sexta-feira, 19 de julho de 2013

A questão racial no Brasil dos anos 50

Abdias do Nascimento
Abdias do Nascimento nasceu em Franca (SP) no dia 14 de março de 1914, filho de José Ferreira do Nascimento e de Georgina Ferreira do Nascimento.
Diplomado em contabilidade em 1929, bacharelou-se em ciências econômicas pela Universidade do Rio de Janeiro em 1938. Diretor-fundador do Teatro Experimental do Negro em 1944, em maio do ano seguinte participou da fundação do Partido Trabalhista Brasileiro. Militante do movimento negro – foi o organizador do primeiro Congresso do Negro Brasileiro, em 1950 –, concluiu o curso de sociologia no Instituto Superior de Estudos Brasileiros em 1956.
Abdias esteve à frente do Teatro Experimental do Negro até 1968, quando, em decorrência do endurecimento do regime militar implantado no país em abril de 1964 e da inclusão do seu nome em vários inquéritos policiais militares, exilou-se nos Estados Unidos, onde trabalhou como professor universitário. Co-fundador do Movimento Negro Unificado em 1978, em maio de 1980, foi, juntamente com Leonel Brizola – de quem se tornara amigo no exílio – um dos fundadores do Partido Democrático Trabalhista (PDT). Escolhido vice-presidente do partido em 1981, nesse mesmo ano fundou o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Em 1982, retornou definitivamente ao Brasil.
Em novembro de 1982 concorreu à Câmara dos Deputados pelo Rio de Janeiro, obtendo a terceira suplência da legenda. Com a eleição de Brizola para o governo do Rio naquele mesmo pleito e a nomeação do deputado José Maurício para a Secretaria de Minas e Energia, Abdias assumiu em março de 1983 uma cadeira na Câmara. Em 25 de abril de 1984, votou favoravelmente à emenda Dante de Oliveira, que previa o restabelecimento das eleições diretas para presidente da República em novembro seguinte. Como a proposta não obteve a votação necessária para ser encaminhada ao Senado Federal, a sucessão do presidente da República, o general João Figueiredo, seria decidida no Colégio Eleitoral, reunido em 15 de janeiro de 1985.
Abdias retornou à Câmara no dia 16 de janeiro, logo após a realização do Colégio Eleitoral. No ano seguinte, voltou à suplência. Sua atuação como deputado foi centrada na defesa dos direitos humanos e civis dos negros no Brasil. Enfocando o racismo e a discriminação racial como questões nacionais, propôs o estabelecimento de feriado nacional no dia 20 de novembro, aniversário da morte de Zumbi dos Palmares, apresentou projeto de lei que previa a criação de uma cota de 20% de vagas para mulheres negras e de 20% para homens negros na seleção de candidatos ao serviço público.
As iniciativas de Abdias tiveram desdobramento durante as discussões da Assembléia Nacional Constituinte. Com a nova Carta, promulgada em outubro de 1988, o direito brasileiro passou a contemplar a natureza pluricultural e multiétnica do país, a prática de racismo tornou-se um crime inafiançável e determinou-se pela primeira vez a demarcação das terras dos remanescentes de quilombos, antigas comunidades de escravos. Abdias foi um dos responsáveis pela instituição da Comissão do Centenário da Abolição em 1988 e por seu desdobramento na Fundação Cultural Palmares.
Em outubro de 1990 compôs como suplente de Darci Ribeiro a chapa lançada pelo PDT ao Senado. Em abril de 1991, foi escolhido por Leonel Brizola, que se reelegera governador do Rio de Janeiro em 1990, para ocupar a Secretaria Extraordinária para Defesa e Promoção das Populações Afro-Brasileiras. Em final de agosto, Abdias substituiu Darci Ribeiro que se tornara secretário de Projetos Especiais do governo fluminense no Senado. Após a morte de Darci em fevereiro de 1997, voltou ao Senado em caráter definitivo, exercendo o mandato até janeiro de 1999, ao final da legislatura 1995-1999. Participou do governo de Anthony Garotinho (1999-2002) como secretário de Direitos Humanos e da Cidadania.
Foi casado com Maria de Lurdes Vale Nascimento. Casou-se pela segunda vez com a atriz Léa Garcia, com quem teve dois filhos, e pela terceira vez com a norte-americana Elizabeth Larkin Nascimento, com quem teve um filho.



