domingo, 28 de julho de 2013



POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE DA POPULAÇÃO NEGRA

UM BREVE HISTÓRICO DA SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL



 

As estruturas atuais de ordem política, econômica e social do Brasil são heranças de

uma aristocracia territorial e de um funcionalismo numeroso e, que cresce, mais tarde, por

todo o regime republicano, em uma espécie de coletivismo, apoiado no tesouro público, no

qual os médicos também estavam incorporados.

Os hospitais das Santas Casas de Misericórdia foram os responsáveis pelo atendimento

hospitalar e assistência médica da maioria da população brasileira, desde o início da

colonização, no século XVI. A primeira a ser fundada foi em 1543, na Vila de Santos, seguida

pelas do Espírito Santo, Bahia, Rio de Janeiro e da Vila de São Paulo, tendo, até os dias de

hoje, o seu papel na Assistência da Saúde aos brasileiros pobres.

Com a vinda da Corte Portuguesa para o Brasil foram determinadas mudanças na

Administração Pública Colonial, inclusive na Área da Saúde. O Regente Dom João, institui

por “Cartas Régias”, de 18 de fevereiro e de 2 de abril de 1808, as Escolas de Cirurgia da

Bahia e do Rio de Janeiro, respectivamente.

Em 1828, foi organizada a Inspetoria de Saúde dos Portos, e todas as embarcações

suspeitas de transportarem passageiros enfermos passaram a ser obrigatoriamente submetidas

à quarentena, em uma ilha próxima à Baia de Guanabara. Em 1829, é criada a Junta de

Higiene Pública para cuidar da saúde da população, no entanto, se mostrou pouco eficaz.

A Fase Imperial encerra-se sem que o Estado solucionasse os graves problemas de

saúde da coletividade. A Proclamação da República, em 1889, foi embalada pela idéia de

modernizar o Brasil a todo custo. A atualização da economia e da sociedade para o mundo

capitalista, redefinindo o trabalhador brasileiro como capital humano. A população negra

aparece neste momento como mão de obra imprescindível, desta forma se faz necessária a

atenção da sua saúde.

Nesse contexto, a Medicina assume o papel de guia do Estado para assuntos sanitários,

comprometendo-se a garantir a melhoria da saúde individual e coletiva. Dessa forma, surge

uma área científica chamada de Medicina Pública, Medicina Sanitária, Higiene ou

simplesmente Saúde Pública. A Saúde Pública era complementada por um núcleo de pesquisa

das enfermidades que atingiam a coletividade: a Epidemiologia.

A contratação de pesquisadores estrangeiros permitiu que, em 1903, fosse inaugurado

o Instituto Pasteur. No Rio de Janeiro o principal Centro de Pesquisas, conhecido, na

atualidade, como Instituto Oswaldo Cruz, foi colocada em funcionamento em 1899. Dessa

forma, fora dessas áreas, pouco ou nada foi realizado em benefício da saúde coletiva. As

disputas entre os grupos políticos faziam com que os Centros Médicos pouco fizessem em

favor da população. As oligarquias estaduais não se dispunham a gastar dinheiro com os

órgãos da Saúde Pública e os ricos buscavam assistência médica na Europa.

Os problemas da saúde no Brasil,

a priori, caracterizam-se por modelos distintos, o



“sanitarista campanhista”, ancorado em Roquette-Pinto, no final do século XIX, voltado para a

população e o modelo “médico assistencialista”, desenvolve-se a partir dos anos de 1920.

O modelo “sanitarista campanhista” foi formulado e praticado através da Reforma

Sanitária de Oswaldo Cruz, que é refletida até os dias de hoje no controle de endemias.

Entretanto, em 1904, seus métodos arrojados de administração das doenças, a princípio, não

surtem muito efeito pela Lei da Vacina Obrigatória, levando à rebelião popular.

Eventos como a epidemia mundial da gripe espanhola, em 1918, mostrava que só as

campanhas de vacinação não resolveriam os problemas de massa no Brasil. Assim, o

saneamento passou a ser visto não apenas como uma estratégia de Saúde Pública, mas como

uma verdadeira causa.

Com o Código Sanitário de 1918 e, com a Reforma de 1925, constrói-se, no aparelho

estatal, o espaço da burocracia sanitária. A Saúde Pública, no Brasil, cria e impõe sua área de

atuação e sua autoridade, aderindo à idéia da Política Sanitária, que visava mais ao aumento de

poder do que à melhoria de condições de vida da população.

