segunda-feira, 29 de julho de 2013

São Jorge da Mina: Mina de ouro e escravos

 

Os Retornados

O contato entre o Brasil e Abomei foi estreito. A maioria dos escravos nagôs chegado à Bahia, foi embarcada em Ouidah. Portugueses, brasileiros e ex-escravos desempenhavam-se como negreiros na região, vivendo completamente adaptados à vida da costa.


Família de Retornados Brasileiros no Benin.

Neste caso encontrava-se Francisco Félix de Souza, ex-escravo brasileiro que viveu em Ouidah de l800 a l849. Comerciante que chegou a possuir imensas riquezas, proveniente do tráfico negreiro, é claro. Quando morreu foi enterrado de acordo com a cultura africana. Brasil e estas regiões entrelaçavam culturas distintas. Neste contexto, os retornados brasileiros foram um fenômeno que marcou, com a influência da cultura “baiana”, importantes regiões do golfo de Guiné. Nas insurreições escravas da Bahia, que aconteceram principalmente entre os anos de l807 a l837, participaram juntos, escravos, diversos africanos nagôs emancipados, etc., muitos negros livres foram deportados para a África pelas autoridades escravistas por terem participado daquele acontecimento. Africanos livres da mesma cultura foram expatriados como medida preventiva.

Com a abolição da escravatura, ou mesmo antes dela, ex-cativos embarcaram de volta para a África à procura de suas regiões de origem. Os africanos, ao chegarem ao continente negro, tinham alternativas limitadas: ou voltavam para onde haviam nascido, ou estabeleciam-se nas cidades da costa. A primeira solução apresentava muitas dificuldades. As comunidades do interior tinham conhecido, não raro, a guerra e a violência. Muitos destes homens haviam partido da África há dezenas de anos. Outros tinham nascido no Brasil. O interior era uma aventura incerta. Possivelmente alguns retornados voltaram às suas terras de origem e lá foram absorvidos sem delongas pelo meio social homogêneo e coeso do interior.

Outros formaram nas costa africana as comunidades dos retornados brasileiros, que fecundaram a cultura local com a experiência adquirida em terras brasileiras. Os retornados da costa dominavam a língua portuguesa, essencial ao trágico negreiro e o ioruba, alguns fizeram fortunas enviando cativos ao Brasil. Outros tinham habilidades técnica e exerciam atividades de pedreiros, alfaiates, barbeiro, ourives, carpinteiros, etc. A tradição aponta os retornados como os primeiros artesãos “europeus” de Lagos. Começaram a surgir na atual capital da Nigéria, sobrados luxuosos em estilo baiano colonial e foi difundido até entre o povo ioruba. Os europeus estabeleceram comércio com estes que retornaram do Brasil e os retornados por suas vez, mantiam comércio até com o Brasil.

Os Retornados, agora enriquecidos comerciantes, constituíam uma comunidade orgulhosa de suas origens. O ser “brasileiro” era um dado muito realçado, até hoje se encontram famílias nigerianas que se orgulham de sua origem “brasileira”, o português continuou como língua materna até l882, quando os ingleses permitiram somente o aprendizado de sua língua. Os hábitos alimentares baianos foram perpetuados.

Estas comunidades professavam, ao menos socialmente, a religião católico-romana. Confrarias religiosas e irmandades foram estabelecidas como no Brasil. Esta comunidade, junto com a dos nagôs oriundos de Serra Leoa, constituiu a primeira burguesia negra nigeriana. Um grande número de Retornados empregou-se na administração pública e dedicou-se à vida clerical, e preparavam-se para substituir os ingleses na administração nigeriana.

As esperanças políticas dos Retornados mostraram-se vãs. Os ingleses não se serviram dos “baianos” para seus projetos políticos. Preferiram como administradores colônias, os membros da aristocracia das comunidades do interior, a qual mantinha estreitos laços com populações a serem dominadas. Os retornados considerados brancos pelos africanos e negros pelos europeus, viveram uma verdadeira crise de identidade, frestados nos seus projetos de ascensão social e política. Muitos se voltaram para a negritude, para o estudo ioruba e para as religiões africanas. O declínio dos “brasileiros” era inexorável.
 
 
 

 

A estreita ponte entre Brasil e Gana

Nossa história com Gana remonta a um período doloroso para muitos de nós. Digo isso, porque há pouco mais de quatro séculos milhares de africanos de várias regiões do continente foram tirados de suas terras e levados forçadamente para as Américas na condição de escravos.

Comunidade de pescadores de James Town, em Acra, capital de Gana.

Milhares desses homens, mulheres e crianças que resistiram tornaram-se nossos ancestrais e formaram o Brasil que temos hoje. Milhares desses homens e mulheres saíram em navios ancorados na margem do que hoje é o território ganense do Atlântico.

A ponte sobre o oceano Atlântico entre Brasil e Gana não se rompeu, mesmo com o fim do tráfico de cativos. Engana-se quem imagina um ganense rancoroso desse passado. Os laços que uniram nosso país a Gana está no nosso sangue, na nossa cultura e no imaginário dos que hoje vivem na outra margem do Atlântico e têm uma história incrível para contar.

A comunidade TABOM, formada por afro-brasileiros que retornaram ao território ganense desde as primeiras décadas do século XIX, luta para fortalecer os laços entre brasileiros e ganenses. Como a maior parte da história recente africana, essa também tem poucos registros, não despertou interesse à minoria que manteve um regime imperialista na África. Mas os afro-brasileiros retornados à Gana a partir do século XIX não deixaram esta história ser esquecida.


Rua Brazil Lane, onde fica a Casa do Brasil, em Acra, capital de Gana.

O nome TABOM é curioso. Segundo a tradição dos retornados quando os afro-brasileiros voltaram ao atual território ganense, antiga Costa do Ouro, eles não dominavam as línguas locais e apenas respondiam, ao ser inquiridos: “Tá bom!”

Assim, o nosso “tá bom”, ‘está tudo certo’, serviu para denominar o grupo de brasileiros de origem africana retornados ao território ganense. Na memória dos retornados ficou também o carinho e a curiosidade sobre uma terra distante, o Brasil, mas ainda muito perto dos corações. Ser ‘Tabom’ em Gana é ser feliz. Nós, brasileiros, somos bem recebidos pelos Tabom, como se encontrássemos parentes que há muito não tínhamos notícias.

