quinta-feira, 18 de julho de 2013

MAIS UMA POUCO DA NOSSA HISTÓRIA

 
 
 
O leitor terá rápida apreciação as religiões de nossos antepassados africanos; saberá da história e das lendas que envolvem a resistência negra no Brasil.

Impressionante a maneira objetiva pela qual são tratados temas caros à comunidade afro-brasileira: João Cândido, o valente negro que liderou a revolta contra o desumano tratamento dispensado aos marinheiros; Quilombos, onde se destaca Palmares, (Zumbi); A greve no porto do Ceará, para impedir o desembarque de africanos o que determinou a Abolição da Escravatura na antiga província; Candomblé e Macumba, além de outros.

O autor não se esquece de mostrar o infame tratamento dispensado a homens e mulheres, desde a prisão na África, nos porões dos navios e no dia a dia dos trabalhos forçados.

Recorda as lutas abolicionistas e os interesses que determinaram a Lei Áurea.

Denuncia o racismo brasileiro e desmente a democracia racial. Mostra a participação do negro na formação da nacionalidade brasileira e nas lutas libertárias.

Enfim, o livro, constitui um documento a ser refletido por todos os brasileiros, porque trata com rara exatidão o preconceito contra o negro.

Carlos Alves Moura





Neste trabalho minucioso de focalização do negro no contexto brasileiro desde a sua chegada, variáveis relevantes foram devidamente apreciadas pelo autor, mostrando, através de uma linguagem objetiva e concisa, numa síntese, que a gama de dificuldades enfrentadas pelo negro no passado, aqui, ainda está presente na sua vida cotidiana.

A falta de preparação para a sua libertação a fim de que a assumisse com dignidade, apenas, trouxe-lhes conseqüências inexeqüíveis tais como: sua marginalização, seu descrédito, sua despersonalização, levando-o a ter vergonha de si próprio.

Apesar de ter sido o sustentáculo da economia brasileira no passado, de ter contribuído para a formação étnica da nossa raça, dada a conotação negativa que se mistificou em torno do negro, muitos dos supostos brancos brasileiros preferem não abordar assuntos que os obrigue a refletir acerca de sua própria origem.

O jovem jornalista Everton de Paula patenteia, numa denúncia calamitosa, que o preconceito racial acintosamente ainda está sendo demonstrado abertamente, entre nós, apesar das leis que o coíbem. O que as autoridades constituídas têm feito?

Oportunamente foi tratado neste estudo o Negro e suas crendices, suas lendas e ainda um retrospecto histórico das leis que gradualmente o libertaram da escravatura, mas não da pobreza, da incompreensão, não lhe dando, até hoje, o devido espaço na sociedade.

O livro Cartilha Raízes Brasileiras em questão é outra obra de grande porte de um autor que se preocupa com a interação das raças para o convívio humano, pacífico e progressista da sociedade brasileira.

Sem margem de dúvida, à sua frente está uma leitura agradável, interessante, comunicativa, que o colocará a par das nuances do sacrifício ou seja do que significa ser negro.

José S. Maia


Na época em que os africanos eram trazidos para o Brasil, como escravos, o continente africano apresentava uma divisão diferente da atual. Vindos em grupos, fazia-se reconhecer pelo traço cultural representado. De acordo com estudos apresentados por Sérgio Buarque de Holanda, sobressaíram dois grupos: bantos e sudaneses. Os bantos ou bântu era um grupo lingüístico que falava por milhões de africanos, dividindo-se em inúmeras línguas, em torno de 300 dialetos. Habitavam quase 2/3 da África Negra, desde o Camerum até o Sul, incluindo Angola e Congo de onde vieram a maioria dos escravos. Desse grupo e cujas línguas, Kimbundo e Kikongo, entre outras, são as que mais termos deixaram em nossa linguagem. Classificam-se ainda como bantos, os negros de Moçambique e colônias portuguesas da época. Os sudaneses, são povos que habitavam a região entre o deserto do Saara e o Atlântico (Golfo da Guiné), a chamada África Intertropical. Hoje corresponde aos países: Tchad, Niger, Sudão, entre outros. Os da Costa do Golfo: Nigéria, Benin (antigo Daomé), Togo, Gana (antiga Costa do Ouro), Costa do Marfim, estendendo-se até a Libéria, Serra Leoa, Guiné Bissau e Senegal. Esse grupo divide-se em dois (02), que muito contribuiu para a formação da cultura brasileira: os iorubás e os hauçás.
Os iorubás eram povos sudaneses, habitantes da região de Iorubá (Nigéria - África Ocidental), se estendia de Lagos para o Norte, até o rio Niger (Oya) e algumas cidades de Benin e Togo. Na Bahia foram conhecidos também como Nagôs, dominando social e religiosamente seus irmãos vindos de outras nações. Sua língua foi a mais falada, abafando os demais dialetos. Iorubá tinha como capital política "Oya" e a religiosa "Ifé", onde a humanidade foi criada, segundo os mitos. Os hauças, habitavam o norte da Nigéria, parte da República do Níger e em certas comunidades da África do Norte, Oeste e Equatorial. O dialeto "Kano" (da cidade de Kano que dizem ter mil anos) é aceito como padrão. Foi falada no Brasil, conhecidos também como malês ou muçulmis (refere-se a religião dos muçulmanos ou maometanos). Sua influência pode ser notada nos trajes e amuletos dos cultos afro-brasileiros, como lembra o professor Saul Martins. Também não se pode esquecer de que certos elementos desse grupo lideram vários movimentos de rebeldia, como a "Revolta dos Malês". A esse sub-grupo, o estudioso Arthur Ramos, denominou-se de guineano-sudaneses islamizados, ou negro-maometanos. O mapa apresentado é antigo e mostra as regiões de onde os negros vieram, e suas entradas no território brasileiro.

O desrespeito aos negros começa em sua própria casa, ao serem iludidos com propostas fantasiosas ou capturados de maneira desabusada, na África. Já nos porões dos navios negreiros, podiam sentir o que os esperava no Novo Mundo, no caso o Brasil. Durante a travessia do Atlântico, recebiam tratamento de animais: acorrentados, presos dois a dois, pelo pescoço, como bois na canga; alimentação precária, marcados a ferro para identificação. A morte era-lhes o único alívio. Ora provocada pelo banzo (estado emocional melancólico) ou pelo suicídio, atirando-se ao mar.
No final da viagem, a "carga humana", bastante reduzida pelo número de mortos, era comercializada pelos traficantes. Trazidos com exclusividade para serem explorados como mão-de-obra escrava, aos poucos iam substituindo o indígena, considerado pelos portugueses elemento não apto para certos tipos de trabalhos.
Existem teorias que levam a acreditar que o índio brasileiro veio de outras regiões do mundo, bem antes de 1500. Pela lógica, não seria ele o descobridor das terras? A exemplo do índio, o negro, como influenciador da construção econômica do Brasil (pioneiro na derrubada do pau-brasil; movedor da terra, plantando cana-de-açúcar, cultivando o café, explorando as minas de ouro, criando condições para Portugal explorar as riquezas e pagar suas dívidas à Inglaterra; participando ativamente nas guerras, defendendo nossos interesses; contribuindo de um modo geral para a formação cultural brasileira) não seria também merecedor de uma fatia do bolo? São duas raças, integrantes do processo de construção do país, que sempre foram consideradas inferiores e vivem marginalizadas. É justo que assim seja?
Em troca do trabalho prestado a esta terra, o negro vem recebendo o mínimo da classe dominante: recebe salários inferiores aos do branco; é discriminado na escola, no trabalho e em ambientes sociais. Você já viu como a propaganda, na maioria das vezes, relaciona o negro com o trabalho mais rude? Se ele aparece em um comercial de tevê, é na cozinha, no tanque, na favela ou pedindo esmola. Isto é comum nas publicidades do governo, em campanha para o "bem-estar social". As dificuldades enfrentadas pelo negro brasileiro são puro reflexo de seu passado, quando lhe foi negada a escolha de vida. Trabalhando em condições subumanas e sem receber pelo seu trabalho, ele não teve e não poderia ter outro destino senão o de ter um comportamento diferente na sociedade. Enquanto o branco prosperava economicamente, à custa do trabalho escravo, o negro entendia apenas o que era receber ordens, enfrentando a dor e a humilhação de um chicote. A sua libertação não lhe devolveu a dignidade, não ofereceu condições para um novo estilo de vida que ele passou a enfrentar, após a abolição. Como escolher um caminho, se não lhe deram condições? É como um pássaro que viveu numa gaiola por algum tempo. Livre, ele não saberá voar e fatalmente morrerá.

Na opinião do antropólogo Manuel Diégues Júnior, em "Etnias e Culturas do Brasil", não se pode dizer que a formação da cultura brasileira teve a participação pura do negro africano: "Quem passou a participar da formação brasileira não foi puramente o negro da África, mas o negro escravo". A descaracterização começa nos embarques nos portos africanos, na divisão dos grupos ou tribos, agravando-se mais com o desembarque no Brasil, quando famílias inteiras eram vendidas separadamente em atendimento ao pedido dos compradores, que procuravam, com isso, evitar o fortalecimento da rebelião em grupo. Com a convivência diária, os negros de regiões diferentes assimilavam certos elementos culturais e perdiam outros, sem se considerar a colaboração do branco em forçá-los a assimilar novos hábitos, deturpando sua cultura. Dessa mistura de costumes, surge o sincretismo e outros processos de vida. Por essa e outras razões o brasileiro foi tolhido de adquirir uma cultura genuinamente africana. Para o professor universitário de Maceió, coordenador do núcleo de Cultura da cidade - União dos Palmares (terra de Zumbi) - Zezito do Araújo, é na escola que se deve começar a conscientizar as crianças sobre o problema do racismo na nossa cultura. Com uma certa preocupação ele afirma: "As escolas de primeiro e segundo graus no Brasil são racistas. Elas menosprezam a contribuição negra na formação da cultura brasileira. Vemos como o aluno e o professor negros são vistos pelos colegas. Quando um negro tem um comportamento igual ao do branco ou ocupa lugar de destaque, é visto como um safado". Zezito cita um exemplo sentido na própria pelo:
"Quando eu era chamado para fazer trabalhos em grupos na escola, me davam as tarefas mais humildes".
A cultura negra é vista como fonte de divisas para o país. O carnaval, o samba, as mulatas, as festas religiosas com manifestações folclóricas e até os jogadores de futebol negros servem de cartão postal para promoverem o turismo no exterior. Se aqui sua posição é inferiorizada, lá fora, o valor é notado, como pude atestar em conversa com o ex-Ministro do Planejamento de Angola, Jofre Rocha: "Preservar e cultivar a cultura negra no Brasil é passo importantíssimo para os estudiosos africanos, para que juntos, africanos e brasileiros, possam reconstituir a cultura dessas duas regiões. Além do fato de ser o Brasil o reconstrutor do flagelo que derramou o sangue africano...".

Não se sabe precisamente o número de escravos trazidos para o Brasil. Alguns escritores estimam em dezoito milhões, enquando outros baixam para três milhões. A data de chegada dos primeiros escravos também não é muito precisa, possivelmente entre 1516 e 1526, época das instalações dos engenhos.
A princípio, as regiões receptoras de escravos foram a Bahia e Pernambuco, (local de plantações de cana-de-açúcar e lavoura de algodão). Da Bahia, os africanos eram levados para Sergipe; de Pernambuco, para Paraíba e Alagoas. Do Maranhão se espalhavam pelo Pará. Com a exploração da mineração, Minas Gerais atraiu a mão-de-obra escrava. Devido à expansão agrícola da cana-de-açúcar e do café, são requisitados para trabalhar nas terras fluminenses (hoje, Rio de Janeiro), abrangendo os cafezais paulistas. Com a queda dos engenhos nordestinos, muitos escravos foram vendidos para o Sul do País. A partir daí, de fazenda em fazenda, do trabalho na exploração das minas do Centro-Oeste ou em serviço doméstico aqui, ali, o negro foi-se espalhando e marcando sua presença em todo o País. A compra do escravo podia ser feita no local de desembarque como se fosse mercadoria. Eram eles escolhidos pelos dentes e pelo físico. Os jornais também eram utilizados, com anúncios de compra e venda de escravos, como registra o jornal "Diário de Pernambuco", do dia quatro de maio de 1835: "Vende-se ou troca-se negra muito boa lavadeira e vendedeira de rua, por uma que engoma e coza". A troca por animais ou objetos domésticos fazia-se bastante comum:
"... uma negra que saiba cozinhar e engomar ou um escravo que sirva de pajem, por uma canoa grande de carregar 1500 tijolos..."


