quarta-feira, 31 de julho de 2013

JONGO

Ó Deus nos salve a Angoma, PuítaCandongueiro, Tambu, CaxambuSenhora Sant’Ana, eu sou o JongoMeu Santo Antônio, Meu São JoséCacurucaia, eu to; Perengando eu tô...Mas, não posso morrerCacurucaia, eu to; Perengando eu tô...Mas, não posso morrer!Ê, ê,ê, Salve o Rosário. Ê, ê, ê Minhas Santas Almas, almas...Ê, ê,ê, me Salve todos jongueiros! Ó Deus nos Salve o Cruzeiro das AlmasMeu povo Bantu.


O Jongo/Caxambu é uma forma de expressão que integra percussão de tambores, canto e dança. Característico da região sudeste do país, era praticado pelos trabalhadores escravizados de origem bantu, nas lavouras de café e de cana-de-açúcar, como forma de lazer e resistência à dominação colonial. Foram eles e seus descendentes que, em suas comunidades, mantiveram e transmitiram às novas gerações os saberes, práticas e valores contidos nesta manifestação.
Tambu, batuque, tambor, caxambu. O Jongo tem diversos nomes, e é cantado e tocado de diversas formas, dependendo da comunidade que o pratica, assegurando a diversidade desta rica manifestação cultural. Preserva, no entanto, traços comuns, como o profundo respeito pela ancestralidade, a valorização dos enigmas cantados e o elemento coreográfico da umbigada.
Ao longo do século 20, as comunidades jongueiras estiveram envolvidas em complexos e dinâmicos processos socioculturais que condicionaram diferenças especificidades.
No Sudeste brasileiro, em muitas das comunidades com descendentes de escravos, o jongo desapareceu, tanto pela dispersão de seus praticantes em conseqüência da migração e dos processos de urbanização, como pelo obscurecimento destas práticas por outras expressões de maior apelo junto ao crescente mercado de bens simbólicos. Ou também devido à vergonha motivada pelo preconceito, expresso pelos segmentos da sociedade abrangente, relativo às práticas culturais afrobrasileiras.
Em outras comunidades, no entanto, o jongo tem sido um fator de integração, construção de identidades e reafirmação de valores comuns – estratégias em que a memória e a criatividade são fundamentais.
Diante das desigualdades econômicas, da exclusão social e da invisibilidade deste fazer cultural junto aos demais segmentos da sociedade brasileira, as comunidades jongueiras têm desenvolvido soluções próprias, alternativas para a preservação de seus saberes e expressões.
Essas questões têm sido tratadas de forma crítica pelos jongueiros por meio de iniciativas como o Encontro de Jongueiros – evento anual que reúne comunidades e praticantes do jongo de São Paulo e do Rio de Janeiro (os recursos são parcos para que as comunidades capixabas possam participar). E também por meio da Rede de Memória do Jongo, nascida a partir do Encontro de Jongueiros, com o objetivo de, segundo seus idealizadores, estreitar os laços de sociabilidade entre as comunidades jongueiras e fortalecer os canais de articulação com a sociedade em geral.
Este processo de mobilização e organização é a prova de que as comunidades jongueiras estão conscientes de que possuem um bem cultural de grande valor, um conjunto de saberes ancestrais, testemunhos de sofrimento, mas também de determinação, criatividade e alegria dos afro-descendentes.
Nesse sentido, o Registro do jongo como patrimônio cultural do Brasil, concedido pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) no ano de 2005, é o reconhecimento por parte do Estado da importância desta forma de expressão para a conformação da multifacetada identidade cultural brasileira.
Este Registro chama a atenção para a necessidade de políticas públicas que promovam a eqüidade econômica articulada com a pluralidade cultural; políticas que garantam a qualidade de vida e a cidadania. E condições de autodeterminação para que as comunidades jongueiras mantenham vivo o jongo nas suas mais variadas formas e expressões.
Deixa a moreninha passear, deixa a moreninha passear...”
A dança, ao animar a roda de jongo, torna-se um desafio à parte entre o casal que dança ao centro até ser substituído. Há comunidades em que um dançarino se insere num passo solto no meio da roda. Dança-se na roda de acordo com o conhecimento de cada participante. Cada comunidade, grupo ou jongueiro dança a seu modo.
 

Chama sinhá candongueiro chama sinhá
Chama sinhá candongueiro chama sinhá
Pode me Chamar que eu vou”
“Bate tambor grande, repinica candogueiro...”
Os tambores são peças fundamentais na roda de jongo, pois são eles os responsáveis pela harmonia rítmica de cada comunidade. São fabricados, na maioria das comunidades, ainda de modo artesanal, carregam em si um grande significado de vínculo com os ancestrais. Antigamente, eram feitos com troncos de árvores escavados, cobertos por couro de animal. Ao longo do tempo, novas formas e materiais foram utilizados para a construção de tambores, como as barricas de vinho que também passavam pelo mesmo processo de serem cobertas por couros de animais, fixados por pregos ou amarrações em cordas.
Cada tambor é considerado como um integrante e membro da roda de jongo, por representar a ligação entre os praticantes e sua ancestralidade jongueira. O tambor grande, denominado de tambu ou caxambu, faz par com o tambor de dimensão menor, o candogueiro. Em algumas comunidades, há ainda a presença da puíta, tambor de fricção, assemelhado a uma grande cuíca.
Na prática do jongo, com o toque dos tambores já iniciado, forma-se uma roda de dançarinos que cantam em coro, em resposta ao solo de um jongueiro
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ó gente eu vou pro jongo, pra tocar o meu tambu.
Quero dispara meu ponto, como flecha de ticum.
O Ponto é a flecha...
Um dos elementos mais marcantes do jongo é o ponto. Forma poética e musical expressa nos versos cantados pelos jongueiros, o jongo é o ponto cantado na roda. De acordo com Slenes (2007, p.138), a palavra jongo está ligada à Africa bantu:
(...)O kikongon sõngi quer dizer “ponta, aguilhão, algo pontudo”; `nzòngo significa “tiro de fuzil, carga de pólvora para fuzil”; melhor ainda, a expressão `nzòngo mya`nnua remete a “tiro/combate com a boca, disputa, imitação de um tiro de fuzil com a boca”. Essas palavras ressoam com o umbundu songo, “ponta de flecha, bala”, e ondaka usongo, “a palavra é uma flecha/bala”; relembram em kimbundu songo, significando “pontada”, e a frase adjetival songo sese, “difamatório”; até são similares a di-songa e bisongololwà, respectivamente “flecha” e “palavras acerbas, provocativas”, em luba katanga, a língua dos luba, falada no longínquo interior.  
O ponto de jongo tem alguma relação com o provérbio e com a crônica, por meio da qual se comenta a vida cotidiana, o passado e o presente. Configura-se num conhecimento restrito e secreto, guardado pelos jongueiros velhos, – que ensinam seus conhecimentos aos jovens iniciados. Cada ponto se adequa a determinada circunstância. A poesia metafórica do Jongo permitiu que seus praticantes, por meio dos pontos, se comunicassem de forma que capatazes e senhores não os compreendessem, possibilitando fugas e emboscadas.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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