sábado, 20 de julho de 2013

NOSSAS ORIGENS





NOSSAS ORIGENS
Somos uma casa que se esmera em manter suas raízes, raízes herdadas de Thuenda Dia Nzambi – Maria Genoveva do Bonfim, também conhecida como Maria Nenê, que recebeu como herança, de seu iniciador Roberto Barros Reis, um africano de Cabinda, o atual UnzóTumbensi, estabelecido a rua Nossa da Conceição, 206-E, bairro Beirú-Tancredo Neves, em Salvador-Ba.
Hoje sob a direção de sua herdeira espiritual e sobrinha carnal, de Thuenda Dia Nzambi, Senhora Gereuna Passos Santos, dijina Lembamuxi, e que é a Nengua atual da casa, a qual vem administrando espiritual e materialmente com muita propriedade.


Religiosidade
Entendemos por religiosidade toda pratica da fé e de suas manifestações populares. Por outro lado entendemos a religião como pratica política regimentada por crenças e dogmas.
Nesse caso, o candomblé é uma religião por religar o homem a Deus (Zambe), através de sua filosofia e saberes ancestrais a partir de um corpo sacerdotal e, ao mesmo tempo, somos uma religiosidade por estarmos abertos a crença e a diversas praticas populares espalhadas pelo Brasil.




Saberes Tradicionais no Candomblé de Angola



Saberes afins:
  • Tradição oral – relatos orais de mitos relacionados aos Mukichi, antigos sacerdotes e entidades;
  • Medicina popular – saberes relacionados às ervas, plantas e sementes;
  • Qualidade de vida – saberes relacionados ás regras de convívio e socio-habilidades;
  • Artesanato e costura – relacionados á confecção e costura de adereços aos Bankisi;
  • Toques e ritmos de origem africana;
  • Cuidados com o corpo e com o espírito, através da dança ritual e das limpezas no campo físico e espiritual;
  • O respeito para com a vida e natureza, a partir do contato com a natureza o culto do candomblé de congo-angola respeita e convive com a diversividade no contato entre o homem e a natureza pois em tudo há nguzu (força vital)




O QUE É UM NKISI



Nkisi plural Bankisi
  • o nkisi é uma força da natureza como o vento, a chuva, o raio, as águas doces, as águas salgadas, etc.
  • o nkisi também pode ser considerado a própria magia que se concentra nos elementos da natureza
  • no nkisi se concentra o ato transformador das coisas e dos seres






O Nzo Tumbansi Twa Nzaambi Ngana Kavungu



Práticas tradicionais
  • No Nzo além de cultuarmos divindades de origem bantu, como Nkosi, Katende, Mutaloombo, Ndanda-Nlunda, Nsumbu, Kavungu, Kingongo, Kitembu(Tempo), Nvunji, Uambulu Nsena, Kaiongo, Kapanzu, Nzumba, Kuk`etu, Kaité, Samba Kalunga, Kaitumba, Ngangalumbanda, Nlemba, Nkasuté, temos em nosso cotidiano diversas praticas litúrgicas como:
  • plantio e colheita de ervas,
  • refeições servidas a comunidade religiosa e extra religiosa,
  • aconselhamento através das entidades (caboclo-marinheiro)
  • Orientações através do jogo de búzios (kassueto e sanburá)






Jipangu Malunda Bantu
(Rituais)
  • Muanguna uá kisaba – Rito de separar folhas
  • Mutue kudia manhinga – Cabeça come sangue
  • Kudibala koxi kisaba – Rito de caída sob as folhas
  • Kudia ou Kuria mutue – Comida a cabeça
  • Kuenda Maianga – Ir para o banho ritual
  • Kuendenkua uá Maianga – Reza para maianga
  • Kuhandeka – Rito de iniciação
  • Kitanda – Ir ao mercado
  • Kadianga mivu – Primeiro aniversário






Praticas e Rituais


Rituais
  • Kakuinhi Iéia mivu – Décimo quarto aniversário
  • Kamakuinhi kadianga mivu – Vigésimo primeiro aniversário
  • Katatu mivu – Terceiro aniversário
  • Katula o jindemba - Ritual de tirar os cabelos
  • Kifundamenu – Rito para proteger a casa de culto e dar de comer ao guardião
  • Kituminu Pangu dia Mulange – Obrigação e rito do vigilante
  • Kituminu Ngunza ua muhatu – Obrigação das divindades femininas
  • Kituminu ia Nkosi – Obrigação de Nkosi
  • Kituminu Kizomba ia Kitembu – Obrigação e festa de Kitembu
  • Kituminu Uanda – Obrigação (Nsumbu)
  • Kufumala – Defumação
  • Kufunda – Cerimônia fúnebre no cemitério (enterro)
  • Kutâmbula Ntanda – Transmissão dos Direitos aos ensinamentos
  • Sakulupemba – Sacudimento.
  • Kukuana – Divisão da Comida
  • Kunda kubanga Mivu – Purificação do ano
  • Kutambula Nfita – Juramento
  • Kutambula Ntanda – Obrigação que autoriza os ensinamentos dos oráculos
  • Kutunda ia Lemba – Saída de Lemba entre outros





“Somos bantu ?”


Manutenção das Origens.

O Nzo Tumbansi não aceita inovações, não coloca em seus rituais nada que seja estranho à cultura bantu, principalmente à cultura bakongo (grupo etnolinguístico congo). No entanto entende que o Candomblé brasileiro, seja de que nação for, é uma criação brasileira e como tal deve permanecer.
Não somos africanistas e sim candomblecistas. No entanto, tem procurado com afinco livrar-se de rituais e discursos alheios à nação de congo-angola, buscando aquilo que realmente é de origem bantu e eliminando de seus rituais, públicos ou privados, elementos alienígenas a sua cultura, que é de extrato bantu. Luta com afinco e denodo contra a miscigenação entre nações, pois entende que o candomblé de congo-angola vem de uma cultura rica e extraordinária, não necessitando nem da língua, nem dos rituais, ou das vestimentas de outros grupos religiosos. Busca incessantemente uma identidade própria de angoleiro, procurando livrar-se de toda e qualquer influência de outros segmentos religiosos, sejam eles quais forem.
Manutenção da vida
Manutenção da vida
As práticas do candomblé de Angola se preocupa com a manutenção da vida, não somente do seu grupo de seguidores, pois sendo uma crença ancestral que não prega moral, e sim respeito as tradições, o candomblé atende todos aqueles que nos procuram com as portas abertas, independente de idade, raça, credo ou opção sexual.



Adereços com elementos artesanais, não industrializados


Adereços
Ao recolhimento cada mona nkisi, ou seja, cada filho de santo aprenderá confeccionar seus fios de conta, Mukangê (mascaras das entidades), assim como, todo material usado segue uma tradição artesanal, na utilização de palhas, sementes, conchas, tecidos de forma natural, onde o elemento humano se afasta de alguns utensílios modernos manufaturados, no sentido de voltar a África como traço de ancestralidade e tradição.


Nossas origens em busca do patrimônio nacional.




Nossas origens em busca do patrimônio nacional.
  • Devemos agora, pedir a ajuda de órgãos competentes em ajudar-nos a investigar a biografia de um dos mais importantes fundadores da tradição banto em terras brasileiras, nosso fundador, Roberto Barros Reis e de nossa Matriarca Maria Nenê, assim como as primeiras casas de feição bantu fundadas na Bahia e no Recôncavo. Conclamamos os historiadores e os estudiosos de cultura a se empenharem nesse trabalho, já que as outras nações já encontraram pesquisadores interessados no assunto.
  • Possivelmente, um trabalho de investigação de base histórica e antropológica para podermos trazer à luz da ciência as verdades que ainda permanecem escondidas aos olhos do povo-de-santo angoleiro, espalhados pelo Brasil e do público em geral. Pois o candomblé de Angola também faz parte do patrimônio da cultura nacional brasileira, assim, certamente descortinaremos parte da nossa cultura, cultura essa afastada propositalmente dos bancos escolares já que encontramos marcas dialetais e linguísticas espalhadas de norte a sul, que falam e reproduzem termos lexicais, fonéticos e regionais das línguas bantu que de certa forma afastaram a língua portuguesa praticada no Brasil da língua portuguesa escrita e falada em Portugal.
  • Descobrir tais evidencias como a biografia de lideres importantes da resistência negra no Brasil, é de certa forma, introduzir ao negro contemporâneo a autoestima de seus aportes étnicos que construíram uma nação hibrida e forte como a nossa.


