O QUE É
ETNOCENTRISMO
1 – Pensamento em
Partir
Etnocentrismo é uma visão do
mundo onde o nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros
são pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas
definições do que é a existência.
Perguntar sobre o que é
etnocentrismo é indagar sobre um fenômeno onde se misturam tanto elementos
intelectuais e racionais quanto elementos emocionais e efetivos. No
etnocentrismo, estes dois planos do espirito humano – sentimento e pensamento.
Assim a colocação central sobre
o etnocentrismo pode ser expressa como a procura de descobrir os mecanismos, as
formas, os caminhos e razões, pelos quais tantas e tão profundas distorções se
perpetuam nas emoções, pensamentos, imagens e
representações.
Temos de pano de fundo da
questão etnocêntrica a experiência de um choque cultural de um lado o “eu” ou o
“nosso” e do outro lado o “outro”. Este choque gerador do etnocentrismo nasce
talvez, na constatação das diferenças a grosso modo, um mal-entendido
sociológico. A diferença é ameaçadora porque fere nossa própria identidade
cultural. O monólogo etnocêntrico sendo o grupo do “eu” faz da sua visão a única
possível ou, mais discretamente se for o caso, a melhor, a natural, a superior,
a certa. O grupo do “outro” fica, nessa lógica, como sendo engraçado, absurdo,
anormal ou inteligível.
O que importa neste conjunto de
ideias é o fato de que, no etnocentrismo, uma mesma atitude informa os
diferentes grupos. Cada um traduz ou traduziu nos termos de usa própria cultura
o significado dos objetos cujo sentido original foi forjado na cultura do
“outro”. O etnocentrismo passa exatamente por um julgamento do valor da cultura,
do “outro” nos termos da cultura do grupo do “eu”.
Na maioria das vezes o
etnocentrismo implica uma apreensão do “outro” que se reveste de uma forma
bastante violenta. Negamos aquele o mínimo de autonomia necessária para falar de
si mesmo.
Alguns livros colocavam que os
índios eram incapazes de trabalhar nos engenhos de açúcar por serem indolentes e
preguiçosos, ou seja, fora dos seus contextos culturais como um povo ou uma
pessoa trabalha como escravo com satisfação e
eficiência?
Como o “outro” é alguém calado,
a quem não é permitido dizer de si mesmo, mera imagem sem voz, manipulando de
acordo com desejos ideológicos, o índio é, para o livro didático, apena uma
forma vazia que empresta sentido ao mundo dos
brancos.
O primeiro papel que o índio
representa é no descobrimento do Brasil, no segundo momento na catequese sendo
colocado com uma criança e no terceiro momento o corajoso, altivo, cheio de amor
à liberdade. Assim são as sutilezas, violências, persistências do que chamamos
etnocentrismo.
Quando compreendemos o “outro”
nos seus próprios valores e não nos nossos: estamos relativizando, ou seja,
relativizar é ver as coisas do mundo como uma relação capaz de ter tido um
nascimento, capaz de ter um fim ou uma
transformação.
A diferença não se equaciona com
a ameaça, mas com a alternativa sendo a busca pelo senso comum o motivo da
Antropologia no sentido de ver a diferença como forma pela qual os seres humanos
deram soluções diversas a limites existenciais
comuns.
2 – Primeiro
movimento
O Evolucionismo baseado na
procura para explicar as diferenças entre as sociedades. O evolucionismo
antropológico a noção de progresso torna-se fundamental, pois é no seu rumo que
a história do homem se faz. Acredita-se na unidade básica da espécie humana e o
fator tempo passa a ser bastante importante.
Existia um problema teórico:
quais definições dos critérios pelos quais seria possível medir o estádio de
“avanço” de cada uma das sociedades existentes? A solução estava no próprio
conceito de cultura adotado pelos evolucionistas.
Segundo Sir Edward Tylor:
“cultura ou civilização, no seu sentido etnográfico estrito, é este todo
complexo que inclui conhecimento, crença, arte, leis, moral, costumes e
quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro da
sociedade”.
A mudança na sociedade se daria
pela invenção, consequência do aperfeiçoamento do espírito cientifico. Isto fez
com que os evolucionistas pudessem pensar o “selvagem” sem conhecê-lo de perto,
pois ele era visto como uma fase passada de mim
mesmo.
O etnocentrismo estava em achar
que o “outro” era complemente dispensável como elemento de transformação da
teoria. A relativização não tinha espaço. Assim como os evolucionistas ao
dispensarem o “trabalho de campo” e a relativização, acreditando-se capaz de ter
todo o conhecimento do “outro” dentro de sim mesmo, acabaram impossibilitados de
achar algumas respostas importantes.
Quanto mais sabemos mais sabemos
o quanto falta saber. A magia esta na consciência de quão pouco se sabe. Neste
processo, a sociedade do “eu” começa até a questionar-se a si
própria.
3 – O
Passaporte
O século XX traz para a
Antropologia um conjunto vasto e complexo de novas ideias formuladas por um
grupo brilhante de pesquisadores. Relativizar é uma palavra que, até hoje, muito
pouco saiu das fronteiras do conhecimento produzido pela
Antropologia.
O mais interessante é que a
própria Antropologia vai ser capaz de relativizar a noção ocidental de tempo,
assim como a noção ocidental de indivíduo, assim como outras tantas noções tão
fundamentais à sociedade do “eu”.
Franz Boas, suas ideias e seus
alunos, a Antropologia se transforma substancialmente, que relativiza as ideias
de cultura e história. A articulação destas ideias formava um eixo da forma de
pensar do “outro” dentro do evolucionismo.
Foi Boas o primeiro a perceber a
importância de estudar as culturas humanas nos seu particulares e é claro o
resultado foi que tudo passa a ser infinitamente mais complicado no estudo das
culturas humanas.
Toda vez que um campo de
conhecimento se abre, se lança de frente para a complexidade, ele também se
relativiza.
O esforço de relativizar
problematiza qualquer “saber”. As ideologias, em especial as extremadas, odeiam
qualquer possibilidade de relativização. Elas são centradas em seu próprio
monólogo e a descentralização quebra sua auto referência abrindo espaço a uma
multiplicidade de pontos de vista, soluções e
perguntas.
Boa não organizou e apresentou
para a posteridade uma teoria da cultura que permitisse, a alguém que fizesse
uma “história das ideias” antropológicas, torna-la com um conteúdo evidente do
seu trabalho, mas pesquisou: Antropologia Física, Linguística, Folclore,
Geografia, Migração, Organização Social e nisto tudo, a ideia de cultura se
renova, se transforma, foge, é reencontrada
diferentemente.
A escola personalidade e cultura
representada por dois grandes nomes: Ruth Benedict e Margaret Mead. Foi uma
escola que relativizou e muito. Comparou a sociedade americana com as sociedade
tribais fazendo um trabalho de ida ao “outro” e volta ao
“eu”.
Assim, são duas as principais
marcas desta escola:
Seria a de instalar um profundo diálogo entre Antropologia e Psicologia,
discutindo as formas de interação entre indivíduo e sociedade;
Marca a incrível penetração conseguida pela escola, o seu destino popular
por assim dizer.
A ideia central da escola
estabelece a relação entre a cultura e as
personalidades
individuais.
Um dos problemas maiores desta
corrente de pensamento, como de resto dos demais grupos que desenvolveram as
ideias de Boas, é aquilo que chamamos “reducionismo”, ou seja, a dificuldade de
explicar alguma coisa que contém várias outras a partir de uma única das coisas
contidas. Melhor dizendo, explicar o todo – a cultura – por uma de suas partes,
no caso, a personalidade. Outro problema é a dificuldade de trabalhar o
complicadíssimo conceito de personalidade com o complicadíssimo conceito de
cultura, ainda mais usando um para explicar o outro e o outro para explicar o
um.
As ideias deste grupo muito
contribuíram para o avanço de disciplinas como a sociolinguística e a
etnolinguística. A ideia básica que vincula as relações entre cultura e
linguagem é uma ideia complexo e abstrata.
Outro grupo alunos de Boas
partiu para relacionar a cultura e o ambiente. Aqui fica pressuposto a noção de
que o ambiente é o fator determinante que restringe as opções culturais. A
importância deste grupo é a de ter colocado questões de equilíbrio, preservação
e mutua dependência entre as culturas e destas com o ambiente onde se erigem,
também, outra linha de estudo focaram na cultura e da história
humana.
Franz Boas deixou grandes
lições. Relativizando com ele temos:
Uma concepção da história pluralizada, estilhaçada, como uma história de
“h” minúsculo, de cada cultura humana no que esta tinha de seu, de
específico;
Uma concepção de cultura que não colocou a cultura do “eu” como centro,
mas que procurou ver que fatores diversos determinavam também diversamente o
perfil das culturas;
O desenvolvimento de uma Antropologia inquieta, atenta, humilde e
propondo diálogos com outras disciplinas em volta, se criando e se transformando
pelo enfrentamento do risco que significa estudar a
diferença.
4 –
Voando Alto
Tanto o evolucionismo quanto o
difusionismo os trabalhos produzidos, via de regra, demonstravam a permanência
de um tema. Era a história sempre a permear os estudos e reflexões em quase toda
a literatura sobre as culturas humanas.
O pensamento difusionista
propunha o estudo da história concreta de cada cultura, os processos próprios de
mudança, troca e empréstimos que as caracterizariam. É uma história com “h”
minúsculo, de cada cultura particular e especifica.
Radcliffe-Brown discordou desta
vinculação que existia entre a compreensão do presente de uma cultura e o estudo
do seu passado. Em termos mais técnicos a sincronia presente não está submetida
à diacronia – história.
A diferença é que a diacronia
analisa todos os tempos passados até chegar ao presente e a sincronia centra sua
análise no momento determinado pelo estudo. Para a história, seja ele
difusionista ou evolucionista, o presente se conhece pelo passado e estudar a
história das culturas significa conhecer a verdadeira dimensão da
cultura.
A razão pela qual o
funcionalismo relativizou pode ser encontrada no fato de que ele iria se opor ao
estudo diacrônico e se conjugar com os estudos sincrônicos. Ao fazer esta opção
a Antropologia se desvincula da história e parte para o estudo da sociedade do
“outro” sem se preocupar com o passado desta sociedade. Isto é uma relativização
fundamental na medida em que, se pensarmos bem, veremos que a preocupação com a
história é, antes de tudo, uma preocupação típica da sociedade do
“eu”.
Quando Radcliffe-Brown desamarra
a Antropologia da História abre um imenso espaço para que a sociedade do “outro”
se mostre tal com ela é. Assim, para Radcliffe a sincronia deveria ser analisada
por conceitos bem precisos. É o caso de noções como “processo”, “estrutura”, e
“função”, que são cuidadosamente definidas para formarem um esquema
interpretativo da realidade social. Onde o mesmo achava conveniente estabelecer
uma comparação entre a Antropologia e as Ciências Naturais, por exemplo,
comparava o sistema social ao corpo humano.
A Antropologia, então, livre
para estudar a sincronia, passa a poder esboçar uma tentativa mais solta de
compreender o “outro”.
Malinowski foi o grande viajante
da Antropologia não tendo como relacionar o trabalho de campo com o
pesquisador.
Durkheim outra autora de grande
importância para a Antropologia afirmava categoricamente uma ruptura: o social
não se explica pelo individual. Com isto, o social como objeto de estudo não
apenas se afirma no presente, na sincronia, mas também se afirma como entidade
autônoma, independente do indivíduo.
Afirmava Durkheim que: “é fato
social toda maneira de agir fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo
uma coerção exterior; ou então ainda, que é geral na extensão de uma sociedade
dada, apresentando uma existência própria, independente das manifestações
individuais que possa ter”.
Acompanhando esta definição
temos que o fato social é.
COERCITIVO: o fato social pressiona o indivíduo, torna-se uma força
diante da qual este é coagido a uma participação independente da sua
vontade.
EXTENSO: o fato social se estende por todo o grupamento onde se
acontece.
EXTERNO: o fato social é externo ao querer e ao poder do indivíduo.
Possui força autônoma, independente e própria, para além das manifestações
individuais.
O fato social é por todo e para
todos, uma “coisa” que ultrapassa cada um.
O importante, nas duas culturas,
é que os objetos valem não pelos seus aspectos utilitários ou comerciais, mas
pela sua posse pura e simples.
A comparação relativizadora, o
trabalho de campo, a autonomia da Antropologia diante da História e do fato
social frente ao individual são passos gigantescos. O “outro” é, também, uma
fonte possível de reflexão, de transformação até, da própria sociedade do
“eu”.
5- A Volta por
Cima
os “índios dos trópicos e seus semelhantes pelo mundo
afora”.
O etnocentrismo está calcado em
sentimentos fortes como o reforço da identidade do “eu”. O etnocentrismo se
conjuga com a lógica do progresso, com a ideologia da conquista, com o desejo da
riqueza, com a crença num estilo de vida que exclui a
diferença.
À visão de cultura como itens
corresponde a da história como trajetória única. Esta perspectiva – da história
e da cultura – é o que podemos chamar de
totalizadora.
A Antropologia reflete, no jogo
de seus movimentos, conjuntos de ideias, conceitos, métodos e técnicas que, na
tensão do relacionamento entre o “eu” e o “outro”, procuram a relativização como
possibilidade de conhecimento. O ser da sociedade do “eu” e os da sociedade do
“outro” devem estar mais pertos do espelho onde as diferenças se olham como
escolha, esperança e generosidade. Devem estar, também, mais longe das
hierarquias que se traduzem em formar de dominação.
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