Na Casa do Brasil, localizada na capital Acra, são ministradas aulas de português duas vezes por semana. Pelo vilarejo de James Town representantes da sexta e sétima geração de retornados falam de um Brasil que sonharam ou sonham em conhecer. A diplomacia brasileira tem suportado iniciativas de troca cultural entre as duas nações.

No século XXI, brasileiros cruzam o Atlântico de olho no potencial de Gana. O país foi um dos primeiros a conquistar a independênia em 1957. Saiu na frente com estabilidade política e econômica, mas ainda batalha para crescer por meio de sua própria riqueza. Potencial não falta. As condições climáticas fazem de Gana um país bastante adequado para a produção de arroz. De olho nisso, gaúchos estão colhendo este ano, com sucesso, a primeira safra.


Pequenos produtores de arroz em final de colheita, interior de Gana.

O Brasil, através de iniciativas como a Embrapa África, sediada em Gana, tenta inaugurar uma nova forma de cooperação com o continente. A cooperação que consiste, de fato, em troca de conhecimento, visando o crescimento mútuo, digno de duas regiões do mundo em desenvolvimento.

Os produtores locais de arroz ainda saem em desvantagem, precisam de assistência técnica e financeira para competir com os brasileiros, com os estrangeiros que estão de olho na África. Os ganenses precisam de suporte para gerar a renda necessária a uma vida digna. O governo ganense ainda precisa fazer muito por eles.

Brasileiros partindo para Gana e ganenses chegando ao Brasil em busca de aprendizado. Eles vêm enxergando no país-irmão o exemplo e a possibilidade de se superarem. E nós, devemos dar as boas-vindas.

 TV Brasil

 

 

Agudás, um pedaço do Brasil no Benin

Eles não falam português, mas quando estão juntos trocam o bonjour (francês é a língua oficial do Benin) por bom dia. Nos dias de festa, cantam músicas em português. Ao receberem convidados em casa, preparam o que chamam de feijoadá ou kousido.



Representando entre 5% e 10% da população do Benin, um minúsculo país da costa ocidental africana, os agudás, descendentes de escravos ou comerciantes baianos que emigraram para o Golfo do Benin no século 18, guardam ainda, com muito orgulho, traços que os ligam ao Brasil, terra de seus ancestrais.

"Nós somos muito orgulhosos por termos a cultura brasileira no Benin. O que guardamos dos nossos antepassados, nós mostramos todos os dias. Nós mantemos os costumes nas roupas, na comida e também no samba, através da burrinha", explica o jornalista agudá Christian de Souza.

Os traços, no entanto, estão ligados ao Brasil colonial. Na dança e na música, tocam burrinha, uma forma arcaica de bumba-meu-boi.

Escrava Isaura


Agudás usam trajes especiais nos dias de festa.

As roupas usadas nas festas parecem tiradas de uma novela ambientada no século 18. Aliás, a novela "Escrava Isaura", transmitida no país, serviu como fonte de atualização do figurino agudá usado em ocasiões especiais, como na missa anual da Irmandade Brasileira de Nosso Senhor do Bonfim.

É que, até então, os descendentes de brasileiros só tinham na memória as roupas usadas por seus avós.

Entre os agudás mais conhecidos no Benin, estão os integrantes da família Souza.

Tudo começou quando Francisco Félix de Souza, um comerciante de escravos de Salvador, se transferiu para o Benin, levando com ele um grupo de escravos libertos.

Souza, que recebeu o título de Chachá, conseguiu grande destaque no comércio de envio de escravos para o Brasil e, devido às suas ligações com o rei da região de Abomé (reino), da qual a cidade de Uidá faz parte, acabou recebendo o título de vice-rei da Uidá, dinastia que os Souza mantêm até hoje.

Chachá VIII

O último descendente do primeiro vice-rei de Uidá foi empossado em 1995, após a morte de Jérôme Anastácio de Souza.

Mitô Honorê Feliciano de Souza, o Chachá 8º, diz que, desde que chegou ao trono, vem tentando aumentar as ligações entre o Brasil e o Benin.

Chachá diz que os agudás torcem pelo Brasil na Copa do Mundo. E, como prova disso, fez questão de vestir sua camisa 11 da seleção e de se enrolar na bandeira brasileira, ritual que cumpre à risca em dias de jogos do Brasil.

De acordo com levantamento feito pelo antropólogo e fotógrafo brasileiro Milton Guran, autor do livro Agudás, os brasileiros do Benin, há cerca de 400 sobrenomes luso-brasileiros hoje em dia no país.

São Silvas, Souzas, Freitas, Domingos, entre outros, vivendo em sua grande maioria no sul do país, em cidades como Porto Novo, Uidá e Cotonou.

Mas, segundo Milton, esse número de descendentes pode ser ainda maior, já que muitas mulheres perdem o sobrenome quando se casam, e os filhos recebem o sobrenome do pai.

 

 

Libéria: um sonho americano

No século 19, os Estados Unidos tentaram repatriar ex-escravos à África. Para isso, compraram um pedaço de terra e criaram um país artificial, que até hoje parece não conseguir acordar desse pesadelo




"Sei que aqui terei uma vida digna, pela primeira vez”, disse, emocionado, o refugiado liberiano Joseph Morgan, de 34 anos, ao comitê de recepção das Nações Unidas no Canadá, em outubro do ano passado. Um século e meio antes, os ancestrais de Morgan haviam pronunciado palavras muito parecidas, em uma situação muito diferente. Eles acabavam de desembarcar na Libéria, do outro lado Atlântico, na costa ocidental da África, um país fundado em 1824 para servir de lar aos negros americanos. Não podiam imaginar que no século 20 a realidade se encarregaria de destruir uma a uma suas aspirações. Os 315 mil refugiados liberianos que vivem hoje nos países vizinhos são a face mais cruel da derrocada do sonho americano na África. Vítimas de 14 anos de guerra civil, da pobreza e da falta de perspectiva, para muitos o caminho de volta à América – terra de onde saíram seus antepassados – representa agora a promessa de uma vida melhor.

Por trás do fracasso da Libéria, um país com renda per capita anual de meros 100 dólares e expectativa de vida de 42 anos, há uma longa história de guerras, conflitos étnicos e intolerância, fomentados por interesses econômicos e imperialistas, muitas vezes inconfessáveis.