A Historia do Povo Bantu
A Historia do Povo Bantu
A grande maioria dos 11.000.000 habitantes que formam a população de Angola, são de origem Bantu. No entanto, outra considerável parte é formada por misturas que começaram muito cedo: primeiramente. entre os diversos grupos que migraram para o território e depois com Europeus (na grande maioria Portugueses) durante a colonização.
Existem ainda algumas minorias que não são Bantu, como os Bochimane e um considerável número de Europeus. Há 3000 ou talvez 4000 anos atrás, os Bantu sairam da selva equatorial (a região que é hoje ocupada pelos Camarões e pela Nigéria) e dividiram-se em dois movimentos diferentes: para o Sul e para Este criando a maior migração jamais vista na áfrica. De causa desconhecida, esta migração continuou até ao século XIX. A selva equatorial era uma área de passagem impossível. Só o machado ou o cutelo, a rápida e nutritiva produção de banana e o inhame possibilitaram uma façanha que durou séculos. O excelente nível de nutrição deu lugar a uma invulgar explosão demográfica. A exuberância da selva equatorial, os rios e lagos das grandes savanas, tão bons para a agricultura e a descoberta do ferro - um mineral muito comum na áfrica - deram força à grande aventura. Caminhando sempre em direcção ao Sul. estes vigorosos, armados, organizados e jovens povos, venceram e fizeram escravos os indefesos pigmeus e os Bochimane.
O nome Bantu não se refere a uma unidade racial. A sua formação e migração originou uma enorme variedade de cruzamentos. Existem aproximadamente 500 povos Bantu. Assim, não podemos falar de uma raça Bantu, mas sim de povo Bantu, isto significa uma comunidade cultural com uma civilização comum e linguagens similares. Depois de muitos séculos de movimentações, cruzamentos, guerras e doenças, os grupos Bantu mantiveram as raízes da sua origem comum. A palavra Bantu aplica-se a uma civilização que manteve a sua unidade e foi desenvolvida por pessoas de raça negra. O radical ntu, vulgar para a maioria das línguas Bantu, significa homem, ser humano e ba é o plural. Assim, Bantu significa homens, seres humanos. Os dialectos Bantu, e existem centenas, têm uma tal semelhança que só pode ser justificada por uma origem comum. Os povos Bantu, além do semelhante nível linguístico, mantiveram uma base de crenças, rituais e costumes muito similares; uma cultura com características idênticas e específicas que os tornam semelhantes e agrupados.
Fora da sua identidade social, são caracterizados por uma tecnologia variada, uma escultura de grande originalidade estilística, uma incrível sabedoria empírica e um discurso forte e interessante com sinais de expressão intelectual. As línguas faladas hoje em Angola, são por ordem de antiguidade: Bochiman, Bantu e Português. Das três só o Português tem uma forma escrita. Os dialectos Bantu, apresentam uma unidade genealógica. Homburger, um eminente estudioso do Bantu diz que o primeiro ponto obtido no domínio da linguística comparada foi a unidade dos povos Bantu. Também diz, tendo em conta a história desta unidade, que os primeiros descobridores Portugueses viram que os Angolanos conseguiam comunicar com os povos da costa Moçambicana. Os Bantu Angolanos estão divididos em 9 grupos etnolinguísticos: Quicongo, Quimbundo, Luanda-Quioco (Tchôkwe), Mbundo, Ganguela, Nhaneca-Humbe, Ambó, Herero e Xindonga, que por seu turno estão subdivididos em cerca de 100 subgrupos, tradicionalmente chamadas tribos.

