes e reducionistas

continuam. No sécu
 

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