REPENSANDO NAÇÕES E
TRANSNACIONALISMOTemos visto recentemente centenas de escritos
sobre o nascimento recente de comunidades
culturais, econômicas, políticas e sociais que transcendem, transbordam e atravessam as fronteiras de múltiplas nações. Os defensores desta idéia tendem a identificar o começo do fenômeno com alguma transformação relativamente recente.
A tentativa nessa
matéria é estender as referências teóricas da amplitude do negro africano à afro
descendente na maior imigração transoceânica na história da humanidade data +- à
partir do Sec.XV, Foi com certeza mais ampla do que a imigração dos europeus
para as Américas ocorrida no mesmo período.
Ainda hoje, muitos descendentes daqueles africanos raptados se reconhecem como integrantes de “nações” diaspóricas, para usar um termo que é especialmente comum na América Latina, como existem também as naciones arará, congo e lucumí em Cuba, assim como as nações jeje, congo-angola e nagô no Brasil. De modo um pouco diferente, verifica-se a existência das nachons rada, congo e nago no Haiti.
Segundo o modelo
convencional de Nina Rodrigues, Arthur Ramos, Melville J. Herskovits e, em Cuba,
de Fernando Ortiz, essas nações eram grupos étnicos africanos que foram levados
para o Novo Mundo e, até certo ponto, lá “sobreviveram”.
Observando sempre
que: Essas nações eram frequentemente agrupamentos impostos a diversos povos e
as distintas ordens de categorias políticas, lingüísticas e culturais que foram
unificados primariamente com propósitos comerciais dos traficantes de escravos
que conforme alguns estudiosos chamam essas nações, ou categorias étnicas, de
“trademarks”, ou “marcas registradas”.
Isto não quer
dizer que esses agrupamentos não possuíssem afinidades culturais ou
potencialmente políticas. Suas afinidades reais, imaginadas ou potenciais
estavam entre as razões que fizeram com que acabassem sendo reunidos de modo
similar no Haiti, em Cuba e no Brasil — para não falar no restante da América
Latina.
Essas nações
ainda vivem de acordo com as denominações dos vários templos das religiões
afro-cubana e afro-brasileira, como o Candomblé, e dos vários deuses e ritmos de
tambor sagrados em Cuba, no Brasil e no Haiti.
A história parece
simples quando imaginamos essas nações no final do século XIX, e hoje em dia,
como sendo nada mais do que memórias esmaecidas do passado, como “folclore” de
certo modo diferente e desligado da realidade única da nação territorial.
Argumenta-se que essas nações eram originalmente “nações políticas africanas”,
mas foram “aos poucos perdendo sua conotação política para se transformar num
conceito quase exclusivamente teológico e ritual”
“A história do
termo “nação” não começou com o tráfico de escravos nem sequer com a formação da
nação territorial, ocorreu no final do século XVIII, pois desde muitos séculos,
e sim por imposições de cognatos nas línguas européias têm o sentido de um grupo
de pessoas ligadas nitidamente pela ascendência, língua ou história
compartilhadas a ponto de formarem um povo distinto”.
O que interessa
especificamente nisso tudo é o paralelo de dois usos rivais do termo, os dois
coincidindo com a colonização européia das Américas. Argumentando que a nação
territorial nas Américas emergiu não só de um diálogo isolado com a Europa, mas
também fortemente de um diálogo com as nações transatlânticas e territoriais
geradas pela colonização africana desses continentes.
A NAÇÃO
“VOODOO”
O termo voodoo em
inglês vem da palavra vodun, que significa“divindade” ou “deus” no grupo
dialetal ewe-gen-aja-fon do Golfo daGuiné — a oeste da localização contemporânea
dos yorùbá. Há muitos séculos, saíram várias dinastias da cidade de Tado,
atualmente no Togo.
Tais dinastias
fundaram os reinos de Allada, Dahomé e Hogbonou ou Porto-Novo. Elas e seus
súditos acabaram por falar diversos dialetos. Como súditos de diversos reinos,
esses grupos não pertenciama nenhum grupo politicamente unido. De fato,
achavam-se muitas vezes em guerra uns contra os outros.