Apesar de ter sido criada oficialmente em 1830, a Libéria começou a germinar muito antes, logo depois do fim da Guerra da Independência (1776-1783) nos Estados Unidos. Muitos negros americanos que lutavam contra a Inglaterra ganharam como prêmio a liberdade. Pela primeira vez, esses ex-escravos circulavam livremente pelas cidades, para espanto da comunidade racista da época.

Na Inglaterra, ocorria o mesmo. A lei antiescravagista de 1772 fez com que os poucos negros residentes no país tomassem as ruas, desagradando a maioria da população. No fim o século, os britânicos tiveram a idéia de mandar 411escravos libertos para Serra Leoa (país vizinho da futura Libéria), então uma colônia britânica. Quase todos morreram, devido às precárias condições de vida no lugar. Mas os ingleses não desistiram e, em 1800, mandaram mais uma vez centenas de ex-escravos para Serra Leoa. A iniciativa repetiu-se diversas vezes, até que uma comunidade se formasse na África.

O projeto britânico serviu de inspiração aos americanos. Tanto abolicionistas do norte como senhores de escravos do sul queriam enviar os negros para bem longe – os primeiros, movidos por um declarado sentido humanitário de proporcionar aos escravos uma vida livre de preconceito. Os segundos, por temer revoltas. Os fazendeiros do sul passaram a condicionar a alforria à volta para a África.

Em 1816, um ano após a proibição do tráfico de escravos nos Estados Unidos, foi fundada a ACS (sigla para American Society for Colonization, ou “sociedade americana para a colonização”). A entidade sem fins lucrativos contava com o apoio de órgãos governamentais, políticos, fazendeiros e trabalhadores e patrocinou, naquele mesmo ano, a primeira tentativa de mandar ex-escravos americanos para o continente africano. O local escolhido foi a Ilha Cherbro, em Serra Leoa.

Os Estados Unidos obtiveram permissão da Inglaterra para instalar os colonos na ilha. “Os britânicos, em plena Revolução Industrial, viam na iniciativa a possibilidade de criar um mercado consumidor abrangente que pudesse gerar demanda para a produção de bens em larga escala”, diz Priscilla Schillaro, historiadora da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos. “Além disso, pareceu uma boa idéia apoiar a existência de uma colônia pró-Estados Unidos na África, como forma de inibir o tráfico negreiro internacional, o inimigo número 1 dos britânicos naquele momento.”

Mas a primeira iniciativa de criar uma colônia americana no continente fracassou. A maioria dos 88 passageiros do navio Elizabeth morreu de febre amarela e malária em poucas semanas. Em 1821, a ACS enviou um representante, o diplomata Eli Ayres, para escolher um sítio mais apropriado para o assentamento. Ele (devidamente acompanhado por um pequeno exército de 70 homens) navegou cerca de 200 quilômetros pela costa da África nas proximidades de Serra Leoa, e escolheu uma área que foi chamada de Cabo Mesurado – local da atual capital do país. Só que a terra já tinha dono. Pertencia às tribos Dey e Bassa, habitantes do local há séculos. “Depois de negociações nem sempre amistosas, os chefes tribais cederam aos americanos uma faixa litorânea de 40 quilômetros de comprimento por 4 quilômetros de largura em troca de armas e garrafas de rum que hoje valeriam, juntas, 300 dólares”, afirma James Riley, professor do departamento de história da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos.

Em 1824, o governo americano fundou oficialmente a colônia da Libéria e passou a chamar sua capital de Monróvia, em homenagem ao presidente dos Estados Unidos, James Monroe. Segundo Priscilla Schillaro, os primeiros cidadãos liberianos foram os sobreviventes da trágica excursão para a Ilha Cherbro. Em seguida, começaram a chegar levas de americanos (até 1850, 4 571 pessoas desembarcaram em Monróvia). “No início, a administração foi entregue a representantes escolhidos pela própria ACS. Mas, com o crescimento populacional e o progressivo alargamento do território, começaram a surgir lideranças locais entre os ex-escravos”, diz ela. Na expectativa de aumentar as áreas cultiváveis, esses primeiros moradores passaram a adquirir mais terras e avançar suas fazendas além das fronteiras originais. Em menos de 40 anos, o país cresceu duas vezes de tamanho.

Não foi surpresa para ninguém quando surgiram as primeiras desavenças com as tribos locais, principalmente com os grebos e crus. Segundo Riley, as fronteiras traçadas pela ACS dividiram etnias aliadas e reuniram no mesmo território cerca de 15 etnias, algumas delas inimigas há séculos. “Os conflitos eram inevitáveis.”

Além disso, enquanto as áreas litorâneas colonizadas pelos negros americanos prosperavam com plantações de mandioca e café e a extração de borracha, o interior habitado pelas tribos africanas era totalmente negligenciado.

Nesse clima de instabilidade, a Libéria proclamou sua independência política, em 1847, mas permaneceu estreitamente atrelada à política e à economia dos Estados Unidos, que compareciam também com armas e navios de guerra. O que era fundamental, já que o país estava espremido entre dois poderosos impérios: a Inglaterra, em Serra Leoa, e a França, na Costa do Marfim.

Os interesses estrangeiros, somados ao isolamento da elite interna, passaram a gerar conflitos cada vez mais freqüentes. E cada vez mais irreversíveis, No fim do século 19, o auxílio americano começou a minguar e os liberianos tiveram de se virar sozinhos. E se deram mal. Em 1903, os britânicos forçaram a Libéria a entregar parte de seu território a Serra Leoa, e os franceses avançaram sobre a fronteira com a Costa Marfim. O país, envolvido em tantos conflitos, estava à beira da falência, quando o presidente Theodore Roosevelt providenciou, em 1905, uma ajuda de 1,7 milhão de dólares. Em 1920, chegaram mais 5 milhões de dólares.

Seis anos depois, a Libéria teve de começar a pagar a dívida. O governo liberiano cedeu uma enorme área de 1 milhão de acres (ou 22 mil estádios do Maracanã) para a indústria americana de pneus Firestone explorar borracha. Em 1943, ocorreu de novo: em troca da construção de um porto em Monróvia pelos americanos, o país permitiu que a empresa Republic Steel, com sede nos Estados Unidos, explorasse suas reservas de ferro, em uma época que a indústria siderúrgica estava em franca expansão no mundo todo.