História Bantu
Kubokuesa kuna Kimbundu
(Introdução ao Kimbundo)
O Kimbundu e os grupos linguísticos africanos; o grupo Bantu, inserido na família Congo-Cordofaniana
A grande maioria dos linguistas está de acordo em como, no Continente Africano, as línguas se dividem por quatro grandes famílias: a Afroasiática (inclui as línguas Berberes do Norte de África, as Cushitas da Etiópia e da Somália e ainda as semitas, abrangendo o hebreu, o árabe e o aramaico), a Nilo-Sahariana (constituída pelo Sudanês, o Sahariano e o Songhai), a Niger-Congo ou Congo-Cordofaniana (inclui numerosos grupos predominantes para sul do Sahara, de que destacamos os Bantu, para sul do Equador) e Khoisan (línguas dos Pigmeus da floresta tropical do Congo Democrático e línguas faladas “com estalinhos” pelos povos !Kung, vulgarmente conhecidos como Hotentotes, Bosquímanos ou, em Angola, Mucancalas)[1]. O Kimbundu é uma língua do grupo Bantu, pertencendo à família linguística Niger-Congo ou Congo-Cordofaniana. é plural de muntu, radical comum a quase todas as línguas do grupo. Muntu quer dizer indivíduo, pessoa, ser humano, significando, portanto, bantu, indivíduos, pessoas ou seres humanos. Em Kimbundu, a palavra mutu significa pessoa, sendo o seu plural, atu, pessoas, gente. Pelos exemplos acima indicados, podemos desde já concluir que a principal característica das línguas Bantu é o facto da flexão – isto é, a formação do género, feminino ou masculino, e do número, singular ou plural – se fazer por meio de prefixos.
Nações Bantu de Angola; diferenças dialectais nos subgrupos mbundu; o kimbundu de Ambaka
O território de Angola situa-se quase exclusivamente dentro da área de difusão das línguas bantu. São nove as nações bantu de Angola, correspondendo a cada uma delas uma língua diferente:
Nação
Idioma
Bakongo
Kikongo
Mbundu (ou Ambundu)
Kimbundu
Lunda-Tchokwe
Tutchokwe
Ovimbundu
Umbundu
Ganguela
Tchiganguela
Nhaneka-Humbe
Lunhaneka
Herero
Tchiherero
Ovambo
Ambo
Donga
Xindonga
De todas estas nações, só os territórios dos Mbundu, dos Ovimbundu e dos Nhaneka-Humbe se circunscrevem ao espaço angolano. Os das outras são todos atravessados pelas fronteiras políticas delineadas após a Conferência de Berlim de 1885. Os Bakongo, por exemplo, repartem-se pelos estados de Angola, Congo Democrático e Congo Popular, os Lunda-Tchokwe, cujo território é atravessado pelo rio Kassai, dividem-se entre Angola e o Congo Democrático, na província do Katanga (ex-Shaba), os Ganguela entre Angola e a Zâmbia e, finalmente, os Herero, os Ambo e os Donga, entre Angola e a Namíbia.Cada uma destas nações é dividida por diversos subgrupos, a cada um dos quais corresponde uma variante dialectal. A nação Mbundu reparte-se por 11 subgrupos (ou etnias), disseminados pelas províncias de Luanda, Bengo, Malanje, Kuanza Norte e ainda pequenas bolsas no Uíge e no Kuanza Sul. São, portanto, 11 as variantes do Kimbundu, consoante a difusão geográfica dos 11 povos que constituem esta nação: Ngolas, Dembos, Jingas, Bondos, Bângalas, Songos, Ibacos, Luandas, Quibalas, Libolos e Quissamas.O Kimbundu, à semelhança das outras línguas bantu, não tem tradição escrita. Os primeiros a escrevê-la e a estudar-lhe as regras gramaticais foram os missionários capuchinhos e jesuítas de Ambaka. Fizeram-no com o fim de ensinar a língua portuguesa e o catecismo aos africanos. Foram eles que introduziram os princípios ortográficos ainda hoje vigentes.Nos séculos XIX e XX surgem estudiosos do Kimbundu, de onde destacamos Héli Chatelain, Cordeiro da Matta, António de Assis Júnior e Óscar Ribas.
Ortografia e fonologia
O Kimbundu deve sempre grafar-se com escrita sónica. As cinco vogais, a, e, i, o, u, são todas abertas. Antes de outra vogal, ie u funcionam como semi-vogais.mbcomo em mbambi, “gazela”, “frio”nvcomo em nvula, “chuva”nd como em ndandu, “parente”ngcomo em ngiji, “rio”nj como em njila, “pássaro”, “caminho”h como em hima, “macaco”, distinto de ima, “coisas”O m e o n servem para nasalar, daí que tenham surgido, por exemplo, vocábulos como Angola derivado de ngola (rei) ou embondeiro derivado de mbondo (árvore).O h é sempre aspirado, como em henda (graça, misericórdia).O r é sempre brando e pode ser trocado por d ou, menos frequentemente, por l. Por exemplo, kitari ou kitadi (dinheiro), ditadi ou ritari (pedra); kudia ou kuria (comer); kolombolo ou koromboro (galo).O k substitui sempre o q da língua portuguesa, bem como o c antes de a, o e u.O g nunca tem o valor de j, mesmo antes de e ou i. Ndenge (mais novo) e ngindu (trança) lêm-se ndengue e nguindu.O som nh deve, em nosso entender, escrever-se como em português, embora haja quem escreva ni ou ny. Por exemplo, dikanha, dikania ou dikanya (tabaco).Não vemos, de resto, necessidade do emprego do y em Kimbundu, embora certos autores o usem enquanto prefixo para fazer o plural de ki. Em tal caso sugerimos a grafia i.
Classes nominais e concordâncias
Nas línguas bantu, os nomes substantivos ordenam-se em classes ou grupos consoante os pares de prefixos que definem os singulares e os plurais. O Kimbundu tem 10 classes nominais.
CLASSES SINGULAR PLURAL EXEMPLO
1ª muamutu, atu – pessoa(s)
2ª mumimutue, mitue – cabeça(s)
3ª kiikima, ima – coisa(s)
rimaritari, matari – pedra(s)
5ª umauuta, mauta – arma(s)
lumalulumbu, malumbu – muro(s)
7ª tumatutubia, matubia – fogo(s)
8ª kumakukuria, makuria – comida(s)
9ª jimbiji jimbiji – peixe(s)
10ª katumona tuana – criança(s)
Estes prefixos absolutos, que designam a classe a que o nome pertence e o número em que se encontra, distinguem-se dos prefixos concordantes, que enumeraremos consoante as classes e o número a que correspondem.
CLASSE SINGULAR 
PLURAL
1ª uaa
2ª uaia
3ª kiaia
4ª riama
5ª uama
6ª luama
7ª tuama
8ª kuama
9ª ia--
10ª katua
A concordância faz-se, em kimbundu, através do prefixo do substantivo que inicia a frase e lhe serve de sujeito.Exemplifiquemos:Mubika uami uakala umoxi / Abik’ami akala atatuO meu escravo era um / Os meus escravos eram trêsMukolo uami uakala umoxi / Mikolo iami iakala itatuA minha corda era uma / As minhas cordas eram três
Kialu kiami kiakala kimoxi / Ialu iami ikala itatu
A minha cadeira era uma / As minhas cadeiras eram três Rilonga riami riakala rimoxi / Malonga mami makala matatu O meu prato era um / Os meus pratos eram três
Uta uami uakala umoxi / Mauta mami makala matatu
A minha arma era uma / As minhas armas eram três
Lumbu luami luakala lumoxi / Malumbu mami makala matatu
O meu muro era um / Os meus muros eram três
Tubia tuami tuakala tumoxi / Matubia mami makala matatu
O meu fogo era um / Os meus fogos eram três Kuria kuami kuakala kumoxi / Makuria mami makala matatu A minha comida era uma / As minhas comidas eram três
Mbiji iami iakala imoxi / Jimbiji jami jakala jitatu
O meu peixe era um / Os meus peixes eram trêsKamona kami kakala kamoxi / Tuana tuami tuakala tutatuA minha criança era uma / As minhas crianças eram três.
Menino pobre de Luanda, com o seu papagaio de papel, desenho de Neves e Sousa.
Um pouco de cultura Bantu
Mpambu na língua Kikoongo, uma das linguas faladas em Angola(África), significa: Encruzilhada. N`jila em Kikoongo significa: Caminho.
Pambu N`jila, que pode ser traduzido como “Aquele que conhece o caminho mais curto”, são os mensageiros que transitam entre o natural e o sobrenatural, trazendo aos homens os desígnios dos Makisi e levando a Eles as suplicas e as oferendas dos homens. Receberam por este trabalho o título de Aluvaiá (mensageiro). São sempre e em qualquer ocasião os primeiros a serem chamados, a receberem oferendas, etc. São os nossos Guardiões (Nlundi), que abrem e fecham as “porteiras” de nossa aura, permitindo ou não a penetração das energias com as quais lidamos e convivemos durante toda a nossa vida. Se nosso contato com Eles for fraco, menos força Eles têm para nos defender. A cada vez que levamos nosso pensamento a Eles, acendemos uma vela oferecendo-a a Eles, uma garrafa de cachaça entregue na encruzilhada, uma rosa vermelha, seja o que for, estamos nos ligando a Eles e, portanto, fortalecendo nossa ligação. Ao acordarmos devemos agradecer a Nzambi Mpungu pela noite e pela nova oportunidade de mais um dia e saudarmos o nosso Guardião solicitando que possamos contar com Ele por mais um dia.Muitos querem igualar os Pambu N`jila ao diabo, por total ignorância, colocando Neles chifres e rabos. Diabo vem da palavra diavolo que significa “o mentiroso” e a palavra demônio é formada por demos, que significa povo (democracia, demonstração, etc.) e ions, que significa ligação; portanto podemos afirmar que Pambu N`jila é um demônio e que o diabo nem demônio é. Em kikoongo a palavra que os padres que montaram o dicionário de português-kikoongo e kikoongo-português, encontraram para diabo foi “temba” que, ao pé da letra, significa “o mal dentro de nós”, pois nossos Ancestrais, assim como nós, não acreditamos em um ser extracorpóreo que nos force ou nos conduza a praticar o mal contra a nossa vontade. A palavra tentação vem de tester (grego) que significa teste ou prova. Quando caímos em tentação, na realidade estamos enfrentando um teste ou uma prova, que só nossa consciência, pelo livre arbítrio, poderá suplantar ou não, deixando-nos, sempre, responsáveis pela conseqüência de nossos atos, pensamentos e palavras.As cores reservadas a eles são a preta e a vermelha juntas. Embora respondam a qualquer hora, dia e lugar, nós lhes reservamos as segundas-feiras.
Koluki: O Imaginário Bantu na Cultura Angolana
Contrariamente ao que pretendem fazer convencer alguns, sem sucesso, o imaginário indígena brasileiro, embora marginalizado, é basicamente índio. A dignificação do negro, agrupamento humano de origem alógena, na literatura brasileira é um fenómeno recente, mais a mais, na telenovela, em que ainda aparece a fazer os papéis mais baixos reservados na escada social, - moleque ou doméstica.
Vale recordar que, só com a Semana da Arte Moderna em 1922 é que o negro brasileiro conquistou o seu papel de sujeito na literatura brasileira.
Pretender o contrário para a literatura angolana é falsear a evolução do fenomeno literário angolano, como procuraremos demonstrar à luz da raiz da sua cultura. Ou seja, trago o assunto doutro modo: “in limini”, o angolano assume-se como sujeito da sua literatura no conflito civilizacional entre o colono e o colonizado. A literatura angolana emerge da manifestação inequívoca deste direito à diferença, uma identidade literária distinta da potência colonial, como uma reação ao labéu racista da inferioridade congenital do negro angolano, será estribado na polémica do “A voz de Angola clamando no deserto”, em 1902. “Mutatis mutandis”, já vai mais de um século, e a história parece querer repetir-se a todo gás e a todo tempo...
O imaginário angolano é, primacialmente, veiculado nas línguas maternas angolanas de origem bantu, cujas ocorrências são detectadas em empréstimos e coloquiasmos embebidos na literatura angolana, para não falarmos dos provérbios, fábulas, contos e adivinhas, recolhidas e trabalhadas por Óscar Ribas, Raúl David, Costa Andrade, S. Cacueji, Rosário Marcelino, etc, ou mesmo atravessados nos textos narrativos e poéticos de Agostinho Neto, Viriato da Cruz, António Jacinto. O pregão e o drama do “modus vivendi” da quitandeira, metonímia do sofrer colectivo (lutando pela vida), é paradigmático nestes autores, bem como enquanto cultora e transmissora dos valores antigos de geração para geração, veiculados por via da oralidade.
Jofre Rocha, Jorge Macedo, Timóteo Ulika, expressamente em “Kandudu”, sem esquecer os prosadores e poetas da nova fornada despoletada nos anos 80, nomeadamente, António Fonseca, recolhendo peças da oralidade kikongo e não só, Jacinto de Lemos, este resgata os coloquialismos dos musseques, bebendo empréstimos linguísticos decorrentes da interpenetração idiomática entre a primeira e segunda línguas. O mesmo ocorre com outros poetas como Panguila, Curry Duval, Lopito Feijó, Luís Kandjimbo e dos também ficcionistas Cikakata Mbalundu e Rosária da Silva e Miguel Júnior, este último no seu texto narrativo “kikinhas da fonseca”, cuja indumentária, autêntico modelo de representação cultural e simbólica dos ilhéus, do “hinterland” de Luanda, tende a desaparecer, daí que os escritores e demais homens de cultura deverão curar da sua reabilitação e preservação.
A contribuição desses e outros autores não se esgotam no âmbito sócio-linguístico, assim sendo, fazem apelo ao ambiente e espaço tributário do nosso contexto “local”, geografia física e emocional que presidem o aludido imaginário identitário.
A literatura angolana é uma expressão da cultura angolana e africana, pois, por mais que doa a muito boa gente em “crise permanente de identidade”, a literatura angolana não é resultante da cultura portuguesa, embora seja primacialmente, não exclusivamente, cultivada em língua portuguesa. Esta é devedora do contexto plurilinguístico e multicultural das suas ocorrências em Angola, que se distingue e contradistingue do vernáculo falado em Portugal. Mesmo em Portugal, a língua não ocorre da mesma maneira em Trás os Montes, em Setúbal ou em Belém e no Algarve. Basta ver que enquanto uns falam vinho outros falam binho; enquanto outros falam Bié outros ainda falariam Vié, o que já deu motivo para “trazer água na barba” ou “pôr as barbas de molho, quando a palhota do vizinho estiver a arder”, - provérbios que dizem respeito ao imaginário português e que presidiriam o imaginário colonial ou neocolonial nos dias que correm. De resto, o imaginário português será o filão espiritual que enforma a sua cultura, substrato em que assentará a literatura portuguesa e seus afluentes. Disso se ocupara com proficiência e autoridade o pensador português Eduardo Lourenço. Convenhamos ainda que, a literatura portuguesa será aquela em que se deverá encaixar a literatura exótica cultivada por colonos ou neo-colonos em Angola. O caso de Geraldo Bessa Victor e companhia é paradigmático.
Nestes termos, a literatura angolana, apesar de exercitada maioritariamente em Português, traz no seu substrato a cultura angolana, cuja matriz é africana e bantu. A literatura angolana será, por maioria de razão, representada simbolicamente por aquela franja que se revê basicamente nesta matriz bantu, tudo resto será subsidiário e periférico, e qualquer tentativa de colocar um subgrupo marginal (no sentido antropológico do termo) ou que se assume como “gueto” sócio-linguístico, cultural ou rácico no seu centro, estará viciada e peca por defeito ou por excesso (dependendo do julgamento de valor de cada um), `a partida , refletindo uma profunda crise de identidade cultural, geradora de conflitos ainda que latentes.

