A Carta do Folclore Brasileiro de 1951, com o adendo aprovado no Congresso da
Bahia, em 1957, põe o estudo dos fenômenos folclóricos, como fenômenos de cultura, no
quadro das Ciências Socioculturais. Esta posição brasileira teve importância fundamental na
luta que os folcloristas travaram pelo reconhecimento do seu trabalho.
As Ciências Sociais defrontam-se todas com o mesmo problema: como os homens
obrigados a viver num dado meio social, atingem num dado momento, a uma organização
estruturada e duradoura. Cada disciplina, em particular, procura explicar o mecanismo dessa
existência, quer relacionando o presente com o passado quer investigando os diferentes
processos de interação social.
Por muito tempo o folclore foi considerado matéria “morta”, arqueológica, histórica,
passível de observação indireta. O interesse dos fenômenos folclóricos dependia da
antigüidade, de suas, cada vez, mais longínquas origens. E, como disciplina, parecia fadado a
ter por campo de estudo as “sobrevivências do passado”. Não tem outro sentido o texto da
carta de William John Thoms, publicada em 22 de agosto de 1846, na revista londrina
The
Atheneum
, propondo a expressão Folk-Lore, então empregada pela primeira vez, para
designar precisamente as “antigüidades populares”.
Surgem freqüentemente, na sociedade, novas “expressões” folclóricas, enquanto
outras desaparecem ou se transformam. A sociedade moderna, baseada na ciência e na
tecnologia acelera intensamente a dinâmica social. Sobre o fato folclórico recaem as
influências mais diversas, submetendo-o a certos processos dinâmicos em que “a cada ação
corresponde determinada reação”. O folclore permeia toda a vida social, que participa da sua
criação e manutenção.
O fenômeno folclórico participa de um processo geral que envolve, permanentemente,
mecanismos internos, aquisitivos, desagregativos e de recomposição, recombinação e
movimentos externos, que tomam forma agressiva ou acomodatícia, que, por sua vez,
ocasionam novos processos internos, portanto, o folclore é dinâmico na sua essência, estando
em constante transformação, nos fornecendo a idéia de “matéria viva”.
No Brasil, em face das diversidades e contrastes regionais que se encontram em seu
território, vasto e diversificado física e humanamente, mais cresce a importância da base
regional, que não se restringe, ao fato folclórico isoladamente, mas, se alarga a todos os fatos
sociais e culturais. Tanto quanto nos tipos humanos que vão do tapuio amazônico ao
jangadeiro cearense, do vaqueiro pernambucano às baianas de Salvador, do garimpeiro das
Minas Gerais ao gaúcho do Rio Grande do Sul, do caipira de São Paulo ao candango de
Brasília, do canoeiro do São Francisco ao teuto de Santa Catarina, também variam as
manifestações folclóricas diante da diversidade regional.
Essa definição regional é que permite se caracterizar a origem, o fundamento, a
manutenção dos fatos folclóricos, estudando os grupos étnicos e a cultura da região em que
eles aparecem.
No Brasil não há, rigorosamente, trajes populares ou típicos, tal como acontece em
outros países como: Portugal, Espanha e Itália, cada qual com seus trajes típicos de cada
região.
Mas, pelo menos, três trajes regionais são característicos: o da baiana, o do vaqueiro
nordestino e o do gaúcho. Mesmo assim, se compararmos os trajes do vaqueiro
pernambucano com o vaqueiro de Marajó, mesmo tendo a mesma atividade econômica, que é
a pecuária, cada um deles terá, em fase das influências do respectivo meio, diferenciações
como conseqüência da ecologia cultural, ou da região.
Para estudarmos o folclore brasileiro a base regional é fundamental. As peculiaridades
da região, de grupos étnicos, de formação cultural, de gênero de vida, imprimem no folclore
sua feição regional.
Esse conjunto tem como base o encontro entre os três grupos que inicialmente
entraram em contato na terra brasileira: o indígena, o português e o negro africano, o folclore
brasileiro reflete as marcas que cada um desses grupos lhe trouxe, através de seus valores
culturais, elementos representativos de seus ethos, aqui se mesclando, sob os influxos do novo
ambiente e os imperativos de uma sociedade que se formava.
Nosso populário, nossos mitos, nossas tradições, nossas técnicas, nossas festas são o
resultado dessa miscigenação cultural. Se cada um dos grupos marcou sua maior ou menor
influência, o fato é que o processo transculturativo criou as novas formas que, hoje, podemos
considerar brasileiras.
Pelo nordeste agrário, começou a formação do povo brasileiro; mais nítida e
aprofundada se tornou a influência cultural lusitana. Surgida no momento da expansão
marítima portuguesa, no substrato de sua formação se fixaram os temas marítimos. Sobretudo,
no século XVIII, estruturam-se os folguedos de fundo marítimos: as Cheganças, os
Fandangos, os Reisados.
Dada a natureza da economia agrária, os temas folclóricos dessa origem se tornam
comuns; é a região do folclore do açúcar. Os temas em torno da cana-de-açúcar, do engenho e
mais modernamente, da usina, são ricos, expressando nitidamente a influência dessa atividade
na vida regional. Características desta região são, também, as danças primitivamente de
umbigadas, destacadamente o coco, encontrado em diferentes formas. Ainda são tradicionais
as festas natalinas com numerosos folguedos e autos pastoris.
É no mundo da atividade pecuária nordestina, em especial, que aparece no folclore
brasileiro um dos mais ricos ciclos, o do boi, nas formas mais típicas do bumba-meu-boi.
Estendendo-se, o folclore do boi, à apresentação das vaquejadas, e nas vaquejadas as
manifestações folclóricas dos repentistas, violeiros e dos grupos de forró, que garantem a
animação e da literatura de cordel, relatando os feitos heróicos dos vaqueiros, suas montarias
e do cotidiano do homem do sertão.
Assim, as subjetividades regionais trazidas à reflexão nesse ensaio, estabelecem
especificidades para uma discussão mais alargada dessa trama cultural, que se vale da
interação de diversos povos em território brasileiro.
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