Apesar de tudo, os lucros obtidos com o comércio de ferro e borracha operaram uma espécie de milagre econômico nos anos 40, o que durante alguns anos aumentou a renda da população, principalmente da classe média. Os novos-ricos passaram a comprar terras em áreas antes habitadas exclusivamente por nativos, o que colaborou para acirrar os conflitos.

“Os membros do governo invariavelmente eram membros da elite formada pelos descendentes de americanos, enquanto 95% da população formada por etnias locais sentia-se marginalzada”, diz Riley. Em 1943, foi eleito presidente o descencente de americanos William Tubman. Ele mudou a Constituição para ficar no poder por sete mandatos consecutivos. Também censurou a imprensa e passou a perseguir os opositores de seu governo. Tubman só deixou o poder em 1971, quando morreu.


Guerra Civil na Libéria.

Em seu lugar, assumiu o vice-presidente William Tolbert, que governou em constante clima de tensão. Em 1980, um grupo de jovens líderes guerrilheiros de várias etnias se uniu para tomar o poder, liderado pelo sargento Samuel Doe, então com 28 anos. De início, o novo governo foi aclamado em praça pública. Mas logo as esperanças de um futuro melhor evaporaram. O novo presidente começou a favorecer os membros da sua etnia, os krahns, em detrimento de todas as outras que conviviam no pequeno país, localizado em uma área do tamanho do estado de Pernambuco. Os grupos dan e mano, habitantes do norte da Libéria, passaram a ser duramente perseguidos. Em 1985, Doe declarou-se vencedor de uma eleição que havia perdido e instituiu uma ditadura.

Um novo golpe de Estado ocorreu na noite de Natal de 1989. As tribos que vinham sendo discriminadas por Doe ocuparam a linha de frente da revolta. No comando, estava Charles Taylor, que havia sido ministro de Doe, e fora afastado por corrupção. Doe foi capturado e morto. Teve início uma guerra civil entre grupos tribais que disputavam o poder, que durou sete anos. Os banhos de sangue só terminaram com a intervenção de tropas internacionais.

A paz, no entanto, durou muito pouco. Em 1996, dissidentes que estavam aquartelados na Guiné invadiram o país. A nova guerra civil finalmente terminou em outubro de 2003, com a eleição de um governo de conciliação nacional e, de novo, com a intervenção militar dos americanos. Em mais de uma década de lutas internas, os assassinatos brutais, as torturas e a destruição de Monróvia enterraram de vez os pilares de liberdade construídos pelos esperançosos ex-escravos americanos que dançaram ao ritmo das grandes potências dos séculos 19 e 20. Desde 1989, quando eclodiu o primeiro conflito, muitos liberianos, como Joseph Morgan, se viram obrigados a deixar sua pátria para salvar a pele, tornando-se refugiados políticos nos países vizinhos, na Europa, ou de volta aos Estados Unidos. Com a economia em frangalhos, a Libéria agora tenta refazer o sonho dos primeiros imigrantes, que tinham orgulho em pronunciar o nome do país, uma homenagem à liberdade.

Trancos e barrancos


Cédula da Liberia de 5 Dolares.

1816
A American Colonization Society envia a primeira leva de imigrantes para a África. Quase todos morrem.

1821
Um representante da ACS percorre a costa africana e escolhe o local para instalar a colônia: entre Serra Leoa e Costa do Marfim.

1824
Chegam os primeiros colonos. O novo país ocupa uma faixa de 40 quilômetros de comprimento por 4 de largura.

1827
Os estados do Mississipi e Indiana condicionam a libertação de escravos à deportação para a África.

1847
O descendente de escravos Joseph Jenkins Roberts, colono imigrado da Virginia, declara a independência da Libéria.

1848
A primeira Constituição do país garante privilégios aos descendentes de americanos. Roberts é eleito presidente.

1850-1920
A Libéria perde terras para as colônias vizinhas e enfrenta conflitos internos com as etnias locais.

1867
Mais 13 mil pessoas chegam à Libéria, após a Guerra Civil americana (1861-1865) e o fim da escravidão.

1869
O True Whig Party, partido que governaria o país até 1980, é fundado pela elite formada por imigrantes americanos.

1875
Explode uma revolta da tribo grebo contra o governo. Os Estados Unidos mandam navios e armas para garantir a paz.

1903
O governo britânico e a Libéria assinam um acordo sobre os limites da fronteira com Serra Leoa.

1923
A indústria americana Firestone recebe o direito exclusivo de exploração de borracha na Libéria.

1944

William Tubman, do True Whig Party, é eleito presidente. Ele ocuparia o cargo até 1971, ano de sua morte.

1946
Quase 50 anos depois de proclamada a República, membros das tribos africanas conquistam o direito ao voto.

1971
Morre o presidente Tubman. Seu substituto, o vice William Tolbert, assume sob extrema pressão.

1980
Um golpe militar liderado por Samuel Doe, membro de uma etnia local, tira o True Whig Party do poder.

1985
Convocadas eleições diretas para presidente. Derrotado, Doe se declara vencedor e institui uma ditadura.

1989
Charles Taylor comanda um novo golpe de Estado. Várias etnias lutam pelo poder em uma guerra civil sangrenta.

1995
As forças internacionais negociam uma trégua entre as facções guerrilheiras. A paz duraria meses.

1996
Guerrilheiros descontentes com o tratado invadem a Libéria, vindos da Guiné, e dão início a novos conflitos.

2003
Em outubro, assume um governo de reconciliação nacional que põe fim à guerra civil. Até quando?

Da Bahia para a África


Os escravos malês foram os agentes centrais
da revolta que tentou tomar a cidade de Salvador.

A viagem de volta para a África também foi feita por ex-escravos brasileiros, no século 19, após revolta dos malês (como eram conhecidos os negros muçulmanos na Bahia), que tomou as ruas de Salvador por três horas, em 1835. Cerca de 70 pessoas morreram e mais de 500 foram punidas com deportações para a África, prisão e morte. Proporcionalmente à população da época, seria como se 24 mil dos 3 milhões de habitantes da Salvador atual tivessem sido expulsos da cidade. Segundo o historiador João José dos Reis, autor de Rebelião Escrava no Brasil, após o movimento dos malês, o governo baiano ficou assustado com o poder de organização dos escravos e criou uma lei que permitia “reexportar africanos libertos sob simples suspeita de promover, de algum modo, a insurreição de escravos”. Com ela, a situação da população de ex-escravos ficou muito difícil. “Os 4 615 negros libertos foram proibidos de alugar imóveis e seus títulos de propriedade anulados”, afirma Reis.