O Nordeste, como porta de entrada do africano, tem em sua população o maior número de descendentes negros. Na Bahia, 80% e no Piauí, 82% da população têm pele escura. Por incrível que pareça, foi nessa região que encontrei preconceito racial mais acentuado. Na função de guia de turismo, presenciei situações chocantes, principalmente em Salvador. Cito apenas dois exemplos: o motorista de nossa excursão foi convidado "delicadamente" a fazer sua refeição na cozinha do hotel, de quatro estrelas, comendo um prato feito de comida amanhecida. Ao tomarmos conhecimento, indagamos o gerente do hotel o motivo da discriminação. Achamos que o motivo era das cortesias, permitidas pela Embratur, para a tripulação da excursão. Para nossa surpresa, nos foi esclarecido que "não fica bem um negro sentar-se ao lado do turista. Você não vê... são todos brancos...
Em um dos restaurantes típicos da cidade, foi proibido ao guia local sentar-se junto aos nossos passageiros, devido a sua cor. Alegou o mestre:

"__Você está trabalhando, come de graça, e depois pode algum "brancão" não gostar..."
Perguntei ao guia se ele não fazia valer a Lei Afonso Arinos (punidora de atos contra o racismo). Sua resposta foi a de quem já está acostumado com situações como essas: "__Se formos buscar em leis o nosso direito, teremos de lançar mão delas todos os dias. Além de ficarmos tempos aguardando soluções, nem sempre a denúncia é levada a sério. Mesmo assim, quem vai vencendo é geralmente o mais rico, que de réu passa a ser vítima. E, depois, o negro no Brasil não pode parar nem ficar manjado. Ele tem de dar duro, ou morre de fome, ou a polícia mete-lhe o cassetete". Enquanto no Nordeste brasileiro é visível o preconceito, no Sul do País, onde a população é abafada pelos descendentes europeus, não presenciei preconceito. Mas vale a pena registrar uma ocorrência envolvendo uma passageira mineira, que se recusou a fazer o city tour em Porto Alegre, colocando em dúvida a capacidade do guia local, simplesmente por ser ele um negro.
Procedência Étnica Denominação
1. Negro X Branco Mulato
2. Negro X Negro Crioulo
3. Negro X Índio Cafuzo (também chamado curiboca)
4. Negro Mulato Cabra
5. Pardo Descendente dos cruzamentos secundários entre mulato x mulato, crioulo x crioulo, mulato x mameluco (branco x índio) etc., ou outras tendências a cor escura

Há estudiosos que acreditam na influência da Revolução Francesa (1789) e da Rebelião dos Haitianos (1791) nas rebeliões dos escravos brasileiros. A pesquisa de Marco Morel ilustra essa influência, a começar pelos relatórios do Império enviados a Portugal, citando referências à rebelião haitiana. Vejamos alguns itens:
*Os escravos das fragatas francesas que aportavam clandestinamente no litoral brasileiro passavam informações sobre ambas as revoluções. Algumas dessas embarcações já tinham passado pelo Haiti. As notícias corriam de boca em boca, de forma a provocar rebeliões em diversos pontos do país.
*Sete anos após a Revolução Haitiana, acontece e Conjuração Baiana, chamada pelo historiador Afonso Ruy de "a primeira revolução social brasileira". A participação maior era de negros e mulatos, defendendo objetivos semelhantes aos das revoluções francesa e haitiana.
*Em 1984, instala-se a Confederação do Equador, em Recife. Os negros se agruparam e massacraram os brancos, em represália à atitude de D. Pedro I em mandar os ingleses reprimirem os republicanos, os quais haviam prometido liberdade aos escravos. Durante os conflitos, os rebelados entoavam cantigas assim:
"Qual eu imito Cristóvão / Esse imortal haitiano / Eia! imitar o seu povo / Ô meu povo soberano!"
*Em 1831, durante a queda do Império, é preso Cipriano Barata, conhecido como "malvado haitiano", defensor das ideologias de liberdade.
*Em 1835, 1500 escravos reivindicam a liberdade, cujo movimento ficou conhecido como a "Revolta dos Malês". Bem planejada, a guerrilha atinge desde o meio rural até algumas províncias como o Rio de Janeiro, provocando mudanças no sistema escravocrata.
*Em 1870, os abolicionistas José do Patrocínio e Luís Gama são acusados de "querer fazer do Brasil um Haiti".


As extensas áreas brasileiras e o aumento da mão-de-obra escrava ameaçavam o controle mundial do mercado açucareiro, até então dominado pelos ingleses. Mas a própria Inglaterra contribuía, sem perceber, para esse desenvolvimento, transportando os escravos da África para a colônia portuguesa. Não se pode esquecer de que uma das fontes enriquecedoras dos ingleses foi o tráfico de escravos. Quando os ingleses percebem o erro que estão cometendo, fortalecendo a produção de cana-de-açúcar no Brasil, eles passam a boicotar o transporte no Oceano Atlântico. Por volta da metade do século XVIII, já se fazia notar a revolução industrial na Inglaterra, com conseqüente aumento na sua produção de manufaturados. Essa expansão necessitava de novos consumidores para seus produtos. Os ingleses vêem na classe escrava uma fonte de consumo. Mas como pagar a mercadoria, se o trabalho deles não era remunerado? A única solução seria defender as idéias abolicionistas. Livres, eles receberiam pelo trabalho e teriam condições de comprar seus manufaturados.
Como primeira medida, os ingleses lançam mão da dependência econômica de D. João VI - rei de Portugal, exigindo deste a proibição do tráfico de negros para o Brasil, uma vez que essa medida não traria nenhuma conseqüência econômica à Inglaterra. Em franca expansão industrial, não mais precisariam do lucro obtido no tráfico de escravos. Aliás, só os beneficiaria, estariam livres do expansionismo da agricultura brasileira e protegeriam sua colônia na América Central, a Jamaica, da ameaça representada pelo Brasil, que concorre com ela no mercado de açúcar. A princípio, a proibição não foi legalmente cumprida, criando-se sérios atritos nas fiscalizações em navios no alto mar. Os ingleses, não satisfeitos, exigem do governo o cumprimento do trato. Esse, em obediência, sanciona a Lei Eusébio de Queirós, (1850), legalizando a proibição do tráfico negreiro.
Mas, com o passar do tempo, a aplicação da lei foi perdendo seu rigor e até hoje é comum ouvir denúncias semelhantes ao tráfico negreiro. Exemplificando, o jornal "A Gazeta", de Vitória, Espírito Santo, do dia 31 de dezembro de 1984, denunciou um fato que nos fez remontar ao tempo da escravidão: negros africanos estariam sendo enganados pelos comandantes de navios, com propostas de uma vida melhor na América. Após o embarque, eles são forçados ao trabalho escravo; como denunciaram cinco africanos, "is capitães de navios são verdadeiros feitores de escravos". Fatos como esse foram denunciados também em Santos, São Paulo. Foi revelado ainda que, após a limpeza do navio, são atirados em alto mar. Um deles relatou à polícia paulista como conseguiu escapar com vida:
"Os marinheiros jogavam tambores para nos auxiliar. Fazíamos um longo percurso até a praia".


Com a proibição do tráfico, a lavoura sofria acentuada queda, por falta de mão-de-obra. Os produtores, ameaçados, apelavam para a imigração dos colonos europeus. Na ânsia de resolver seus problemas, produtores defendem a mão-de-obra livre para salvar a situação. Aderem ao sistema de trabalho remunerado ou do meeiro (empregado planta nas terras do patrão, dividindo a colheita) Acreditam esses senhores que, com o trabalho dos colonos, iriam economizar, sob alegação de "um colono valer mais que três escravos"; alem disso havia outras vantagens, como:
*poder dispensá-los quando desejassem;
*não ter responsabilidade para com eles durante todo o ano;
*evitar gastos na captura de escravos fugitivos;
*acabar com os constantes atritos entre escravos/patrão;
*não ter encargos na velhice;
*não sofrer opressões como exploradores de mão escrava.

E o escravo, como ficaria diante dessa situação? Dispensado como empregado, sem carteira assinada, sem direito ou a quem recorrer, era colocado à margem da sociedade. A situação ficou pior. Antes, pelo menos tinha alimentação e moradia. Muitos se viram obrigados a se desdobrarem no trabalho, mostrando produção, impressionando o patrão para não perderem o emprego. Aqueles sem condições físicas perdiam o direito ao trabalho para os colonos. Vivendo na miséria ou dos restos de comida dos ex-senhores. A feijoada, que se tornou um prato típico brasileiro, exemplifica essa situação. É que as sinhás jogavam fora certas partes do porco, como rabo, pé, orelha, focinho. Essas partes eram aproveitadas pelos escravos, cozinhando-as no feijão. Surge então a feijoada.

Em 1870, o Brasil era o único país que adotava o regime de escravidão. O governo sofria sérias pressões externas. Para amenizar a situação, foi aprovada a Lei Rio Branco, conhecida como Lei do Ventre Livre (1811), visando a liberar todos os filhos de escravos nascidos a partir da sua aprovação. A propósito, toda essa farsa não passava de um engodo para beneficiar o patrão, já que os filhos do escravo continuavam mesmo sob sua tutela ou do Estado, prestando serviços da mesma forma. Essa lei interrompeu o ciclo de manifestações abolicionistas, por algum tempo. Mais tarde é reativado o movimento quando o deputado baiano Jerônimo Sobrê cobra dos abolicionistas maior empenho. Isso resulta no surgimento, no Rio de Janeiro, da Sociedade Brasileira Contra a Escravidão e do jornal "O Abolicionista". Em São Paulo, o movimento se multiplica, enquanto os jornalistas antiescravistas estampavam manchetes a favor do escravo.
Terminada a guerra do Paraguai (1870), os militares aderiram às propostas abolicionistas, tornando-se o Marechal Deodoro da Fonseca o mensageiro de um manifesto ao governo, pondo fim à colaboração que prestavam na captura dos negros fugitivos. Essa atitude ocultava outros interesses, não passando de uma provocação dos militares à monarquia, pois, pouco tempo depois, Deodoro proclamava a República.

Tentando aplicar outro golpe nos movimentos abolicionistas, o governo cria a Lei Saraiva-Cotegipe (1885), ou seja, a Lei dos Sexagenários, libertando todos os escravos com mais de 60 anos de idade. Essa lei favorecia mais o patrão do que o escravo. Depois de lhe sugar todo o potencial, mandava-o embora de mãos vazias.

Aproveitando a situação, a Inglaterra, movida pelo desejo comercial, passa a fortalecer o pensamento da abolição, criando sérios problemas para o governo. Entretanto, os ingleses usavam a causa humana como poder político em benefício de interesses econômicos. Sufocado, o governo provisório da Princesa Isabel cede, assinando a Lei Áurea, acabando com a legislação da escravidão no Brasil, em 13 de maio de 1888. O fim da escravidão no Brasil não significou uma ação de bondade por parte do governo. Resultou da soma das pressões internas e externas. A Lei Áurea, na verdade, livrara o negro da escravidão legalizada, mas não lhe ofereceu recursos para se livrar da dependência econômica e financeira. Mais uma vez, os benefícios caíram nas mãos do governo e dos senhores, que não o recompensaram do trabalho prestado ao longo de sua vida, nem lhe garantiram o engajamento na sociedade, como defendeu o pesquisador de assuntos afro-brasileiros Edilson Carneiro, ao tratar da Lei Áurea: "foi a pior de todas as leis sobre o negro, pois só contribuiu para a marginalização dele".
A presente situação do negro, na segunda nação negra do mundo, reflete a verdadeira realidade do passado.

Revolta dos Malês = De acordo com explicações do historiador Décio Freitas, "malê" é um termo "revestido de um cunho pejorativo". Foi uma forma que os brancos encontraram para designar o movimento dos escravos na tentativa de tomar o poder.


