domingo, 28 de julho de 2013

CABOCLINHO NÃO É ÍNDIO AMERICANO

CABOCLINHO NÃO É ÍNDIO AMERICANO


Rugendas, já colocava a questão da identidade brasileira, tomando por base a

originalidade nacional. Em termos de cultura, tudo era explicado segundo a “mistura das três

raças”. Johann Moritz Rugendas (1808/1858), foi um pintor que viajou por todo Brasil, de

1822 a 1825, pintando os costumes e a população brasileira. Foi atraído pelo argumento da


combinação do ambiente tropical com os usos e costumes exóticos”.

Jean de Léry, um francês que esteve no Brasil, no século XVI, já assinalara o

significado da ritualização para os indígenas e Rugendas entendeu que, dos grupos selvagens,

o poder da representação havia sido transposto para a sociedade brasileira em geral. Sobre

os índios, Rugendas dizia que “

em todas as circunstâncias (...) que os reúnem em grande

número, verifica-se entre eles algo semelhante a uma festa

”.

Através de um processo mimético, o padre Aspicuelta Navarro imitava atitudes dos

feiticeiros indígenas em suas pregações. A adaptação dos cerimoniais dos índios, bem como

de suas músicas e danças, levou Anchieta a um exercício constante: os famosos autos do


Apóstolo do Brasil

, nas igrejas, representavam cenas “de gosto” indígena; isso motivou

contra ele uma advertência expressa pelo padre-geral, responsável pela Ordem dos Jesuítas

no Brasil.

O

carum é uma das principais cerimônias da vida dos tupinambás, quando do

nascimento dos filhos, da primeira menstruação das moças, das cerimônias mágicas que

antecediam a partida para a guerra ou o seu retorno, do trabalho coletivo na lavoura e todas

as assembléias em busca de soluções dos problemas importantes, deveriam, para bom

termo, serem celebradas com muita

chica, que seria, segundo as descrições, “álcool

embriagante feito do suco do milho”. A ingestão de bebida fermentada, todas as vezes que


entrava em jogo o interesse da comunidade, sugere que esses atos se revestiam de caráter

ritualístico que, sendo imitados, leva à suposição da organização de modelos de festas.

O carnaval, nesse sentido, poderia facilmente ter sido adaptado. A conexão existente

entre o sentido cênico, representado, desses festivais indígenas e a “borracheira organizada

para festejar” permite supor a transposição dos rituais indígenas para a origem brasileira do

carnaval. É um exercício muito fácil a identificação das danças indígenas em algumas práticas

carnavalescas. Muitas alegorias, ainda vivas, são assemelháveis às dos indígenas brasileiros, o

uso de máscaras de animais, por exemplo.

O viajante Ferdinand Dennis (1798/1890), autor francês, esteve em viajem à América

do Sul, de 1816 a 1821. Na sua obra

Brasil, registra descrição detalhada das festas e

mascaradas dos índios, mostrando as relações totêmicas manifestadas nessas procissões

festivas, aliás comuns em toda a América. Esse fato poderia explicar a constatação de uma

espécie de carnaval de matriz indígena, encontrado com vigor, não só no Brasil, mas

principalmente na Argentina, Bolívia, Peru, México e Colômbia.

Dennis, revivendo as mesmas observações de Jean-BaptisteDebret (1768/1848),

artista francês, que produziu valiosas litografias que descrevem o povo brasileiro, demonstra

que a representação dos indígenas obedecia a uma história onde os participantes se

travestem de animais.

Fato concreto é que no carnaval brasileiro são refletidas, em profusão, as heranças do

nosso povo nativo, no uso de arcos e flechas, bem como de colares de dentes e unhas, os

quais, transfere sempre nossa imaginação para o mundo indígena. Os famosos blocos de

índios existem em muitas cidades do interior, particularmente no Nordeste.

Dentro do carnaval urbanizado das grandes cidades brasileiras, é possível detectar

três fases muito distintas da representação do índio. Numa primeira etapa, mais recuada no

tempo, é marcada pela presença nos imensos blocos de índios, quando uma multidão saía

com penas coloridas, colares, cocar, arco e flecha; também, nesse caso, as máscaras de


animais apareciam aqui e ali, sem contudo representar um bloco por inteiro. Em outra fase,

pela influência dos filmes de bangue-bangue, dos “índios brancos” canadenses, dos

apaches,

comanches, sioux, cheienes

, peles-vermelhas que se mostram com trejeitos de quem fuma o

cachimbo da paz e usa machadinhas, rifles, cavaleiros experientes, tudo no mais puro estilo


western

. A terceira manifestação dos índios no carnaval brasileiro se dá quando algumas das

suas vivências se encaixam no enredo de alguma escola de samba, quase sempre derivado de

sugestões literárias e ecológicas.