Salvador tinha na época 65 500 habitantes. Os ex-escravos eram pequenos comerciantes, artesãos, pedreiros, mestres-de-obras e vendedores ambulantes, atividades que rendiam algum dinheiro e permitiram que uma parte deles pagasse pela viagem até a África. A imigração para o Benim e a Nigéria, de onde haviam partido a maior parte dos escravos muçulmanos da Bahia, continuou até o início do século 20. Entre 5 e 8 mil pessoas voltaram para a África. A chegada dos brasileiros provocou muitas mudanças. Para começar, os imigrantes constituíram uma elite de comerciantes e artesãos. Muitos enriqueceram a ponto de poder mandar os filhos estudar na Bahia, o que era considerado muito chique. No fim do século 19, alguns conseguiram bancar os estudos dos filhos até na Inglaterra. Os brasileiros revolucionaram os hábitos locais. As casas, quase todas térreas e sem janelas, foram substituídas pelos sobrados com dois ou três andares, típicos do estilo colonial brasileiro.

As moradias também ganharam móveis, como sofás, camas, mesas e cadeiras de balanço, desconhecidos dos africanos da época. As visitas eram recebidas com sucos de frutas colhidas no pomar, coisa que eles também nunca tinham visto. A vida cultural também mudou muito. A comunidade brasileira passou a organizar serões musicais e peças teatrais. Os africanos também foram apresentados às festas brasileiras, como a Epifania e o Carnaval. Mesmo a culinária, sofreu grandes transformações. Pratos típicos da Bahia no século 19, como o mingau e o pirão de caranguejo, foram perfeitamente inseridos na cozinha local.
 

 

 

Dossiê Egito: O Berço dos Faraós

Precedida por uma dinastia que os arqueólogos convencionaram denominar "Zero", a história do Egito faraônico começa por volta de 3150 a.C. com o rei Menés.



Período tinita (cerca de 3150 a.C. a 2700 a.C.) - I e II dinastias
A história do Egito faraônico começa com o rei Menés, responsável pela unificação entre o Alto e o Baixo Egito e pela fundação de Mênfis, a capital do Império. Interlocutor dos homens com os deuses, Menés ostenta a coroa branca do Alto Egito (hedjet) e a coroa vermelha do Baixo Egito (deshret).

Antigo Império (por volta de 2700 a.C. a 2140 a.C. ) - III e IV dinastias
Nesta época, o Estado egípcio se desenvolve consideravelmente e a sua administração centraliza-se na figura do faraó, que passa a ser venerado como verdadeiro deus. Djoser inaugura a III dinastia (cerca de 2700 a.C.). Seu conselheiro, o arquiteto Imotep, constrói a pirâmide em degraus de Saqqara, a primeira tumba real com essa forma arquitetônica.

A IV dinastia é marcada por reinados nos quais foram construídas as três grandes pirâmides de Gizé - Queóps, Quéfren e Miquerinos. Esses complexos funerários são o símbolo de um Estado forte e de uma civilização avançada.

É na V dinastia (aproximadamente 2480 a.C. a 2330 a.C.), originária de Heliópolis, que se verifica o culto ao Sol, o que não significa a rejeição aos outros deuses. O faraó é agora o "filho de Rá", o deus-sol.

Pepi I, representante da VI dinastia, reina por mais de 50 anos. Ele é também um grande construtor de pirâmides (Bubastis, Abydos, Dendérah). Pepi II sobe ao trono aos seis anos de idade e nele permanece por 94 anos.

Primeiro período intermediário (por volta de 2140 a.C. a 2040 a.C) - VII-X dinastias
Uma revolução, seguida pela invasão de povos asiáticos, põe fim à VI dinastia. Porém, nenhum nome dos reis da VII dinastia é conhecido. A VIII dinastia, a menfita, cuja capital era Mênfis, demonstra os sinais da decadência política do Egito. O país é dividido em três: o Delta, o Egito Médio - cujo centro político era Heracléopolis - e o Alto Egito, agrupado em Tebas. Inicia-se um período de anarquia e de recessão econômica (escassez de alimentos, desordem civil e violência). Uma série de conflitos ininterruptos entre as facções do sul (de Tebas) e do norte (Heracléopolis) ocorrem e cessam apenas na XI dinastia.


Estatuas de Osíris. templo de karnak
Luxor, Antiga cidade de tebas.

Médio Império (por volta de 2040 a.C. a 1750 a.C.) - XI e XII dinastias
Mentuotep II, rei de Tebas, reunifica o Egito (aproximadamente em 2020 a.C.). Mas são os soberanos Amenemés e Sésostris (XII dinastia, por volta de 1900 a.C. a 1790 a.C.) que conduzem o Império ao seu apogeu. A expansão comercial abre-se para o mar Vermelho, mar Egeu, Fenícia, Núbia e Delta, e o país conhece a prosperidade econômica. Dessa época, há vários manuscritos literários, textos de instruções, profecias e contos.

Segundo período intermediário (1750 a.C. a 1560 a . C. ) - XIII-XVII dinastias
Nas XIII e XIV dinastias, o Império passa por um processo de declínio. Vulnerável e enfraquecido, sucumbe à tomada do poder por invasores estrangeiros. As XV e XVI dinastias são marcadas pelo domínio dos hicsos, chamados de reis pastores ou príncipes do deserto. O domínio estrangeiro trouxe muitas inovações técnicas para o Egito. Os hicsos introduzem a utilização do bronze, da cerâmica e dos teares, diferentes instrumentos de guerra, que incorporam o uso do cavalo e das carruagens, e estilos musicais, assim como novas raças de animais e técnicas de colheita. De certa forma, os hicsos modernizaram o Egito. Na XVII dinastia, a partir de Tebas (sul do Egito), os monarcas empreendem a reconquista do país, definitivamente concluída por Ahmose, que inaugura o Novo Império.