DESIGNAÇÃO: MWANA MPWEVO
DESCRIPÇÃO: Máscara feita em madeira, representando figura feminina, utilizada em cerimônias ligadas aos ritos da puberdade e a outras cerimônias sociais.
ORIGEM: Ovingangela
FUNÇÃO: Animadora de cerimônias
MATÉRIA: Madeira e Fibras
DIMENSÕES: 30 cm x 25 cm
A peça Mwana Mpwevo, é feita em madeira e fibras vegetais representando a beleza da mulher Ngangela. Ela retratada de forma ousada, os pormenores dos elementos que integram o conceito de beleza feminina no imaginário dos Ngangela. É sempre usada por um homem, em cerimônias sociais ou rituais.
A face em madeira tratada, banhada em sucos vegetais avermelhados, e o toucado elaborado a partir de fibras vegetais.
A máscara Mwana Mpwevo atualiza o papel determinante da mulher com base no regime matriarcado.
É muito apreciada na comunidade, pelo que não admira o pormenor do seu embelezamento e o naturalismo de suas feições. De realçar o realismo inerente às tatuagens, particularidade muito apreciada na beleza da mulher Ngangela.
O toucado é feito com borbotos em fibras vegetais empapados em argila vermelha. De trás de toucados e na base da máscara aparece rede que se liga ao fato do bailarino.
DESIGNAÇÃO: MBUNDA
DESCRIPÇÃO: Máscara com a função de dispor bem. Feita em fibras vegetais, varas, missangas, alfinetes e botões.
ORIGEM: Ovingangela
FUNÇÃO: Cria buo disposição entre os participantes em cerimônias rituais e sociais.
MATÉRIA: Fibras vegetais, troncos, missangas, alfinetes de latão e botões.
DIMENSÕES: 50,5cm x 20 cm
A máscara Mbunda está presente nas cerimônias mais diversas (rituais da puberdade, casamento, nascimento, entronização), e tem como função primeira criar um ambiente hilariante entre os circundantes. O gesto do bailarino recai principalmente na exibição de movimentos eróticos, utilizando muitas vezes acessórios para propositadamente provocarem momentos de feição cômica no evoluir da sua exibição.
Participa em cerimônias várias, fazendo peditórios a favor dos atores sociais intervenientes nas referidas cerimônias.
Também designada por Likisi ou Cinganji, é feita de fibras vegetais e ornamentada com partícula em argila, botões e alfinetes.
--------------------------------------------------------------------------------------------------
Kibatulu/Mambu
(Artigo/Opinião)
Estatuetas: arte popular com símbolos mágicos
O pensador é a mais famosa estatueta angolana. É considerada uma obra de arte fidedignamente angolana, figura emblemática do país, que aparece, inclusive, na filigrana das notas de kwanza, a moeda do país.
Katwambimbi
Na tradição cultural angolana, as estatuetas são usadas em ritos mágico-religiosos, desempenhando a função de amuletos que conteriam forças ou seres sobrenaturais.
Uma das práticas utilizadas nesses ritos e na adivinhação, em consulta feita por uma pessoa interessada numa intervenção contra um mal, seja ele físico (doença) ou social. O sacerdote (nganga) utiliza vários processos de adivinhação, geralmente com objetos que simbolizam qualquer coisa, como estatuetas.
A adivinhação na região de Luanda é feita de modo simplificado, usando apenas o muxakatu, pedaço de madeira talhado com várias ranhuras, onde é friccionada uma vara. No nordeste de Angola, e etnia lunda-tchokwe ainda usa o cesto de adivinhação, chamado de ngombo, do qual o sacerdote adivinhador retira pequenas figuras esculpidas em madeira, as quais irão determinar a sorte do consulente. Foram estas figuras que resultaram na mais famosa estatueta angolana, “O Pensador”.
É considerada uma obra de arte fidedignamente angolana, uma figura emblemática do país e que aparece inclusive na filigrana das notas de kwanza, a moeda nacional. Mas o Pensador tem origem numa tradição “inventada” ou “convencionada”.
Na verdade, os primeiros Pensadores angolanos foram esculpidos nas oficinas do Museu de Dundo, em data posterior a 1947. Neste ano, por iniciativa da Diamang, a então Companhia dos Diamantes da Luanda, foi criado no povoado de Dundo um museu de arte tradicional e de coleções etnográficas e arqueológicas.
Os funcionários da empresa, na maioria belga e portuguesa, chegaram a contratar artesãos locais e instalaram-nos em oficinas, incentivando-os a esculpir na madeira ou a modelar no barro figuras que fossem genuinamente “nativas”, mas ao mesmo tempo interferindo, no sentido de aproximar as formas de uma estética que julgavam ser mais convencional, no sentido ocidental.
Houve casos, por exemplo, de figuras míticas africanas cujos pés, seguindo a tradição, eram grandes e foram reduzidos por razões “estéticas”. A invenção do Pensador angolano deve-se a um caso destes. Ao conhecer figuras usadas nos ritos de adivinhação, os europeus induziram os africanos a criar uma figura que, de algum modo, se assemelhasse a uma estatuária de origem grega, particularmente cara aos escultores europeus renascentistas, como Leonardo da Vinci ou Rodin: o Pensador.
Na origem do Pensador estão algumas figuras do cesto de adivinhação tahi (tchokwe). Se virmos o simbolismo de qualquer uma delas, verificamos que, curiosamente, nenhuma sugere atitude introspectiva, pelo menos na acepção grega clássica.
Katwambimbi é uma dessas figuras. Representa um momento de lamentação (carpideira).O seu aparecimento vaticina infortúnio, se junto dela não surgir outra peça que amenize esse prognóstico. Personagem figurada com as mãos à cabeça, está relacionada com feitiços mbimbi, com os quais o adivinho previne o consulente contra injúrias, aconselhando o uso de amuletos para defesa principalmente das crianças.
A estatueta designada por kalamba e kuku wa Pwo (ascendente feminino), tem uma das mãos no queixo e a outra colocada sobre o ventre. Personifica o estado de apreensão, agonia e receio de fantasmas; vaticina mal iminente e pode indicar que o consulente não tem sorte porque esqueceu os seus antepassados (paternos e maternos) ou que uma herança não foi bem repartida pelos seus descendentes. Se a figura aparecer de cabeça no meio das outras, é sinal de vida, mas se surgir deitada ou de pé, aumentam as preocupações de uma futura mãe. Junto ao símbolo upite (riqueza) indica dívida ou roubo; com chota (casa do povo) prevê prejuízos na casa, no gado ou na agricultura.
Estatueta de homem e mulher unidos pode anunciar ao consulente descendência, questões resultantes de dote da noiva não satisfeito, ou lembrar compromissos entre duas pessoas. Se for uma estatueta estilizada representando três, quatro ou cinco pessoas em fila indiana, sobre uma base comum, vaticina um mal apanhado durante viagem ou proveniente de coisas que foram transportadas; com upite (riqueza), bom prestígio, e com tchilôwa (feitiço), é fatídico. Lembra ao viajante que deve respeito aos ídolos que encontrar no seu caminho e que só se pode abordar o feiticeiro quando este estiver sozinho, longe do povoado.
Já uma estatueta de mulher grávida significa recomendação para o consulente construir um altar próprio e usar amuletos propícios à natalidade, como jinga, chisola ou ruemba, para evitar espíritos de mulheres que faleceram durante o parto.




Excisão como Iniciação Sexual e Religiosa em Mulheres Negro-Bantu
Excisão como Iniciação Sexual e Religiosa em Mulheres Negro-Bantu
*Rufino Waway Kimbanda
O artigo trata da infibulação - remoção parcial ou total do clitóris para evitar o intercurso sexual da mulher - na cultura bantu. É um costume africano, presente também no mundo árabe, que provoca a indignação de ocidentais, mas que se acha arraigado em práticas milenares. Mostra o lugar ocupado pela mulher naquelas sociedades e a visão que as mesmas têm da sexualidade feminina. O autor entende que a justificativa de tal prática tem um fundo mítico-religioso profundo. É um ritual sacrificial de iniciação de características machistas, uma vez que a sociedade negro-bantu é de caráter hiero-antropocêntrico. A esta hipótese, acrescenta a de que tal costume se destine a regular a relação conjugal homem-mulher no casamento.
Palavras-chave: infibulação; cultura bantu; sexualidade e religião, rituais de iniciação.