O modelo “médico-assistencialista” desenvolveu-se no Brasil, entre as décadas de 20 e

30 do século XX. A política de assistência médica brasileira inicia-se em 1923, com a

promulgação da Lei Eloy Chaves, que criou as Caixas de Assistência e Previdência (CAPs).

Essas Caixas, organizadas por empresa, ofereciam Serviço de Saúde para seus filiados. Nos

anos 30, na Era Vargas, os Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs), que, estruturados por

ramo de atividade, passaram a organizar serviços de assistência médica para seus afiliados,

substituíram, em alguns casos, as atividades da CAPs.

A partir de 1945, com a industrialização crescente e com a liberação da participação

política dos trabalhadores, ocorre um aumento significativo e progressivo da demanda por

atenção à saúde, incidindo sobre todos os institutos como: Instituto de Aposentadorias e

Pensões dos Marinheiros (IAPM); Instituto de Aposentados e Pensões dos Empregados de

Transportes e Cargas (IAPETEC), Instituto de Aposentados e Pensões dos Comerciários

(IAPC), entre outros. Uma parte da população negra é atendida por ter vínculos trabalhistas.

Em maio de 1953, já no segundo período presidencial de Vargas, foi criado o

Ministério da Saúde, mas a falta de recursos impedia o Estado de atuar com eficácia na

péssima condição da Saúde Coletiva. Além das dificuldades técnicas e operacionais, outro

fenômeno interferia na Política Oficial de Saúde, era o clientelismo, os partidos ou os líderes

políticos trocavam ambulâncias, leitos hospitalares, profissionais da saúde e vacinas, por votos

e apoio nas épocas de eleição.

Entretanto, outros desmandos também influenciavam no exercício das funções da

Saúde Pública. O papel dos intelectuais como atores de uma organização de hegemonia, que

delineava conceitos e a constituíam-se em Relações Públicas das idéias sanitárias e, de sua

organização, mais até do que o controle de doenças, no qual, a Saúde Pública se imporia.

A promulgação da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), em 1960

, promove a



uniformização dos benefícios, ou seja, padroniza os Serviços de Saúde a que todos os

segurados teriam direito, independentemente do Instituto a que estivessem filiados.

Como a uniformização dos benefícios não foi seguida da unificação dos Institutos, nem

significou a universalização da atenção à saúde para toda a população, o resultado foi um

aumento da irracionalidade na prestação de serviços, ao mesmo tempo em que a população

não previdenciária era mantida discriminada, não podendo ser atendida na Rede da

Previdência.

Em 1967, os IAPs são fundidos em um único instituto, o Instituto Nacional de

Previdência Social (INPS), que passou a prestar assistência médica a todos os trabalhadores

formais do país, posteriormente desmembrado como Instituto Nacional de Assistência Médica

da Previdência Social (INAMPS). Ao longo da década de 70 do século XX, algumas medidas

foram tomadas no sentido de chegar progressivamente a uma universalização formal das ações

de saúde no Brasil. A extensão da assistência médica para os trabalhadores rurais, através do

Fundo de Assistência do Trabalhador (FUNRURAL), em 1972, a extensão dos atendimentos

de urgência médica para pobres e indigentes nos estabelecimentos da rede própria do

INAMPS, através do Programa de Pronta Ação (PPA), em 1974, foram conquistas parciais

nesse sentido. Ao final da década de 70, outra iniciativa é tomada para aumentar a cobertura

do sistema do Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS).

Em 1975, o Governo Federal toma a iniciativa de organizar o Setor de Saúde sob forma

sistêmica. O Sistema Nacional de Saúde (SNS) definiu dois grandes campos institucionais: o

Ministério da Saúde (MS) e o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS).

Esses marcos administrativos das Políticas de Saúde Pública no Brasil, entre 1923 e

1975, demarcam um período em que é possível evidenciar a duplicidade

assistência/previdência, caracterizada pelo privilégio exercido pela prática médica curativa,

individual, assistencialista e especializada, em detrimento da Saúde Pública, bem como o

desenvolvimento de um sistema que priorizava a capitalização da Medicina e sua produção

privada.