Novo Império (por volta de 1560 a. C. a 1070 a . C ) - XVIII-XX dinastias
Predomina na XVIII dinastia a intenção de expandir o império rumo à Ásia. O faraó Ahmose (em torno de 1560 a.C. a 1526 a.C.) organiza uma administração hierarquizada, dirigida pelo vizir, segundo homem do Estado. Sob os governos de Thutmose III (cerca de 1490 a.C. a 1436 a.C.) e Hatshepsut (1490 a.C. a 1468 a.C.), o Egito se torna uma temível potência militar. O enriquecimento do país é perceptível em todas as classes da sociedade, que aprende a gostar das artes e a ostentar o luxo. Dentre as construções da época, constam os templos funerários de Deir el-Bahari, de Luxor e de Karnak e o de Amenófis III (aproximadamente 1402 a.C. a 1364 a.C.).

O faraó Amenófis IV, ou Akhenaten, (por volta de 1364 a.C. a 1347 a.C.) transfere a capital de Tebas para Amarna. Ele impõe uma nova religião, dedicada ao culto do deus único Aton. O governante que o sucede é Tutankhamon (em torno de 1347 a.C. a 1338 a.C.), que retorna a sede do governo para Tebas, onde reincorpora o culto a Amon-Rá.

A XIX dinastia é o período dos constantes conflitos entre egípcios e hititas. Ramsés II (em torno de 1290 a.C. a 1224 a.C.) trava, contra o rei hitita Mouwatalli, a célebre batalha de Kadesh. É a época das grandes construções, o hipostilo de Karnak, o templo de Abu-Simbel e o templo de Medinet Habu. Sob a XX dinastia (cerca de 1185 a.C. a 1070 a.C.), o país se fragmenta. O grande sacerdote de Amon, Herihor, assume o trono.

Terceiro período intermediário (aproximadamente de 1070 a.C. a 715 a.C.) - XXI-XXIV dinastias
Nesta época, o Egito é dividido em dinastias locais cada vez mais independentes. O único fato notável em política exterior é a conquista da Palestina por Chechanq I (945).

Período Inferior (715-332) - XXV-XXXI dinastias
A conquista do Egito, em torno de 740 a.C., por um rei núbio, cujos sucessores instauram uma dinastia "etíope", chamada de koushita (XXV dinastia, de 715 a.C. a 664 a.C.), revela a decadência do império. Após o recuo dos etíopes para o sul, a XXVI dinastia (ou período saita, de aproximadamente 664 a.C. a 525 a.C.) é marcada pelo reinado de Psammetik I (664-610). Ele expulsa os assírios e, assim, consegue estabilizar o país. Seu sucessor, Necau, exerce a mesma política.

A XXVII dinastia (cerca de 525 a.C. a 404 a.C.) marca o início da dinastia persa. Ela começa com a conquista do Egito por Cambises. Com a morte de Dario II, em 405 a.C., os egípcios reconquistam a sua independência. Amirteu, faraó da XXVIII dinastia, expulsa os persas. Mas a XXIX e a XXX dinastias são marcadas por brigas políticas por sucessão.

Nectânabe é o último rei nativo. Os persas realizam nova investida ao território egípcio. Tomam a capital Mênfis, após a batalha de Pelusa. É a queda do último faraó egípcio.

A segunda dominação persa (por volta de 343 a.C. a 332 a.C.), de Artaxerxes III até Dario III, parece ter sido um período difícil para os egípcios. Assim, Alexandre da Macedônia, ao derrotar Dario, é considerado um libertador do Egito. Alexandre, considerado filho de deus (e faraó), funda Alexandria no delta do Nilo (332 a.C.).

Dinastia ptolomaica (305 a.C. a 30 a.C.)
Após a morte de Alexandre, o Grande, seus generais dividiram entre si o Império, estabelecendo o sistema de satáprias. Ao Egito coube a influência de um dos melhores generais de Alexandre, Ptolomeu, que governa entre 305 a.C. e 282 a.C. Ele constrói o farol e a biblioteca de Alexandria. A partir de Ptolomeu IV, as intrigas familiares enfraquecem a dinastia.

Em 51 a.C., o governo egípcio passa para a filha de Ptolomeu XII, Cleópatra, que é a última rainha do Egito (de 51 a.C. a 30 a. C.) Por interesses políticos, ela se casa com o imperador romano Júlio César, que coloca o Egito sob proteção de Roma. Após o assassinato de César, a rainha se casa com o general romano Marco Antonio, um dos membros do triunvirato que sucede César no poder do Império Romano, o que desperta a ira e a inveja de outras forças de Roma. Em conseqüência, Octávio se autoproclama imperador de Roma e decide invadir o Egito.

Em 30 a.C., na batalha do Ácio, os exércitos comandados por Cleópatra e Marco Antonio são derrotados pelas forças romanas. Quando Otávio, vencedor, entra em Alexandria, Cleópatra e Antonio se suicidam. O Egito torna-se província romana.
 

 

Dobrando o Cabo da Boa Esperança

Considerada a esquina do mundo, a península é passeio imperdível na África do Sul



O Cabo da Boa Esperança é conhecido por representar o extremo sul do continente africano e por ser o ponto de encontro entre os oceanos Atlântico e Índico. Na realidade, ele não é nenhuma dessas duas coisas. Mas isso não diminui nem um pouco a sua magia.

O encanto começa já no trajeto de 60 quilômetros entre a Cidade do Cabo e o cabo propriamente dito. Para começar, a mão da estrada é pela esquerda como na Inglaterra, e o motorista senta-se do lado direito. No percurso sinuoso da Chapman's (estrada), belas casas de veraneio e mirantes excelentes para se fazer um piquenique. Lá embaixo, no fundo da encosta, as praias mais lindas da África do Sul. 

Para ter a melhor vista do Cabo da Boa Esperança suba a montanha Cape Point de bondinho ou de escada. Lá no alto o vento é tão forte que é preciso se concentrar para não deixar as fotos tremidas. De lá, é possível ainda caminhar por uma trilha e chegar até a ponta da península.

Verdadeira aula de história 

A rica história da Cidade do Cabo é também a causa de sua eclética cultura. A região, descoberta por portugueses, recebeu holandeses que ali construíram a cidade que, mais tarde, foi ocupada ingleses. O resultado dessa mistura foi a transformação de toda a área em um caldeirão de línguas e costumes.

E se hoje o cabo é da Boa Esperança, saiba que não foi sempre assim. 