A história de São Tomé das Letras, cidade no Sul de Minas, começa em 1770, com a construção da igreja, tendo como padroeiro esse santo. Corre na cidade um ar de mistério, depositando entre as pedras uma lenda, para aqueles que a visitam para saber do seu passado. Sabe-se que, nessa região, foi grande o sofrimento dos escravos. Fugiam para os morros do Leão e Gavião, evitando os maus tratos. João Antão foi um deles. Viveu 18 anos numa gruta, até o dia em que lhe apareceu um jovem bem vestido, esbanjando sabedoria. Ao ver o moço, Antão perguntou:

__Uai! quem é vois mecê?
Não obteve resposta. Logo o visitante indagou:
__Você mora aqui? Por quê?
__Fugi da casa grande. Sinhô me çoitava inté virar *mulambo. Depois, banhava na salmora, ordenando nego ficar quarando no sol. Doía de indoidar.

Atento às falas do escravo, o moço parecia imaginar quanto seus companheiros de senzala estariam sofrendo. Agoniado, escreveu um bilhete e chamou Antão:

__Vá entregar este bilhete ao Quincas Areão.
__Mas s s s!!! moço. quando sinhô vê eu com esse trem na mão vai fazer de mim *tilambo.
__Não! ele não vai mais fazer isso. Espere para ver e crer.

Antão, num embalo, saiu em disparada com medo de perder a coragem. Chegou à fazenda ressabiado. Entregou o bilhete ao patrão. Esse ficou assustado ao ver o escravo, leu o tal bilhete, abrindo uma boca de todo tamanho e exclamando:
__Uai, pensei que tinhas servido de alimento para as onças. Quem é esse fulano?
__Não sei, apareceu lá de repente.
__Lá onde?
__Na *ribeira do morro, donde fica a gruta.

Chegando no local, não encontraram ninguém. Apenas uma imagem de São Tomé. Imaginou:
__Foi São Tomé, ele veio mostrar-nos que não há distinção de cor. Somos todos iguais, portanto merecemos o mesmo tratamento, respeito e dignidade.
Desde então, Quincas mudou seu comportamento junto aos escravos.

As primeiras sementes a favor da liberdade foram plantadas pelos próprios escravos. Começaram a germinar logo na sua chegada. Era uma forma de eles mostrarem sua rejeição ao sistema opressor. Revoltados, fugiam, criando suas nações independentes e livres. Esses redutos tinham base política, econômica e social igual à das nações africanas. Algumas alterações são notadas devido abrigarem brancos e índios, não concordantes com as leis dos senhores. Inicialmente, na Bahia, recebiam o nome de mocambos (derivação de mukambu). Depois, passaram a denominar-se quilombos (derivação de quimbundo). Normalmente surgiam em lugares que ofereciam proteção, como nas cumeiras das serras, ou próximo, facilitando que se avistassem os inimigos. Foram muitos os quilombos nas mais diversas regiões do país. Poucos foram historiografados. Hoje torna-se difícil a pesquisa, devido ao fato de o tempo ter apagado seus resquícios.
No município de Campos do Jordão, no Vale do Paraíba, em São Paulo, existe uma "Gruta d o Crioulo", conhecida como reduto dos escravos fugitivos. O morro do Espia, no município de Ibiá, no Alto do Paraíba, em Minas Gerais, foi outro quilombo que poderia revelar fatos importantíssimos para a história do país. O Morro do Espia localiza-se na fazenda que leva o nome do escravo líder do quilombo: Ambrósio. Na região, correm de boca em boca várias lendas e encontra-se muita gente de cor. Seu Antônio da Silva, 76 anos, esposo de D. Silota, com oito filhos, relembra vagamente fatos como esses:
"Oh moço! eles conta que no morro morava os nego revortoso. Fugia para lá e ficava em liberdade. Ambrósio, o chefão da turma, ficava espiando no arto. Quando vinha os tropero carregado de oro, trocava tucaiado no pé do morro. Na ora que eles tava perto, es vap! atacava e robava. Es conta que lá tem munt'oro enterrado por perto".
Apesar do tempo, podem-se encontrar pedaços de objetos da época. Sô Antônio conta de uma roda que ele encontrou:
"__Viajei por esse mundo abaxo. Encontrei uma roda duma grandeza e da artura de um pé de mamão arto. Dis que era dos nego artero tomar lambada". (Pelas explicações, deve ser uma roda d'água onde amarravam os escravos. Ao girar, afogavam-se os castigados.
"__E de seus pais, o senhor se lembra?" Ele suspira, deixando estampar sua saudade e desabafa:
"__Meu pai foi escravo e dos valentão! Es tinha medo dele. Trabaiado. Gente ninhuma pudia com ele na ferramenta. Os fazendero cubiçava o trabaio dele. Foi vendido de uns fazendeiro pro outro, quando lá no Biá (Ibiá) ainda era São Pedro de Arcântara".
A morada dos escravos fugitivos era ao pé do morro. Nota-se que eram bastante precavidos. Ao redor de suas moradias, fizeram uma vala em forma de círculo que pode ser vista e deduzir-se a profundidade e largura. Provavelmente de dia usavam "pinguelas" para passagens, à noite retiravam-nas evitando a entrada de inimigos. Não há um estudo para mostrar se eles viviam na região ou vinham de outras localidades. De acordo com explicações de um dos herdeiros da fazenda "Ambrósio", Alexandre Alves Ferreira, provavelmente as tropas saqueadas vinham das regiões mineradoras:
"__As caravanas assaltadas provinham das regiões mineradoras de Minas. Passavam por aqui em direção a Goiás, na época sendo desbravado. Ou então, poderiam estar trazendo o ouro encontrado nas minas goianas".
O ouro adquirido pelos escravos era colocado num tacho e enterrado, (de vez em quando alguém cisma de cavucar no local, esperançoso de encontrar o tesouro). Segundo a lenda, Ambrósio revelava que tinha um objetivo com o ouro:
"__Comprar um navio e voltar para a África".
Contam também que os viajantes saqueados eram jogados no rio. Ao serem lançados na água gritavam por misericórdia; então, o rio passou a chamar-se Rio Misericórdia. Por duas vezes os bandeirantes investiram contra o quilombo. Acredita Alexandre que "as tropas vinham de Pitangui", na época, região mineradora e de muitos bandeirantes. A primeira expedição não teve sucesso. Os escravos perceberam-na e fugiram. Obtiveram êxito na segunda, conseguindo massacrar o grupo. Quem sabe a vida de Ambrósio não o revelaria um outro líder como Zumbi?
Um dos poucos quilombos documentado pela história foi "Palmares". Sobreviveu entre 1630 e 1695, na Serra da Barriga (hoje tombada pelo Patrimônio Histórico no Estado de Alagoas, na divisa com Pernambuco). Palmares começou a formar-se com a invasão dos holandeses em Pernambuco. Os negros aproveitaram-se da confusão, fugindo e organizando-se num ponto estratégico do Estado. Em 1665, acontece o primeiro ataque a Palmares, exatamente quando nascia o futuro líder das povoações palmarinas. Zumbi. Entre os prisioneiros estava esse bebê. Ele foi dado de presente ao padre português Antônio de Mello, que o batizou com o nome de Francisco. Aprendeu a ler com facilidade e serviu como coroinha na paróquia de seu criador. Aos 15 anos, rebelou-se contra a maneira pela qual foi criado, fugindo para o Quilombo dos Palmares.
De uma capacidade extraordinária, Zumbi, tornou-se chefe dos palmarinos. Casou-se com D. Maria - uma branca. Há duas versões sobre esta união: a primeira alega ter sido ela roubada pelos negros; a outra diz que Maria acompanhou Zumbi espontaneamente. Depois de muitas lutas pela liberdade, Zumbi foi morto no dia 20 de novembro de 1695 (atualmente comemora-se nessa data o Dia Nacional da Consciência Negra), traído por um amigo que o entrega aos inimigos. Sua cabeça foi cortada e exposta em praça pública como aviso aos revoltados. Se da semente lançada contra a opressão germinou a democracia nos quilombos, Ambrósio e Zumbi serviram de adubos às raízes dessa semente, que mais tarde deu, como frutos, a liberdade.

De acordo com informação do antropólogo Saul Martins, toda lenda tem origem num fato histórico. Caso contrário, passa a ser conto. Para ilustrar essa opinião, descrevemos a lenda de Chico Rei que, segundo alguns indícios, foi o criador do Reinado no Brasil. Chico Rei, batizado com o nome de Francisco Lisboa, foi rei africano. Governou durante muito tempo no Sul da África até ser trazido para o Brasil como escravo.
Nas primeiras décadas do século XVIII, o território de Chico Rei foi invadido pelos portugueses. Prenderam-no com a família e toda a sua corte. Jogados nos porões dos navios negreiros, vieram para o Brasil. No caminho, morreram muitos, salvando-se da família apenas Chico e seu filho mais velho. Na chegada ao Rio de Janeiro, eles foram vendidos para os mineradores de Vila Rica do Ouro Preto, em Minas Gerais. Por sorte Chico e seu filho foram comprados por um só dono. Esse senhor dava folga aos escravos mais produtivos aos sábados e domingos. Chico mostrou serviço logo no início, sendo contemplado com as folgas. Nesses dias, ele vendia seu trabalho ao próprio patrão, na mineração ou na lavoura. O que ganhava tinha uma única finalidade: comprar sua liberdade, o que conseguiu depois de dois anos. Alforriado, vendia seu trabalho a um português. Tornou a mina do português umas das mais produtivas de Vila Rica. Como prêmio, ganhou o direito de minerar aos sábados em seu benefício. Com o ouro comprou a liberdade de seu filho. Juntos, compraram a liberdade de outros negros e formaram uma espécie de cooperativa de escravos alforriados.
O prestígio de Chico Rei crescia na região. Com sua simpatia, ganhava amigos brancos e negros. Os brancos lhe ofereceram a exploração de uma mina inativa. Sua sorte brilhou novamente, conseguindo enriquecer-se nesta mineração. Chico Rei casou-se com uma filha de congolês. Construiu a Igreja de Santa Efigênia em louvor a Nossa Senhora do Rosário, em Ouro Preto. Criou a irmandade dos pretos. Antes do trabalho, reunia-se com seus amigos para rezar em coro. Os padres, sentindo sua devoção, ajudam-no a criar sua corte real, acompanhada da Guarda de Congo ou Reinados.
Com sua opulência Chico tornou-se Rei da guarda. Aos domingos aprontava a corte real: de coroa de ouro na cabeça, de mantas bordadas, ao lado da esposa; o filho o protegia com a umbela bordada com franjas de ouro e carregada por mucamas. Na frente, os tocadores de instrumentos e dançantes abriram caminho para a corte passar. As mulheres empoavam os cabelos com ouro. Subiam o morro para assistir à missa na igreja construída por Chico. Terminada a cerimônia, as mulheres lavavam as cabeças na pia bastimal com água benta, deixando as riquezas para a irmandade. A corte mantinha-se ordeira e pacífica, ganhando a confiança dos senhores. Com isso os escravos de melhor comportamento tinham permissão para fazer parte da corte do Chico Rei, nas horas de folga. O reinado de Chico Rei espalhou-se pelo Brasil. Com influência do branco e dos índios, foram-se criando outros grupos, como os moçambiqueiros, a marujada, a caboelada e os catopês. Hoje essa tradição é mantida, principalmente no interior de Minas Gerais.

Com esta frase, extinguia-se a escravidão na província do Ceará, quatro anos antes da Lei Áurea. A colonização do Ceará deu-se pouco mais de um século após o descobrimento. Os colonizadores tencionaram transformar a região num vasto pasto para gado. Mas como, se faltava mão-de-obra? O recurso era lançar mão do trabalho escravo do indígena. Os índios desempenharam bem o papel de vaqueiro. O problema surgiu quando rejeitaram os maus tratos. Com o apoio dos padres fugiam, causando sérios prejuízos à economia. Para evitar as constantes crises, os exploradores copiaram o sistema das outras províncias: utilizaram a mão-de-obra negra. Em algumas províncias brasileiras, os negros superavam a população branca. No Ceará, ao contrário, a população negra era relativamente pequena. Com o crescimento das pressões em prol da liberdade, ficaria fácil para aquela região solucionar o problema da mão-de-obra, caso houvesse extinção da escravidão. Surgiam as primeiras idéias libertárias. Uma das mais notáveis partiu de José Mariano, pai do romancista José de Alencar. Ele defendia a substituição da exploração escrava pelo trabalho de colonos estrangeiros.
A 22 de março de 1850, o deputado e jornalista Pedro Pereira da Silva Guimarães apresentava no Congresso Nacional um projeto visando à redução do trabalho escravo, a começar pela libertação dos filhos nascidos dos escravos. O projeto não sensibilizou seus companheiros. Os senhores de engenho negaram qualquer colaboração à aprovação. Passando essa etapa, a seca castiga o Ceará, sobrando para os serviçais a parcela maior de sofrimento. Lutavam contra a fome, a peste e desordem, causando insatisfação aos abolicionistas. Criam, então, a "Sociedade Perseverança e Porvir", em 1879, objetivando proteger os escravos. Entre os benefícios, alforriá-los. A primeira atitude foi comprar a liberdade de uma escrava de 10 anos. Houve ampla repercussão nas camadas poderosas. As mulheres abolicionistas angariavam mensalidades, doavam suas jóias, promoviam leilões com as mesmas finalidades. No dia 8 de dezembro de 1880, instala-se no Centro de Fortaleza a "Sociedade Cearense Libertadora", tendo como lema: "um por todos, todos por um". No ano seguinte era fundado o jornal "Libertador", de linha agressiva aos escravistas da região. Num de seus exemplares publicava: "que a sua missão era de amor, mas não vinha trazer a paz, (...) que a liberdade só se combatia com a espada, porque a tirania não cedia à razão e nem conhecia o direito".
Durante o intervalo de uma peça de teatro, Pedro José Artur de Vasconcelos convenceu os espectadores da necessidade da libertação dos negros. Os jangadeiros, liderados pelo mulato Francisco Nascimento, o Dragão do Mar, apoiaram o movimento. Eram peças importantíssimas neste movimento, transportavam os escravos dos navios até a praia onde eram vendidos. Por outro lado, o povo se alinhava com as idéias abolicionistas. Na noite de 26 de janeiro de 1881, ancora no Ceará um cargueiro de escravos. Os comerciantes estavam eufóricos, pois ansiavam pela mercadoria. Mas, para surpresa geral, os jangadeiros boicotaram o transporte da mercadoria humana até as praias, onde os negros seriam vendidos. O povo, de prontidão na praia, apoiava os jangadeiros, dando-lhes força e impedindo qualquer ameaça dos policiais. A polícia perdeu o controle diante de aproximadamente 1500 pessoas que gritavam:
"__No porto do Ceará não se embarcam mais escravos!!!"
Os traficantes revoltados mandam dizer aos promotores da manifestação:
"__Ou os escravos embarcam ou corre sangue".
A resposta veio imediatamente:
"__Pois que corra sangue!"
A situação foi acalmada por algum tempo. Os traficantes, aproveitando-se da situação, intimidam os jangadeiros para realizarem o transporte. Não foram bem sucedidos. O inspetor da alfândega e o agente da Polícia Militar da Marinha aderem às idéias libertárias. Jataí, Bezerra e Isac, conhecidos como "os mosqueteiros", se encarregam de planejar a fuga de outros escravos amontoados no galpão. Combinam com os próprios negros colocarem fogo no capim. A população se prontificou a dar alarme do incêndio. Na algazarra, as portas foram abertas, facilitando a fuga deles. O plano deu certo. O povo saudava o "Dragão do Mar". Ele convencerá seus amigos a manter o trato, não transportar mais escravos nos portos cearenses enfatizando:
"__Não há força bruta neste mundo que faça abrir o tráfico negreiro".
Os boatos corriam pelo interior, fortalecendo os movimentos pró-liberdade. A cidade de Redenção foi a primeira a dar o exemplo de abolição no país, em 1883. O jornal "Libertador" estampava em suas páginas: "Dentro em poucos dias a Princesa do Norte será a primeira capital livre do Império. Então poderá se repetir a frase da imprensa da Corte portuguesa, o Ceará é a terra da Luz".
No dia 25 de março de 1884, a luta tem sua glória. O povo bradou: "A província do Ceará não tem mais escravos!!!"
A abolição concretizava-se em toda a província. Nascida do povo para o povo. De baixo para cima. A notícia corria mundo. De Londres, o abolicionista Joaquim Nabuco emitia seu parecer: "O que o Ceará acaba de fazer não significa, por certo ainda, o Brasil da Liberdade; mas modifica tão profundamente o Brasil da escravidão". A libertação dos escravos no Ceará repercutiu em todo o país. Fortaleceu ainda mais os movimentos pró-liberdade. Sufocou os escravocratas, deixando-os de sobreaviso. Também revelou mitos como o "Dragão do Mar". Quem sabe, um dia a história o revelará como um dos responsáveis pela abolição no Brasil? Você não acha? Libertados (?) os negros, tiveram de lutar contra outras bandeiras escravistas: a sobrevivência e o preconceito.

Conta-se nas estâncias do Rio Grande do Sul a lenda segunda a qual um estancieiro costumava explorar os serviços de um negrinho de forma a satisfazer seus caprichos de mandão. A bravura do gaúcho só poderia ser igualada à de um burro desamestrado. Suas ordens eram sempre além das possibilidades do guri: campear tropa de gado e cavalo sozinho, trabalho de gente grande. E aí dele se acontecesse algo de errado com os animais: castigava-o na base do relho. Apesar de o Negrinho do Pastoreio não ser batizado, ele mesmo escolhera Nossa Senhora como madrinha. Nas situações difíceis, rogava por sua proteção. Numa das poucas tardes de inverno nevoento, época em que os raios desfalecidos do sol desbotado lambiam a neve tímida no cume dos montes, provocando lágrimas em filetes, formando corredeiras pelos vales entre os morros, soou da casa grande um berro tão forte que o sabiá na porteira procurou logo abrigo, pensando ser um deslocamento de nuvens.
"__*Piá vemmm... cáaa..."
"__Lá vem ordem. E só o que o sinhozinho sabe fazer".

Ao chegar à varanda, ouviu do estancieiro:
"__Amanhã vou correr pelos pampas do oeste. Quero o cavalo *baio, arreiado na porteira, bem cedo. No mas vou atolerar seus retardos. Ouviu, tchê!".
__Sim, sim, sinhô. Tá escutado".
Preocupado ele voltou ao seu alojamento para descansar, já que o dia seguinte seria muito trabalhoso. A noite caminhava para a madrugada, quando o guri se pôs de pé. Acendeu o lampião, armou o laço, e antes que a madrugada fosse domada pelo clarão da aurora, saiu montado num pangaré *rengueado. Andou, andou léguas e mais léguas sem encontrar a encomenda do patrão. Cabreiro como cavalo *bagua, voltou à estância:
"__Sinhô, campeêi por toda banda, nada fez topá com o baio".
O sangue nervoso subiu à cabeça do mandante.
"__Barbaridade, tchê! Vou procurá-lo. Se encontrá tu vai levá um *laçaço de invejá sovaqueira *perebenta".
O negrinho tremeu igual papagaio depenado no poleiro em dias de frio.
"__Vamo, vamo lá deixa de tremer, alma penada", ralhou o gaúcho.
Saíram os dois às galopadas. Por azar, encontraram o cavalo pastando num brejo.
"__Tu é mais cego que curiango no relâmpago", exclamou o patrão, cuspindo marimbondo.
"__Olhei tudo, sinhozinho com esses óios que a terra vai comé".
"__Tu vai ver quem há de comer seus zoinhos, piá!"

Amarrou os pés e mãos do menino com cipó. Deu-lhe chicotadas até o sangue correr pelo corpo.
"__Isso é pra tu ficar mais esperto, tchê!"
Enquanto isso o menino rogava:
"__Valei minha santa fada madrinha!!!"
Desfalecido foi jogado no formigueiro.
Passaram-se dias, o gaúcho voltou ao local, deparando com o corpo mutilado de picadas das formigas. Arrependido pelo feito, deu uma de pecador arrependido: peca, peca sempre, na esperança de a confissão limpar todas as manchas. Daí nasceu a lenda de que o menino foi para o céu e hoje a sua alma anda galopando pelos pampas do sul, com os olhos arregalados, procurando o amor e a felicidade, ou objetos perdidos de bondosas pessoas. Quanto ao gaúcho, grosso que nem tarugo de *pipa, cada um lhe deseja o que merece.

Nasceu em Angola, na África, onde era membro de um principado. Veio parar na Bahia, vivendo livre até se tornar moça bela e formosa. Seus dotes físicos despertavam interesse nos feitores que a cobiçavam e lhe roubavam o sossego. Certo dia, trabalhando na moenda de cana, não se conteve e adoçou o paladar com um torrão de açúcar. Contudo, seu gesto foi isto pelo feitor de sua ala, que penalizou-a com uma mordaça.
A partir de então, passou a colecionar sofrimentos: tornou-se reprodutora de futuros trabalhadores para a lavoura e era obrigada a amamentar os filhos dos "senhores feudais". Mas o trabalho e os castigos não diminuíam sua beleza que provocava despeito entre as "sinhás", a ponto de uma delas, acreditando-se traída por Anastácia, ordenar que colocassem um ferro de tortura em seu pescoço. Esse castigo provocou sérios ferimentos em Anastácia, resultando numa gangrena. Ao saber dos ferimentos da criada, seu amo levou-a para o Rio de Janeiro, para tratamento médico. Nada mais pôde ser feito devido ao agravamento da doença. Como sempre acontecia, o remorso ou a compaixão era sentida pelos senhores somente quando o resultado de sua maldade atingia o extremo: a morte. Morte que chegou cedo para Anastácia, sendo enterrada com honras (?) de escrava liberta, na Igreja dos Negros Forros do Rio. Hoje, conhecida como Mãe Preta, ela é venerada no Museu do Negro, no Rio (fica na parte superior da Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito - Rua Uruguaiana) ao lado da estátua funerária da princesa Isabel e de seu esposo, Conde d'Eu. É com esta oração que os seus devotos acreditam ser ouvidos por ela, em seus tormentos; colocam-se diante do busto da ex-princesa e escrava, à entrada do museu e pedem sua ajuda:
"__... pedimos-te... roga por nós, protege-nos, envolve-nos teu manto de graças e com teu olhar bondoso, firme, penetrante, afasta de nós os males e os maldizentes do mundo..."

A palavra candomblé provém bantos da África: Ká-n-dómb-él-é. Significa: culto, louvor, reza, inovação e é o nome também dado aos lugares onde é praticada a cerimônia. Apesar de ser difundido em todo o Brasil, é na Bahia onde o candomblé tem sua ascensão. Embora siga uma uniformização, o candomblé difere de acordo com as nações de onde vieram os escravos. Encontram-se na Bahia rituais das nações:jeje, ijexá, hauçás, cabinda, keto (o de maior número) caboclo (influenciado pela pagelança-indígena). Para os baianos, o local onde são realizadas as cerimônias religiosas chama-se roça ou terreiro. Geralmente o barracão do orixá tem um altar (peji). É obrigatório haver uma árvore sagrada, o ioko ou gameleira branca. O salão das cerimônias abertas ao público é simples: algumas cadeiras ficam de frente para o trono da autoridade-maior-do-recinto, a ialorixá (mãe-de-santo) ou do babalorixá (pai-de-santo). Hierarquicamente, são as funções dos elementos no templo: Kekerê - mãe pequena, na falta da mãe-de-santo e assume; Ebomins ou Ebâmi - pessoas com mais de sete anos e candomblé; Laôs - pessoas iniciadas com mais de três anos; Abians - as pessoas que vão iniciar na doutrina; Dogans - espécie de braço direito da mãe-de-santo; Ogãs, Ekedes - são pessoas escolhidas para servir aos orixás; Ajibonás - ajudante da mãe-de-santo; Alabês - tocadores de atavaques; Akirijebós - são ocupados por pessoas carregadeiras de despachos para "arriar" em lugares indicados.

Os orixás de origem africana assemelham-se aos santos da igreja católica. Têm como função intermediar entre o homem e o Deus supremo do candomblé, que recebe o nome de Olórum. Acreditam os candombleiros que Olórum foi o criador do mundo, portando identifica-se ao Deus da Igreja Católica. Notamos algumas semelhanças no processo de beatificação dos santos católicos aos orixás. No catolicismo, geralmente a biografia dos santos relata uma vida de aceitação do sofrimento sem revolta, às vezes pagando a penúria na prática de bondade, resultando na prática de milagres. Entretanto, no candomblé esses valores são notados nos orixás, mas salientam mais a sabedoria de um modo geral: poderes d desvendar os mistérios do homem e universo; o conhecimento astrológico, psicológico; a feitiçaria tanto na prática do bem como do mal; muitos tiveram cargos de poder como reis, rainhas ou heróis divinos.
Na prática os orixás simbolizam as forças elementares da natureza: água e terra, ar e fogo, além dos fenômenos naturais: trovão, tempestade, arco-íris, relâmpago e vento, os quais protegem as atividades econômicas primordiais do homem primitivo; caça, agricultura e mineração. Alguns têm poderes para curar e evitar doenças epidérmicas tais como a varíola. Na África, eram cerca de 600, para o Brasil foram trazidos talvez 50, que estão reduzidos a 16 no Candomblé, dos quais apenas oito passaram à Umbanda. Nas duas seitas, esses orixás podem variar de nomes e qualidades, como também podem identificar-se com santos católicos diferentes, dependendo muito da região africana de que foram trazidos para o Brasil, através dos escravos.

Na África é conhecido como Obatalá, responsável pela criação da humanidade. Filho de Olorum, do qual recebeu poderes para governar o mundo. É identificado como o Senhor do Bonfim, filho do Deus católico, o mais cultuado na Bahia. Sua vida é dividida em duas formas: Oxaguiã - mocidade - foi guerreiro cheio de vigor e nobreza; Oxalufã - velhice - dotado de bondade, é apresentado curvado pelo peso dos anos, apoiado num cajado .Segundo o frade carmelita Elizeu Vieira Guedes, do Convento do Carmo da Bahia na elaboração do "Mapa da Divina Procedência" os signos do zodíaco têm relação com o Candomblé. Levando em conta esse estudo, Oxalá rege o signo de Leão, regendo a estrela Sol.
Filho de Oxalá e Nanã. Orixá das doenças de um modo geral, tanto pode distribuí-las como curá-las, depende de como é cultuado. Tido como médico dos pobres. Em muitos candomblés, seu peji é fora de casa, devido a seu caráter temível. Identifica-se com São Lázaro (ás vezes São Roque e São Bento). Rege o planeta Plutão e o signo é Escorpião.
Na Bahia, lembra Sant'Ana (em outros lugares sua semelhança é com Santa Bárbara ou Nossa Senhora das Candeias e outras). Considerada a mais velha orixá das águas; talvez por isso seja bastante cultuada na morte. (No Norte e Nordeste, nas cerimônias fúnebres, dedicam-lhe cantigas. Em certos mitos, aparece como "mãe-primitiva" dos gêmeos Nawu (feminino) e Lissa (masculino), casal gerador da humanidade. (Estudos autorizaram-me a pensar na semelhança com Adão e Eva, os precursores da humanidade, segunda a Igreja Católica). Planeta: Lua. Signo: Câncer.
Mãe de todos os orixás e rainha das águas salgadas. Dela são descendente 15 orixás. Casada com o fundador de Oyó, capital do reino Iorubá/África. Representa a gestação e a procriação. Identifica-se com Nossa Senhora da Conceição. No zodíaco, é Neturno e Peixes.
Segundo os seguidores lembra São Bartolomeu. É representado por uma serpente (na África o arco-íris é visto como uma grande serpente das profundezas que vem beber o céu, sendo também representado por uma serpente mordendo a própria cauda, simbolizando a eternidade e continuidade). Durante a metade do ano é mulher, na outra torna-se homem. No zodíaco é Urano e Aquário.
Poderoso, dizia lançar fogo pela boca. Foi o quarto rei de Oyó - (capital de Iorubá) na Nigéria/África Ocidental. Comanda o raio e o trovão. Distribuidor da justiça, tinha três esposas. Filho de Oxalá, identifica-se com São Jerônimo. Zodíaco: Saturno e Capricórnio.
Foi a primeira esposa de Xangô. Única orixá capaz de enfrentar os espíritos dos mortos - os eguns. Muito sensual, autoritária e apaixonada. Foi divindade africana, rainha guerreira, dona dos ventos, raios e tempestades. É conhecida em todo o Brasil pelo nome de Iansã, embora o de Oyá seja conservado nos terreiros de nagô. (nome dado, no Brasil, ao grupo de escravos sudaneses procedente do país Iorubá). Identifica-se com Santa Bárbara. Zodíaco: Vênus e Libra.
Segunda esposa de Xangô, portanto uma das rainhas de Oyó. Chamada carinhosamente de "Mamãe Oxum", é orixá das águas doces, muito faceira e vaidosa. Na Bahia, identifica-se com Nossa Senhora das Candeias e Nossa Senhora da Conceição, além da Virgem Maria. No zodíaco é Vênus e Touro.
Lembra Joana D'Arc. Tornou-se a terceira esposa de Xangô, sendo a menos amada. Diz a lenda que foi enganada por Oxum, acreditando no conselho de cortar a orelha e colocar na sopa de Xangô, na esperança de reviver o seu amor. O resultado foi contrário, pois Xangô repudiou-a. Quando aparece nas festas, é para brigar com Oxum.
Tem o título de "Rei de Ketu" (antigo reino da África Ocidental). Protetor de Odé (caçador), usa chapéu de vaqueiro, às vezes carrega uma espingarda. Lembra São Jorge; já no Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul é identificado como São Sebastião. Zodíaco: Júpiter e Sagitário.
Seu sexo difere em certos terreiros. Identifica-se com São Benedito e quando dança apóia-se numa perna só. Protege a medicina e as folhas, pois sem essas nada se pode fazer nos cultos afro-brasileiros; as folhas sagradas são indispensáveis para chamar o axé (forças místicas) dos orixás. Zodíaco: Mercúrio e Virgem.
Conhecedor do futuro, sempre aparece com um opelé (colar ou rosário de ifá) ajuda nas adivinhações. Mensageiro da luz, identifica-se com o Santíssimo Sacramento ou Divino Espírito Santo.
Protetor dos gêmeos e dos partos múltiplos. Portanto, assemelha-se aos santos gêmeos no catolicismo: São Cosme e Damião. Suas vestes são inspiradas nesses santos. Zodíaco: Mercúrio e Gêmeos.
Orixás das matas, protege a gameleira branca ou árvore iroko, sagrada no terreiro do candomblé. De temperamento oscilante, ora guerreiro arrogante, ora humilde. Protege os pobres e gosta de receber oferendas no seu santuário, os pés das árvores. Lembra São Francisco.
Um dos orixás mais cultuados no Brasil. Sua proteção é para os trabalhadores em ferro, metal, juntamente com os agricultores e as artes manuais. Filho de Iemanjá e Oranhiã. Identifica-se com Santo Antônio. Zodíaco: Marte e Ares.
É uma figura do mal interpretada na crença afro-brasileira. No candomblé tradicional, age como mensageiro entre os orixás e os homens, embora de comportamento diferente dos orixás. Sua importância é de grande valia, sem ele nada se pode realizar. Tem a incumbência de levar pedidos, trazer respostas, convencer os orixás a aceitarem oferendas. Abre o caminho para bons relacionamentos do mundo natural com o sobrenatural. Tanto protege, como castiga, principalmente aqueles não cumpridores das oferendas. Cada orixá tem seu Exu com nome especial. Na Umbanda e cultos de influência bânto (língua e dialeto diversos, falados por inúmeros africanos), Exu é confundido com o Diabo dos católicos. Apresentam-no de chifre, garfos, dentes de vampiro, coberto de capas vermelhas. É tido também como o mensageiro das trevas.
Esta pesquisa foi realizada na Bahia. Portanto, as identificações entre os santos católicos e candombleiros são locais. Há variações de terreiro para terreiro e região para região, por exemplo: Oxum na Bahia assemelha-se com Nossa Senhora das Candeias e Nossa Senhora da Conceição e a Virgem Maria; já no Recife, lembra Nossa Senhora do Carmo. Tanto no Rio de Janeiro quanto em Porto Alegre, Oxum é identificado com Nossa Senhora da Conceição.
As fotos dos orixás foram colhidas no Museu do Homem do Nordeste/Fundação Joaquim Nabuco, onde também são conhecidos como Xangô do Nordeste. Na Bahia ou em outras regiões puderam sofrer modificações nos trajes e nas cores - fator marcante pra os adeptos da seita.


Na África, as mulheres não dirigiam candomblé. No Brasil, os primeiros terreiros fundados por mulheres. O cargo lhes confere funções de sacerdotisa. Em Salvador, Mãe Menininha do Gantois é um exemplo de como a religião se desenvolve em terras brasileiras. A ialorixá fala fluentemente o nagô, língua dos escravos. Vem de uma família nobre da África: seus pais viviam no palácio do rei de Abeokuta, trazidos para o Brasil como escravos. Sua avó em nagô chamava-se Omonidê, a mãe, Akala, e seu pai, Okurindé. Ele ocupava o cargo de Assoju Obá (secretário do rei). Mãe Menininha iniciou-se no candomblé através de sua tia Puquéria - a Kekerê do terreiro da família. Com a morte de Puquéria, foi indicada pelos orixás, em 1922, para assumir o comando do terreiro.

"__Os orixás quiseram - diz Menininha do Gantois. Eles me escolheram, me deram posse, não foram pessoas não! Primeiro foi Oxósse, depois Xangô, Oxum e Obaluê. Me deram esse cargo de felicidade que estou ocupando até o dia em que Deus e Oxalá quiserem".

No caminho como mãe-de-santo encontrou muitos empecilhos; preconceito religioso, perseguição policial. Seu templo foi invadido por diversas vezes pela polícia, que açoitava os adeptos dos orixás, prendia os que não conseguiam fugir. Nessa época, o candomblé não era reconhecido como religião. As autoridades acreditavam ser ele uma feitiçaria.
"__Para entender o candomblé de linha - alega Menininha - é preciso você freqüentar, ver, estudar muito. Isso não é coisa de brincadeira para curioso, não!"
A ialorixá acredita: "Deus é um só. Ele existe. Pouco importa o nome que lhe damos".
Defende a fé como o caminho para chegar até Deus: "Toda fé nos leva até Ele".
Para ela, as religiões nunca foram unidas. Agora querem sincretizar o candomblé: "Prá mim, Oxóssi é Oxóssi e São Jorge é São Jorge. Quando baixa no terreiro ninguém fala que é São Jorge, e sim Oxóssi. Do mesmo modo quando se manda celebrar uma missa ninguém diz que é para Oxóssi e sim para São Jorge. Os que chamam por Oxalá na Igreja do Bonfim (em Salvador) não são os verdadeiros adeptos da religião. São os que querem fazer folclore".
Correm pela cidade de Salvador várias histórias sobre Mãe Menininha. Um deles refere-se ao poeta Vinícius de Morais. Ele confessou estar temeroso de andar de avião. Ela rogou aos orixás, recebendo o aviso de que "de desastre de avião você não morrerá". A partir daí, o poeta passou a viajar tranqüilamente.

"__Quando alguém melhora e vem me dizer, você não sabe da minha alegria", confessou ela. A quem a procura para fazer maldade, ela esclarece: "Esse negócio de vir me procurar para descasar pessoas, amarrar os passos dos outros, é perder tempo. Mesmo que eu soubesse não poderia fazer. Não sei, não sei mesmo! Não conheço os segredos do mal, não é minha linha. Agora, para curar desgraças, tirar perturbações, faço tudo que estiver ao meu alcance. Rogo aos encantados; me esforço!" Sua fama é conhecida além-mar. Na África, o sumo sacerdote da religião da Nigéria, rei de Ijebu Odé, a considera a "própria orixá". Nascida no século passado, seis anos após a Lei Áurea, com seus 92 anos é tida como um patrimônio vivo da cultura negra no Brasil. Seu nome é Maria Escolástica Nazaré ou, simplesmente, Mãe Menininha do Gantois.

De lá prá cá, de cá prá lá. Domi, na praia, estava olhando pro mar. Sua imaginação viajava nas ondas pro outro lado das águas. Quem sabe não podia abraçar seus irmãos africanos, separados desde a vinda para a América. Sentou-se na areia e pos-se a matutar. Sentindo as frescas espumas borbulharem nos pés. Lavando com o sal a dor e a saudade no peito:
__Se esta água banhasse as costas d'África, mandaria um recado: oi, gente, estou da banda de cá.
A alegria fazia-se presente ao recordar o passado. Naquele dia, embarcou seu pensamento em busca de suas juras sagradas do tempo de criança. Aportou seu pensar no litoral africano, onde seu amigo Minguinho viu a mãe de Deus. Lembrando: Era sete de outubro, Minguinho foi à praia com as mãos cheias de pedrinhas agradecer a Nossa Senhora pela pesca do dia; a cada agradecimento lançava uma pedrinha no mar, dizendo:
"__Senhora! o jacá trouxe pouco peixe. Mas é o bastante pra nos abastar. Bendito é este alimento, senhora!!!"
Era sua forma de rezar, pois desconhecia o uso do terço. Ao jogar a última pedrinha, sentiu as ondas se enfurecerem, a luz do sol apagou-se, as borbulhas rolavam na areia, deixando pegadas na praia com os caranguejos. Num relâmpago o vento trouxe o trovão, acalmando a atmosfera, enquanto as águas davam à luz um clarão de cor azul do céu.
"__Hôoo!!! exclamou Minguinho - será Nossa Senhora?"
"Vestida de branco ela apareceu trazendo na cinta as cores do céu". Nos braços portava uma criancinha, na mão, o rosário. Sua capa verde-mar flutuava no ar, provocando ciúmes nas águas do oceano.
"__A bênção minha rainha - pediu ele.
__Eu vôs abençôo com o rosário de Maria - respondeu ela.
__Ah! então é Nossa Senhora do Rosário?
"__Sim, eu vim para lhes ensinar a rezar o terço".
Aproximando-se deu-lhe um rosário dizendo:
"__O rosário será a misericórdia do homem".

Ele recebeu com alegria e acrescentou:
"__A oração pode ser o adoçante no nosso momento de amargura".
Minguinho saiu para anunciar a aparição da Santa. Formaram-se grupos para visitá-la. Primeiro vieram os caboclos, representando os índios, dançando e cantando: "Minha Virgem do Rosário / hoje é Vosso dia. / Nós viemos festejar..."
A esperança de tê-la entre eles foi levada pelas ondas. Restava apenas ir embora, saudando-a:
"Adeus, minha Virgem Santa / esposa do São José. / Até pro ano / se Deus nosso sinhô quiser..."
Chegou a Marujada, representando os marinheiros, fazendo as mesmas evoluções:
"Oh, minha Virgem do Rosário / nós viemos festejá. / A Virgem Santa Maria..."
Da mesma forma ela ficou. Estática em alto mar. Só o vento se fazia mensageiro, levando as ressonâncias dos cantantes:
"O rei mandou lhe chamar / se chama eu vou / No Palácio da rainha / nunca vi tanta fulô..."
Acreditando um dia poder voltar, os marujos foram-se cantarolando:
"Zum... zum... zum... lá no meio do mar / É o vento que nos atrai, / é o mar que nos atrapalha / prá no porto chegar, / zum... zum... zum..."
O terceiro grupo a visitá-la foi os Catopês. Pessoas simples de cor negra. Minguinho entre eles cantava:
"Viva a rainha do céu, / viva o rei, viva a rainha / Donde vai parar do rosário / Donde vai morar, ora lá..."
Flutuando e caminhando de mansinho, ela se pôs à beira mar, louvando os dançantes com suas palavras:
A simplicidade e a humildade são essenciais para o crescer espiritual de cada um".
Colocando-se entre eles, dirigiu-os à capela, enquanto cantavam: "Ave Maria, canta lá do céu. / Sua casa cheia de fulô de laranjeira / vamo embora, semeando flores, / por este caminho a fora..."
Na porta da capela, movidos pela fé, aclamaram-na protetora dos negros:
"Entremos nesta casa com prazer e alegria, pois dentro dela mora, o filho da Virgem Maria..."
Convidada a subir ao altar, ela ouviu:
"Deus salve a casa santa / onde fez a morada / onde mora o cálix bento / e a hóstia consagrada".
Miguinho, representando seus companheiros, exclamou:
Senhora! com o rosário vamos ficar mais próximos da perfeição".
Respondeu a Santa:
Vocês hão de encontrar, nas contas do rosário, forças para enfraquecerem as barreiras atiradas em seu caminhos".
Desde então o rosário de Maria foi proclamado nos lares de quem queria.
Domi, um africano que deixou de governar em terra natal, para reinar como escravo nas minas de ouro do Brasil, voltou à realidade com um desejo:
Vou debulhar as contar do rosário, igualmente o lavrador debulha uma graúda espiga de milho: com amor e esperança de novas boas safras".
*Numa só lenda aparecem variantes de região para região. A lenda de Nossa Senhora do Rosário é um exemplo. A estória acima foi pesquisada na Festa do Rosário, na cidade do Serro, Minas Gerais. Foi acrescida de interpretações do autor. As personagens Domi e Minguinho foram inspiradas no nome de São Domingos. Segundo a Igreja Católica, foi ele quem recebeu o rosário das mãos de Nossa Senhora do Rosário. O autor datou o fato como ocorrido em sete de outubro, porque nesse dia comemora-se o dia da Santa do Rosário. E outubro é o mês do rosário.

Contada por Mestre Didi, um baiano místico que carrega consigo os casos do tempo da escravidão, assemelha-se à lenda do Negrinho do Pastoreio. Provavelmente com as vendas d escravos do Nordeste para o Sul, os fatos eram levados e adaptados aos acontecidos na nova terra. Este poderá servir de exemplo: Viviam numa fazenda no interior baiano o dono com seu filho e um menino, mantido como escravo. O filho, tal como o pai, divertia-se *malinando como negrinho, *abodegando, só para vê-lo *avexado. À medida que o tempo passava, cobravam-lhe mais trabalho. "__Veja só! gloriava o fazendeiro - o pitoco de gente tá *enhatando a voz, já pode campear a tropa". No primeiro dia da nova tarefa não resistiu ao cansaço e foi dominado por uma madorna. Quando despertou, assustou-se:
"__Vixe Maria, cadê os bois?" Foi contar ao seu dono e ouviu dele: "__Ó *xente! só pode ser mutrecaje tua".
"__Vixe Santíssima! foi não sinhô".

Se sentindo no fuzuê dos infernos, o negrim rogou por proteção divina.
"__Diga aí! minha Nossa Senhora, donde tá os bois do sô Homê. Me tirre dessa *muzenga. Valei minha santa".
Não passou muito tempo a tropa foi entrando pelo curral. Sabendo do milagre, o filho do dono tratou de divertir-se mais uma vez, espantando novamente a tropa, desta vez para bem longe.
"__Chô! chô! chô! boiada..."
O fazendeiro, sem procurar saber da verdade, tratou logo de castigar o seu subordinado.
"__O *bichim! toma esta *tilambada que é pra tu ficar mais esperto nos *mandalecos".
Esgotando a raiva, o fazendeiro jogou-o na boca de um formigueiro dizendo. "__Veja lá se serve pelo menos pra alimentar as cabeçudas". Passaram-se três dias e ele voltou para dar uma "espiadela" no corpo do menino. Surpreso, viu-o caminhando entre as caatingas vestido como anjo, de mãos dadas com Nossa Senhora. Corre o boato na Bahia que o negrim anda *arretado pelos cerrados, como anjo generoso, ajudando as pessoas de bem a encontrarem seus animais perdidos.

Congada, Guarda de Congo, Reinado são denominação de grupos de danças. Geralmente são acompanhados de reis e rainhas, capitães, juízas e mestres de guarda, formando o cortejo real. Têm a finalidade de louvar os santos das irmandades dos pretos: Têm a finalidade de louvar os santos das irmandades dos pretos: Nossa Senhora do Rosário, São Benedito, Santa Efigênia, entre outros. Provavelmente sua origem do reinado coincide com a necessidade de Chico Rei manter seus estados: "rei em minha terra, rei fora dela". Em Minas Gerais, além da corte de cada guarda, existem o rei e a rainha Conga, que representam o Estado de Minas. Atualmente são eles: Geraldo Artur Camilo, da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, de Contagem, filho dos fundadores da Comunidade Negra dos Arturos e descendentes de escravos. A rainha Conga é Cecília Alves Gomes, filha de rainha Conga da guarda, neta de escrava. Mora em Sete Lagoas.
Por volta de 1980, iniciei uma pesquisa sobre as congadas de Minas. Fui apresentado ao Estado Maior do Reinado da época: Maria Cassimiro dos Anjos e Raimundo Nonato. Atuando como reis de Estado, quase sempre nos encontrávamos pelo interior nas festas de reisado. Com mais intimidade, passei a tratá-los de Vó e Vô. Ao me ver nas festas, ela logo dizia:

"__Óia só! o cachorrinho aí. Anda farejando as festas do congado". Lembro-me de uma passagem com a vó rainha. Na festa de Nossa Senhora do Rosário, em Conceição do Mato Dentro, sentada na porta da igreja, bastante cansada, eu lhe perguntei:
"__A senhora não vai seguir o cortejo?"
"__Não, meu fio, a veia tá muito cansada".
Contei-lhe da minha fome. Ela chamou sua filha Isabel (hoje rainha do Terno Treze de Maio) pediu a sacola, tirou um pedação de pão seco:
"__Toma! come essa massa pra tapiar o bucho". Repartimos o pão. Ela comia naturalmente, como uma rainha, recebe a comida na bandeija de prata. Valeu-me sua boa intenção. Continuei o trabalho até os reis festeiros (que promovem a festa) oferecem o almoço. Maria Cassimiro nasceu no dia quatro de março de 1906, em Betim/MG. Sua família participava do cortejo das congadas. Antes de completar um ano de idade, ela integrou o reinado. Ao longo de sua vida, cresceu na hierarquia do Congo: foi princesa, juíza-comum, rainha de Vara de Prata, depois de Ouro. Em 1944 fundou sua própria Guarda de Moçambique Treze de Maio, tornando-se rainha dela. Por ocasião do IV Centenário do Rio de Janeiro, foi indicada para representar Minas nas comemorações da Igreja do Rosário dos Pretos. Nessa ocasião, foi eleita Rainha Conga do Estado de Minas Gerais, junto com o rei Campolina, já falecido, dando lugar ao Rei Congo Raimundo Nonato. O rei Nonato nasceu no dia cinco de setembro de 1901, em Santa Luzia. Seus pais foram descendentes de escravos.
"Minha vó foi escrava de um fazenderão, Sô Quinquim", dizia ele. Aos dez anos foi príncipe, depois tocador de caixa, capitão de Congo, rei da Guarda de Congo de São Jorge. Mais tarde fundou sua guarda de Moçambique, Santo Antônio de lisboa. Finalmente, Rei Congo do Estado de Minas, título conquistado em 1979.
Ambos são falecidos; ela em 1984, ele em 1983, legando aos seus descendentes a tradição das festas em louvor aos santos dos pretos. Na casa da rainha Maria Cassimiro as festas não pararam com sua morte. Sua filha Isabel assumiu o posto de Rainha da Guarda e mantém a tradição. No mês de maio comemora-se a Abolição dos Escravos. As comemorações iniciam-se com as chamadas "trezenas", devido à duração de treze dias. Durante os festejos, o boi da manta sai às ruas, pedindo donativos para homenagear os santos. Atrás, vai o caixeiro tocando e cantando: "Êh! boi / Êh! boi / Esse boi é bonito / Êh! boi / Ele é de São Benedito / Êh! boi / Dá esmola pra meu boi / Êh! boi / Agradeço sua esmola / Êh! boi / Eu te convido para essa festa / Êh boi..."
A meninada sau atrás cutucando o boi e levando investida dele. No dia oito de maio, levanta-se o primeiro mastro, com estampa de um dos santos. As mulheres preparam as comidas: doces e salgados. A rainha com sua guarda sai em busca da bandeira da Senhora do Rosário. Geralmente ela está na casa de um dos congadeiros que fez promessa de guardá-la. De volta à casa da rainha, vem cantando: "Senhora do Rosário / Sua casa cheira / Cravo e rosa e flor de laranjeira...".
Em seguida levanta-se outro mastro, com estampa de Nossa Senhora do Rosário, cantanto: "Lá vai subindo, oi / Lá vai, subindo pro céu / lá vai nossa mãe pro céu...".
Em volta do mastro com velas acessas o rei com o bastão fala: "__Oh! Maria / Santa Mãe de Deus / Abençoa esses filhos, meu Deus...".
Faz-se silêncio e a rainha declama:"__Viva Senhora do Rosário / Viva Santa Isabel / Viva quem chegou / Viva treze de maio..."
Após as saudações, desfaz-se o reinado. Todos colocam seus pertences no altar. No dia seguinte, tocam-se os tambores bem cedo, chamando os companheiros. A rainha oferece café, enquanto se ouve: "Hoje é dia de festa no céu / Oh! minha mãe do céu / Quem não tem mãe / não tem nada..."
A Guarda prepara-se para buscar os reis e rainhas, pagadores de promessas. Eles se vestem como seus santos de devoçõ: Rainha Santa Efigênia, Rainha do Divino Espírito Santo, Rainha de Santa Catarina, Rainha Joana D'Arc, Rainha Nossa Senhora do Rosário, Rei Santo Antônio de Catigeró, Rei São Benedito...
Terminada a busca dos reis promesseiros, servem-se comestíveis na casa da rainha, enquanto as Guardas convidadas vão chegando, cantando:
"Oi, dá licença, senhora / Oi dá licença, tambores de guerra / Os marinheiros chegaram / Para festejar Nossa Senhora...
Prapara-se o cortejo real para a Missa Conga (missa comum com a participação dos congadeiros) na igreja mais próxima (Bairro Concórdia). Os Reis Congos colocam-se mais atrás, sob a proteção de um pálio conduzido pelas mucamas. Na frente vão as Guardas de Conga cantando e dançando com seus reis e rainhas. Outros levam imagens de santos. Na porta da igrekja, um capitão declama (publicamos alguns versos):
"__Ôh! no tempo da escravidão / Moço branco que mandava, / quando sinhô ia à missa / era nêgo quem levava / ... Sinhô entrava pra dentro / Nêgo lá fora ficava / ... Se nêgo tava cansado / de chicote ele apanhava / ... Chegando na sua senzala / é que nêgo ia rezar / ... pedindo ao Deus do céu / que tenha pena dessas almas..."
Depois dessa exposição sobre o tratamento dado ao negro no tempo da escravidão, o Capitão da Rainha bate na porta da igreja, pedindo:
"__Santo padre, abre a porta / que nêgo quê entrá, / pra ouvir a santa missa / que o Pai Eterno vai celebrá
O padre abre a porta, recebe-os com um abraço fraterno. A corte real tem permissão para entrar. As Guardas acompanham cantando e dançando:
"Deus salve a casa santa / onde Deus fez a morada / Que já é o cálix bento / e a hóstia consagrada..."
Inicia-se a missa com a participação do Capitão da Rainha: "Tá caindo fulô / Oi tá caindo fulô / Lá do céu / lá na terra / Oi tá caindo fulô..."
Antes do evangelho faz-se outra saudação: "Quando Deus andava pelo mundo, / oi! que beleza! / Ele curava todo mundo, / oi! que beleza!"
Durante o ofertório, o padre recebe dos reis Congos suas coroas, espadas e bastões, simbolizando a oferenda. Nesse momento canta-se: "Ôh! entregai, Oh! rainha / Ôh! Entregai vossa coroa, rainha..." Quando o celebrante exibe a hóstia fazendo a consagração, os tambores ressoam. Eles cantam:
"Ôh! que mesa tão bonita / toda cheia de nobreza..." Após os agradecimentos, o celebrante devolve as coroas e pertences aos donos, enquanto ouvimos" Arrecebei esta coroa, Ôh minha rainha. Arrecebei..." Os reis as recebem beijando-as. O padre faz a coroação. No final da missa a confraternização:
"Um abraço dado de bom coração, / é o mesmo que uma prece meu irmão..." Todos se retiram da igreja. Caminham até a casa da Rainha, onde são exibidas diversas danças de origem africana. Danças das Manguaras e o Candombe (não confundir com candomblé). Possivelmente Chico Rei se inspirou no candombe para criar sua congada. É dançado com o corpo curvado, batendo os pés no chão. Nessa dança, usam-se os instrumentos: o chama, o santaninha, a cuíca, o guaiá. Quando o Rei ongo Raimundo puxava a cantiga ele dizia:
"__Êh! eu tava dormindo, sá rainha me chamô / Êh! acordo nêgo, cativeiro já cabô / Êh! vô julhá no pé de Nossa Sinhô, pra gradecê..."
No último dia das festividades, 13 de maio, celebra-se a Missa Conga no terreiro da casa da Rainha, com a participação de todos. Com o término da missa, dão-se por encerradas as festividades, cantando-se: "Se a morte não me matar / tamborim. Se a terra não me comer / tamborim. Para o ano eu voltarei... se Deus quiser".

Assim o escritor Candido Emanuel Félix define a palavra Umbanda: "É originária da África. Designa o sacerdote do culto que os pretos bantos prestavam à divindade. No Brasil, a palavra passou a identificar o conjunto do ritual umbandista". Para ele, a Umbanda é uma religião, levando-se em conta que em toda ela se cultua um Deus, ou outra divindade, por meio de ritos, preces ou mandamentos; ele esclarece: "Sem a menor dúvida temos que aceitar a Umbanda como uma religião das mais elevadas. A Umbanda tem, por alta finalidade, mostrar que o mundo não é apenas matéria, visto que existem seres invisíveis. São eles espíritos dos que partiram, mas continuam entre nós, e que se incorporam aos médiuns (pessoas capacitadas e se comunicarem com eles). A finalidade principal do culto umbandista é o serviço às criaturas humanas, bem como os espíritos encarnados ou desencarnados. Isto é, tanto por meio da doutrinação como por meio espiritual, visando as dificuldades materiais, morais, o alívio e a cura de enfermidades. O culto deve ser prestado sempre com a maior humildade, pureza e caridade, requisitos indispensáveis na prática do umbandismo". Já o pai-de-santo Ary Barreto define sua prática como religião existente há mais de mil anos, trazida pelos negros africanos para a Bahia. Diz ele: "__Em tempos passados quem possuía certos poderes era tido como filho de Satanás. Chamava-se magia negra e isso era proibido. Os negros se reuniam em determinado local, concentravam a pedir ajuda aos seus deuses, aí faziam o ritual espiritual." Ele fala da perseguição e da prática da religião: "__Quando descobriam os rituais mandavam queimar o recinto e o chefe como bruxo. Só depois da abolição da escravidão é que os negros da Bahia começaram a firmar sua religião".
Consultado sobre o tema, o presidente do Supremo Conselho Sacerdotal da Confederação Espiritualista Umbandista no Estado de Minas Gerais, Antônio Pereira Camêlo, que esteve na África, esclareceu: "__Os negros fugitivos do cativeiro e revoltados contra o regime a que estavam sujeitos formaram os quilombos, (lugares longe e aldeia de Xangô), que eram cercados para evitar qualquer invasão dos brancos. Dentro dos quilombos, construíam a Casa do Governo que era dirigida por um negro Zambi ou Mucambo Zambi (negro de Deus), responsável pelos ensinamentos da religião". Segundo o presidente umbandista, dentro dos quilombos era feito o Abacé (terreiro) reservado aos cultos. Ali se realizavam todas as práticas religiosas, "sem exceção de credo ou seita".
Se os quilombos abrigavam tantos negros (de regiões diferentes da África) como índios e brancos, certamente todos praticavam suas religiões no local. Não teriam as religiões, somando-se, umas às outras, resultado na fusão religiosa umbandista?
Entretanto, Olga Gudolle Cacciatore, autora do "Dicionário de Cultos Afro-Brasileiros" chegou à seguinte conclusão: "É uma religião formada no Brasil (apesar de o negarem alguns crentes) por uma selação de valores doutrinários e rituais".
Acredita ela que a Umbanda surgiu da união de diversos cultos africanos (nagô - congo-angola - malês islamizados), além das influenciadas pela Pajelança (culto indígena), do catolicismo e do espiritualismo e posteriormente pelo ocultismo.
Sobre alguns desses cultos Olga Gudolle, esclarece: "A princípio chamados de Macumba no Rio de Janeiro, empregavam a magia negra. Essa corrente de Umbanda é chamada "Quimbanda" pelos umbandistas da "linha branca". O termo "macumba" ficou para os leigos, como sinônimo de feitiçaria".
Tive a oportunidade de visitar diversos terreiros e tendas em beira de mar, no Espírito Santo e São Paulo; em lagoas como a da Pampulha, em Belo Horizonte, e Lago do Paranoá, em Brasília, cada um com rituais e adesões de outras religiões diferentes. Alguns aceitam até rituais dos países do Oriente. Com essas influências, a Umbanda vai perdendo sua originalidade. O trabalho da Confederação dos Umbandistas visa a preservar a integridade da religião, como esclarece seu presidente: "Não posso aceitar e ver uma miscelânea provocada e organizada por pessoas que se metem muito a saber e, como sábios, vão criando uma Umbanda que satisfaça à sua conveniência. Se respeitassem os sagrados princípios da Umbanda, estaria num plano mais elevado".
A Umbanda espalhou-se por todo o Brasil e foi exportada para a Argentina e Estados Unidos. As cerimônias são realizadas em terreiros, centros, tendas ou cabanas. As oferendas aos orixás podem ser feitas nas matas, praias, cachoeiras, beiras de rio e lagoas etc.
Nos rituais usam-se diversos aparatos como nos ritos católicos: velas, flores, essências, além de charutos, pólvora, bebidas, defumadores. Sacrificam-se animais em agradecimento aos orixás.

As vestimentas são simples, de preferência de cor branca. As mulheres geralmente usam roupas à baiana.
No salão de cultos (abassá) há um altar (peji ou gongá) com imagens de santos católicos, de índios (caboclos) e negros (pretos velhos).
Os instrumentos geralmente são os mesmos do Candomblé: atabaque, agogô e aguê, entre outros.
A divindade maior é o Zâmbi, entidade angola-conguense.