Na década de 80, os modelos de Políticas de Saúde buscam a Saúde Pública em um

novo paradigma, baseado na “integralidade de atenção à saúde”. Em 1981, o agravamento da

crise financeira da Previdência Social provocou uma intensificação do esforço de racionalizar

a oferta de serviços, o que se deu acentuando a tendência anterior de integração da Rede

Pública de Atenção à Saúde. O marco inicial desse período é a criação do Conselho

Consultivo de Administração de Saúde Previdenciária (CONASP), em 1981.

Composto por representantes da Medicina, de vários ministérios, dos trabalhadores e

dos empresários, esse Conselho recebeu a missão de reorganizar a assistência médica, sugerir

critérios de alocação de recursos no Sistema de Saúde, estabelecer mecanismos de controle de

custos e reavaliar o financiamento da assistência médico-hospitalar. Estabeleceu então um

conjunto de medidas racionalizadoras, fixando parâmetros de cobertura assistencial e de

concentração de consultas e hospitalizações por habitante, além de medidas para conter o

credenciamento indiscriminado de médicos e hospitais, conforme Portaria nº 3046, de

20/07/82.

Enquanto o SAMPHS permitiu melhorar os controles institucionais sobre os gastos

hospitalares, viabilizando maior racionalidade para planejar, as AIS constituíram-se no

principal caminho de mudanças estratégicas do sistema. A partir desse último programa, o

sistema caminhou progressivamente para a universalização de clientelas, para a

integração/unificação operacional das diversas instâncias do sistema público e para a

descentralização dos serviços e ações em direção aos municípios.

As AIS demarcaram, também, o início de um processo de coordenação

interinstitucional e de gestão colegiada entre as esferas de governo e entre os órgãos setoriais

do governo federal. A partir da Comissão Interministerial de Planejamento e Coordenação

(CIPLAN), composta pelos Ministérios da Previdência, Saúde, Educação e, mais tarde,

Trabalho, e das Comissões Interinstitucionais Estaduais, Regionais e Municipais (CIS, CRIS,

CIMS, etc), consolidou-se um espaço institucional de pactos de políticas, metas e recursos dos

gestores entre si e, desses, com os prestadores e, até mesmo, com os usuários, já que, em

algumas dessas Comissões, houve a participação de associações profissionais e de moradores.

Após as políticas das AIS, é criado, em julho de 1987 o Sistema Unificado

Descentralizado de Saúde (SUDS), o programa do SUDS representou a extinção legal da idéia

de assistência médica previdenciária. Baseado no princípio de integração de todos os Serviços

de Saúde, públicos e privados, o SUDS deveria constituir uma rede hierarquizada e

regionalizada, com a participação da comunidade na administração das unidades locais,

reforçando a descentralização e restringindo o nível federal apenas às funções de coordenação

política, planejamento, supervisão, normatização e regulamentação do relacionamento com o

setor privado.

A nova Constituição Federal, promulgada em 3 de outubro de 1988, institui o SUS,

cuja formatação final e regulamentação ocorrem mais tarde através das Leis nº 8080, de 19 de

setembro de 1990 e da nº 8142, de 28 de dezembro de 1990 que dispõe sobre a normatização e

sobre a participação da comunidade na gestão do SUS, respectivamente, criando as condições

de viabilização plena do direito à saúde. Destaca-se, nesse sentido, no âmbito jurídico

institucional, as chamadas Leis Orgânicas da Saúde (LOS) e as Normas Operacionais Básicas

(NOB), editadas em 1991 e 1993.

As Normas Operacionais Básicas por sua vez, a partir da avaliação do estágio de

implantação e desempenho do SUS, voltam-se, mais direta e imediatamente, para a definição

de estratégias e movimentos táticos que orientam a operacionalidade desse Sistema.

O processo de formatação e operacionalização do SUS nos Estados e Municípios,

através das NOBs, que formalizam a transferência da Gestão da Saúde a essas esferas

governamentais, tem nas Comissões Intergestores Tripartides no âmbito federal e Bipartides,

no âmbito estadual, tendo o espaço institucional de distribuição pactuada de recursos e

atribuições entre o nível federal, estadual e municipal.

O município ou o estado cuida da Saúde Pública por determinação constitucional legal

e recebe recursos da União, através do SUS, para a execução desses serviços que devem estar

previstos no Plano de Saúde Municipal e Estadual..