O reconhecimento do valor indígena apenas se verificou nos grupos de poder no

Brasil enquanto representava uma espécie de metáfora favorita para os modernistas de

1922. Fora dessa etapa, o que se nota é um desprezo constante ao índio.

Na verdade a Igreja Católica Romana destruiu o folclore ameríndio e o substituiu pelo

folclore artificial. Os jesuítas fixaram os índios em vilas, fazendo desaparecer o modo de vida

nômade de muitos povos indígenas, que fazia parte de seus costumes. Nas vilas se

concentravam os elementos de vários povos; essa heterogeneidade de membros de tribos

diferentes coabitando, contribuiu para a destruição de suas tradições. Nos colégios,

os piás,

crianças indígenas, foram afastadas da influência dos pajés, dos mais velhos; desgarradas,

portanto, dos costumes tradicionais do seu povo.

Os jesuítas, para atraí-las, lançaram mão da música e do canto. Conservaram, dessa

forma, muitas danças indígenas com melodias católicas romanas, as quais os índios

dançavam nos ofícios religiosos, pois o povoamento se deu através das grandes festas da

Igreja Católica usadas para impor aos povos do Novo Mundo a religião romana.

No carnaval pernambucano há mais de vinte tipos de agremiações. Tais grupos são

divisões por categorias, geralmente da mesma profissão, ocupação ou que admirem algo que

se torne comum, dentre elas, os Caboclinhos ou Cabocolinhos.

A presença, originariamente, dos caboclinhos é encontrada nos folguedos de Alagoas

e Paraíba, que migraram para o carnaval de Pernambuco. Esses, por sua vez, assemelham-se


 
ao

caiapó paulista, mais simples, porque pouco vai além do cortejo. Os caiapós são

encontrados também no sul de Minas Gerais e em Góias, fazendo parte dos folguedos

natalinos. No Ceará encontra-se o

torém, dança de origem ameríndia que não pode ser

confundida com o toré, que é uma cerimônia indígena.

É comum haver confusão entre algumas figuras de determinadas agremiações

carnavalescas. Em Pernambuco, os personagens mais confundidos são os tipos indígenas,

que participam de quatro tipos de agremiações distintas. Os que usam arco e flecha na mão

(preacas) são das

Tribos de Caboclinhos; os que carregam machadinhas e pequenos escudos

são das

Tribos de Índios; os vestidos como índios americanos, são formadores das Turmas.

Nos

Maracatus Rurais, encontramos mais dois tipos, os “Caboclos de Pena, Reamar ou

Tuxáus”, que usam compridos capacetes que formam coroas de penas e os “Caboclos de

Lança”, que carregam chocalhos nas costas, surrão e conduzem uma enorme lança (guiada)

nas mãos.

Sem dúvida, uma das mais belas manifestações do carnaval pernambucano está na

evolução das Tribos de Caboclinhos que passam, quase que em disparada, pelas ruas do

centro e dos subúrbios ao som de um pequeno conjunto e na marcação das preacas, a

produzir um estalido característico na percussão da seta contra o arco, com seus estandartes

esvoaçantes.

Se no maracatu está toda a herança das nações dos negros africanos, no caboclinho

vamos encontrar a presença do índio brasileiro que, como primitivo dono da terra, mantém

durante o carnaval as suas danças e lendas que contam a glória dos seus antepassados.

Caboclinhos, ou como na fala popular cabocolinhos, é um grupo específico de homens

e mulheres, trajando vistosos cocares de penas de avestruz e pavão, com saias também de

penas, trazendo adereços nos braços, tornozelos e colares (também em penas). Desfilam em

duas filas fazendo evoluções das mais ricas ao som dos estalidos secos das preacas,




 
abaixando-se e levantando-se com agilidade, como se tivessem molas nas pernas, ao mesmo

tempo que rodopiam apoiando-se nas pontas dos pés e calcanhares.

Com certeza o caboclinho é uma das presenças mais originais do carnaval do Recife,

sendo o grupo formado por: cacique, mãe-da-tribo, pajé, matruá, capitão, tenente, portaestandarte,

perós (meninos e meninas), caboclos-de-baque, cordão de caboclos e cordão de

caboclas; os músicos geralmente são em número de quatro. O conjunto é formado pela

inúbia (um pequeno flautim de taquara), caracaxás ou mineiros, tarol e surdo. A beleza

plástica das jovens índias, a forte coreografia dos caboclos e a variedade de cores do

conjunto, dá um toque de destaque ao grupo.

Será que todas estas heranças indígenas, impregnadas em nosso carnaval

pernambucano, podem nos remeter a cidade de Nova Orleans, em Louisiana, nos Estados

Unidos?


 

Nenhum comentário:

Postar um comentário