Durante o século
XVII e começo do XVIII, o reino de Allada dominava o comércio com os europeus
nessa região. A oeste achava-se o famosíssimo Castelo de São Jorge da Mina, o
qual desempenhou um papel importante no comércio afro-europeu. Nesse período,
traficantes de escravos e viajantes europeus identificaram vários povos
adoradores dos voduns e chamaram-nos coletivamente de “Ardra/Arder/Ardres” (do
nome do reino de “Allada”) e “Minas” (do nome do Castelo de São Jorge da
Mina).
Em seguida,
encontram populações no Haiti chamadas de “Rada” e em Cuba de “Arara”. No Brasil
e na Louisiana francesa foram denominadas “Minas”. No entanto, em certo momento,
em meados do século XVIII, no Brasil, esses mesmos povos adoradores dos voduns
passaram a ser conhecidos como “Jejes”. Sendo este nome um mistério. Embora os
falantes de ewe, gen, aja e fon tivessem sido embarcados em maior número antes
de 1800, não foi encontrada nenhuma menção a esse nome no Golfo da Guiné até
1864, depois do fim efetivo do tráfico de escravos.
O termo “jeje”
aparece nos documentos brasileiros a partir de 1739, embora esteja ausente da
cartilha escrita no Brasil por Peixoto (1943-44). A adoração dos deuses vodun
deixa pouca dúvida de que a sua religião veio da zona entre o Castelo de São
Jorge da Mina.
Estabeleceu-se a
tradição etimológica brasileira de identificar a palavra “ewe” — o nome do
dialeto falado agora no sudoeste de Togo e no sudeste de Gana — como a origem do
termo “jeje”, que hoje em dia designa o dialeto do povo “mina” do Togo e do
sudoeste do Benin.
Até hoje, a
maioria dos terreiros da nação jeje auto declara-se “marrim”(mahi) (maxi) ou
“savalu”. Essa proeminência histórica dos Maxi na Bahia ajuda a entender a
raridade da cobra na religiosidade baiana no final do século XIX.
Os Maxi no Golfo
da Guiné praticaram pouco a adoração do deus-serpente. Mas como se explica a
ascensão do deus-cobra na Bahia no século XX ?
-É considerado
que a comunicação no começo deste século entre a Bahia e o Golfo da Guiné
implica o ressuscitamento da nação jeje e a adoção por parte da mesma do
deus-serpente como seu emblema. Os famosos marrins baianos que regressaram à
África e mantiveram contato com a Bahia normalmente, estabeleceram os seus
quartéis-generais não na terra interior dos Maxi, mas no litoral, onde a
adoração do deus-serpente era central na religião dos nativos.
A TRADIÇÃO
JEJE:
O VODUN JEJE
SOGBÔ E A PROVA DE ZO
A tradição dos
povos fons que aqui no Brasil foram chamados de Adjeje ou Jeje pelos yorubás,
requer um longo confinamento quando na época de iniciação. Essa tradição Jeje
exigia de 06 (seis) meses ou até 01 (um) ano de reclusão, de modo que o novo
vodun-se aprendesse as tradições dos voduns: como cultuá-los, manter os espaços
sagrados, cuidar das árvores, saber dançar, cantar, preparar as comidas e um
artesanato básico necessário a implementos materiais dos diferentes assentos,
ferramentas e símbolos necessários ao culto.
Para os povos
Jeje, os voduns são serpentes que tem origem no fogo, na água, na terra, no ar e
ainda tem origem na vida e na morte. Portanto, a divindade patrona desse culto é
Dan ou a "Serpente Sagrada".
Para o povo Jeje
os Voduns são serpentes sagradas e sendo as matas, os rios, as florestas o
habitat natural das cobras e dos próprios voduns. O ritual Jeje depende de muito
verde, grandes árvores pois muitos voduns tem seus assentos nos pés destas
árvores.
Outra
particularidade deste culto é de que quando as vodun-ses estão em transe ou
incorporadas com seu vodun: os olhos permanecem abertos, ou seja, os voduns Jeje
abrem os olhos, diferente dos orixás dos yorubás, que mantém os olhos sempre
fechados.
É comum no culto
Jeje provar o poder dos Voduns quando estes estão incorporados em seus
iniciados. Uma destas provas é a prova chamada Prova do Zô ou Prova do Fogo do
vodun Sogbô, que governa as larvas vulcânicas e é irmão de Badé e Acorombé, que
comandam os raios e trovões.
A seguir, cita-se
uma Prova do Zô feita com uma vodun-se feita para Sogbô, um vodun que
assemelha-se ao Xangô do Yorubás:
Num determinado
momento entra no salão uma panela de barro, fumegante, exalando cheiro forte de
dendê borbulhante, contendo dentro alguns pedaços de ave sacrificada para o
vodun. Sogbô adentra o salão com fúria de um raio, os olhos bem abertos (que
como expliquei é costume dos voduns) e tomando a iniciativa vai até a panela,
onde mergulha as mãos por algum tempo. Em seguida, exibe para todos os pedaços
da ave. É um momento de profunda emoção gerando grande comoção por parte dos
outros iniciados que respondem aquele ato entrando em estado de transe com seus
voduns.
CONCLUSÃO
O caso das nações
afro-latinas compromete a lógica primordialista da história convencional dos
grupos étnicos africanos, mas fala da literatura recente sobre a nação e o
transnacionalismo. Mas demonstra que comunidades diaspóricas, poderosamente
imaginadas, desenvolviam-se ao mesmo tempo que a nação territorial. E o fato que
essas “nações” diaspóricas criaram um vocabulário paralelo ao da nação
territorial.
Uma das chaves do
sucesso extraordinário dessas nações diaspóricas é que muitas pessoas negras e
mulatas não achavam convincente, de jeito nenhum, a“imaginação” da sua cidadania
na nação territorial. Consideravam-se, freqüentemente, excluídos dos direitos e
privilégios dessa cidadania.
Achavam mais
impressionantes e convincentes as formas de inclusão, imaginário literário e
pompa associados com as nações diaspóricas. Ademais, essas pessoas negras e
mulatas não estavam sozinhas nessa preferência; muitos brancos também aderiram e
continuam aderindo a tais circunstâncias.
No passado,
muitos antropólogos, historiadores e outros estudiosos da cultura negra tenderam
a supor que os cativos africanos nas Américas se originaram de grupos étnicos
africanos cujas culturas preexistentes “sobreviveram” na diáspora até elas
desaparecerem aos poucos pelo processo de assimilação.
Ao contrário, os
grupos africanos e afro-americanos mais importantes são transatlânticos na sua
gênese. Embora supostamente primordiais certos grupos étnicos na África não
teriam existido senão pelos esforços dos regressados da diáspora. O grupo étnico
jeje é um desses casos que estende a duração do fenômeno cultural e
politicamente transformador, que é atualmente chamado
de“transnacionalismo”.
“Vale observar que o mais marcante das singularidades africanas é o fato de seus povos autóctones terem sido os progenitores de todas as populações humanas do planeta, o que faz do continente africano o berço único da espécie humana. Os dados científicos que corroboram tanto as análises do DNA mitocondrial quanto os achados paleoantropológicos apontam constantemente nesse sentido”. |
Sou a alma que ontem nasceu no mundo. Sou filha da África, Dos olhos de pérolas, Do sorriso de marfim, Dos sons dos atabaques em noite de luar, Da roda de capoeira, Do jongo ao maculelê. Sou da raça que irradia perfume de alegria. Sou semente da história humana, De vida apesar de tanta dor. Dos canaviais e senzalas, Das mãos calejadas, exploradas e injustiçadas.
sábado, 13 de julho de 2013
REPENSANDO NAÇÕES E TRANSNACIONALISMO
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