Vindo de pais escravos, nascido em 1880, no distrito de Rio Pardo, no Rio Grande do Sul, João Cândido, acompanhado de sete irmãos, viveu numa fazenda até os dez anos de idade, quando foi recrutado para a Marinha, como represália às suas rebeldias. Nessa época era comum elementos tidos como desordeiros serem encaminhados à escola de correção da Marinha. Mas seu espírito irrequieto fez com que muito cedo João Cândido abraçasse a causa em favor dos direitos humanos em alto mar.
Por ocasião do movimento contra o então Presidente da República Floriano Peixoto, João Cândido, nessa época com treze anos, faz sua primeira viagem, como aprendiz de marinheiro. Pouco antes de completar 20 anos, torna-se instrutor de escolas da Marinha, tendo oportunidade de presenciar fatos interessantes: a revolta de Plácido de Castro, no Acre, quando bolivianos tentaram invadir o território brasileiro; participou do traslado do esquife do Embaixador Joaquim Nabuco, dos Estados Unidos para o Brasil; fez parte da tripulação de Benjamim Constant, para supervisionar o término da construção do navio "Minas Gerais" (mais tarde, esse navio serviu de palco a uma rebelião contra o mau trato na Marinha) em um estaleiro na Inglaterra.
Sua condição de rebelde lhe valeu um comentário do Comandante Pereira da Cunha que emitiu um parecer, mais tarde, condenando a atitude de seus comandados, sugerindo que o integrante da comitiva deveria apresentar atestado de bons antecedentes. Eis a íntegra de seu parecer: "Em contato com a Marinha Inglesa, evoluída um século sobre o nosso pessoal, essa gente foi sofrendo a inevitável influência da comparação".
Averiguando a vida coerente dos colegas estrangeiros que aportavam no cais britânico, João Cândido tornou-se um dissidente do regime adotado pelos comandantes brasileiros. Passou a questionar, o sistema, influenciando seus companheiros, em busca de condições mais humanas. Propunha também o fim dos castigos corporais, do excesso de trabalho, dos salários baixos e da má alimentação, sugerindo uma nova relação com a Marinha, para a qual os marinheiros "não passavam de meros escravos da Armada Brasileira".
Na época, o Ministro da Marinha classificou essa tomada de consciência como uma posição anarquista, com este comentário: "Lá sofreram as piores influências dos centros anarquizados pelas idéias subversivas de um liberalismo mal compreendido".
A morte do Presidente Afonso Pena (1909) chega ao conhecimento de João Cândido, na Inglaterra. Em seguida, fica sabendo da posse do novo Chefe de Estado, Nilo Peçanha, de quem era simpatizante. Manda desenhar um retrato a carvão do novo Presidente, fixando-o no "Minas Gerais".
Chegando ao Rio, João Cândido é indicado para fazer a mostragem do navio ao Presidente e seu Ministério. Oportunamente, mostrou o quadro ao visitante, o que lhe valeu um convite ao Palácio do Catete. Por ocasião da visita ao Palácio, João Cândido narra ao Presidente as más condições a que eram submetidos os marinheiros. Pede a abolição da chibata e reivindica melhores condições de vida. O atendimento dessas reivindicações ficou só na esperança, pois Nilo Peçanha, mesmo que desejasse atendê-lo, não teria tempo, porque deixou o governo pouco tempo depois. Há rumores de que esse governo, depois, acobertou o levante de 22 de novembro de 1910. Com o objetivo de se promoverem, alguns políticos defendiam os marujos. Rui Barbosa foi um deles, só que suas posições contraditórias o tornavam um político sem muita credibilidade. Ao mesmo tempo que defendia pontos de vista favoráveis à causa dos marujos, valorizava a criação da Campanha Correcional - uma lei que agredia os direitos humanos. O jornalista gaúcho Paulo Ricardo de Morais, pesquisador da vida de João Cândido, questiona o fato de Rui Barbosa ter mandado queimar a documentação referente à escravidão no Brasil, sob alegação de que esse passado era vergonhoso para a Nação e, por isso, deveria desaparecer.
No início do novo governo, a violação aos direitos humanos na marinha aumentou consideravelmente. Surgem, então, os primeiros indícios de nova rebelião na esquadra brasileira, enviada às comemorações do I Centenário da Independência do Chile. Durante a viagem, os castigos tornam-se insuportáveis, provocando um motim contra a Armada. O marinheiro Francisco Dias Martins escreve uma carta e a coloca debaixo da porta da cabine do comandante, esclarecendo: "Venho por meio destas linhas pedir não maltratar a guarnição deste navio, que tanto se esforça para trazê-lo limpo. Aqui nunguém é salteador, nem ladrão. Desejamos paz e amor. Ninguém é escravo de oficiais e chega de chibata. Cuidado! Assinado, Mão Negra".
Faziam parte da frota os navios "São Paulo", "Bahia", Deodoro" e o "Minas Gerais", no qual João Cândido e mais 887 marujos prestavam serviços a uma tripulação de 107 oficiais e oito chibatadores. Na volta, a situação agrava-se devido ao enquadramento de oito marinheiros na Correcional. Um deles teve suas mãos e pés atados, recebendo 250 chibatadas para servir de exemplo aos demais rebeldes. Foi a gota que faltava para a explosão da revolta, forçando a antecipação, para o dia 22, do lançamento do plano de recusa aos maus tratos, anteriormente marcado para o dia 24 de novembro de 1910.
O comitê do complô decide assumir o controle do "Minas Gerais" e troca o toque de silêncio pelo de combate. Prende os oficiais nos camarotes e entra em contato com os outros navios dos quais receberam apoio. Já nas imediações da Capital Federal - Rio de Janeiro - a esquadra ancora em alto mar. Na cidade, o Presidente Hermes da Fonseca e seus Ministros assistiam a uma ópera, quando tomaram conhecimento da seguinte mensagem passada pelo telégrafo: "Não queremos de volta a chibata. É o que pedimos ao Presidente da República e ao Ministro da Marinha. Queremos respostas, já e já. Caso não as tenhamos, bombardearemos a cidade e os navios que não se revoltarem".
Os revoltosos, para provar que estavam dispostos a levar em frente o movimento, enviam corpos de dois oficiais do "Minas Gerais" a plataforma da Marinha. Esse gesto provocou desespero na população e algumas família procuravam refugiar-se fora da cidade. A cúpula da Marinha, apreensiva, envia o Deputado gaúcho José Carlos Carvalho para agir como mediador junto aos revoltosos. O político ouviu o pedido enfático dos marujos:
"Nada queremos, senão o alívio dos castigos corporais. Que nos dêem meios para trabalhar, compatíveis com as nossas forças. Vossa Senhoria pode percorrer o navio, para ver como ele está em ordem. Só queremos que o Presidente nos dê liberdade, abolindo as barbaridades que sofremos, dando-nos alimentação e folga no serviço. Nós temos, ou não razão?" O deputado levou ao Presidente as reivindicações dos marujos, mas o governo não se dispôs a atendê-las, forçando os marinheiros a recuar nos diálogos. Imediatamente, o Senador Rui Barbosa entra em cena e apresenta um projeto de anistia aos rebeldes. João Cândido consente na retomada das negociações e passa uma mensagem ao conterrâneo mediador pelo telégrafo:
"Entraremos amanhã, ao meio-dia. Agradecemos os seus bons ofícios em favor da nossa causa. Se houver qualquer falsidade, o senhor sofrerá as conseqüências. Estamos dispostos a vender caro as nossas vidas".
No dia 26 de novembro cumprem o prometido. Os navios entram na barra. Em terra firme, a anistia é revogada e os marinheiros são apanhados desprevenidos. João Cândido é preso e enviado para uma masmorra na Ilha das Cobras. Lá permanece por 18 meses. Ele mesmo contou a Edmar Morel, autor de "A Revolta da Chibata", como viveu este período:
"__Foi horrível! Dos dezoito camaradas, instalados num mesmo cubículo, só escaparam dois: eu e o Pau de Lira, que trabalhava na estiva (no porão do navio) no cais dos Mineiros, no Caju. O resto foi comido pelo cal, que se misturava com água, era jogada dentro do subterrâneo. Outros, de tão inchados, pareciam sapos... Alguns, corroídos pela sede, bebiam a própria urina. Fazíamos necessidades num barril que, de tão cheio, rolou inundando tudo. Resistimos a pão e água. Quando abriram a porta, havia gente podre. Retiraram os cadáveres, deixando apenas nós dois. Lá fiquei, até ser internado como louco". Após receber alta, João Cândido retorna à mesma prisão, permanecendo por lá até o dia em que o Senador Rui Barbosa o elogiou no Congresso, pela atitude como comandou a revolta dos marinheiros, evitando um confronto de maiores conseqüências. Lembra o jornalista Paulo Ricardo que, na mesma época, enquanto João Cândido usava de estratégias para evitar ataque sangrento, o Presidente, Marechal Hermes da Fonseca, permitia o bombardeio da Bahia. Absolvido, com auxílio de uma junta de advogados contratada pela Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, João Cândido é aclamado pelos amigos como o "Almirante Negro", fazendo jus à frase que ouvira mais tarde, de um marinheiro:
"__A sua história ficou na Marinha. Hoje, não apanhamos, temos soldo regular e comemos bem. Agradecemos tudo isto ao Senhor".
Em liberdade, enfrenta o preconceito, as doenças adquiridas na prisão e as dificuldades financeiras. Para sobreviver, sujeita-se a trabalhar desde carregador de navio a vendedor de peixe. A Marinha nem sequer lembra-se de ajudá-lo pelo fim da chibata, um fato marcante na sua história, mas sufocado pelas batalhas dos almirantes. Casou-se com Marieta, constituiu família e veio a falecer no dia 6 de dezembro de 1969, no Rio, vítima de um câncer.
As pedras em seu caminho tortuoso foram muitas e muitas, mas mesmo assim conseguiu forças para retirá-las, com dignidade, sagrando-se um herói do povo, como disse Edmar Morel: "Você dignificou a espécie humana. Adeus, João Cândido..."

Um baiano dono de engenho tinha como prazer criar galinhas; para muitas aves, apenas um galo. Quando o chefe do galinheiro era pintinho, andava azucrinando o engenho. Num desses dias, o dono mal humorado desabafou:
"__Esse bicho parece Exu. De pinto, só tem a aparência".
Exu (quando é mal cultuado faz maldade) sentiu-se ofendido.
Preparou a vingança. Passou a comandar o pinto.
Ao virar galo mostrou sua valentia. Ganhou apelido de "Maioral" do zelador do galinheiro, pois se sentia o próprio rei do terreiro. Todo galo que aparecesse por lá ele expulsava; caso insistisse, teria a morte decretada. As galinhas submissas o respeitavam como filhas de pai bravo. O medo era tanto que não conseguiam manter a postura de ovos de antes.
Enraivecido o dono chama o zelador:
"Ôh bichinho! Me diga aí o que está acontecendo com a produção de ovos? Houve uma queda bastante acentuada!
__A culpa é do galo.
__Ah! então é do valentão. Compre um galo bom de briga, vou conferir sua valentia".

Conseguiram um galo da raça "índia", de postura de bicho brigão. Maioral, ao ver seu rival, nem se tocou: ciscou, bateu asas, ergueu o pescoço e partiu para briga. Bicada vem, esporada vai. Maioral preparou o ataque fatal, uma bicada na crista, causando o tombo letal do inimigo. Estufou o peito cacarejando:
"__Akukó mêji kósókó ni bôdi (dois galos não cantam no mesmo terreiro)".
O dono sentiu-se desafiado. Mandou matar o brigão, mas ele desapareceu.
"__Alguma urucubaca (feitiçaria tem protegido esse galo endiabrado, - desconfiou o dono - qual será?
__Não sei - respondeu o zelador - na casa do Oluwô sabe. É só jogar os búzios.
__Vá saber!
Chegando lá o zelador ouviu do velho:
"__Mê fi, diz a sê sinhô, ki u ki êci galú tem ni koripú, é Exu. Pregunte a êli, se num lembra diki galú era píntú, ki pintava kumo tudo mininu pinta a ki êli dici uma vez pra pintú: Ocê é um Exu. Di galú ocê só tem u forimáto. Puriço. Exu dêxo pintú crêcê, agora di galú gazeno êci brinkadêra pra si vingá delê, pra ki êle nunka maio pintú, nem di Exu. Si êle kê fazê ebó (sacrifício), pidindo perdão pra Exu, êli paga o nêgo, nêgo fazê trabaio. Exu peridôa, num atrapaia mai êli e galú vai fazê têreru vóritá ki éra anti".
Diante da resposta do babalaô, o dono do engenho lembrou-se da ofensa que fizera a Exu. Mandou o pai-de-santo fazer ebó, pedindo perdão ao Exu.
Conta a lenda que, após o despacho, o galo deixou seu orgulho ferido de lado, não mais malinava, reinando a normalidade no galinheiro. Até as galinhas passaram a botar regularmente.


Em determinadas lendas são usadas terminologias regionais.

São Tomé mostrou para crer

Mulambo - Expressa moleza, sem utilidade.
Tilambo - Exprime idéia de retalhar.
Ribeira - Determina certa altura do morro.


Negrinho do Pastoreio

Estâncias - Fazendas de criação.
Cavalo baio - Cavalo de cor castanha.
Laçaço - O mesmo que uma cassetada.
Sovaqueira perebenta - Sovaco cheio de ferida.
Tarugo de pipa - Rolha de pipa.


Negrim Escravo

Malinando - Fazer maldade, arteiro.
Abodegando - Chatear, aborrecer, importunar.
Avexado - Oprimido
Pitoco - Gente Pequena.
Enhatando - Engrossando.
Viche - Interjeição de surpresa, de espanto.
Ó Xente - Interjeição de surpresa, de estranheza.
Muzanga - Termo de significação imprecisa, muito usada para definir situações espantosas.
Ó Bichim - Expressão de tratamento muito usada no Nordeste.
Tilambada - Chicotada, lambada.
Mandalecos - Recados, trabalhos mandados.
Arretado - Excitado, animado.







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