Premissas
No decorrer da pesquisa de doutorado que realizo sobre a identidade negro-africana num contexto religioso de convivência intercultural, me vi às voltas com um fato curioso e assustador: a prática da circuncisão do homem e da excisão da mulher na sociedade negro-africana. No entanto, nota-se que, mais do que nunca, cresce a consciência de que a excisão da mulher se põe como um problema para a sua saúde física e psicológica. Desde os anos 80 do séc. XX essa prática foi denunciada pela Organização das Nações Unidas (ONU), que estimava em 70 milhões as mulheres mutiladas. De lá para cá proliferam denúncias que chegam aos ouvidos da comunidade internacional praticamente de modo esporádico e tímido, sem organização de luta. No entanto, a excisão continua nos "bastiões tradicionais" que defendem o paradigma de “identidade imutável” e enclausurada no esquema do poder patriarcal que explora a mulher africana.
Defender a libertação da mulher africana e promover sua saúde é, certamente, um compromisso urgente e relevante. Mas nesta breve reflexão nossa curiosidade põe, como ato primeiro, o entendimento do sentido da prática de excisão desde o contexto onde ela ocorre, antes de formular qualquer juiz de ordem ética. Perguntamo-nos: o que explica a prática de excisão entre as mulheres negro-bantu?
Suspeitamos de que haja uma marca religiosa que justifique prática tão cruel como a excisão, já que a sociedade negro-banto possui uma hermenêutica de tendência hiero-antropocêntrica. A esta hipótese de caráter religioso, acrescentamos a possibilidade de a prática ter função reguladora dentro da relação conjugal homem-mulher.
A pesquisa traz informações recolhidas junto dos filósofos e antropólogos no âmbito religioso - os negro-africanos Aléxis Kagame e John Mibiti - e de africanistas. É preciso fazer logo a observação de que nem todos os grupos bantu realizam estes ritos de iniciação; há grupos que os desconhecem e outros que os praticam parcialmente. Por isso, as nossas afirmações referem-se só aos grupos que exigem os ritos de iniciação. Para esta exposição elegemos alguns pontos, considerando que o nosso espaço é limitado.
Ritos da puberdade
No seu livro Cultura tradicional banto, Raul Altuna (1985:279) situa a prática da excisão entre os ritos de celebração da puberdade. Esta constituiria uma das fases da iniciação à vida comunitária. A excisão é cerimônia inaugural dos ritos de puberdade. Portanto, sua prática deve ser entendida como rito da fase de puberdade, como iniciação à vida de comunidade. Sem ela, a mulher não se vai "fazendo", completando, realizando. Só a excisão a situa no lugar religioso e social exato, torna-a apta para as suas responsabilidades e lhe permite movimentar-se com eficácia na pirâmide vital interativa.
O negro ou a negra guardam no maior sigilo o que viveram.; há referências mítico-místicas que desconhecemos, que utilizam linguagem e nomes cifrados, esotéricos, que nunca se revelam ao profano. Entre os segredos familiares, clânicos e étnicos que o banto guarda zelosamente, os referentes à iniciação ocupam lugar à parte. É nosso intento explicar o significado dos ritos de iniciação na puberdade da mulher bantu. A iniciação da menina para a vida comunitária, os chamados “ritos de iniciação na puberdade”, além de se apresentarem como os mais chamativos desta cultura, revestem-se dum claro significado e da mais vistosa exterioridade. Como situam as jovens no seu lugar dinâmico da vida cultural, social, política e religiosa do grupo, podemos considerá-los como o fundamento da comunidade, o suporte da religião e da garantia da continuidade da solidariedade. A consciência-experiência que a africana possui, de ser pessoa responsável no dinamismo humano-místico, é obtida por meio da iniciação. Por isso a mulher adulta não-iniciada, não gerada por esses ritos, é um indivíduo não-apreciado; carece do estatuto de gente; permanece excluído da sociedade. As mulheres rejeitam os homens não-iniciados e a sua condição de "associais" os equipara a um ser estranho à comunidade. Fica um ser incompleto. Não “passou”, por isso não “renasceu”. Não é homem perfeito, nem encontra lugar na sociedade por causa da sua ambigüidade. Não legalizou a virilidade nem está emancipado.
Iniciação das meninas púberes
Os ritos de passagem e iniciação da menina púbere não têm quase relevo nas sociedades matrilineares. Ou desapareceram, ou ficaram reduzidos a insignificantes ritos simbólicos.
Em Angola, por exemplo, a iniciação é praticada por vários grupos: Ganguela, Tshokwe, Nhaneka-Humbe, Ambó. A menina deve ser iniciada quando lhe aparece a primeira menstruação. Em alguns grupos, iniciam-nas antes e, noutros, depois de passar dois anos ou mais; associam-na, ainda, ao contrato matrimonial.
Em alguns grupos, estes ritos duravam meses e até anos. Assim as instruíam e preparavam para as funções femininas. Noutros, normalmente duram poucos dias, apenas três ou quatro. Reduziram-se a uma cerimônia única são realizados nas aldeias e na casa paterna. A menina deve apresentar-se virgem nestes ritos, do contrário sofre vexações e paga uma indenização, além de atrair a vergonha para a sua mãe, responsável por sua educação. Antes, podiam ser mortas com uma lança.
Se aparecer grávida, a desonra assume a maior gravidade. Tais casos costumavam ser raros. Se uma menina Kuanhama dava à luz antes da efundula (os ritos iniciatórios), prenunciava a morte do soberano. O nascimento dum menino cuja mãe não passou por estes ritos é um indício muito funesto.
São menos conhecidos e menos espetaculares, elaborados e simbólicos que os ritos masculinos, visto que duram poucos dias e se realizam com a passagem. Isto é, a menina morre e ressuscita, renasce para uma condição nova, com a personalidade modificada. O isolamento-separação, embora muito breve, encerra o simbolismo de morte-marginalização.
A iniciação feminina conserva o mesmo significado profundo em todos os grupos.
“É este um rito de maturidade, uma dramatização da ruptura com a influência e incorporação na idade adulta, A separação é o símbolo da morte... e seu termo representa a ressurreição para uma vida nova e responsável”.
Descobre-se facilmente um elemento comum: uma experiência religiosa profunda, que está na base de todos estes ritos. O “acesso à sacralidade”, tal como se revela ao assumir a condição de mulher, constitui o ponto de mira tanto dos ritos iniciatórios de puberdade como das sociedades secretas femininas. Por isso, muitos grupos conservam gestos mágicos que devem proporcionar à neófita a desejada fecundidade.
Entre os Kuanhama (Angola), no segundo dia da “efundula” as meninas bebem uma cerveja especial, misturada com drogas, em que se inclui um pouco de esperma de um circuncidado de outro grupo, já que eles não praticam a circuncisão. No olufuko dos Kwamatwi (norte de Angola), a mestra anciã prepara uma cerveja com drogas da qual retira uma porção em uma taça; nela, um circunciso lava o seu membro viril três vezes. A menina, que desconhece estas práticas, bebe um gole. O resto a mãe vai derramando pelo baixo ventre da jovem até chegar a uma enxada que lhe colocaram abaixo dos membros inferiores.
Todos os ritos femininos “estão sempre relacionados com o mistério do nascimento e da fertilidade. O mistério do parto, isto é, a descoberta da mulher como criadora de vida, constitui uma experiência religiosa que não se pode traduzir em termos masculinos. É por isso que o parto originou rituais secretos femininos que por vezes constituem verdadeiros mistérios”.
A menina fica apta para o casamento e para a sua missão fundamental: ser mãe. Os ritos de puberdade definem oficial e publicamente a sua capacidade, valor e estima como procriadora-vivificadora. Porque se transformou, também ontologicamente, recebe o estatuto social, jurídico e religioso de mulher adulta em e para a comunidade. Se a circuncisão prova a ruptura com a idade infantil, em muitos grupos a jovem é deflorada. A ruptura do hímen é prova da feminilidade adulta. Pode-se chamar “ritos de nubilidade” visto que procuram sobretudo a preparação e disponibilidade imediata para o casamento. Durante os ritos, o ventre e a região púbica são tatuados. Atribuem à tatuagem um poder fecundante e, sobretudo, afrodisíaco. Por isso muitas mulheres, onde esta iniciação não existe, também são tatuadas. A menina “aprende durante a sua iniciação que ela é antes de mais um 'campo vaginal' destinado a ser fecundado pelo homem”.
A iniciação feminina não descobre os mitos, nem a história, as cosmogonias ou segredos, nem prepara primordialmente para a responsabilidade econômica, política, social ou religiosa. Talvez porque é quase exclusiva das sociedades particulares, em que a supremacia masculina é predominante.
Mutilações sexuais
Normalmente, as mutilações sexuais são realizadas por mulheres, na intimidade da iniciação em família. Muitos povos negro-africanos praticam a excisão ou clitoritomia, por influência, sobretudo, dos países árabes ou islamizados: Egito, Sudão, Djibuti, Emirados Árabes Unidos, Oman. Na África Negra são praticadas na Nigéria, Mali, Guiné, Costa do Marfim e em outras áreas da parte oriental do continente. Aparece como exceção entre alguns grupos bantu. Os Kikuyu, povo banto do Kénia, parece que são os únicos que exigem inexoravelmente a excisão de todas as mulheres. A clitoritomia é uma iniciação pela qual a jovem alcança o estatuto social de mulher. Nenhum Kikuyu se casará com uma mulher não iniciada e, inclusive, é "magicamente perigoso" relacionar-se sexualmente com quem não sofreu a excisão.
Em uma operação dolorosa e cruel, extirpam o clitóris com uma faca candente, com pedaços de vidro, com uma lâmina de barbear, com uma faca de sílex ou com um tição incandescente. Muitas vezes também cortam os pequenos e grandes lábios da vulva. A operação é feita por mulheres especializadas, que, em alguns lugares, aplicam urtigas como dolorosa anestesia. Costumam fazê-la quando a jovem chega a puberdade e, em alguns grupos, aos oito ou nove anos.
Alguns povos pensam que, desta forma, se propicia a fertilidade e se favorece o relacionamento sexual. Entre os Nandi (norte da República Democrática do Congo), “a crença geral é se as jovens não são iniciadas, o seu clitóris se alongará e ramificará, e que os seus filhos serão anormais. Nestas condições, é fácil de compreender a importância psicológica da iniciação. Se uma mulher não passa por ela, não chega a ser 'pessoa', fica incompleta e permanece 'criança'”.
“A iniciação feminina nandi tem o mesmo significado profundo que a dos outros povos. É um rito de maturidade, uma dramatização da ruptura com a infância e o ingresso na condição de adulto. O órgão sexual é o símbolo da vida: cortá-lo é como que abrir as comportas para a vida, para que o seu caudal possa ter livre curso”. Em outros lugares, como na Etiópia, pensam que é uma medida higiênica com conseqüências morais positivas que garante a feminilidade. Na Costa do Marfim, convencem-nas de que, de outra forma, não terão filhos.
À infibulação, precedida ou não da clitoritomia, sujeitam-se as mulheres dos países islamizados do nordeste africano, Sudão, Etiópia, Somália, Djibuti, Tchade. Quase exclusiva dos maometanos, parece que esta prática não é conhecida na área bantu. Abusiva e desumana, tenta garantir a virgindade da jovem e a fidelidade da esposa quando o marido se ausenta durante longas temporadas.
É mais difundida a defloração da menina durante os ritos de puberdade. Muitos grupos bantu realizam-na, embora muitos outros apreciam a virgindade até ao casamento. A ruptura do hímen, mecânica, é feita por uma mulher idosa com os dedos ou utilizando um pequeno instrumento. “Na costa ocidental da África, as jovens são defloradas com a ajuda de um bambu, que conservam dependurado da vagina por cerca de três meses. À volta da vulva colocam formigas que devoram as ninfas e o clitóris”.
Ao que parece, pensam que assim se previne qualquer oclusão vaginal na menstruação. Alguns etnólogos veêm nesta prática um presságio de fecundidade, posto que este rito, na iniciação, significaria a penetração do sol na terra para a fertilizar. Também é certo que alguns povos pensam que o marido pode sofrer conseqüências nefastas se for ele a deflorar sua mulher. Esta deve estar livre de lhe acarretar este perigo.
Significado sacrificial
Alguns etnólogos viram na excisão (como na circuncisão do homem) um significado religioso sacrificial. O resgate e a propiciação exigem sangue. Por isso, o indivíduo imola parte do seu ser, oferece um sacrifício parcial em vez de se oferecer como vítima. A imolação de vidas humanas, praticada antes na África Negra, reduziu-se a um sacrifício parcial. Os homens selam um pacto com os habitantes do mundo invisível oferecendo-lhes o sangue da sua virilidade e, as mulheres, sua fecundidade. A circuncisão, como a excisão, estariam relacionadas com a nova vida, como renascimento para uma vida superior mais dinâmica e poderosa. O sangue derramado substituiria os sacrifícios humanos aplicativos e propiciatórios.