Em 1488, o famoso navegador português Bartolomeu Dias foi o primeiro a transpor a península, castigada por muitos ventos e ondas fortes. Depois de enfrentar quase 15 dias de tempestade na região, Dias batizou-a de Cabo das Tormentas. Mas o rei português Dom João II, rebatizou o pontal como Cabo da Boa Esperança, já que, uma vez ultrapassado, ele levava à rota das Índias. 

Só para matar sua curiosidade, saiba que bem pertinho dali fica o Cabo das Agulhas, local que é, de fato, o ponto mais ao sul da África do Sul e o verdadeiro encontro dos oceanos Atlântico e Índico.
 

 

São Jorge da Mina: Mina de ouro e escravos

A fortaleza de São Jorge da Mina foi construída com o objetivo de escoar e defender o ouro que das ricas regiões auríferas do interior era enviado para o litoral. Posteriormente, torna-se o primeiro entreposto de escravos da era moderna 


Castelo de São Jorge da Mina, Gana.

Castelo de São Jorge da Mina, também designado por Castelo da Mina, Feitoria da Mina, e posteriormente por Fortaleza de São Jorge da Mina, Fortaleza da Mina, ou simplesmente "Mina", localiza-se na atual cidade de Elmina, no Gana, no litoral da África Ocidental. Após a sua ocupação pelos Holandeses em 1637, o seu nome passou a figurar na cartografia apenas como Elmina.

Erguida em 1482, foi a primeira grande construção européia na África tropical. Para várias tribos e numerosos reinos, Elmina simboliza o holocausto provocado pelo tráfico negreiro. Para as nações européias que exploraram a costa africana, como Portugal, Holanda, Inglaterra, Dinamarca, Suécia e Alemanha, o lugar foi fonte de riquezas durante 400 anos. De lá saiu o ouro que financiou as navegações portuguesas no século XVI. E os escravos que fizeram prosperar as usinas de açúcar do Brasil.

A Costa do Ouro

Apesar de desconhecida pelos europeus até o século XV, a Costa do Ouro figura em textos árabes desde o século VII. A descrição mais detalhada do local foi feita em 1068, por um geógrafo cordobês chamado Abu Ubaid Abdala ibn Abd el-Aziz ibn Mohammed ibn Ayyub al-Bakri. Os árabes negociavam com os africanos muito antes dos portugueses.

Por volta de 1460, a exploração da costa africana principiou a render frutos. Nas décadas seguintes, a Coroa portuguesa empreendeu a construção de feitorias, entrepostos comerciais fortificados, de modo a intensificar o comércio de produtos europeus por gêneros como o ouro, especiarias e escravos. Adicionalmente, estas estruturas proporcionavam segurança e apoio às atividades de navegação e descobrimentos na costa ocidental africana.

Em 1469, Afonso V de Portugal (1438-1481), arrendou a exploração da costa da Guiné, na forma de monopólio comercial, por cinco anos (mais um ao fim do contrato). O primeiro arrematante foi um comerciante de Lisboa, Fernão Gomes, que, além da renda, ficava obrigado à descoberta anual de 100 léguas da costa, a partir da Serra Leoa. Foi durante a vigência desse contrato, que se alcançou a região da Mina. Por essa razão, aquele trecho do litoral passou a ser designado como Costa do Ouro nos mapas da época.

Um negócio lucrativo e arriscado

Imagine o oeste da África no final do século XV: um grande ajuntamento de tribos primitivas numerosas, que agregavam nativos facilmente aprisionáveis por inimigos tecnologicamente muito superiores. O sonho de um escravagista europeu. Pois é. Só que os portugueses não encontraram nada disso na Costa do Ouro. O que havia ali eram reinos organizados, com grandes populações e agricultura desenvolvida, acostumados ao comércio, pois negociavam sal e ouro com árabes desde o século VII.


Carta náutica de Fernão Vaz Dourado, da África
ocidental extraída do atlas náutico de 1571, pertencente
ao Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa.

Comprar barato e vender caro. Essa era a cartada dos europeus para obter ouro, a única mercadoria que lhes interessava na África até o século XVI. Um negócio da China — quer dizer, da África. Cientes dos gostos dos nativos, os portugueses levavam ouro e davam escravos, roupas árabes e artigos de cobre e latão, como colares, panelas e "bacias de urinar". Os penicos eram um sucesso absoluto no escambo. Só em Elmina mais de 270 000 foram trocados por ouro entre 1504 e 1582.

Esses povos, como os ashantis, os fantis e os akans, viviam em pé de guerra uns com os outros. É que, para eles, a riqueza se media principalmente pelo número de súditos do reino. A maneira mais prática de conseguir gente era atacar uma outra tribo e escravizar seus habitantes. Da noite para o dia, viajantes, nômades e populações inteiras de aldeias próximas às fronteiras de reinos e tribos viravam escravos.

Os lusos não tinham concorrentes europeus, mas, em compensação, dependiam de humores políticos instáveis para poder negociar o ouro com sossego — além de abastecer seus fortes. Diplomáticos, em 1480 conseguiram aliar-se a um desses reinos, o dos akans, da bacia do Rio Volta, que lhes cedeu o terreno para a construção de Elmina.

Mas a população recebeu-os com um pé atrás. Era a primeira vez que estrangeiros se instalavam na terra. Os akans temiam que os forasteiros se intrometessem em seus assuntos internos. Por isso deixaram bem claro que a cabeça-de-praia era alugada, não vendida. Nos anos seguintes, muitas vezes os europeus foram ameaçados e tiveram que pagar tributos extras quando um reino do interior conquistava um da costa.

A perda da confiança dos reis poderia representar o fim de um forte e quilos de ouro a menos para a Coroa. A necessidade de preservar a política de boa vizinhança era tanta que fazia parte do regulamento de Elmina "manter a paz com os negros". O que, é claro, incluía distribuir presentes. Em 1520, por exemplo, o monarca do reino de Wassa recebeu dos portugueses uma túnica árabe, um gorro vermelho e um penico. Apesar do esforço, motins e ataques aconteceram várias vezes.