Durante as duas décadas anteriores à década 90 do século XX, a OMS recomendou ao

Governo brasileiro que desenvolvesse um programa para a anemia falciforme. Em 1995, por

ocasião do Decreto Presidencial de 20 de novembro, foi criado, no Brasil, o Grupo de

Trabalho Interministerial (GTI), com a finalidade de desenvolver políticas para a valorização

da população negra, presidido pelo Ministério da Justiça e integrado por representantes da

sociedade civil ligados ao Movimento Negro, Secretaria de Comunicação Social da

Presidência da República e de oito ministérios, entre os quais o da Saúde. Considerando o

amplo elenco das questões envolvidas na situação da população negra do país, o trabalho do

GTI foi dividido em 16 grupos temáticos.

Como estratégia preliminar, o Grupo Temático da Saúde realizou, em abril de 1996,

uma mesa-redonda sobre “A Saúde da População Negra”, com o objetivo de buscar uma base

científica. Os resultados desse evento foram impressos em cinco mil exemplares e distribuídos

para órgãos governamentais e não-governamentais, lideranças do Movimento Negro,

estudiosos e especialistas. Concluíram que as ações de maior impacto sobre a saúde da

população afro-brasileira são aquelas que visam à melhoria das condições sociais,

promovendo as condições do meio ambiente e o acesso aos Serviços de Saúde, reduzindo as

doenças ou as condições a elas ligadas. E que a doença ligada à etnia negra, que merece

atenção específica, é a anemia falciforme.

Em 10 de maio de 1996, o Grupo de Trabalho criado pela Portaria MS n° 951/96,

coordenado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) do Ministério da Saúde,

instalou, em agosto de 1996, o Programa de Anemia Falciforme (PAF/MS), no qual, seus

componentes eram: a busca ativa de casos; o conhecimento da real extensão da doença; o

desenvolvimento de ações educativas; o treinamento de recursos humanos; a pesquisa; a

bioética; a configuração de centros referenciais, bem como a divulgação da informação técnica

e informal da anemia falciforme, em conformidade com as instâncias trabalhadas. Entretanto,

o PAF/MS foi paralisado ainda no Grupo de Trabalho Interministerial (GTI).

O Ministério da Saúde, através da Portaria n° 822, de 06 de junho de 2001, institui, no

âmbito do SUS, o Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN/MS), que, passa a atender

os recém-nascidos vivos. O Programa estabelece condições de gestão e a divisão de

responsabilidades através da Portaria nº 95, de 26 de janeiro de 2001, que aprova a Norma

Operacional de Assistência à Saúde NOAS - SUS 01/2001, definindo competências e

atribuições em cada nível de gestão: municipal, estadual e federal, de acordo com o processo

de regionalização da atenção à saúde no Brasil.

Entretanto, a valorização de aspectos culturais no processo de organização do SUS,

enquanto um sistema que pretende ser adequado culturalmente à população, deve observar

práticas subjetivas existentes nos diversos grupos étnicos, como, por exemplo, os terreiros de

candomblés, que, muitas vezes, funcionam como grandes centros terapêuticos, enquanto

outros centros que se propõem a terapias alternativas autodenominadas “terapias” com aporte

na área de Psicologia, são evidenciados como tratamentos psicológicos. Esse processo de

estranhamento à cultura negra reflete-se nas Políticas Públicas de forma generalizada.

As Políticas Públicas de Saúde dirigidas, através do SUS, ao grupo dos

afrodescendentes, necessitariam de novas expectativas concentradas na observação dos

elementos específicos que definem essa etnia, revendo o sistema de normas que rege o

funcionamento de atendimento psicológico com o propósito de melhor compreender o

universo da realidade dos signos que podem atuar como indicadores sociais favoráveis,

redirecionando prioridades

sui-generis, principalmente, porque esse grupo étnico corresponde



à maioria da população brasileira, atendida pelo SUS, na qual 70% dos pobres são negros.

Nesse contexto, os elementos de que se precisa para compreender as singularidades das

doenças da etnia negra brasileira, que vão além das regras e das normatizações, recaem em um

processo de treinamento para reter um olhar humanista, evidenciando o compromisso social,

onde o elemento humano, sempre será o provedor de ações exitosas.




 



 





 

 

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