A questão racial no Brasil dos anos 50
No início da década de 1950, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) patrocinou um conjunto de pesquisas sobre as relações raciais no Brasil. A origem deste projeto estava associada à agenda anti-racista formulada pela Unesco no final dos anos 1940 sob o impacto do racismo e da Segunda Guerra Mundial. O Brasil – considerado uma espécie de "laboratório" – desfrutava àquela época de uma imagem positiva em termos de relações inter-raciais, se comparado com os Estados Unidos e com a África do Sul. O objetivo do projeto era "determinar os fatores econômicos, sociais, políticos, culturais e psicológicos favoráveis ou desfavoráveis à existência de relações harmoniosas entre raças e grupos étnicos". Entre os diversos locais de pesquisa estava obviamente a Bahia, onde existia uma longa tradição de estudos sobre o negro, e a cidade de Salvador, que apresentava forte presença e influência da cultura africana. Ali, desde os anos 1930 já tinham feito suas pesquisas diversos norte-americanos, como Ruth Landes, Franklin Frazier, Donald Pierson, entre outros. Estiveram envolvidos no projeto Unesco Florestan Fernandes, Roger Bastide, Luiz de Aguiar Costa Pinto, Oracy Nogueira, Thales de Azevedo, Charles Wagley, René Ribeiro, Marvin Harris, entre outros. O projeto Unesco produziu um amplo inventário sobre o preconceito e a discriminação racial no Brasil que evidenciou uma forte correlação entre cor ou raça e status socioeconômico.
A questão racial esteve presente na década de 1950 não só como tema de investigação patrocinada pelas Nações Unidas. Era uma questão política e existencial para intelectuais negros que se organizavam no período. Uma das mais significativas experiências de mobilização da época foi a revista Quilombo, que trazia como subtítulo "Vida, problema e aspirações do negro". Sob a direção do intelectual negro Abdias Nascimento, Quilombo foi publicada de dezembro de 1948 a julho de 1950 no Rio de Janeiro. A revista mereceu em 2003 uma edição fac-similar publicada pela Editora 34, financiada pela Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo e pela Fundação Ford.
Um importante intelectual negro, o sociólogo Guerreiro Ramos, participou da discussão e analisou a questão racial no artigo "Contatos raciais no Brasil", publicado em 1948 no número 1 da revista Quilombo. Para Guerreiro Ramos, a questão do negro não é uniforme no Brasil, há diferenças regionais e de classe; o preconceito de cor não equivale ao preconceito racial; o homem de cor assimila os padrões da cultura dominante e se vê segundo os padrões dos brancos; há ressentimento do homem de cor de posições mais baixas contra homens de cor de posição mais elevada; o Brasil não tem um sistema de castas (ou seja, é possível a mobilidade social); o mestiço se vê do ponto de vista do branco, tende a camuflar suas marcas; os traços culturais africanos são tratados como pitorescos, o que propicia a indústria turística do pitoresco; o padrão estético da população brasileira é o branco.
Nessa primeira abordagem sobre o tema, Guerreiro Ramos defende a integração do negro. Discute os mecanismos de integração e defende técnicas – como o processo catártico do teatro – capazes de libertar os negros dos ressentimentos e das ansiedades. O Teatro Experimental do Negro (TEN), criado em 1944 sob a direção de Abdias Nascimento, é expressão de uma elite de homens de cor e seria o melhor exemplo de experimento psicossociológico destinado a treinar os participantes nos estilos de comportamento das classes médias e superiores. Guerreiro fazia grupos de terapia como caminho para solucionar a ambivalência da subjetividade do homem de cor. Sua questão fundamental era a promoção social do negro, era prepará-lo para a vida social eliminando o ressentimento.
Em seus trabalhos posteriores, Guerreiro Ramos vai apresentar uma outra perspectiva sobre o tema das relações raciais. Em capítulo do seu livro Cartilha brasileira para aprendiz de sociólogo (1954), ele defende a necessidade de elaboração de uma consciência sociológica da situação do homem de cor. As relações raciais devem ser tratadas como um aspecto da sociologia nacional. Os problemas do negro, como do índio, são aspectos particulares do problema nacional e dependem da fase de desenvolvimento econômico do Brasil.
O problema do negro, diz ele, só existe se pensarmos que a sociedade deveria ser de brancos. O negro é ingrediente normal da população brasileira. O negro é povo e não é componente estranho de nossa demografia. Ao contrário, é a sua mais importante matriz demográfica. Guerreiro faz a denúncia do caráter patológico das atitudes do branco e da alienação do próprio negro ao assumir as mesmas atitudes. O negro é povo, e o povo irrompe nos anos 1950 na história do Brasil a partir da formação do mercado interno, da industrialização e do desenvolvimento.
O projeto Unesco, a revista Quilombo e a produção de Guerreiro Ramos são importantes momentos da luta anti-racista na história política e cultural do Brasil dos anos 1950.



Abdias Nascimento



Abdias Nascimento nasceu em Franca,

no interior do Estado de São Paulo, em

14 de março da 1914, neto de africanos

escravizados e filho de pai sapateiro e

mãe doceira. Estudou no Ateneu

Francano, formou-se como Contador, e

entrando no Exército, participou das

Revoluções de 1930 e 1932. Formouse

em Economia pela Universidade do

Rio de Janeiro, em 1938. Participou da

Frente Negra Brasileira, cujas

atividades foram encerradas pela

ditadura do Estado Novo (1937-1945).

Foi preso pelo Tribunal de Segurança

Nacional por protestar contra as

arbitrariedades do governo de Vargas.

Em 1944, fundou o TEN – Teatro

Experimental do Negro, do qual

participaram Solano Trindade e outros

intelectuais e artistas afrodescendentes.

O objetivo maior do TEN era

criar um espaço criativo nos palcos

brasileiros para o negro, excluído, à época, do meio teatral. No ano seguinte,

organizou, no Rio de Janeiro e em São Paulo, a Convenção Nacional do Negro,

com o objetivo de chamar a atenção da sociedade para a criminalização do

racismo, no momento em que a Assembleia Nacional Constituinte implantava um

novo ordenamento jurídico no país. Em 1950, organizou, no Rio de Janeiro, o

Primeiro Congresso do Negro Brasileiro. Formado na primeira turma do ISEB –

Instituto Superior de Estudos Brasileiros, fundou, em 1968, o Museu da Arte

Negra.

No ano seguinte, perseguido pela ditadura militar, exilou-se nos EUA, tendo

lecionado nas universidades de Yale, Wesleyan, New York e Temple. Atuou ainda

na Universidade de Ifé, na Nigéria. Nos anos 1970, participou de significativos

eventos internacionais sobre a cultura negra realizados no Brasil e no Exterior. A

África, a América Latina e os EUA testemunharam a sua forte atuação, lutando

sempre com o objetivo de colocar o negro no seu patamar de dignidade e

evidência. Com a abertura do regime militar, põe fim ao exílio e retorna ao seu

país de origem.

Abdias Nascimento participou ativamente da vida política do país, tendo sido eleito

Vice-Presidente Nacional do PDT, que ajudou a fundar. Foi responsável ainda

pela criação do IPEAFRO – Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros, na

PUC de São Paulo, e pela organização do Terceiro Congresso de Cultura Negra

das Américas. Em 1983, criou a Revista
Afrodiáspora, um órgão de divulgação

das atividades, dos problemas e das aspirações dos afrodescendentes,

 



especialmente nas Américas. O escritor foi protagonista de inúmeros fatos

históricos relevantes, entre eles, a criação do Movimento Negro Unificado, em São

Paulo. Ouçamo-lo:

Eu estava lá, em 1978, nas escadarias do Teatro Municipal, no

momento em que foi fundado o MNU. Depois, fizemos várias viagens

por todo o país criando núcleos do movimento negro na Bahia, em

Minas Gerais e na Paraíba, por exemplo
.

Em 1980, auxiliou na criação do Memorial Zumbi; em 1982, elegeu-se Deputado

Federal pelo PDT do Rio de Janeiro; na década seguinte, ocupou a cadeira de

Senador da República. Foi também titular da Secretaria de Direitos Humanos e

Cidadania do Governo do Estado do Rio de Janeiro. Nascimento foi o primeiro

deputado federal do país a desenvolver projetos de lei de políticas afirmativas.

Como suplente do antropólogo Darcy Ribeiro no Senado, assumiu a cadeira entre

1991 e 1992 e de 1997 a 1999.

Além de poeta, teatrólogo e artista plástico, Abdias Nascimento destacou-se como

cientista social e como autor de importantes trabalhos que tratam da temática afrobrasileira,

considerados referência obrigatória nesse campo de estudos. Foi

agraciado com os títulos de Professor Emérito da Universidade do Estado de Nova

York em Buffalo, EUA, e Doutor
Honoris Causa da Universidade do Estado do Rio

de Janeiro (1990) da Universidade Federal da Bahia (2000). Em 2001, recebeu o

prêmio “Herança Africana”, oferecido pelo Schomburg Center for Research in

Black Culture, o prêmio UNESCO, categoria direitos Humanos e Cultura da Paz e

o prêmio “Cidadania Mundial”, oferecido pela Comunidade Baha’i do Brasil.

Recebeu das mãos do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Ordem do Rio

Branco, no grau de Comendador, a honraria mais alta outorgada pelo governo

brasileiro.

Em 2003, lançou edição fac-similada do jornal
Quilombo, do Teatro Experimental

do Negro, contendo a reprodução dos números 01 a 10, que circularam entre

dezembro de 1948 e julho de 1950.

Sua defesa dos direitos humanos dos afrodescendentes lhe rendeu uma indicação

ao Prêmio Nobel da Paz em 2010. Em março, do ano seguinte, esteve entre as

lideranças negras convidadas para o encontro com o presidente norte-americano

Barack Obama.

Abdias Nascimento faleceu no dia 24 de maio de 2011, no Rio de Janeiro, um

pouco mais de um mês após completar 97 anos de idade



 










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