Outros vêem no sangue derramado uma aliança com a terra
“Opinamos que o rito da circuncisão ou da excisão oferece a ocasião de deixar correr um pouco de sangue sobre a terra que, segundo a maioria das sociedades africanas, origina tempo a vida da criança. Como a terra é também residência de mortos (...). Os pais animam ao/à jovem a restituir uma parte da própria vida à fonte da qual deriva (...)O/a jovem estabelece assim uma aliança”.
Na realidade, explica-se muitas coisas sobre a circuncisão dos meninos do sobre excisão das meninas por se tratar sociedades de predominância patriarcal. Isso nos permite afirmar algo sobre a circuncisão para ter uma idéia geral do significado sacrificial das mutilações sexuais.
A. J. Reinach sugere a hipótese de que os varões são obrigados a pactuar com a “divindade” do clã oferecendo-lhe o sangue da sua virilidade. Câmara Laye, quando descreve estes ritos na África Ocidental, insiste em que recordam com nitidez um sacrifício que, através do sangue, garante o estado de homem.
O sangue derramado e o corte do prepúcio substituiriam os sacrifícios humanos aplicativos e propiciatórios. O homem, sacrificando só uma parte de si próprio, adquiriria do mundo invisível e asseguraria o poder reprodutor. Atualmente, o sentido sacrificial na excisão da mulher e na circuncisão do homem não é claro. Esta última é realizada por um homem normal, ainda que especializado, e não pelo adivinho; não é acompanhada de palavras, símbolos nem gestos mágicos - vale observar que, sem eles, não se realiza na África Negra nenhum rito religioso. Além disso, não há inconveniente em que sejam circuncidados por uma pessoa estranha ao grupo, um enfermeiro, por exemplo, e até realizam-na separada dos ritos da puberdade. Nunca o fariam se ainda conservasse um acentuado simbolismo religioso ou interferências mágicas.
Na realidade, a circuncisão motiva o começo da iniciação. Intenta – é sua óbvia finalidade – preparar os homens para as funções fisiológicas da paternidade, determina a especificidade sexual do jovem e mantém uma relação direta com o casamento. Como prelúdio do exercício sexual, a sua finalidade é prática. Tanto a circuncisão como os ritos de puberdade fazem com que o rapaz ou a menina se tornem definitivamente aptos fisiológica e ritualmente para o casamento e para as funções sociais do adulto no grupo. Muitos grupos bantu os exigem como condição indispensável para o matrimônio.
Seja como for, não pomos de parte hipótese de que um substrato religioso, isto é, que o sangue derramado redima a criança de sua vida pregressa e lhe proporcione uma nova existência, um novo modo de ser. Pode-se admitir este simbolismo: a criança abandona, juntamente com o prepúcio, a meninice, para assumir nos ritos seguintes uma personalidade nova. A circuncisão pode ser geratriz de sangue sacrificial.
Outros opinam que o corte simboliza a ruptura definitiva com a mãe e com o estado infantil. O jovem assim mutilado prova definitiva e visivelmente a sua transformação radical em adulto, sexualmente diferenciado, apto para procriar. “Pelo mistério do sangue, tem acesso à sexualidade”. Daqui, a repulsa da mulher por contatos sexuais com os homens incircuncisos do seu grupo.
Apontamos também algumas explicações que alguns psicanalistas têm dado para as mutilações sexuais masculinas. B. J. F. Laubsher, depois de analisar os grupos Fingu e Tembu (sudeste do Cabo - África do Sul), afirma que “mutilação cirúrgica ou circuncisão deve ser considerada não só como uma prova de aptidão para o estado adulto e como uma iniciação a este estado, mas também como uma forma de sacrifício”.
Aduz esta explicação: “Trata-se de um sacrifício ou explicação que refere simultaneamente ao passado e ao futuro. O jovem não cede uma parte do próprio órgão sexual como expiação de atos proibidos já cometidos, mas porque se sente culpado do próprio carinho à mãe e o sacrifício é, assim um meio para conseguir um compromisso com a própria consciência. O horror, o profundo desgosto que os pagãos sentem pelos contactos sexuais entre uma mulher casada e um jovem incircunciso, deixam transparecer o significado incestuoso atribuído a tal ato. Com efeito, a expressão “mulher casada” indica a classe das mães. [...] As mutilações genitais, praticadas em todas as idades e nos dois sexos, e ao assumirem em muitas circunstâncias o caráter de um ataque voraz, anal e uretral contra os órgãos genitais afetados, não parecem reduzir-se a rituais de iniciação púbere... senão que parecem surgir de uma tendência mais universal dos pais da espécie humana para atacar e espoliar a genitalidade dos filhos, em todos os estádios do seu desenvolvimento psicossexual”. E, analisando o masoquismo primário e os impulsos parricidas dos filhos originados pela inveja primária da genitalidade potente e fecunda dos pais, conclui que “ao estruturar-se o seu complexo de Édipo, o que era inveja se converte em ciúmes, na evolução natural os ataques filicidas e as mutilações genitais devidas à inveja primária transformaram-se nos ciúmes e rivalidades edípicos que se dramatizam através dos rituais de iniciação”.
A força impulsionadora, porém, é a inveja primária
“Ao nível das relações de geração, os pais, ao projetarem a sua própria agressão, tornaram-se temerosos da hostilidade e capacidade agressiva dos filhos adolescentes, mas, ao criar a disciplina sangrenta dos rituais da iniciação, puseram em evidência as suas tendências tanatofílicas mais reprimidas, as que foram dirigidas seletivamente contra a genitalidade da geração filial”.
Para Freud, a circuncisão substitui a castração. Supõe que, nas origens da família humana, um pai cruel e ciumento castrou os adolescentes; a circuncisão é um vestígio claro dessa crueldade e um substituto da castração, “expressão da submissão ao pai”, pela qual o jovem se compromete a respeitar o tabu do incesto. Tenhamos em conta que para Freud a proibição do incesto é fundamento das estruturas sociais organizadas.
Simbolismo religioso eficaz da iniciação
“A iniciação parece-se em muitos aspectos com um 'sacramento' que põe em contacto como transcendente, quer porque lhe revela parte do sagrado (o iniciado conhece os mistérios), quer porque sacraliza o homem”.
O iniciado deixa definitivamente uma existência profana para passar a outra medularmente sacralizada; de natural passa a consagrado, já que é assumido pelos antepassados, responsabiliza-se pela solidariedade, e mover-se-á para sempre dentro do circuito místico da participação vital. Nenhum dos seus gestos será estranho aos mundos visível e invisível.
É radical a ruptura com o mundo infantil, natural, irresponsável, assexuado e desconhecedor da cultura, dos mitos e do misticismo vital. “É preciso considerar a iniciação no Continente Negro mais como uma transformação lenta do indivíduo, como um trânsito progressivo da exterioridade à interioridade”.A descoberta que o iniciado faz da sua realidade humano-comunitária e dos fundamentos mítico-religiosos da sua cultura obriga a uma introversão na qual descobre o dinamismo interior da sua vida participada com variadíssimas potencialidades. A iniciação consegue uma metanoia, conseqüência da mutação ontológica, da mudança substancial de personalidade que operou no jovem.
“O homem da sociedade primitiva não se considera 'acabado', tal como se encontra 'dado' ao nível natural da existência: para chegar a ser homem propriamente dito, deve morrer para esta vida primeira (natural) e renascer para uma vida superior, que é ao mesmo tempo religiosa e cultural.”.
Em outras palavras, o primitivo põe o seu ideal de humanidade num plano sobre-humano. No seu entender: 1º - não se chega à condição de "homem completo" senão depois de superada, e em certo modo abolida, a humanidade “natural”; 2º - os ritos iniciatórios que comportam provas, a morte e ressurreição simbólicas, foram fundados pelos deuses, pelos heróis civilizadores ou pelos antepassados míticos: estes ritos têm, pois, uma origem sobre-humana e, ao cumpri-los, o neófito imita um comportamento sobre-humano, divino... o homem religioso “quer ser outro”, diferente daquilo que é a nível “natural”, e esforça-se por se “fazer” segundo a imagem ideal que foi revelada pelos mitos. O homem primitivo esforça-se por alcançar um “ideal religioso de humanidade”.
"Nos contextos iniciáticos, a morte significa a superação da condição profana, não-santificada, a condição do “homem natural”, ignorante do sagrado, cego de espírito. O mistério da iniciação vai revelando pouco a pouco ao neófito as verdadeiras dimensões da existência: ao introduzi-lo no sagrado, a iniciação o obriga a assumir a responsabilidade de homem...; o acesso à espiritualidade traduz-se para as sociedades arcais, num simbolismo de Morte e de novo nascimento”.
Estes ritos são religiosos porque põem o neófito em ligação com potências propícias do mundo invisível e, sobretudo, porque se gestam dentro da essência religiosa banto, tocam o fundamental e o absorvem. O culto à vida, essência da religião tradicional, talvez consiga nestes ritos o seu maior esplendor, simbolismo e realização. A iniciação na vida sagrada, possuída em plenitude depois dos ritos de ressurreição-renascimento, incorpora na corrente vital, fundamenta a vida religiosa individual e comunitária, reatualiza o ancestralismo fundante e dinâmico, assegura a solidariedade, a paz e a harmonia, já que os novos membros se alimentam da ortodoxia tradicional e da seiva pura duma vida nova.
“Pela iniciação dos rapazes e das raparigas a existência coletiva da nação é vivificada e a sua vitalidade se renova... Esta cerimônia tem um caráter profundamente sagrado porque sobre ela repousa a continuidade da nação. É a dramatização solene e religiosa da conquista do homem sobre a morte e o aniquilamento”.
Desafios da iniciação
Em meios rurais retirados, a iniciação à puberdade costuma fixar os neófitos na tradição, e os prepara para guardá-la e defendê-la contra qualquer investida inovadora. Sobre os infratores pesa a ameaça de severas sanções, inclusive a morte.
A iniciação está a serviço do conservadorismo familiar e étnico e do poder dos homens, sobretudo dos chefes e da gerontocracia. A identidade traduz o etnocentrismo, que inculca a todo custo e que pode impedir a normal conveniência da diversidade, além de fechar a capacidade de abertura a outros valores e outros estilos de vida, visto que os próprios do grupo foram postos como salvadores, sacralizados também pelos antepassados e pelos ritos religioso mais solenes.
O elemento mágico-feiticista que a enquadra pode marcar para sempre a criança impressionada. Torna-se difícil renunciar ou romper com conceitos, expressões, ritos que acompanharam o seu novo nascimento. É indubitável que o homem e/ou a mulher, durante toda a vida, referir-se-á, ainda que seja só em termos do subconsciente, a estes ritos que lhe deram personalidade sócio-religiosa.
O autoritarismo dos mestres e mestras consegue modelar a vontade dos/das jovens, que costumam ficar submissos e dóceis aos poderes políticos, sociais e mágicos para o resto da vida.
A atividade sexual é, muitas vezes, conseqüência da aptidão que a iniciação outorgou para o seu exercício. O jovem costuma começar então as suas experiências sexuais, e não é raro que apareçam mulheres a desejar conquistar sua liberdade sexual.
Conclusão
A iniciação feminina - como a masculina – é uma situação que, por estar carregada de emoção, mistério, dramaticidade, religiosidade (e alegria!), origina uma vivência psíquica que marca e determina para toda a vida a mulher negro-bantu. As meninas são mutiladas com pequenas lâminas de pedra, pedaços de vidros, com faca de sílex ou com um tição incandescente. Muitas costumam ficar defeituosas (física e psicologicamente) e a ausência de assepsia acarreta graves infecções que causam, por vezes, a morte. Alguns etnólogos viram nessa prática um significado sacrificial. O resgate e a propiciação exigem sangue. Por isso, o indivíduo imola parte do seu ser, oferece um sacrifício parcial em vez de oferecer como vítima.
Hoje, em um mundo mais aberto, consciente da valorização do ser humano e de seus direitos, pergunta-se pela coerência das práticas religiosas. Assim, nos perguntamos: como pensar práticas religiosas nas quais a relação com o transcendente (sagrado, divindade) não sacrifique a saúde e a vida humana? Os antigos não diziam que “a glória de Deus é homem vivo”? (Santo Ireneu)
A dignidade e a igualdade no gênero humano que o mundo pós-moderno prega descarta toda a possibilidade de a prática de excisão da mulher possuir caráter regulador dentro da relação conjugal homem-mulher.
 Candomblé; Espaço urbano; Tradição cultural; reafricanização