O Castelo de São Jorge da Mina

Com a subida ao trono de João II de Portugal (1481-1495), este soberano determinou a construção de um novo entreposto, visando proteger o comércio do ouro naquele litoral. Para esse fim, nos primeiros meses de 1482 uma expedição de onze navios partiu de Lisboa, sob o comando de Diogo de Azambuja, transportando uma tropa de 600 homens - apoiados por uma centena de pedreiros e carpinteiros - e material de construção como lastro nos navios - pedra lavrada e numerada, gesso e cal. Outras fontes apontam a data de partida como 12 de Dezembro de 1481, com a chegada um mês depois. A sua missão era erguer uma fortificação com funções de feitoria, o chamado Castelo de São Jorge da Mina, posteriormente denominado como Castelo Velho da Mina, na foz do Rio Benya.


Vista do Castelo da Mina pelo lado noroeste a
partir do rio (Atlas Blaeu van der Hem, séc. XVII).

Ali passaram a ser trocados trigo, tecidos, cavalos e conchas ("zimbo"), por ouro (até 400 kg/ano) e escravos, estes com intensidade crescente a partir do século XVI. Em cerca de vinte dias foram erguidas as paredes da torre, uma cerca e algumas casas. Ao abrigo da fortificação-feitoria desenvolveu-se um núcleo urbano geminado, informalmente denominado como "Duas Partes", um habitado por europeus, outro por nativos. A povoação de São Jorge da Mina recebeu Carta de Foral em 1486.

O primeiro comandante do forte-feitoria foi o próprio Diogo de Azambuja, entre 1482 e 1484. Entre os seus comandados, na ocasião, encontrava-se o marinheiro genovês Cristóvão Colombo. Posteriormente o comando foi ocupado por elementos ilustres no reino, nomeados por períodos de três anos. Estes oficiais tinham vastos poderes outorgados pela Coroa, ainda que sujeitos a um rígido regimento, de forma a coibir o contrabando do ouro ou a prática de outras atividades ilícitas. A sua autoridade estendia-se a outros entrepostos fundados posteriormente naquela costa, como os de Axim (Axém), Osu, Shema (Shamá), Waddan, Cantor e Benim.

Por volta de 1550, calcula-se que os portugueses tirassem de lá 310 quilos de ouro por ano. Na época, o tráfico de escravos funcionava ao contrário: os lusos levavam quinquilharias e escravos negros de outras regiões, como a costa do Benin, para os reis locais em troca do metal. Em 1500, 10% das reservas mundiais de ouro provinham da região.

Ao longo do século XVI, ataques de corsários franceses às embarcações portuguesas no regresso da Índia, da Mina e do Brasil tornaram-se freqüentes. O mesmo se registrou com relação à Inglaterra, com quem foi assinado um tratado em 1570.

O castelo vira uma senzala

A tranqüilidade dos portugueses na Costa do Ouro acabou no final do século XVI. De olho nos lucros fabulosos com o ouro africano, holandeses, ingleses e dinamarqueses começaram a construir seus próprios fortes. Para piorar, a descoberta do metal precioso pelos espanhóis no México e no Peru fez seu preço despencar na Europa.

Além disso, por volta de 1620, a Mina portuguesa começou a secar. Sem ouro, os europeus mudaram o rumo do negócio. Em vez de levar escravos negros do Benin para trocar por metal com os chefes locais, passam a exportá-los para as cada vez mais lucrativas plantações de cana-de-açúcar, algodão e tabaco das colônias americanas, como o Brasil.

O monopólio lusitano da Costa do Ouro foi quebrado em 29 de Agosto de 1637, quando uma frota holandesa tomou a Fortaleza de São Jorge da Mina, após cinco dias de resistência. As tropas holandesas eram formadas por mercenários europeus e tapuias, índios brasileiros de língua jê que haviam se aliado ao conde Maurício de Nassau durante a invasão holandesa de Pernambuco.


Fortaleza de São Jorge da Mina e Castelo no monte de S. Tiago (1750).

Os Holandeses fizeram de São Jorge da Mina a capital da Costa do Ouro Holandesa, e rebatizando o forte como Fort de Veer, Fort Java, Fort Scomarus e Fort Naglas, procedendo-lhe obras de reforço e de ampliação. A partir de então, o castelo tornou-se um pólo exportador de mão-de-obra escrava para o continente americano.

Para garantir o controle do tráfico de escravos, os holandeses também tomaram o forte português de Shama, em 1638, e outros entrepostos portugueses na África, São Tomé, Benguela e Luanda, em 1641. Era o fim de 160 anos de dominação portuguesa. Para negociar escravos em Elmina, traficantes brasileiros e lusos passaram a pagar imposto aos holandeses. Entre os séculos XVII e XVIII, o comércio de escravos atingiu o pico: a média anual de escravos embarcados na Costa do Ouro variava entre 10 000 e 35 000 indivíduos, segundo o historiador ganês Kwesi Anquandah. Só no século XVIII, a região exportou cerca de 677 000 negros para as Américas, boa parte por Elmina.

Os escravos vindos da Costa do Ouro chegaram ao Brasil em maior número entre 1700 e 1775. Apesar de pertencerem a diversas etnias, receberam todos o nome genérico de "negros da mina" ou "minas", por terem sido embarcados no porto de Elmina. Eram prisioneiros de guerra, bem pouco dispostos a suportar calados a escravidão. Os minas participaram de todas as revoltas de escravos do século XVIII e da formação de inúmeros quilombos. Eram destemidos e pouco obedientes. Também tinham aversão a trabalhos pouco higiênicos. Um povo mina, os akans — em cujo território foi construído o castelo de Elmina —, protagonizou um caso raro de final feliz. Desembarcados no Suriname, fugiram para o interior da selva, onde reconstruíram sua antiga sociedade. Hoje são chamados de maroons e ainda vivem na Amazônia surinamesa.

Do século XIX aos nossos dias

O tráfico rendeu à Europa e suas colônias lucros gordos e mão-de-obra farta até 1850, quando a Inglaterra passou a adotar medidas duras para reprimi-lo — entre elas, capturar navios negreiros.


Ataque britânico a Elmina (1873).

Em 1873 o forte foi conquistado pelos britânicos. Em 1957, quando a República de Gana tornou-se independente, seu controle passou para os africanos. A estrutura da fortificação foi reconhecida pela UNESCO como Patrimônio da Humanidade em 1979.

O monumento sofreu uma ampla intervenção de restauração e conservação a cargo do governo de Gana na década de 1990 e, atualmente encontra-se aberto à visitação turística. Em vez de escravos, o velho castelo hoje recebe estudantes barulhentos e meia dúzia de turistas.


 
 

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