UM MOVIMENTO POPULAR CHAMADO FREVO
No século XIX, as transformações das festividades carnavalescas acontecem de forma
lenta. Durante o Império, em meados desse século, o carnaval sofre uma ruptura
fundamental, o divertimento público é privatizado por clubes, que organizam para seus
sócios “bailes carnavalescos” para divertimento, exclusivo, da elite, em oposição ao
“entrudo”, coisa de gentinha, evento de rua, alvo da repressão policial.
Seguindo o novo modelo de carnaval veneziano das máscaras e figuras da
commedia
dell’arte
italiana de Pierrôs, Arlequins, Colombinas e dominós de seda, o carnaval de rua da
burguesia, no Brasil, passa a ser o “corso”, desfile de carros abertos, batalhas de flores,
seguindo os moldes de Paris.
O carnaval, até então, uma brincadeira pública, passa a ter entrada paga e desfile de
rua elitista, incorporando à festividade nacional a civilidade européia das festas fechadas dos
salões. O
Jornal do Commércio de 4 de fevereiro de 1856, anuncia que a elite paulista
também havia aderido ao “carnaval veneziano”, repudiando o “entrudo moleque”.
Também em 1856, houve a proibição aos capoeiristas pelo governo da província de
Pernambuco, na mesma época em que as limas-de-cheiro e os entrudos. No Rio de Janeiro
também os capoeiras eram alvo dessas proibições. No entanto, durante o Império e início da
República, os capoeiras costumavam aliar-se a pessoas influentes e ricas, sobretudo, a
políticos e chefes de partidos que lhes ofereciam proteção em troca de serviços como
capangas.
No Recife, particularmente, desde a metade do século XIX, as rivalidades dos partidos
de capoeiras costumavam se manifestar no extremado partidarismo pelas bandas de músicas
existente na cidade. Os capoeiristas adotavam uma banda marcial como de sua preferência e
consideravam adversárias todas as outras. Costumavam sair à frente, abrindo passagem,
pulando, saltando, dando pernadas. Essas disputas e confrontos entre os capoeiras que
apoiavam determinadas bandas de música militar, foram rigorosamente reprimidos pela
polícia.
Na passagem da Abolição, em 1888, para o carnaval de 1889, uma nova gama de
atores é inserida no carnaval de rua. Engrossando a massa dos excluídos urbanos, os exescravos
migraram das fazendas e engenhos, para o centro das cidades em busca de novas
oportunidades e, principalmente, de forma mais acentuada, para as atividades portuárias, no
caso das capitais do litoral, tendo como exemplos: Recife, Salvador e Rio de Janeiro
Nesse contexto, uma população majoritariamente analfabeta, inicia uma nova ordem
cultural na trajetória da sociedade brasileira. Ao final do século XIX, com o advento da
República, inicia-se um período de intensas e rápidas mudanças. De um lado a elite dirigente
empenhada em modelar e controlar a massa popular e, do outro, grupos de pessoas que se
viram forçados a mudar, ajustar e reajustar seus modos de vida e valores, sucessivas vezes.
O contraste da diversidade étnica envolve uma problemática aguda, pois sendo o
negro considerado um ser a-histórico, também suas manifestações, seus padrões de
organização e suas tradições, não faziam parte do passado do país, por conseguinte, fora dos
registros históricos ou percebidos por um viés preconceituoso.
Difícil é superar a barreira imposta pelos cronistas e pesquisadores, que não
percebiam a amplitude da pluralidade formadora das classes populares, suas experiências
através da convivência com outros seguimentos étnicos e sociais, amalgamando crenças e
tradições culturais, implicando em adaptações e reestruturações.
Na dinâmica dos fenômenos culturais permanecem aqueles que detiveram e
imprimiram seus símbolos. Tais grupos externaram concretamente suas marcas e, mesmo
sendo o aparato dos registros restritos as crônicas policiais e as crônicas de insensíveis
jornalistas, pode ser constatado que a superação foi o instrumento de liga para a “malta
barulhenta” do carnaval.
Assim, o carnaval de rua do Recife é reescrito e definido por estas classes populares.
O que não pode ficar a margem dessa história é o papel desse “movimento social de
liberação”, em relação ao carnaval de Pernambuco.
Romancear a história do frevo em datas estanques, é, no mínimo, maquiar a verdade.
Diferente da quase unanimidade dos estudos sobre este fenômeno popular denominado
“frevo”, sua criação é fruto de um processo que é iniciado através das bandas marciais,
comuns nos festejos públicos e religiosos de todo o Brasil. Em meados do século XIX, quando
da proibição dos capoeiras à frente das bandas marciais, as agremiações carnavalescas
populares, foi o espaço que abrigou esse grupo popular. Entretanto, os mesmos músicos que
compunham as bandas marciais, também faziam parte das “fanfarras” que acompanhavam
as agremiações carnavalescas populares como os Clubes Pedestres. Assim, em decorrência
desse processo de migração dos capoeiras das bandas marciais para os Clubes Pedestres,
acontece o nascimento de um conjunto coreográfico e rítmico que desse suporte as
manobras dos capoeiras, que também seguiam a frente dessas agremiações, na guarda de
seus símbolos, como o estandarte. Esse novo composto musical foi trabalhado e perpetuado
pelos Clubes Pedestres, principalmente, depois de 1888, com o aumento da massa popular
Por volta de 1880, os Clubes Carnavalescos Pedestres passa a ter maior destaque no
cenário do carnaval de rua do Recife. Os Clubes Pedestres, oriundos da classe trabalhadora
urbana pobre e remediada. Esses grupos, inicialmente, são originados nas organizações
religiosas e profissionais, daí suas denominações remeterem as suas ocupações cotidianas
como: espanadores, vassourinhas, caiadores, etc.