Introdução

As reflexões propostas aqui em torno das manifestações do Candomblé de origem banto acarretam em seus limites, uma percepção crítica do espaço urbano e suas implicações modernizantes em oposição às formas tradicionais de manifestação dos grupos que não estão estabelecidos de modo privilegiados na hierarquia social, manifestações essas muitas vezes alcunhadas depreciativamente como arcaicas, antiquadas, primitivas etc. Aqui, há também explícito um pensamento crítico diante do processo globalizante, com suas prerrogativas de enfraquecimento das diferenças regionais, culturais e étnicas.

Na década de 50, em São Paulo, há o primeiro registro de um Terreiro. Esse período corresponde ao acelerado processo de industrialização da capital paulista e concomitantemente ao êxodo rural e migração nordestina impulsionados pelas expectativas de melhoria de vida. Dentro desse contingente de migrantes nordestinos havia filhos e filhas de Santo das casas de candomblé sobretudo da Bahia e Maranhão. Ao se estabelecerem em São Paulo, para esses migrantes, segundo Silva (1995. p. 77): “o sacerdócio, como estratégia de sobrevivência da família migrante, parece ter sido recorrente nesta fase de acomodação à vida urbana”

Ou seja, passavam a exercer o sacerdócio, dentre outras considerações, por uma estratégia de sobrevivência e nesse exercício trouxeram consigo os troncos das nações de candomblé da Bahia e Maranhão com suas respectivas raízes africanas. Do tronco maranhense se estabeleceram as manifestações jeje de culto aos voduns, da genealogia baiana fixaram-se os candomblés de representação ketu e angola. Todavia, essa classificação é tão somente para fins de compreensão dos marcos identitarios, ou seja, das matrizes envolvidas, pois na prática essas manifestações não são absolutamente puras ou genuínas, é quase sempre o resultado de hibridizações tanto no interior da cultura negra tomada de modo homogêneo, quanto com os referencias normativos do colonizador, quanto com a mítica dos povos indígenas. Ou seja, é comum se ouvir falar de candomblé jeje-nagô, candomblés com imagens e referenciais a santos católicos, candomblés de caboclo, esses quase sempre confundindo com o candomblé de angola que nas últimas décadas procura estabelecer em seu ritual a reinvenção da africanidade.

Atualmente, são inúmeras as casas de povos tradicionais de matriz africana registradas na região metropolitana de São Paulo, além das Casas tradicionais originadas no Brasil, existe hoje na metrópole paulista até cultos de origens não brasileiras como as manifestações do Palo Mayombe cuja liturgia é de origem banta assim como o Candomblé de Angola, no entanto, com características diferenciais dos Candomblés brasileiros.

Ou seja, a urbe cosmopolita, multiétnica e pluricultural abarca em sua estrutura, toda a diáspora negra espalhada pelos países do atlântico. Portanto um sistema de trocas culturais, e nesse sistema o jogo de resistência e assimilação das manifestações que evocam tradições étnicas distintas e não nacionais, acabam, por conseguinte, reinventando suas próprias tradições na tentativa de torná-las cada vez mais puras.

O espaço urbano e a visão religiosa


A cidade e especialmente uma cidade como São Paulo, que se situa como a quarta maior metrópole do mundo, sendo o principal pólo industrial do país e o maior da America Latina, conseqüentemente possui como ideologias dominantes todos os valores apregoados pelo iluminismo, a exaltação da razão burguesa. Um universo que segundo Silva (pg. 21) é caracterizado pela:

Divisão social do trabalho baseada na estrutura de classes, predomínio de contato menos intenso nas relações interpessoais, relações de poder pautadas pelas organizações partidárias e pela presença do Estado, complexidade maior entre ação e sua representação, pluralidade do universo cultural e valorização da atitude secular diante dos valores sagrados. A este modelo corresponderiam as sociedades “complexas”, “estratificadas”, “heterogêneas” ou “avançadas”.

À primeira vista, pensar no florescimento do candomblé em um contexto como esse poderia parecer paradoxal, no entanto é exatamente pelo caráter laico e de forte apelo ao individualismo é que não somente o candomblé, mas diversas outras manifestações religiosas se estabelecem e criam condições para a reprodução de adeptos e busca de legitimidade para suas liturgias.

Ou seja, em um contexto enfaticamente laico, necessariamente não há uma visão religiosa dominante, mas muitas, dispersas e atuantes, cada uma reivindicando um espaço, um público, uma área de atuação.

Nesta perspectiva o candomblé não somente ganha legitimidade frente a autoridades públicas e civis, mas também se populariza e se afirma como uma importante expressão religiosa da humanidade, sobretudo em uma época na qual se desenvolve um pensamento focado na preservação do meio ambiente. Como se sabe, o candomblé se caracteriza por sua forte ligação com a natureza sendo esta a base de seus ritos.

As comunidades de candomblé, de maneira geral, possuem dois espaços; um, o urbano, que, compreende as construções destinadas às atividades rituais e de moradia; e o outro, o mato, onde são coletadas as espécies vegetais essenciais ao culto das divindades- forças da natureza- e onde se encontram também determinadas árvores, que são objetos de culto especifico. (Barros. 1993, p. 35)

De modo que o debate acerca da preservação ambiental é necessariamente presente na visão de mundo dos sacerdotes e adeptos do candomblé, consequentemente a crítica ao modelo predatório estabelecido pelo capitalismo e a “vida cultural nas grandes cidades, inexoravelmente associada ao individualismo racionalista, ano anonimato, à dissolução da família, à violência, ao tempo rigorosamente controlado pelo relógio nas atividades do cotidiano” (Silva, 1985, p.22)

Tradição

Para Abib (1997, p.89):

Muitas das manifestações tradicionais de nossa cultura [...] podem ser consideradas como inseridas no que entendemos como sociedades da memória. Nessas sociedades, há sempre uma figura fundamental, responsável pelos processos envolvendo a memória coletiva: a figura do mestre [...] exercem papel central na preservação e transmissão dos saberes que organizam a vida social do grupo, caracterizando assim, a oralidade como forma privilegiada dessa transmissão.

No caso do candomblé, o responsável pela manutenção desses saberes é o sacerdote ou sacerdotisa, figuras que desempenham através da oralidade a ligação com os saberes dos antepassados aos iniciados.

Ainda segundo Abib, as manifestações tradicionais se realizam segundo três conceitos: Memória, Oralidade e Ritualidade. Esses conceitos se articulam reciprocamente dentro da lógica de atuação das manifestações culturais.

No candomblé, esses conceitos são facilmente percebidos cotidianamente. Segundo Ecléa Bosi(1987 apud Abib,1997):

a memória não é sonho, é trabalho. O passado tem que ser reconstruído, e essa reconstrução feita coletivamente, não devem ser algo nostálgico, mas deve constituir-se um esforço em fortalecer os vínculos de relacionamento de um grupo.

De modo que quando o sacerdote ou sacerdotisa realiza os procedimentos pertinentes ao ato litúrgico, segundo a maneira como aprendera em sua Casa Tradicional de origem ele estará materializando a memória de seu grupo, tornando-a viva. E é na prática do rito que tanto a memória quanto a oralidade se atualizam, é no rito que irá se mantiver a coesão do grupo, o sentimento de pertencimento.

Estas foram às formas pelas quais os candomblés se mantiveram através de sucessivas perseguições, da igreja católica, da polícia e recentemente dos grupos pentecostais e neo- pentecostais. Através de sua memória transmitida oralmente e seus ritos entendível apenas por seus iniciados.

O candomblé etnográfico

Desde a época de Nina Rodrigues, na primeira metade do século passado, o candomblé tem sido objeto de estudos acadêmicos. Esses estudos vale dizer, contribuíram ambiguamente para desmistificação do assunto. Se por um lado, esses estudos contribuíram para salientar a imensa riqueza, complexidade e beleza desses ritos. Por outro lado, também contribuíram, para a descaracterização dessas manifestações no momento em que elas também passam a ser desempenhadas por elementos estranhos ao seu universo, como gente vinda das classes sociais dominantes.

O candomblé como uma religião negra no Brasil, passa a ser apropriado pela academia que elencada a outras instituições tradicionalmente alijaram do negro qualquer oportunidade de acesso. Tais estudos, de maneira paradoxal, passaram até a serem observados como autoridades, até mesmo por sacerdotes e sacerdotisas, segundo Silva (1985, p.250) esses escritos:

Têm despertado grande interesse por parte dos religiosos do candomblé que nelas encontram referências para comparação, implementação ou ressignificação de suas pratica rituais, tomando-as, em geral, como fontes autorizadas no estabelecimento de alguns princípios litúrgicos e sagrados da religião.

Livros de autores como Roger Bastide (O candomblé da Bahia), Pierre Verger (Os Orixás), Juana Elbein dos Santos (Os nagôs e a Morte) entre outros, passam, assim, a ser cada vez mais procurados e lidos pelos religiosos que os tomam frequentemente como modelos de culto, justificando aspectos cotidianos do rito que praticam.

Portanto, o candomblé acaba sofrendo um processo de competição interna em busca de prestigio; as Casas passam a entender que é sinal de poder, estudiosos se lançar à descrição etnográfica de seus fundamentos.

Ainda segundo Silva (idem):

Podem-se imaginar as conseqüências da utilização religiosa da etnografia quando se considera a disputa pelo prestigio existente entre os terreiros. “““ As etnografias realizadas nos terreiros mais “afamados” contribuem para a generalização e valorização da tradição religiosa neles encontrada, ao mesmo tempo em que” autovalorizam-se” por registrar parcelas significativas dessa liturgia [...] passam a ser buscadas como fonte do sagrado pelos religiosos, e como sinal de prestigio nos meios acadêmicos e intelectuais (principalmente aqueles comprometidos com um tipo de ideologia marcada pelo “preservacionismo cultural” .

Vale recordar das afirmações tanto de Nina Rodrigues, quanto as de Edson Carneiro sobre a liturgia inferior do candomblé de origem bantu. Tais afirmações passaram a ser um juízo comum por parte de grande parcela de praticantes do candomblé e até pelo público menos especializado, pois foram a partir desses discursos acadêmicos que a vinculação midiática do candomblé se deu; no cinema em novelas e em livros.

Conclusão

A comunidade de povo tradicional congo- angola, Nzo Tumbansi, localizado em Itapecerica da Serra, região metropolitana sul da megalópole paulista é um dos exemplos de grupos que resistem e se refazem em um ambiente muitas vezes hostil como uma selva, mas uma selva de flora artificial e cruel fauna humana. Nesse espaço, a visão de mundo de raiz bantu questiona, dialoga, com um modo de ser secularizado de uma metrópole que não conhece em suas bases formais o respeito sagrado à sua biodiversidade é o caso de seus rios estéreis, irremediavelmente poluídos, fluxos patogênicos e fétidos.

Dentro dessas dinâmicas dessacralizadas, que se estabelecem nos espaços urbanos, também o tempo sofre modificações perceptivas, tudo parece se acelerar, a velocidade do efêmero se acentua, no entanto, se aquieta, assume outra feição nos espaços dos terreiros onde o tempo é sempre reencontro, com o passado, com os mais velhos e com os ancestrais. Nos terreiros o tempo necessariamente retorna a uma dimensão mítica onde ele, o tempo, também se torna divindade.

Porém, os terreiros de candomblé na modernidade e, sobretudo, nas dimensões paulistas acabam por sofrer modificações em seus códigos. Pois filhos e filhas de santo estão também mergulhados (as) em processos sociais da própria cidade, nem todos poderão ter a disponibilidade de se iniciarem como deseja o Nkisi (Santo), alguns terão o tempo de iniciação abreviado devido à pressão de compromissos externos, sobretudo pelo mundo do trabalho. Outros terão que adiar iniciação ou obrigação devido ao mesmo motivo. Outros ainda só poderão estar presentes no terreiro em datas de feriado nacional ou no período de férias. Isso fez com que alguns códigos dos terreiros se flexibilizassem para abrigar os seus filhos(as), contudo, sem perder sua natureza tradicional.

Esse é um dos desafios que o Nzo Tumbansi enfrenta junto a outras comunidades de terreiro: manter suas tradições dentro de uma perspectiva consumista da modernidade urbana, sua autonomia diante dos processos formais de desenvolvimento urbano e, mais que tudo, manter sua identidade frente os bombardeamentos midiáticos que distorcem milhares de mentes e dos quais nossos filhos e filhas às vezes não estão imunes.

A vida iniciática diante da vida mundana exige dos iniciados, principalmente em uma cidade como São Paulo onde são múltiplos os referenciais discordantes da identidade do povo de santo, uma postura que reflita a concentração, o foco, nos ensinamentos apreendidos nos terreiros. Nesse aspecto, o candomblé na metrópole é um significativo grupamento que desenvolve em sua comunidade valores antagônico ao desencantamento do mundo proposto por uma visão técnico – cientifica que reduz as aspirações humanas a uma perspectiva meramente comercial.

Além de ser tradicionalmente o local onde as comunidades negras encontram os seus valores religiosos e sua memória tão devastada pelos processos colonialistas. No Brasil os grilhões do passado escravocrata refletem no presente. A população brasileira corresponde a cerca dos 192 milhões de habitantes segundo o IBGE, desses, 45% são negros (as) esses, no entanto, correspondem a cerca de 69% dos mais pobres, que são submetidos cotidianamente a múltiplas formas de violências orquestradas pelo racismo. Os terreiros nessa conjuntura são templos onde a população negra a exemplo de seus mitos se fortalecem se apropriam de estima positiva para partirem orgulhosos para a batalha mundana, em suma, os terreiros nas metrópoles são campos de força onde sobretudo a população negra se incorpora de poder simbólico para enfrentar o massacre contra sua identidade.







Nenhum comentário:

Postar um comentário