Naquele momento, a questão social do país e, em particular no Recife, passa a ser
retratada nos festejos carnavalescos de forma flagrante quando da ocupação das ruas do
Recife pelos Clubes Carnavalescos Pedestres, representantes das classes populares e dos
Clubes de Alegorias e Críticas das Sociedades Carnavalescas, constituídos pela burguesia.
Esse movimento popular que, mais tarde é denominado “frevo”, em seus primórdios
é perseguido violentamente, no intuito de restabelecer a ordem preestabelecida pela elite
vigente.
A sociedade pernambucana, ao final do século XIX, basicamente, é definida em duas
categorias. As classes populares, formadas por trabalhadores que, efetivamente, pegavam no
pesado, exercendo funções que a burguesia não se submetia. Eram os trabalhadores de lojas,
fábricas, boticas, oficinas, tipografias, carvoarias, vendedores ambulantes, artistas e artesãos,
entre muitos e, um grande percentual de pessoas sem ocupação definida.
As classes conservadoras eram formadas por grandes comerciantes, latifundiários,
proprietários de bancos e indústrias. Existindo, ainda, os profissionais liberais, médicos,
comerciantes e funcionários públicos, que faziam parte, como um apêndice necessário, dessa
elite e, que, mais tarde, vem formar a classe média.
Os Clubes de Alegorias e Críticas, composto pela elite e oriundos das Mascaradas,
levavam às ruas finos e elegantes figurinos, retratando fatos recentes ocorridos no cotidiano
da cidade, principalmente, na esfera política. Eram custeados pelos comerciantes e seus
préstitos tinham um alto custo.
Na passagem para o século XX, os Clubes de Alegoria e Críticas tem sua derrocada
instituída. O surgimento de um novo clube dessa categoria burguesa era motivo de novo
alento ao carnaval da elite. O projeto de um novo modelo de carnaval baseado em Veneza,
Paris e Nice, mostrava sinais de falência. O
Jornal do Recife, em 18 de fevereiro de 1900,
registra que o carnaval, ano a ano, encaminhava-se para a morte.
O carnaval civilizado teve como principal ponto da sua decadência, o descaso com
que os grandes comerciantes locais passaram a tratar tais Clubes de Alegoria e Críticas,
retirando a ajuda financeira que costumavam doar, como também, a recusa da decoração
das principais ruas da cidade.
Um outro fato que corroborou para o fracasso do carnaval de rua da burguesia, diz
respeito ao seu modelo de carnaval, no qual, o projeto de carnaval civilizado pressupunha o
monopólio e o controle da festividade pelas classes dominantes. Aos dominados restava o
papel de espectador. Entretanto, os planos da burguesia não foi compartilhado pela grande
maioria da população que se mobilizava em grupos e organizava-se em formas próprias de
divertimento para serem vivenciados publicamente.
Ao contrário do carnaval burguês que oscilava a cada ano de acordo com a crise
econômico-financeira dos seus patrocinadores, o carnaval popular ia conquistando as ruas e
tomando toda a cidade.
Enquanto o extrato da elite desfilava no carnaval costumes diferentes dos nacionais,
buscando representações em culturas de outros países e, retratando suas insatisfações em
encenações dramáticas, a massa popular reagia à polícia, extremamente violenta e arbitrária.
Essa situação de dispersão dos Clubes Carnavalescos Pedestres, por ordem das autoridades,
permaneceu, até 1904, quando a polícia procurou modificar o tratamento.
No entanto, as rixas e rivalidades entre as agremiações populares herdaram os
antigos confrontos das bandas marciais. As bandas marciais foram proibidas de executar
músicas para promover esses movimentos, estando sujeitas a sérias conseqüências.
Identificado como subversivos pelas autoridades, esse movimento popular que
passou a fazer parte do carnaval de Pernambuco, tinha em seu quadro elencado
os mesmos
músicos das bandas militares, que proibidos de executar a “marcha pernambucana” nas
apresentações das bandas nas corporações, saiam com os mesmos instrumentos, vestidos
com fantasias, no lugar da farda, acompanhando os Clubes Carnavalescos Pedestres. Afinal,
os componentes das bandas marciais, também, faziam parte das camadas populares da
sociedade pernambucana.
Em fim, o movimento popular que culmina com a denominação de frevo, nasce da
realidade dos conflitos sociais das ruas do Recife, ao longo do século XIX. Suas origens
remetem as lutas e resistências. Os pernambucanos que reivindicavam a libertação dos
escravos, a expulsão dos portugueses e a Proclamação da República, foram os mesmos
atores sociais, que propiciaram o surgimento do “FREVO”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário