Perdoe-nos, Mãe África,
por termos subjugado seus povos
suas religiões, culturas, hábitos e tradições
Impondo-os o que julgávamos civilizado
e aceito pelo Deus que os obrigamos a conhecer e adorar.
(Poema de Pollyana Almie)
O dia 25 de maio foi instituído pela ONU como o “Dia da África”. A efeméride foi criada em 1972 para simbolizar toda a luta do povo africano pela sua independência e emancipação
Hierarquia no Culto de Ifá
Babálawó ou Iyánifá Sacerdote do Orixá Orúnmilá-Ifá do Culto de Ifá.Após duas iniciações ("Mãos"), e sob a obediência a rígidos códigos morais, o Babálawó recebe o direito de utilizar o Opele-Ifá (ou Rosário de Ifá) e os ikins (sementes de dendezeiro - igui ope, em yorubá). O Merindilogun (Jogo de búzios) é franqueado somente aos Obaoriates e os Awófakans (Aqueles que receberam a "primeira mão")são chamados também de Olwós. Às Iyápetebis (Mulheres iniciadas a Ifá) usam o jogo de buzios chamados Ekuró. As omoIfas também usam. Os BabaIfas, que são da rama brasileira, onde as cores são o azul claro e branco.
Hierarquia no Culto aos Egungun
MasculinosAlapini (Sacerdote Supremo, Chefe dos alagbás),
Alagbá Sacerdote (Chefe de um terreiro),
Ojê (iniciado com ritos completos),
Ojê agbá (ojê ancião),
Atokun (ojê que guia de Egum),
Amuixan (iniciado com ritos incompletos),
Alagbê (tocador de atabaque).
Alguns oiê dos ojê agbá: Baxorun, Ojê ladê, Exorun, Faboun, Ojé labi, Alaran, Ojenira, Akere, Ogogo, Olopondá.
Femininos
Iyalode (responde pelo grupo feminino perante os homens),
Iyá egbé (lider de todas as mulheres),
Iyá monde (comanda as ató e fala com os Babá),
Iyá erelu (cabeça das cantadoras), erelu (cantadora),
Iyá agan (recruta e ensina as ató), ató (adoradora de Egun).
Outros oiê: Iyale alabá, Iyá kekere, Iyá monyoyó, Iyá elemaxó, Iyá moro.
Assogba Supremo sacerdote do culto de Obaluaiyê
Babalosanyin: Responsável pela colheita das folhas.
Hierarquia no candomblé Ketu
Iyá / Babá: significado das palavras iyá do yoruba significa mãe, babá significa pai.Iyalorixá / Babalorixá: Mãe ou Pai de Santo. É o posto mais elevado na tradição afro-brasileira.
Iyaegbé / Babaegbé: É a segunda pessoa do axé. Conselheira, responsável pela manutenção da Ordem, Tradição e Hierarquia.
Iyalaxé (mulher): Mãe do axé, a que distribui o axé e cuida dos objetos ritual.
Iyakekerê (mulher): Mãe Pequena, segunda sacerdotisa do axé ou da comunidade. Sempre pronta a ajudar e ensinar a todos iniciados.
Babakekerê (homem): Pai pequeno, segundo sacerdote do axé ou da comunidade. Sempre pronto a ajudar e ensinar a todos iniciados.
Ojubonã ou Agibonã: É a mãe criadeira, supervisiona e ajuda na iniciação.
Iyamorô: ou BabamorôResponsável pelo Ipadê de Exu.
Iyaefun ou Babaefun: Responsável pela pintura branca das Iaôs.
Iyadagan e Ossidagã: Auxiliam a Iyamorô.
Axogun sacerdote responsável pelo sacrificio dos animais. Dependendo do caso, no ritual de iniciação, este sacerdote pode "virar" no santo e assumir outro cargo, ja que axogun é um ogan.
Iyabassê: (mulher): Responsável no preparo dos alimentos sagrados as comidas-de-santo.
Iyarubá: Carrega a esteira para o iniciando.
Iyatebexê ou Babatebexê: Responsável pelas cantigas nas festas públicas de candomblé.
Aiyaba Ewe: Responsável em determinados atos e obrigações de "cantar folhas.
Aiybá: Bate o ejé nas obrigações.
Ològun: Cargo masculino. Despacha os Ebós das obrigações, preferencialmente os filhos de Ogun, depois Odé e Obaluwaiyê.
Oloya: Cargo feminino. Despacha os Ebós das obrigações, na falta de Ològun. São filhas de Oya.
Iyalabaké: A guardiã do alá de osaala.
Iyatojuomó: Responsável pelas crianças do Axé.
Pejigan: O responsável pelos axés da casa, do terreiro. Primeiro Ogan na hirarquia.
Alagbê: Responsável pelos toques rituais, alimentação, conservação e preservação dos instrumentos musicais sagrados. (não entram em transe). Nos ciclos de festas é obrigado a se levantar de madrugada para que faça a alvorada. Se uma autoridade de outro Axé chegar ao terreiro, o Alagbê tem de lhe prestar as devidas homenagens. No Candomblé Ketu, os atabaques são chamados de Ilú. Há também outros Ogans como Gaipé, Runsó, Gaitó, Arrow, Arrontodé, etc.
Ogâ ou Ogan: Tocadores de atabaques (não entram em transe).
Ebômi: Ou Egbomi são pessoas que já cumpriram o período de sete anos da iniciação (significado: meu irmão mais velho).
Ajoiê ou ekedi: Camareira do Orixá (não entram em transe). Na Casa Branca do Engenho Velho, as ajoiés são chamadas de ekedis. No Terreiro do Gantois, de "Iyárobá" e na Angola, é chamada de "makota de angúzo", "ekedi" é nome de origem Jeje, que se popularizou e é conhecido em todas as casas de Candomblé do Brasil. (em edição)
Iaô: filho-de-santo (que já foi iniciado e entra em transe com o Orixá dono de sua cabeça), nem todo Iaô será um pai ou mãe de santo quando terminar a obrigação de sete anos. Ifá ou o jogo de búzios é que vai dizer se a pessoa tem cargo de abrir casa ou não. Caso não tenha que abrir casa o mesmo jogo poderá dizer se terá cargo na casa do pai ou mãe de santo além de ser um egbomi.
Abiã ou abian: Novato. É considerada abiã toda pessoa que entra para a religião após ter passado pelo ritual de lavagem de contas e o bori. Poderá ser iniciada ou não, vai depender do Orixá pedir a iniciação.
Sarepebê ou sarapebê é responsável pela comunicação do egbe (similar a relações públicas).
Otun e Osy Axogun são os auxiliares do Axogun
Apokan responsavel pelo culto de Olwuaye e o Olugbajé
Hierarquia do candomblé Jeje
Os vodunsis da família de Dan são chamados de Megitó, enquanto que da família de Kaviungo, do sexo masculino, são chamados de Doté; e do sexo feminino, de DonéNo Jeje-Mahi
Doté é o sacerdote, cargo ilustre do filho de Sogbô
Doné é a sacerdotisa, cargo feminino, esse título é usado no Terreiro do Bogum onde também são
usados os títulos Gaiaku e Mejitó. similar à Iyalorixá
No Jeje-Mina Casa das Minas
Toivoduno
Noche
No Kwé Ceja Houndé
- Gaiaku, cargo exclusivamente feminino
- Ekede
Hierarquia do candomblé Bantu
Títulos Hierárquicos Bantu, Angola, CongoTata Nkisi - Zelador.
Mametu Nkisi - Zeladora.
Tata Ndenge - pai pequeno.
Mametu Ndenge - Mãe pequena(há quem chame de Kota Tororó, mas não há nenhuma comprovação em dicionário, origem desconhecida).
Tata NGanga Lumbido - Ogã, guardião das chaves da casa.
Kambondos - Ogãs.
Kambondos Kisaba ou Tata Kisaba - Ogã responsável pelas folhas.
Tata Kivanda - Ogã responsável pelas matanças, pelos sacrifícios animais (mesmo que axogun).
Tata Muloji - Ogã preparador dos encantamentos com as folhas e cabaças.
Tata Mavambu - Ogã ou filho de santo que cuida da casa de Exu (de preferência homem, pois mulher não deve cuidar porque mulher mestrua e só deve mexer depois da menopausa, quando não mestruar mais, portanto, pelo certo as zeladoras devem ter um homem para cuidar desta parte, mas que seja pessoa de alta confiança).
Mametu Mukamba - Cozinheira da casa, que por sua vez, deve de prefer~encia ser uma senhora de idade e que não mestrue mais.
Mametu Ndemburo - Mãe criadeira da casa(ndemburo = runko).
Kota ou Maganga - Em outras nações EKEJI (todos os mais velhos que já passaram de 7 anos, mesmo sem dar obrigação, ou que estão presentes na casa, também são chamados de Kota).
Tata Nganga Muzambù - babalawo - pessoa preparada para jogar búzios.
Kutala - Herdeiro da casa.
Mona Nkisi - Filho de santo.
Mona Muhatu Wá Nkisi - Filha de santo (mulher).
Mona Diala Wá Nkisi - Filho de santo(homem).
Tata Numbi - Não rodante que trata de babá Egun(Ojé).
Sacerdotes na África
BANTU (ANGOLA-KONGO).- Kubama..................adivinhador de 1a categoria.
- Tabi....................adivinhador de 2a categoria.
- Nganga-a-ngombo.........adivinhador de 3a categoria.
- Kimbanda................feiticeiro ou curandeiro.
- Nganga-a-mukixi.........sacerdote do culto de possessão (Angola).
- Niganga-a-nikisi........sacerdote do culto de possessão (Kongo).
- Mukúa-umbanda...........sacerdote do culto de possessão (Angola-Kongo).
Divisão Sacerdotais no Brasil
Angola - língua quimbundo - Kongo - língua quicongo- Mam’etu ria mukixi......sacerdotisa no Angola.
- Tat’etu ria mukixi......sacerdote no Angola.
- Nengua-a-nkisi..........sacerdotisa no Kongo.
- Nganga-a-nkisi.........sacerdote no Kongo.
- Mam’etu ndenge..........mãe pequena no Angola.
- Tat’etu ndenge..........Pai pequeno no Angola.
- Nengua ndumba...........mãe pequena no Kongo.
- Nganga ndumba...........pai pequeno no Kongo.
- Kambundo ou Kambondo....todos os homens confirmados.
- Kimbanda................Feiticeiro, curandeiro.
- Kisaba.................pai das sagradas folhas.
- Tata utala..............pai do altar.
- Kivonda.................Sacrificador de animais (Kongo).
- Kambondo poko...........sacrificador de animais (Angola).
- Kuxika ia ngombe........Tocador (kongo).
- Muxiki..................tocador( Angola).
- Njimbidi................cantador.
- Kambondo mabaia.........responsável pelo barracão.
- Kota....................todas as mulheres confirmadas.
- Kota mbakisi............responsável pelas divindades.
- Hongolo matona..........especialista nas pinturas corporais.
- Kota ambelai............toma conta e atende aos iniciados.
- Kota kididi............toma conta de tudo e mantém a paz.
- Kota rifula.............responsável em preparar as comidas sagradas.
- Mosoioio................as (os) mais antigas.
- Kota manganza............título alcançado após a obrigação de 7 anos.
- Manganza.................título dado aos iniciados.
- Uandumba................designa a pessoa durante a fase iniciatória.
- Ndumbe..................designa a pessoa não iniciada
Candomblé
Candomblé é uma religião derivada do animismo africano onde se cultuam os orixás, Voduns, Nkisis dependendo da nação. Sendo de origem totêmica e familiar, é uma das religiões afro-brasileiras praticadas principalmente no Brasil, pelo chamado povo do santo, mas também em outros países como Uruguai, Argentina , Venezuela, Colômbia, Panamá, México, Alemanha , Itália, Portugal e Espanha .
Cada nação africana tem como base o culto a um único orixá. A junção dos cultos é um fenômeno brasileiro em decorrência da importação de escravos onde, agrupados nas senzalas nomeavam um zelador de santo também conhecido como babalorixá no caso dos homens e iyalorixá no caso das mulheres.
A religião que tem por base a anima (alma) da Natureza, sendo portanto chamada de anímica. Os sacerdotes africanos que vieram para o Brasil como escravos, juntamente com seus Orixás/Nkisis/Voduns, sua cultura, e seus idiomas, entre 1549 e 1888, é que tentaram de uma forma ou de outra continuar praticando suas religiões em terras brasileiras, portanto foram os africanos que implantaram suas religiões no Brasil, juntando várias em uma casa só para sobrevivência das mesmas. Portanto, não é invenção de brasileiros.
Diz Clarival do Prado Valladares em seu artigo «A Iconologia Africana no Brasil», na Revista Brasileira de Cultura (MEC e Conselho Federal de Cultura), ano I, Julho-Setembro 1999, p. 37, que o «surgimento dos candomblés com posse de terra na periferia das cidades e com agremiação de crentes e prática de calendário verifica-se incidentalmente em documentos e crônicas a partir do século XVIII». O autor considera difícil para «qualquer historiador descobrir documentos do período anterior diretamente relacionados à prática permitida, ou sub-reptícia, de rituais africanos». O documento mais remoto, segundo ele, seria de autoria de D. Frei Antônio de Guadalupe, Bispo visitador de Minas Gerais em 1726, divulgado nos «Mandamentos ou Capítulos da visita».
Candomblé Ilê Axé Iyá Nassô Oká - Terreiro da Casa Branca - casa mais antiga de Salvador Bahia |
Religiões afro-brasileiras Deus Ketu | Olorum | Orixás Jeje | Mawu | Vodun Bantu | Nzambi | Nkisi Babaçuê | Batuque | Cabula Candomblé | Culto de Ifá Culto aos Egungun | Quimbanda Macumba | Omoloko Tambor-de-Mina | Terecô | Umbanda Xambá | Xangô do Nordeste Sincretismo | Confraria Terminologia Sacerdotes Hierarquia Religiões Africanas Santeria Palo Arará Lukumí Regla de Ocha Abakuá Obeah |
Embora confinado originalmente à população de negros escravizados, inicialmente nas senzalas, quilombos e terreiros, proibido pela igreja católica, e criminalizado mesmo por alguns governos, o candomblé prosperou nos quatro séculos, e expandiu consideravelmente desde o fim da escravatura em 1888. Estabeleceu-se com seguidores de várias classes sociais e dezenas de milhares de templos. Em levantamentos recentes, aproximadamente 3 milhões de brasileiros (1,5% da população total) declararam o candomblé como sua religião. Na cidade de Salvador existem 2.230 terreiros registrados na Federação Baiana de Cultos Afro-brasileiros e catalogados pelo Centro de Estudos Afro-Orientais da UFBA, (Universidade Federal da Bahia) Mapeamento dos Terreiros de Candomblé de Salvador.
Entretanto, na cultura brasileira as religiões não são vistas como mutuamente exclusivas, e muitas pessoas de outras crenças religiosas — até 70 milhões, de acordo com algumas organizações culturais Afro-Brasileiras — participam em rituais do candomblé, regularmente ou ocasionalmente. Orixás do Candomblé, os rituais, e as festas são agora uma parte integrante da cultura e uma parte do folclore brasileiro.
O Candomblé não deve ser confundido com Umbanda, Macumba, e/ou Omoloko, e outras religiões afro-brasileiras com similar origem; e com religiões afro-americanas similares em outros países do Novo Mundo, como o Vodou haitiano, a Santeria cubana, e o Obeah, em Trinidade e Tobago, os Shangos (similar ao Tchamba africano, Xambá e ao Xangô do Nordeste do Brasil) o Ourisha, de origem yoruba, os quais foram desenvolvidas independentemente do Candomblé e são virtualmente desconhecidos no Brasil.
Nações
Os negros escravizados no Brasil pertenciam a diversos grupos étnicos, incluindo os yoruba, os ewe, os fon, e os bantu. Como a religião se tornou semi-independente em regiões diferentes do país, entre grupos étnicos diferentes evoluíram diversas "divisões" ou nações, que se distinguem entre si principalmente pelo conjunto de divindades veneradas, o atabaque (música) e a língua sagrada usada nos rituais.
A lista seguinte é uma classificação pouco rigorosa das principais nações e sub-nações, de suas regiões de origem, e de suas línguas sagradas:
- Nagô ou Yoruba
- Ketu ou Queto (Bahia) e quase todos os estados - Língua yoruba (Iorubá ou Nagô em Português)
- Efan na Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo
- Ijexá principalmente na Bahia
- Nagô Egbá ou Xangô do Nordeste no Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Rio de Janeiro e São Paulo
- Mina-nagô ou Tambor de Mina no Maranhão
- Xambá em Alagoas e Pernambuco (quase extinto).
- Bantu, Angola e Congo (Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo, Goiás, Rio Grande do Sul), mistura de línguas Bantu, Kikongo e Kimbundo.
- Candomblé de Caboclo (entidades nativas índios)
- Jeje A palavra Jeje vem do yoruba adjeje que significa estrangeiro, forasteiro. Nunca existiu nenhuma nação Jeje na África. O que é chamado de nação Jeje é o candomblé formado pelos povos fons vindo da região de Dahomey e pelos povos Mahis ou Mahins. Jeje era o nome dado de forma pejorativa pelos yorubas para as pessoas que habitavam o leste, porque os mahis eram uma tribo do lado leste e Saluvá ou povos Savalu do lado sul. O termo Saluvá ou Savalu, na verdade, vem de "Savé" que era o lugar onde se cultuava Nanã. Nanã, uma das origens das quais seria Bariba, uma antiga dinastia originária de um filho de Oduduá, que é o fundador de Savé (tendo neste caso a ver com os povos fons). O Abomey ficava no oeste, enquanto Ashantis era a tribo do norte. Todas essas tribos eram de povos Jeje, (Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo) - língua ewe e língua fon (Jeje)
Crenças
Candomblé é uma religião monoteísta, embora alguns defendam a ideia que são cultuados vários deuses, o deus único para a Nação Ketu é Olorum, para a Nação Bantu é Nzambi e para a Nação Jeje é Mawu, são nações independentes na prática diária e em virtude do sincretismo existente no Brasil a maioria dos participantes consideram como sendo o mesmo Deus da Igreja Católica.Os Orixás/Inquices/Voduns recebem homenagens regulares, com oferendas de animais, vegetais e minerais, cânticos, danças e roupas especiais. Mesmo quando há na mitologia referência a uma divindade criadora, essa divindade tem muita importância no dia-a-dia dos membros do terreiro, mas não são cultuados em templo exclusivo, é louvado em todos os preceitos e muitas vezes é confundido com o Deus cristão.
- os Orixás da Mitologia Yoruba foram criados por um deus supremo, Olorun (Olorum) dos Yoruba;
- os Voduns da Mitologia Fon foram criados por Mawu, o deus supremo dos Fon;
- os Nkisis da Mitologia Bantu, foram criados por Zambi, Zambiapongo, deus supremo e criador.
Orixás têm individuais personalidades, habilidades e preferências rituais, e são conectados ao fenômeno natural específico (um conceito não muito diferente do Kami do japonês Xintoísmo). Toda pessoa é escolhida no nascimento por um ou vários "patronos" Orixás, que um babalorixá identificará. Alguns Orixás são "incorporados" por pessoas iniciadas durante o ritual do candomblé, outros Orixás não, apenas são cultuados em árvores pela coletividade. Alguns Orixás chamados Funfun (branco), que fizeram parte da criação do mundo, também não são incorporados.
Acreditam na vida após a morte, e que os espíritos dos babalorixás falecidos possam materializar-se em roupas específicas, são chamados de babá Egum ou Egungun e são cultuados em roças dirigidas só por homens no Culto aos Egungun, os espíritos das iyalorixás falecidas são cultuados coletivamente Iyami-Ajé nas sociedades secretas Gelede, ambos cultos são feitos em casas independentes das de candomblé que também se cultuam os eguns em casas separadas dos Orixás.
Acreditam que algumas crianças nascem com a predestinação de morrer cedo são os chamados abikus (nascidos para morrer) que podem ser de dois tipos, os que morrem logo ao nascer ou ainda criança e os que morrem antes dos pais em datas comemorativas, como aniversário, casamento, e outras.
Sincretismo
No tempo das senzalas os negros para poderem cultuar seus orixás, nkisis e voduns usaram como camuflagem um altar com imagens de santos católicos e por baixo os assentamentos escondidos, segundo alguns pesquisadores este sincretismo já havia começado na África, induzida pelos próprios missionários para facilitar a conversão.Depois da libertação dos escravos começaram a surgir as primeiras casas de candomblé, e é fato que o candomblé de séculos tenha incorporado muitos elementos do cristianismo. Imagens e crucifixos eram exibidos nos templos, orixás eram frequentemente identificados com santos católicos, algumas casas de candomblé também incorporam entidades caboclos, que eram consideradas pagãs como os orixás.
Mesmo usando imagens e crucifixos inspiravam perseguições por autoridades e pela Igreja, que viam o candomblé como paganismo e bruxaria, muitos mesmo não sabendo o que era isso.
Nos últimos anos, tem aumentado um movimento em algumas casas de candomblé que rejeitam o sincretismo aos elementos cristãos e procuram recriar um candomblé "mais puro" baseado exclusivamente nos elementos africanos.
Templos
Os Templos de candomblé são chamados de casas, roças ou Terreiros.As casas podem ser de linhagem matriarcal, patriarcal ou mista:
- Casas pequenas, que são independentes, possuídas e administradas pelo babalorixá ou iyalorixá dono da casa e pelo Orixá principal respectivamente. Em caso de falecimento do dono, a sucessão na maioria das vezes é feita por parentes consanguineos, caso não tenha um sucessor interessado em continuar a casa é desativada. Não há nenhuma administração central.
- Casas grandes, que são organizadas tem uma hierarquia rígida, não é de propriedade do sacerdote, nem toda casa grande é tradicional, é uma Sociedade Civil ou Beneficente.
- Casas de linhagem matriarcal: (só mulheres) assumem a liderança da casa como Iyalorixá.
- Ilé Axé Iyá Nassô Oká - Casa Branca-Engenho Velho - considerada a primeira casa a ser aberta em Salvador, Bahia
- Ilê Maroiá Lájié - Mãe Olga de Alaketu - Fundada em 1636 no Matatu de Brotas por Otampé Ojarô
- Ilé Iyá Omi Axé Iyámase do Gantois - Terreiro do Gantois - Salvador, Bahia
- Ilé Axé Opó Afonjá - Opó Afonjá - Salvador, Bahia e Coelho da Rocha, Rio de Janeiro
- Zoogodô Bogum Malê Rondó - Terreiro do Bogum - Salvador, Bahia
- Querebentan de Zomadônu - Casa das Minas - fundada +/- 1796 - São Luiz, Maranhão
- Kwe Kpodaba - Asé Podaba - fundado em 1851 - Rio de Janeiro
- Ile Axé Íyà Atara Magbá - Santa Cruz da Serra - RJ. Fundada e dirigida até hoje por Omindarewa de Yemanja
- Ilé Omo Oyá Legi - Mesquita, Rio de Janeiro
- Casas de linhagem patriarcal: (só homens) assumem a liderança da casa como Babalorixá no Culto aos Orixá ou Babaojé no Culto aos Egungun.
- Ilê Agboulá - Ilha de Itaparica
- Sociedade Cultural e Religiosa Ilê Axipá - Ilê Axipá - Salvador, Bahia
- Casas de linhagem mista: tanto homens como mulheres podem/poderão assumir a liderança da casa.
- Ilé Axé Oxumarê - Casa de Oxumare - Salvador, Bahia
- Ilé Axé Odó Ogè - Terreiro Pilão de Prata - Salvador, Bahia
- Obá Ogunté - Terreiro Obá Ogunté - Recife, Pernambuco
- Kwé Ceja Houndé - Roça do Ventura - Cachoeira e São Felix, Bahia
- Ilê Axé Iyá Ogunté - Casa de Iemanjá21 - Maceió, Alagoas
- Terreiro Viva Deus - Asepo Eran Opé Oluwá - Cachoeira - Bahia. Fundada por José Domingos de Santana- Zé do Vapor de Ogum, que teve como babalaxé Luiz Sergio Barbosa de Oxalufã, já falecido.
- Ilé Àsé Igba Onin Odé Akueran - Casa Pai Francisco - Curitiba - Paraná. Fundada por José Francisco - Odé Otaioci. Dirigido hoje pela Iyálàsé Tutty.
- Kunzo Nkisi Caxuté Teempu Mavula - Terreiro Caxuté - Valença, Bahia
- Casas de linhagem matriarcal: (só mulheres) assumem a liderança da casa como Iyalorixá.
A progressão na hierarquia é condicionada ao aprendizado e ao desempenho dos rituais longos da iniciação. Em caso de morte de uma iyalorixá, a sucessora é escolhida, geralmente entre suas filhas, na maioria das vezes por meio de um jogo divinatório Opele-Ifa ou jogo de búzios. Entretanto a sucessão pode ser disputada ou pode não encontrar um sucessor, e conduz frequentemente a rachar ou ao fechamento da casa. Há somente três ou quatro casas em Brasil que viram seu 100° aniversário.
Hierarquia
- Culto de Ifá participam tanto homens quanto mulheres, sendo um Culto patriarcal conduzido pelos Babalawos.
- Culto aos Egungun participam tanto homens quanto mulheres, sendo Culto patriarcal que lida diretamente com a ancestralidade, conduzidos pelos Ojés.
- Candomblé Ketu participam tanto homens quanto mulheres, sendo conduzido tanto por homens (Babalorixás) quanto por mulheres (Iyalorixás), entram em transe com Orixá.
- Candomblé Jeje participam tanto homens quanto mulheres, sendo conduzido tanto por homens quanto por mulheres Vodunsis, entram em transe com Vodun.
- Candomblé Bantu participam tanto homens quanto mulheres, sendo conduzido tanto por homens quanto por mulheres inicia Muzenzas, entram em transe com Nkisi.
Sacerdócio
Nas religiões Afro-brasileiras o sacerdócio é dividido em:- Axogun - O cargo mais importante do Candomblé. Em grau de importância, está acima até mesmo dos Babalorixás. Todos estão á disposição deste sacerdote, porém, como não é rodante, não pode iniciar ninguém sem a participação de um babalorixá ou iyalorixá.
- Babalawo - Sacerdote de Orunmila-Ifa do Culto de Ifá
- Bokonon - Sacerdote do Vodun Fa
- Babalorixá ou Iyalorixá - Sacerdotes de Orixás
- Doté ou Doné - Sacerdotes de Voduns
- Tateto e Mameto - Sacerdotes de Inkices
- Ojé - Sacerdote do Culto aos Egungun
- Babalosaim - Sacerdote de Ossaim
- Anexo:Lista de sacerdotes do candomblé
Livros
- Dieux D'Afrique, Pierre Fatumbi Verger - Paul Hartmann, Paris (1st edition, 1954; 2nd edition, 1995). 400pp, 160 fotos em preto e branco, ISBN 2-909571-13-0.
- Notas Sobre o Culto aos Orixás e Voduns. 624pp, fotos em preto e branco de Pierre Verger. Tradução: Carlos Eugênio Marcondes de Moura EDUSP 1999 ISBN 85-314-0475-4
- Pierre Fatumbi Verger - Do olhar livre ao conhecimento iniciático, Jérôme Souty, Terceiro Nome, São Paulo, 2011 (ed. francesa, Maisonneuve & Larose, Paris, 2007).
- Nina Rodrigues - Os Africanos no Brasil. Com prefácio de 1933, uma das pesquisas mais antigas no Brasil.
- O Candomblé na Bahia: rito nagô, Roger Bastide - (Título original: Le candomblé de Bahia: rite nagô). São Paulo; Companhia das Letras, 2001.
- Os Candomblés de São Paulo, Reginaldo Prandi - Editora Hicitec, USP, São Paulo, 1991 ISBN 85-271-0150-0 ISBN 85-314-0034-1 (EDUSP)
- O que é Candomblé (Coleção Primeiros Passos), autor: João Carmo - Brasiliense, São Paulo
- Xirê! O modo de crer e de viver do candomblé, Rita Amaral, Pallas, Rio de Janeiro, 2002.
- Cantar para subir - um estudo antropológico da música ritual no candomblé paulista, Rita Amaral, Vagner Gonçalves da Silva
- As águas de Oxalá - Àwon omi Òsàlá, José Beniste - Bertrand, 2002 – ISBN 85-286-0965-0
- Ancestralidade Africana no Brasil, Mestre Didi - SECNEB, Salvador, 1997
- Le double et la métamorphose, Monique Augras, Méridiens klincksieck, Paris, 1992.
- Anexo:Lista de livros com tema afro-brasileiro
Temas polêmicos
- Luta contra o preconceito , racismo e discriminação religiosa.
Procópio de Ogum teve o seu reconhecimento por ter participado da legitimação da religião do candomblé, durante a perseguição às religiões afro-brasileiras promovida pelas autoridades do Estado Novo. Nesse período, o Ilê Ogunjá foi invadido pela polícia baiana, sob a supervisão do famoso delegado Pedrito Gordo. Procópio foi preso e espancado. O jornalista Antônio Monteiro foi uma das pessoas que ajudou na libertação de Procópio. Tal acontecimento - caso Pedrito - registrou o nome de Procópio na história popular baiana, chegando mesmo a fazer parte de uma letra de samba-de-roda:
“Não gosto de candomblé que é festa de feiticeiro quando a cabeça me dóe serei um dos primeiros Procópio tava na sala esperando santo chegá quando chegou seu Pedrito Procópio passa pra cá Galinha tem força n’aza o galo no esporão Procópio no candomblé Pedrito é no facão.” “Acabe com este santo Pedrito vem aí lá vem cantando ca ô cabieci” |
—
|
O Jornal da Bahia, de 3 de maio de 1855, faz alusão a uma reunião na casa Ilê Iyá nassô: "Foram presos e colocados à disposição da polícia Cristóvão Francisco Tavares, africano emancipado, Maria Salomé, Joana Francisca, Leopoldina Maria da Conceição, Escolástica Maria da Conceição, crioulos livres; os escravos Rodolfo Araújo Sá Barreto, mulato; Melônio, crioulo, e as africanas Maria Tereza, Benedita, Silvana… que estavam no local chamado Engenho Velho, numa reunião que chamavam de candomblé". |
- Cultura yoruba Palestra de Juarez Tadeu de Paula Xavier
A homossexualidade está presente na maioria das religiões, porém oculta, indiscutivelmente abafada e muitas vezes negada pelos ditos ex-homossexuais.
No Candomblé a homossexualidade é amplamente aceita e discutida nos dias atuais, mas já teve um período que homens e homossexuais não podiam ser iniciados como rodantes (termo usado para pessoas que entram em transe), não era permitido em festas que um homem dançasse na roda de candomblé mesmo que estivesse em transe.
O mais famoso e revolucionário homossexual do candomblé foi sem dúvida Joãozinho da Goméia, que afrontou as matriarcas e ocupou seu espaço tornando-se conhecido internacionalmente. Tiveram muitos outros, mas nenhum conseguiu suplantá-lo em ousadia e popularidade.
Nas religiões afro-brasileiras que na maioria são religiões derivadas das religiões tribais africanas, são contra o aborto e um dos motivos é o religioso, o africano vê o filho como a continuação da própria vida, filho é o bem mais precioso que o homem africano possa ter, em consequência disso, foram trazidos para o Brasil alguns conceitos.
- No conceito social: Amparam e orientam adolescentes e mulheres grávidas.
- No conceito religioso: Oxum é quem rege o processo de fecundidade, cuida do embrião, evita o aborto espontâneo, não aprova o aborto provocado, mantém a criança viva e sadia na barriga da mãe até o nascimento. Uma mulher quando não consegue engravidar, recorre à Oxum.
- No conceito jurídico: Só aprova a interrupção da gravidez, nos casos previstos em lei.
Em virtude do grande número de abortos clandestinos que são feitos e as inúmeras mortes ocorridas, algumas pessoas estão lutando por essas causas relacionadas às mulheres.
- Leila Linhares Barsted, (advogada) atua na Comissão Estadual de Segurança da Mulher, que monitora e pressiona o governo em ações como manutenção de abrigos para vítimas de violência e delegacias especializadas.
- Maria José de Oliveira Araújo (médica) comandou o setor de saúde da mulher da Prefeitura de São Paulo e implementou, pela primeira vez no país, o serviço de aborto em hospitais públicos para os casos previstos em Lei.
- Silvia Pimentel, (advogada) em janeiro de 2005, assumiu o cargo de vice-presidente da mais alta instância de defesa dos direitos da mulher, o Comitê Cedaw da ONU.
Mudança de hábitos e costumes
As casas de candomblé são frequentadas e habitadas por um número variável de pessoas, pode variar de 20 a 300 pessoas dependendo do tamanho da casa e da ocasião ou do evento. Fora do período de festas na casa só ficam as pessoas residentes, mas nas obrigações e festas além dos residentes virão os outros filhos-de-santo da casa, os visitantes e convidados. Quanto maior o número de pessoas, maior será a preocupação com a higiene e alimentação. Os animais são abatidos pelo Axogum e limpos, as comidas são preparadas sempre sob a vigilância da Iyabassê encarregada da cozinha e responsável pela qualidade dos alimentos tanto para os Orixás como para as pessoas.A maior preocupação nas casas de candomblé e das outras religiões afro-brasileiras sempre foi com as doenças infecciosas principalmente a tuberculose e hepatite, por serem transmissíveis através de copos e talheres, por esse motivo cada filho da casa deve ter seu prato e caneca identificados, iyawos durante o período de recolhimento não usam talheres só passam a usá-los depois da caída de quelê. A higiene com pratos, talheres e copos sempre foi constante. Nos tempos modernos quando já existem os materiais descartáveis ficou um pouco mais fácil de lidar com o problema.
Com o surgimento de novas doenças como HIV ou Aids muitos hábitos e costumes do candomblé tiveram que ser mudados Na iniciação os Iyawos tinham suas cabeças raspadas e curas feitas por uma única navalha que a Iyalorixá recebia de sua mãe-de-santo quando da posse do cargo, isso passou a ser feito com mais cuidado, adotando-se navalhas individuais ou descartáveis.
Um dos maiores problemas enfrentados nas casas de candomblé tem sido com a dengue, principalmente nas regiões onde os focos do mosquito estão sendo combatidos. Os potes de abô (infusão de folhas sagradas) foram esvaziados para evitar possível proliferação do mosquito, os banhos são preparados com água e folhas frescas e usados imediatamente.
A presença de crianças durante as festas de candomblé tem sido foco de discussões nos terreiros da Bahia, após a proibição feita pela Federação Baiana do Culto Afro-Brasileiro.
Conferência Mundial da Tradição dos Orixás e Cultura
A Conferência Mundial da Tradição dos Orixás e Cultura é feita no sentido de haver um intercâmbio mundial na discussão da história afro-americana.
I Conferência Mundial da Tradição dos Orixás e Cultura foi realizada no ano de 1981 na cidade de Ilê Ifé, na Nigéria.
"Eu digo para nunca esquecerem o lugar de suas origens. Se nós participamos na religião de outros, se nós aprendemos a cultura dos outros, não devemos esquecer a nossa. Portanto, nós não devemos usar nossas mãos para relegar nossa própria cultura a posições inferiores. Toda pessoa deve aprender a colocar-se a si mesma num pedestal. Isto porque a galinha é que se abaixa quando está entrando em casa. Meus filhos, todos os tesouros do povo yoruba estão em Ilé-Ifé. Ifé é o lar e a origem de todos nós... Ilé-Ifé é a terra sagrada do povo negro e de todos os devotos da religião dos Orixás espalhados pelo mundo. Foi aqui em Ifé que Oduduwa criou a Terra sobre a qual todos nós hoje estamos em pé e no seio da qual nós desapareceremos quando mudarmos nossa presente posição mortal! Oduduwa que desceu para a terra numa corrente, e que foi o primeiro Olofin, não deixará secar nunca a fonte de vossa sabedoria. Eu saúdo a vossa coragem. Eu saúdo vossa paciência. Eu estou muito feliz por ver que vocês não esqueceram o seu lar ancestral." (Oba Okunade Sijuwade, Olubuse II, Rei de Ifé.)
II Conferência Mundial da Tradição dos Orixás e Cultura foi realizada no ano de 1983, na cidade de Salvador, Bahia.
"Peter Fry, Em texto a respeito da II Conferência Mundial da Tradição dos Orixás e Cultura, ocorrida em Salvador, em 1983, o autor[29] comenta documento, assinado pela Iyalorixá Mãe Stella de Oxóssi, do Ilê Axé Opô Afonjá, uma das mais importantes mães-de-santo baianas que lideraram movimento contra o sincretismo, segundo o qual, se o catolicismo foi útil aos escravos, hoje os praticantes da religião dos orixás, que têm liturgia e doutrina próprias, não necessitam mais desse disfarce. Para Peter Fry (1984, p. 40), a polêmica demonstra que “o conceito de ‘pureza’ e o seu oposto, a ‘mistura’ ou o ‘sincretismo’ são sempre construções essencialmente sociais e tendem a aparecer em ocasião de disputa de poder e hegemonia”. O autor conclui que o sincretismo religioso remete a uma discussão mais ampla sobre o pensamento brasileiro em relação ao negro e à sua cultura." Sergio F. FerrettiIII Conferência Mundial da Tradição dos Orixás e Cultura foi realizada no ano de 1986, na cidade de Nova Iorque, USA.
José Abade de Oliveira, representante oficial da Casa Branca do Engenho Velho, conta a história de como iniciou o Candomblé em Salvador através da fundação da primeira casa pela comunidade de Nagô chamada Candomblé da Barroquinha ou Ilè Asé Airá Intilè, nome da casa na língua yoruba. Sabe-se que esta comunidade fora fundada por três negras africanas cujos nomes são: Adetá ou Iyá Detá, Iyá Kalá, Iyá Nassô e Babá Assiká, Bangboshê Obitikô.
IV Conferência Mundial da Tradição dos Orixás e Cultura foi realizada no ano de 1987, na cidade de Salvador, Bahia.
V Conferência Mundial da Tradição dos Orixás e Cultura foi realizada no ano de 1997, na cidade de São Francisco, Califórnia.
Foi chamada de V Orishaworld os debates na conferência foram referentes a herança yoruba disseminada pelos países das Américas. Com a presença de autoridades religiosas e lideranças defenssoras do afrocentrismo, pesquisadores, iniciados na Tradição de Ifá de vários países do Caribe e da América do Norte e da América do Sul.
Brasil e África
Esse intercâmbio de informações já era feito entre Brasil e África desde meados do século XIX pelos africanos e seus descendentes radicados em Salvador, Bahia.A Iyalorixá Iyá Nassô, sua filha Marcelina da Silva mais conhecida como Oba Tossi, Madalena filha de Marcelina, após serem libertas, voltaram para a cidade de Ketu, na Nigéria e lá viveram durante sete anos, quando voltaram (1830), vieram acompanhadas do babalawo africano Bangboshê Obitikô (veio como embaixador do rei de Onim (atualmente Lagos), depois fixou residência no Brasil até sua morte, Madalena teve duas filhas em Ketu e veio grávida para o Brasil.
AS TRAMAS
SINCRÉTICAS DA HISTÓRIA
Sincretismo e
modernidades no espaço luso-brasileiro
Depois de decênios de tratamento "unânime";
transposição a nível analítico de uma evidência de senso comum naturalizado, o
tema do "sincretismo no Brasil" sofreu, nos últimos vinte anos, uma série de
objeções. A ênfase nos caminhos ideológicos, através dos quais, em qualquer
sociedade, os dominantes obtêm o consentimento dos dominados para sua própria
dominação, levou os cientistas sociais a interpretar a categoria de
"sincretismo" como um ardil epistemológico, do qual seria importante analisar,
não o conteúdo ou o grau de "realidade", mas o "processo histórico de formação" O tema do sincretismo em negativo começou, assim, a
atravessar boa parte da literatura sobre o assunto, seja como a recusa militante
de uma realidade estratégica doravante ultrapassada, seja como o
merecido abandono de um instrumento analítico redibitoriamente marcado por uma
ideologia explícita, ou, pelo menos, tendendo radicalmente a
conotar, no seu processo de formação, uma matriz sociohistórica de desigualdade:
"O conceito de ‘pureza’ e seu oposto, a ‘mistura’, ou o ‘sincretismo’, são
sempre construções essencialmente sociais e tendem a aparecer freqüentemente em
situações de disputa de poder e hegemonia . ‘Pureza’, ‘mistura’ e ‘sincretismo’ são, portanto, conceitos sempre e por
definição etnocêntricos" ( 1984,) Enquanto isso, a aceitação
tranqüila de uma realidade brasileira "sincrética" continuava a chave dominante
na literatura descritiva e, até, em parte da produção de cunho analítico.
Aceitação do tema e da categoria,
modulada, no entanto, pelo reconhecimento anárquico de uma multiplicidade de
formas, todas igualmente legitimadas: junção, união, confluência, mistura,
aglutinação, associação, simbiose, amálgama, paralelismo, correspondência,
equivalência, justaposição ou convergência, acomodação, concordância e
finalmente - e omito várias - síntese.
"Do sincretismo à
síntese", intitulava-se até um artigo sobre umbanda ( 1980)
Era também preciso, aliás, acrescentar à problemática uma nota mais pitoresca:
um dos grandes argumentos contra o "sincretismo", cujo conceito não passaria de
instrumento da acusação desfechada pelas formas dominantes de religião - aquelas
que se autoconsideram como "puras" - contra suas homólogas mais populares, menos
dotadas de um corpus teológico racionalizador, encontrava-se crescentemente
quase invertido, através da utilização da categoria por notáveis teólogos
cristãos que não somente reconheciam o sincretismo como ativo no processo
de formação de sua própria religião enquanto historiadores,
mas também, como
teóricos, chegavam a reivindicar a presença indispensável de uma de suas
modalidades para que uma religião fosse, de fato, religião.
Afinal:
"Sincretismo? Sem dúvida, não! Pero que las hay, las hay..."
Tentarei, pois, na primeira parte
desta comunicação, retomar o problema teórico do sincretismo, desfocando
ligeiramente a lente de observação e compatibilizando assim - quem sabe? -
posições antagônicas: a de não haver sincretismo, a do sincretismo como
categoria ideológica, a do caráter "vazio" desse conceito, já que são tantos e
tão distintos os fenômenos que pretende abarcar; enfim, e ao contrário, a
aceitação descritiva do conjunto desses fenômenos como material oferecido a uma
construção teórica, precisamente a do conceito de sincretismo.
Numa segunda parte, e reafirmando
o caráter propenso ao sincretismo do filão "católico", tentarei encontrar, em
uma relação diferenciada ao espaço e ao tempo, a razão de ser de duas
modalidades diferentes de sincretismo católico, em Portugal e no Brasil: um
sincretismo "que pro-vem" e um sincretismo "que ad-vem".
Na conclusão, enfim, gostaria de
sugerir que esse caráter tradicionalmente ("pré-modernamente") "sincrético" do
universo religioso brasileiro bem poderia constituir o Brasil num campo
paradoxalmente fértil para o estudo de um fenômeno que os observadores das
sociedades contemporâneas mais avançadas consideram como característico da
última modernidade: o ecletismo religioso.
Uma estrutura
"sincrética"?
Gostaria precisamente de tentar ampliar o campo
desse conceito fundamental, saindo definitivamente da definição do senso comum
sociológico, que faz simplesmente do sincretismo a mistura, especialmente no
campo "do outro", de duas ou várias religiões. Para isso, e apesar de temer
certo ridículo, abrigar-me-ei debaixo do solene
pára-raios de Lévi-Strauss, sugerindo que se opere com o sincretismo uma
transposição de nível, análoga àquela que ele realizou com o totemismo.
A situação, de fato, era sob
certos aspectos muito semelhante: "Escreveu-se demais sobre o totemismo", dizia
uma aluna de Boas em 1938 (Reichard, 1938, p. 430), duvidando de que tão grande
variedade de fenômenos "totêmicos" possa ser subsumida a uma única categoria.
Daí a abertura do conceito operada por Lévi-Strauss quando, da consideração
descritiva de grupos humanos supostamente ligados por parentesco (origem) e
complexo ritual, a uma classe de seres não humanos, ele passou a uma simples
forma. Ou melhor "semiforma", já que o sistema pelo qual ele definia a verdade
do totemismo, sendo, sim, um sistema formal de homologias entre relações, não se
reduzia a essa forma vazia. Tratava-se de uma conexão entre dois sistemas reais
de relações: aquele vigente entre grupos sociais concretos, e que os identifica
contrastadamente, e aquele que existe entre espécies, animais ou vegetais, o
primeiro se definindo homologamente através do segundo. Problema amplo de
classificação, que ultrapassava as fronteiras do campo tradicional e empírico do
"totemismo" e atingia, detonando, "o poder lógico dos sistemas denotativos
tomados de empréstimo aos reinos naturais" a
radicalidade da fundação epistemológica de um universo dotado de sentido.
Pergunto-me se não seria possível
fazer o conceito de sincretismo sofrer um análogo tratamento. Sua abordagem não
procuraria mais diretamente identificar confusões e misturas, paralelismos
inovadores e empréstimos - muito menos degradações - entre elementos de
conjuntos religiosos, ou até entre estes conjuntos como sistemas, mas, num
primeiro momento, se aproximaria do fenômeno como de um universal dos grupos
humanos quando em contato com outros: a tendência
a utilizar relações
apreendidas no mundo do outro para ressemantizar seu próprio universo. Ou,
ainda, o modo pelo qual as sociedades humanas (sociedades, subsociedades, grupos
sociais; culturas, subculturas) são levadas a entrar num processo de redefinição
de sua própria identidade, quando confrontadas com o sistema simbólico de outra
sociedade, seja ela de nível classificatório homólogo ao seu ou não.
Não se trata mais, pois - pelo
menos diretamente - , de identificar o sincretismo com uma forma de confusão ou
mistura de "naturezas" substantivas (no plano ideativo, organizacional, ou até
mesmo sistêmico), já que a polivalência dessas transformações e misturas
concretas parece desencorajar até hoje a procura de um sistema de categorias
logicamente coerente e totalmente abrangente, mas de afirmar a tendencial
universalidade de um processo, polimorfo e causador em múltiplas e imprevistas
dimensões, que consiste na percepção - ou na construção - coletiva de homologias
de relações entre o universo próprio e o universo do Outro em contato conosco,
percepção que contribui para desencadear transformações no universo próprio,
sejam elas em direção ao reforço ou ao enfraquecimento dos paralelismos e/ou das
semelhanças. Uma forma de constante redefinição da identidade social.
Isto vale dizer:
No caso brasileiro, tal visão do sincretismo
deixa, por conseguinte, um espaço aberto tanto para as qualificações do
sincretismo como fruto de um processo de domesticação quanto para uma
problematização em termos de resistência e de sofisticado revide
. Simplesmente, nenhuma dessas interpretações
poderia pretender recobrir a totalidade desse espaço teórico, como se o fenômeno
se reduzisse a ela. A definição do sincretismo não se esgota em nenhuma das suas
emergências empíricas, todas elas transformações de sua estrutura profunda. O
processo sincrético é polivalente o suficiente para acolher as mais diversas
cristalizações, sem que a multiplicidade das pesquisas se encontre nunca
condenada à repetição ou à aplicação sistemática de um mecanismo sincrético
particular, uma vez descoberto. É bem o caso de relembrar aqui os preceitos
metodológicos de Boas: a mesma causa pode produzir efeitos diferentes, e causas
diversas podem produzir os mesmos efeitos, dependendo dos múltiplos fatores que
presidem a mudança: fatores endógenos ou exógenos, ambientais ou históricos. A
segunda e penúltima palavra deve, pois, ser deixada às pesquisas empíricas,
cujos respectivos resultados, estritamente situados, não poderão extrapolar os
limites de sua situação. O sincretismo é um fenômeno demasiadamente rico para
permitir, desde já, e mesmo num espaço limitado como o do Brasil, conclusões
generalizantes. Ao contrário, a definição-quadro que propusemos pode
proporcionar - terceiro e último passo - a lenta construção comparativa de uma
matriz, quem sabe estrutural, onde se articulem, com
sentido, as formas as mais diversificadas.
Até agora, estamos frente a um
processo de longa duração, apreensível através da multiplicidade e diversidade
dos dados empíricos e de sua subseqüente comparação, sob a luz de um princípio
estrutural de organização, e para explicitar suas transformações. Mas é preciso
insistir, acentuando o flexionamento da ortodoxia estrutural: por "longa" que
seja a duração em que se inscrevem essas
transformações não deixam de se dar na diacronia, e por conseguinte a estrutura
deve ser vista como necessariamente inscrita na História .
Enfim, essa direção mutável do
vetor de orientação entre o sistema de partida e o "outro" permite-nos recuperar
as duas distinções às quais Bastide atribuía um claro poder heurístico: a da
dupla reinterpretação e a da dupla aculturação. A primeira, que ele detectava
diretamente no Brasil, faz reinterpretar traços culturais ocidentais (a
existência e as funções dos santos, ou ainda o concubinato) em termos africanos,
no sentido de colmatar as brechas ou preencher os vazios de uma memória coletiva
que a História não permitiu se conservasse articuladamente prenha da totalidade
de seu sentido; ou, ao contrário, faz reinterpretar traços culturais africanos
(culto dos mortos, transe) em termos ameríndios ou portugueses. A segunda
("dupla aculturação"), que ele observou mais no meio dos estudantes africanos em
Paris e que chamou de "aculturação material" e "aculturação formal". "Material",
quando o movimento transformador leva a adotar categorias, valores e
comportamentos extraídos da cultura de empréstimo, sem modificar as estruturas
profundas do próprio ser cultural: visão do mundo, etos, sistema psicossocial.
"Formal", quando, ao contrário, o estudante, de volta a sua terra - ou o negro
paulista transformado em "negro-espetáculo" como quer Pereira (1983, pp. 93-105)
-, adota os sinais diacríticos da cultura "africana" ou "afro-brasileira", mas
para afirmar conscientemente uma opção identitária moderna e ocidentalmente
construída a partir de uma mudança, inconsciente e profunda, de sensibilidade,
de etos, de lógica.
Com tal instrumento analítico - do qual será
preciso esmiuçar mais as características e as conseqüências - , quem sabe
estaríamos armados para reconhecer e valorizar profundas diferenças entre os
processos sincréticos concretos que marcam com seu signo as construções
histórico-sociais de identidades religiosas coletivas. Quero aqui destacar três
deles, o primeiro no nível dos grandes caudais de articulações identitárias que
atravessam a História do Ocidente, cristalizados em instituições religiosas, mas
não se confundindo com elas, recobrindo vários espaços societários sem se deixar
definir por nenhum deles: o catolicismo. Os dois outros, formações sociais
territorialmente afastadas uma da outra, mas assim mesmo concatenadas e
contrapostas pela História, e que, de certo modo, o presente Congresso almeja
cotejar: Portugal e Brasil.
As tramas sincréticas da
História
Catolicismo
O cristianismo já foi amplamente - e
matizadamente - analisado como uma religião sincrética. Como toda religião, sem dúvida,
porém mais do que muitas outras, nascido como foi na confluência dos leitos
históricos de três grandes correntes religiosas e/ou filosóficas: o judaísmo,
ele mesmo fruto sincrético do caldeamento cultural de Médio Oriente, Grécia
clássica e helenismo tardio. No entanto, a concepção cristã do homem e de sua
relação com Deus trazia em seu bojo o germe de uma ruptura - radicalmente
anti-sincrética - com o universo da religião: "Religião da saída da religião",
A exigência fundamental que o cristianismo instaurava
para o homem era; com efeito, a de uma opção autônoma e individualmente
responsável que, prescindindo de todo aparato institucional enredado à sociedade
terrena, assentava um tipo novo de relação do homem com Deus: a fé. Essa "fé" que, no interior da própria
tradição teológica cristã, será muitas vezes - e com intensidades diversas -
contradistinguida de e oposta à "religião". Nesse sentido, o cristianismo
contradizia o sincretismo. E, no entanto, a emergência dessa dimensão
radical, específica e inconfundível na vida coletiva das primeiras comunidades
cristãs articulava-se com a presença de uma dimensão oposta, aquela que, na
esteira do fenômeno "religioso" institucional de sempre, reconhecia na mensagem
de Jesus também a exigência de criação de um grupo organizado, de uma
articulação de seus papéis hierárquicos internos com aqueles da sociedade
ambiente, de um universo de sinais e de símbolos efetivamente portadores e
transmissores do bem salvífico por excelência, a Graça. É precisamente porque se
autorepresentava como continuadora e mediadora, na História, da presença
substantiva do Deus encarnado, que essa instituição recuperava pouco a pouco, no
decorrer dos primeiros séculos, todas as características que marcaram sempre com
sua presença o fenômeno social "religioso": tempos e lugares sagrados,
hierarquia sacerdotal, códigos institucionalizados de interpretação da mensagem
e da experiência, textos canônicos, ritos para tomar conta do espaço, do tempo,
do desenrolar da vida dos homens, para exorcizar o "mundo" e adorcizar o
escaton. Sacramentos. Dogmas. Templos e altares. Sacerdotes. Sacrifício.
Afinal, uma "religião".
Os primeiros séculos do
cristianismo vivenciaram o instável equilíbrio entre estes dois princípios
contraditórios.
Mas não resta dúvida
de que a tendência a valorizar o segundo e a fazer cada vez mais do cristianismo
uma "religião" caracterizará o que vai acabar emergindo na História como
catolicismo. É ele que se esforçará, numa tendência histórica de longa duração,
por articular o absoluto pessoal e direto do laço de fé, característico do
cristianismo, ao conjunto de realidades erigidas em sistema que, por sua vez,
caracterizam o universo da "religião".
No interior do mundo
cristão, pelo menos ocidental, o catolicismo parece-me o único a evidenciar essa
marca, sincrética por natureza e, conseqüentemente, sincrética por vocação.
Com efeito, é no próprio terreno das
instituições e das tradições religiosas que o catolicismo - cristalizado na
"Igreja Católica" - se ombreia com seus homólogos. Nos seus vários níveis institucionais, desde os conceitos que suas
teologias carreiam até os ritos de passagem que ele fomenta e os personagens que
venera, ele será constantemente chamado a modular-se e redefinir-se
historicamente em função dos campos onde se implanta, dos universos simbólicos
que pretende substituir, dos cosmos socializados onde seu sistema de símbolos
encontra sentido. É assim que definimos o sincretismo.
Portugal
Mas essa mesma constante
estrutural, que faz o catolicismo tendencialmente sincrético, tomará formas
históricas diferentes em "momentos" e "lugares" distintos. Na bacia mediterrânea
- e não somente nela, bem o sabemos - trata-se de um sincretismo com o que o
precedeu. Num mesmo lugar (topos). Importância primordial e crescente,
depois da cidade, do domínio rural e da "aldeia", topoi onde se operam,
para as populações camponesas de pagani, a transmutação genética num
reassumir de raízes, a sedimentação de camadas sucessivas, que asseguram a
formação progressiva e cumulativa de uma identidade "única", mesmo se formada a
partir da acumulação transmutada de identidades passadas. Portugal talvez seja
caso paradigmático para tal estudo, e já tivemos a ocasião de acenar para essa
análise, centrada na época da "sociogênese"
do atual Portugal
religioso, quando S. Martinho de Dúmio, sob a égide da monarquia sueva,
encerrava, por um lado, o episódio priscilianista, provável tentativa
sincrética, para retomar em termos cristãos a visão tipicamente luso-romana de
um mundo e de um destino humano suspensos à vontade dos astros; mas, por outro
lado estabelecia involuntariamente a base de um sincretismo de tipo novo,
quando, pontuando os campos de santuários, chamados doravante a canalizar a
devoção camponesa, ele se arriscava em muitos casos a metamorfosear em santos
cristãos os deuses ou genii "locais", cujo culto cristalizava e
expressava a veneração religiosa precisamente dedicada a tal espaço ou acidente
geográfico particular.
Pois em Portugal,
pelo menos no Portugal interior,
o pesquisador recebe até hoje de imediato a impressão de uma evidência forte, a
mesma - mas talvez em grau maior de concentração - que sofreria, parece-me, o
observador do catolicismo vivido em qualquer canto da Europa tradicional: a
importância primordial do grupo social local, a aldeia. Sobre essa aldeia,
insistem hoje os historiadores, situs de fixação das populações bárbaras, que se
tornou "paróquia" na época carolíngia, definitivamente implantada como estrutura
fundamental do catolicismo nos séculos XI-XIII. Sem dúvida não é simples, a
partir das paróquias suevas , reconstituir a
implantação, em Portugal, de tal tecido geográfico, social e demográfico. Uma
trama que articula e trança, de um lado, o fio das comunidades locais, com sua
tendência para a organização autônoma
muitas
vezes apoiada pelo poder real; de outro lado, os fios variados das forças de
senhorialização com as relações de dependência no nível militar, judiciário e
religioso 1982,que elas conseguem pouco a pouco
difundir. Mas, em todos os casos, é em referência a um espaço determinado
("chão", domínio, terra, território, denotação de um acidente geográfico) que se
constrói uma identidade comunitária e, ao lado do castelo, junto com ele ou
contra ele, é a paróquia, com sua igreja e seus santuários que, dessa identidade
local, se constitui em centro, fulcro difusor, emblema e cristalização. "Mesmo
quando os paroquianos perdem o direito de eleger seu cura, nem por isso a igreja
deixa de constituir, afinal, um dos principais vínculos da solidariedade
campesina. É nela, pertencente ou não ao senhor, que todos os habitantes da
freguesia se reúnem para celebrar coletivamente os ritos de passagem, de entrada
na vida e na morte, aí que pedem a bênção divina para os filhos, os animais e as
searas, aí que se refugiam quando chegam os cavaleiros para praticar violências
e abusos" Palavras de historiador, referidas à Idade
Média. Mas pouco deveria mudar o etnógrafo, para falar do hoje - ou quase - de
muitas aldeias, ou melhor freguesias (paróquias), em seu quadro geográfico, real e imaginário, com seu conjunto de
atividades associadas aos ciclos naturais e suas redes próprias de
sociabilidade. Uma aldeia da qual o catolicismo aparece ao pesquisador como a
expressão (ou seria melhor falar simplesmente em "uma das expressões
privilegiadas"?) e o princípio de organização, ao mesmo tempo que, numa
dialética literalmente durkheimiana,
ela
própria se erige em princípio de organização do catolicismo. Um catolicismo
enraizado numa identidade local.
Não é preciso comentar longamente
os caracteres dessa identidade, sem dúvida familiar a todos aqueles que tiveram,
até mesmo em cidadezinhas interioranas, uma experiência de vida rural ou
semi-rural. Importância primordial, a do sentimento dessa identidade local, mais
presente em muitos casos do que o da identidade regional ou nacional.
Referências
históricas inscritas na topografia, as narrativas familiais, as genealogias, os
patronímicos, que articulam, através do casamento, essa identidade local com
outras de mesmo tipo no interior de uma rede regional, mais do que com uma
identidade regional propriamente dita. Cristalizações simbólicas de tipo
emblemático, de natureza eminentemente - embora não exclusivamente - religiosa:
o vigário, a igreja, os padres aposentados que voltaram a viver em casas de suas
linhagens, os santuários de romaria e os caminhos que levam a eles, santuários e
caminhos que, todos, marcam o mapa imaginário e sentimental da região, o
calendário, "os trabalhos e os dias" locais, as festas que os acompanham; o
próprio santo, o "padroeiro", quase inscrito nas tábuas genealógicas da
comunidade,
a confraria, que
recapitula os vivos (presentes ou ausentes por emigração) e os mortos, os vivos,
aliás, enquanto futuros mortos (as missas encomendadas com antecedência); as
festas, enfim, romarias ou não emblemas, às vezes
agressivamente fechados, da comunidade local
ou, ao contrário,
operadoras da articulação entre a comunidade local e o espaço regional.
O importante, na
nossa atual perspectiva, é mostrar como essa identidade religiosa - e mais
amplamente social - se constitui sobre a base ao mesmo tempo do local
topos e do passado, num processo unitário de sincretismo, um sincretismo
"diacrônico" e "cumulativo", ao termo do qual a Igreja é vivida como autóctone,
nascida dessa terra, identificando-se com ela e com suas raízes históricas.
Pré-cristãs. Os santuários de romaria, por exemplo, e as manifestações
individuais e coletivas que lhes correspondem, recapitulam inconscientemente,
para prolongá-los no tempo, reassumidos numa realidade cristã, os cultos, às
vezes ambíguos, das antigas divindades ou genii locais.
A identidade que resulta desse
processo é sem dúvida uma identidade unificada e organicamente construída, tanto
no plano institucional quanto no nível psicossocial. Mas a construção mesma
dessa unidade não deixa de ser sincrética, pelo reassumir, a cada etapa, dos
estratos anteriores de sua definição. Um sincretismo diacrônico, uma identidade
"que pro-vem".
Brasil
Ora, o sincretismo que vamos encontrar no
Brasil é de gênero bem diferente. A esse enraizamento opõe-se o desenraizar. O
catolicismo arranca-se de seu humo, de seu solo, do quadro de sua história
local, para se projetar num outro hemisfério. Ruptura com uma implantação
ecológica já orgânica, com a continuidade entre o tempo sagrado de sua liturgia
e as estações: a ressurreição do Deus não corresponde mais à ressurreição da
natureza, e a experiência espiritual da Páscoa se aliena da experiência humana
da primavera. A ruptura é equivalente com o grupo social local, sua escala e sua
história, para ad-vir a um espaço novo, desmesurado, cuja escala transforma o
olhar, desassossega a definição identitária, frustra qualquer esforço, para
compatibilizar com essa "natureza" a "cultura" de que se é portador. Bem o
analisa R. Bastide: "O Brasil agiu sobre a sociedade portuguesa que se lhe
queria implantar à maneira de uma carga de dinamite que fez essa sociedade
explodirem pedaços. (...)As forças centrífugas predominam sobre as forças de
coesão." Num primeiro momento, tenta-se a implantação de uma "Nova Lusitânia" no
litoral, e encontra-se, de chofre, "o Outro". A presença do indígena é
incontornável e o escambo com ele tem que passar, ao menos em parte, pelo
diálogo. Vêm os jesuítas. Poderia se pensar numa política religiosa visando
implantar, nas próprias tabas, um cristianismo "inculturado", num processo de
transmutação semelhante àquele que acabou dando na Europa e, singularmente, em
Portugal, o catolicismo luso. Mas tal tentativa não irá além de três tímidos
anos,
e os jesuítas vão
sistematicamente desenraizar também os indígenas, para chapear neles, em
"aldeamentos" artificiais, um catolicismo pré-moldado .
Sobretudo, a voragem da imensidão
atrairá rapidamente esses batalhões de duplamente desenraizados,
lançando, em
bandeiras e monções, portugueses e índios mansos no desconhecido de um
território que se representava como vazio.
Nesse espaço,
enfim, a abertura indefinida para uma expansão sem raízes, comandada e regulada
por duas entidades abstratas - o Estado e a Igreja. O Estado: não mais a
totalidade aldeana concreta, concentrada sobre sua identidade unitária, mas a
mola de um povoar difuso, que redistribui sem parar as cartas da sociabilidade
no isolamento de um espaço desmesuradamente alargado, em constante expansão,
sem que seja a
ninguém permitido - até hoje, em alguns casos - parar e pensarem deitar raízes,
sem possibilidade de construir redes de vizinhanças que compartilhem um passado
comum. Até a época em que, mais tarde, irão se estabelecer duas relações
fundamentalmente diferentes com o espaço, a da "bandeira" e a da "casa grande"
os pontos de fixação continuarão marcados por "esta
disseminação pasmosa e sem paralelo que afasta e isola os indivíduos, cinde o
povoamento em núcleos esparsos de contato e comunicações difíceis, muitas vezes
até impossíveis. (...) Daí a instabilidade da população, com seus reflexos no
povoamento, determinando nela uma mobilidade superior ainda à normal dos países
novos" cidades
ambulantes, conduziam milhares de pessoas, iam fazendo roças, se fixando, e
depois se deslocando" E, nessas bandeiras,
rezadores, eventualmente sacerdotes, altares portáteis e imagens de santos,
índios e escravos negros.
Pois um terceiro povo de
desenraizados tinha vindo encontrar os dois primeiros. Falando dos africanos no
Brasil, Bastide: "O lugar onde se nasce não é um mero sistema de acidentes
geográficos, montanhas lagos ou rios, é um todo social-geográfico onde os mitos
locais, a divisão das tribos no solo, os locais determinados de reunião das
sociedades secretas etc., constituem um só e mesmo todo" (1971, ) Etnias
e culturas misturadas desde o embarque nos navios negreiros, estrategicamente
mescladas nos mercados de escravos e nas fazendas para evitar os perigos de
reconstituições identitárias; o negro, como o português, como o
índio manso, tinha sido arrancado à matriz - topológica e social - de seu
universo de significação e, como eles e com eles, estava disponível para os
encontros transformadores: "A vida íntima do brasileiro não é bastante coesa,
nem bastante disciplinada, para envolver e dominar toda a sua personalidade,
integrando-a, como peça consciente, no conjunto social. Ele é livre, pois, para
se abandonar a todo o repertório de idéias, gestos e formas que encontre em seu
caminho, assimilando-os freqüentemente sem maiores dificuldades." Um sincretismo que "ad-vem",
tornando porosas as identidades, através de todas as opressões e além de todas
as resistências e relativizando, nesse sentido, a força propriamente
definitória do princípio radical da lógica. Ecoa com antecedência nesses
encontros, que contribuíram para "fazer" o brasileiro, a proclamação
antropofágica de Oswald de Andrade: "Nunca fomos catequizados. Fizemos foi
Carnaval".
A referência fundamental ao tempo parecia, ela
também, invertida: o Brasil construiu-se - e, com
notáveis exceções, da qual Minas Gerais talvez seja a mais patente, continuou a
se construir- a partir do futuro, constantemente descentrado num projeto de ser
coletivo sem assentamento comunitário. Presença/ausência para esses camponeses,
sem terras porque as têm demais, do único e gigantesco projeto estatal.
Quanto ao corpo institucional da
Igreja, ele será representado somente, durante três séculos, por um, dois,
depois três longínquos bispos, de visitas raras, mais controladores do que
impulsionadores. São as ordens religiosas, cuja estrutura era geograficamente
universal, que afiançarão a presença da Igreja no projeto do Estado. A
implantação enraizadora das paróquias será sempre fraca: das 6.588 paróquias
atuais, dois terços datam do presente século e a
metade dos cinqüenta
últimos anos. Nessas condições, a instituição católica não constitui mais a
continuidade do grupo social, como em Portugal (o vigário "Sr. Prior", os
"padres residentes" ou aposentados na e da aldeia, os seminaristas da família,
os sacramentos que acompanham tempos individuais e coletivos, as confrarias, o
cemitério): ainda em 1982, depois de quase cinco séculos, 26,6% dos bispos e
38,8% dos padres no Brasil são estrangeiros, tendo chegado de 64 países. E,
mesmo sendo brasileiros, muitas vezes oriundos do Sul, região de recente
colonização italiana, alemã ou polonesa, eles se vêem redistribuídos
geograficamente para longas distâncias, ao bel-prazer das necessidades da
administração eclesiástica ou dos impulsos missionários. A Igreja enquanto
instituição nunca conseguiu expressar organicamente a comunidade.
É claro que dessa situação vai
decorrer uma dialética diferente na construção do catolicismo, muito
particularmente no que diz respeito a sua propensão ao processo sincrético e à
relação entre vivência popular e instituição eclesiástica. Em Portugal e no
Brasil, algumas das dinâmicas presentes nesse processo de ajuste poderão parecer
as mesmas, mas seu sentido geral, o quadro e os elementos por elas carreados
serão diferentes. Resumidamente, a uma identidade unificada e cumulativamente
construída opõe-se uma aparente ausência sistemática do próprio princípio de
identidade. "Quem somos nós?" será o grande problema com o qual nunca deixaram
de deparar os intelectuais brasileiros quando tentaram elaborar uma definição
unitária de seu país. Pois aqui é possível ser ao mesmo tempo isto e aquilo,
numa coexistência ou rápida sucessão de identidades, múltiplas porque enraizadas
em outro lugar. No campo das identidades religiosas, com efeito, não é somente o
catolicismo que "ad-vem", mas, além das religiões africanas, o espiritismo, os
protestantismos de imigração, hoje o budismo, as religiões japonesas, variadas
seitas orientais e sobretudo os grupos evangélicos pentecostais. Quanto às
religiões indígenas, além do fato, que dissemos, de ter sido perdida a ocasião
de fazer delas a base de um enraizar do catolicismo homólogo àquele que
presenciamos no Portugal de S. Martinho de Dúmio, a própria destruição dos
"aldeamentos", quando ocorreu, foi ocasião de dispersões e mais radicais
dissoluções de identidades: o tapuia é precisamente o índio que acaba não
sabendo mais que o é - e o que é - e se define pelo outro, sem deixar de ser si
mesmo (Moreira Neto, 1978).
Sem dúvida, trata-se do mesmo
catolicismo, com sua consciência de totalidade, e cujo regime de intensa
mediação se abre com potencial riqueza para a polivalência do signo, assim
tornando eventualmente compatíveis elementos que, em outros quadros e
circunstâncias, se revelariam totalmente inacomodáveis. Mas esse novo tipo de
compatibilidade não operará mais, como o
outro, por
sedimentação e osmose de camadas sucessivas. Muito pelo contrário, pela
convergência de identidades múltiplas, que se articulam em co-presença no seio
de uma composição sincrética, sem se abolir num processo unitário de
ultrapassagem hegeliana.
Nesse jogo histórico de cruzamentos de
identidades religiosas dentro de um quadro geral de dominação (a religião
católica continuando até hoje a ser a religião declarada da quase totalidade dos
brasileiros e se beneficiando até há pouco de um regime de "concordata
não-escrita"), será preciso distinguir dois níveis analíticos: em primeiro lugar, o das instituições religiosas
(quando as houver) que, em geral, afirmam sua diferença e reivindicam sua
especificidade; em segundo lugar, o da vivência efetiva dos "fiéis", ao qual se
aplica antes de tudo o processo que acabamos de descrever. É se, por exemplo,
concretamente católico e filho de santo, pajé e católico. Mas a pregnância desse
modelo é tal que, até no nível institucional acabou emergindo uma realidade que
o representa quase paradigmaticamente. A codificação da umbanda, com efeito, que
data destes últimos cinqüenta anos, pretende constituir uma articulação
consciente e teórica dessa convergência de identidades múltiplas num sincretismo
assumido: católico, africano, espírita, oriental, às vezes mágico nos
insterstícios. Por isso mesmo reivindica o estatuto de religião nacional
brasileira, fruto da construção secular de uma identidade polivalente em suas
fontes e orientada para o futuro. Sua missão nesse sentido será expandir pelo
mundo o sincretismo brasileiro.
Como toda ação suscita uma
reação, apareceu no outro pólo do campo religioso brasileiro, em tensão extrema
com a umbanda sincrética, o protestantismo pentecostal, que reivindica - e até
agora parece obter, até no nível da vivência popular - o assumir. de uma
identidade sem mistura, hostil a qualquer sincretismo. E, como era de se
esperar, começa a suscitar nos últimos anos uma Guerra Santa contra os demônios
dissimulados nas religiões africanas e na umbanda. Autos-de-fé, exorcismos
violentos se realizam hoje em imensos espaços recuperados de outras atividades e
até nas próprias praias do Rio, exercícios que, rompendo com a tradição
sincrética (e não necessariamente tolerante, aliás) brasileira, assinalam a
entrada no campo religioso das categorias modernas do indivíduo e de sua opção
clara, distinta e racionalmente identitária.
Entre os dois, o
reino do sincretismo não-teorizado mas tranqüilamente vivido, certo catolicismo
tradicional popular e o território variegado das religiões afro-brasileiras,
ou então, sobretudo no Norte amazônico, das heranças menos
sistematizadas das religiões indígenas.
A Igreja como instituição
desconhece tanto quanto pode essas duplas pertenças de vários de seus fiéis.
Abundam os testemunhos de padres estrangeiros e até brasileiros - sem falar em
bispos -, que descobrem um dia com estupor a extensão desse fenômeno.
Numa cidade como Salvador, por exemplo, as manifestações ambíguas -
ou, melhor, ambivalentes - de piedade popular são corriqueiras, e uma das
estratégias possíveis da Igreja é tentar fechar os olhos a sua realidade. Por
parte de muitos pais e mães-de-santo, ao contrário, como de seus fiéis, essa
dupla fidelidade constitui uma tranqüila - e rica - afirmação.
No interior dessa situação já tradicional, no
entanto, é preciso observar a emergência de duas correntes de tipo novo. Alguns
teóricos das religiões africanas, minoritários na vida efetiva de suas
instituições (com exceção, talvez, de São Paulo) e pouco seguidos no nível
popular, fazem hoje campanha para a supressão de todo sincretismo com o
catolicismo e reivindicam, no plano constitucional e até no da educação oficial,
um reconhecimento pleno de sua religião - como religião e como religião
puramente africana .Também fenômeno de "modernidade",
protendido pela militância política do "Movimento Negro". Paradoxalmente, é no
seio deste mesmo movimento que um grupo ativo de padres, religiosos e agentes de
pastoral negros trabalha, em sentido oposto, na procura de uma expressão
litúrgica e até teológica própria, que lhes permita a recuperação explícita, sem
a nada renunciar de seu catolicismo e de sua identidade "africana", desta vez
numa simbiose não espontaneamente sincrética, mas logicamente articulada com
rigor. É que a modernidade do trabalho nos espaços sociais
brasileiros se articula diferencialmente, conforme as regiões, os grupos e os
estratos sociais, com as lógicas culturalmente assentadas. É no entanto
provavelmente a primeira vez na História do Brasil que ela desafia tão
fundamente, no nível popular, um dos traços marcantes da "pré-modernidade"
religiosa: a relativização dos princípios de identidade e de não-contradição.
Mas ela o faz por uma multiplicidade de caminhos:
pentecostais, correntes dentro do candomblé, movimento negro, espiritismo, mais
unitário que a umbanda, são manifestações - com seus paralelos no campo da
política e das burocracias estatais - de uma crescente "modernidade" da
sociedade brasileira.
No mais das vezes, no entanto, a
problemática tradicional continua presente: como ser ao mesmo tempo católico e
umbandista (ou candombleista, ou membro da seita japonesa seicho-no-iê)? Ou
ainda passar como o raio de uma obediência - neste caso, até a do protestantismo
evangélico - a outras? "Princípio de identidade", de "não-contradição", qual o
destino, neste jogo complexo das identidades religiosas, dos princípios
cardinais da lógica do Ocidente?
Conclusão
Tal dinâmica recente, como
acabamos de analisá-la, nos orientaria em direção a uma interpretação do
"sincretismo brasileiro" como tipicamente pré-moderno. Nesse sentido no entanto,
é interessante constatar que um fenômeno muito próximo àquele que esse
sincretismo conota parece invadir atualmente os espaços sociais da mais avançada
modernidade.
Uma profunda
"des-institucionalização" religiosa, com efeito, está em curso nos países
europeus, como o evidenciam várias pesquisas recentes realizadas na
França, na Suíça, na Holanda e na Itália sendo presente, aliás,
também no Brasil.
Tudo indica, de fato, que a
segunda vaga de secularização, mais do que a acabar de eliminar, naqueles
países, a dimensão religiosa da vida social, está a operar uma reformulação dos
laços institucionais que definiam tradicionalmente (na "tradição" de uma
modernidade j á plurissecular) a identidade religiosa dos fiéis - e, em parte,
dos ex-fiéis, participantes todos eles de um espaço cultural marcado por
exclusivas pertenças confessionais de há muito sedimentadas. A modernidade
contemporânea ("pós-modernidade"?) parece, ao contrário, propiciar ao indivíduo
a possibilidade de recriar pessoalmente seu universo religioso (ou
"pararreligioso"), por uma operação (universalmente apelidada, nesta literatura,
de "bricolagem") através da qual são ecleticamente reaproximados, sobrepostos
e/ou refundidos elementos oriundos das várias tradições, nativas e importadas,
que a mobilidade geográfica das pessoas e dos produtos culturais põe hoje a sua
disposição. Sem dúvida, novas entidades coletivas apontam eventualmente no
horizonte dessas operações, mas elas tendem, em regra, a serem
transconfessionais, ameaçando desde já, nesse sentido, redesenhar nessas
sociedades centrais o mapa do campo religioso contemporâneo.
Parece então possível esperar das
conseqüências desse fenômeno uns efeitos de transformações mais radicais que as
do tradicional "sincretismo brasileiro", situadas que se encontram aquelas num
além - e não mais num aquém - da modernidade ocidental. No entanto, os dois
fenômenos podem não ser tão estranhos um ao outro como parece à primeira vista.
Com efeito, bons observadores daquelas sociedades pensam poder encontrar, no
estudo da "pré-moderna tradição de identidades sincréticas" no Brasil, lições
para traçar rumos em direção a uma pós-modernidade socialmente viável. Afinal, o
Brasil aprendeu, de há séculos, a se haver com problemáticas só agora emergentes
noutra parte. Tanto é verdade que, no embate entre a modernidade, por um lado, e
por outro o que a precedeu (pré-) e o que a segue (pós-), continua verdadeira
aquela indecisão, e permanente aquela dúvida, j á presente no Evangelho, sobre
quem serão, na verdade, os "primeiros" e
quem serão os "últimos".
Discursos sobre as religiões afro-brasileiras - Da desafricanização para a reafricanização.
A mistura de raças que começou com a colonização portuguesa no Brasil no ano
de 1500, continuou a ser característica da população brasileira. O fato do
Brasil ser uma sociedade pluriétnica criou a crença de que não existe
preconceito racial. Esta crença se expressa na ideologia de que o Brasil tem
"uma democracia racial". A Umbanda, uma religião que se originou no sudeste
brasileiro na década de 1920, tem sido apresentada como uma expressão desta
ideologia. No entanto, a Umbanda tem sido uma da manifestações da supremacia
branca. Este artigo vai examinar como preconceitos contra população negra
brasileira foi expressa através da desafricanização da Umbanda e do discurso
religioso que acompanhou este processo. E vai continuar a examinar a mudança
recente da reafricanização das religiões afro-brasileiras.
As Religiões Afro-Brasileiras.
Estima-se que um total de 3.600.000 escravos foram transportados da África
para o Brasil entre os séculos XVI e XIX (Bastide, 1978: 35), fazendo do Brasil
o segundo maior importador de escravos do novo mundo. Durante este período, a
população negra escrava era maior que a dos brancos que legislavam. Os escravos
vieram principalmente da Nigéria, Daomé (atual Benin), Angola, Congo e
Moçambique. Apesar da instituição escravagista ter quebrado as famílias e
espalhado grupos étnicos através do país, os escravos conseguiram manter alguns
laços com sua herança étnica. Isso aconteceu devido ao fato, entre outros, dos
portugueses usarem a política de dividir para governar, separando os escravos em
diferentes nações. O termo nações se refere ao local geográfico de
um grupo étnico e sua tradição cultural (por exemplo, os que falavam Yorubá da
Nigéria eram os Nagô, Ketu, Ijejá, Egba etc.) A conseqüência inesperada dessa
divisão foi que o conceito de nação desempenhou um papel importante para
a manutenção de várias identidades étnicas africanas e para a transmissão
cultural e as tradições religiosas.
Os escravos africanos eram proibidos de praticar suas várias religiões
nativas. A Igreja Católica Romana deu ordens para que os escravos fossem
batizados e eles deveriam participar da missa e dos sacramentos. Apesar das
instituições escravagistas e da Igreja Católica Romana, entretanto, foi possível
aos escravos comunicar, transmitir e desenvolver sua cultura e tradições
religiosas. Houve vários fatos que os ajudaram a manter esta continuidade: os
vários grupos étnicos continuaram com sua língua materna; havia um certo número
de líderes religiosos entre eles; e os laços com a África eram mantidos pela
chegada constante de novos escravos.
Entre as tradições religiosas africanas que exerceram influência nas
religiões afro-brasileiras, o culto aos Orixás e Voduns foram de
capital importância. Orixás e Voduns são divindades dos grupos da
Nigéria e Benin que falam Yorubá e Jeje. Na África cada divindade preside um
aspecto da natureza e uma família em particular. No Brasil, como a escravidão
dividiu as famílias, eles se tornaram protetores dos indivíduos. O ponto central
das religiões afro desenvolvidas no Brasil eram as festas para os Orixás e
Voduns, que envolviam possessões de divindades e sacrifícios de animais.
As religiões afro-brasileiras constituem um fenômeno relativamente recente na
história religiosa do Brasil. Por exemplo o primeiro terreiro de Candomblé, que
é localizado no nordeste, mais precisamente na Bahia, é geralmente situado no
ano de 1830. Estas novas religiões apareceram primeiro na periferia urbana
brasileira, onde os escravos tinham maior liberdade de movimento e era capazes
de se organizar em nações. Daí eles se espalharam por todo o país, e
tomaram diversos nomes como Catimbó, Tambor de Minas, Xangó, Candomblé,
Macumba e Batuques. O Candomblé, a mais tradicional e africana dessas
religiões, se originou no Nordeste. Nasceu na Bahia e desde longa data tem sido
sinônimo de tradições religiosas afro-brasileiras em geral. Desde o começo os
pais-de-santos buscavam
re-africanizar a religião. Isto foi possível em parte, porque a rota dos navios
entre Nigéria e Bahia, conservou viva a conexão com a África. Isso continuou
mesmo depois da abolição da escravidão em 1888. Escravos libertos que puderam
viajar para áreas dos Yorubás foram iniciados no culto dos Orixás e então, ao
retornar ao Brasil, puderam fundar terreiros a revitalizar a prática religiosa.
Quando as religiões afro-brasileiras começaram a aparecer, o conceito de
nação ganhou nova força e significado, em parte como um símbolo de
transmissão de tradições religiosas locais, e em parte como uma marca da
identidade étnica.
Reafricanização ou não, as religiões afro-brasileiras ainda carregam os
efeitos de sua interação com outras tradições religiosas, especialmente do
Catolicismo. Os Voduns e Orixás foram justapostos com os santos
católicos e o interior dos terreiros
possuía numerosos elementos católicos, incluindo e estátuas de santos, enquanto
os objetos religiosos africanos eram escondidos. As religiões afro-brasileiras
eram proibidas, e os terreiros eram freqüentemente visitados pela
polícia. Por isso seus praticantes deviam sempre buscar caminhos para fortalecer
a aparência católica dos Orixás e dos terreiros. O sincretismo se tornou
assim estratégia de sobrevivência. Apesar de que a libertação dos escravos em
1888, a ratificação da Constituição Republicana em 1889 e a separação da Igreja
e do Estado em 1890 foram caracterizados pelo mesmo espírito liberal, a
república ainda proibia o Espiritismo. Esta proibição era dirigida especialmente
contra as religiões afro-brasileiras, que eram denunciadas como baixo
espiritismo. Nesta designação está implícito o preconceito social
direcionado contra os membros destas religiões, que pertenciam aos setores mais
baixos da sociedade brasileira.
Os negros brasileiros não cabiam na modernização republicana. Inspirada pelas
teorias raciais "científicas" européia e norte americana, a elite branca
dominante via a população negra como uma desgraça ao caráter nacional
brasileiro.
( 1974 )O problema da cor da pele exigia de alguma
forma uma solução, e a proposta dos intelectuais e das elites em geral era o
embranquecimento. A idéia era de que a miscigenação continuada poderia levar a
um embranquecimento de toda a população brasileira. Isso poderia ser levado
adiante e acelerado com a abertura do Brasil aos imigrantes europeus.
O Espiritismo Branco
Enquanto as religiões afro-brasileiras estavam concentradas no nordeste do
Brasil, as correntes religiosas do sudeste tiveram uma importância decisiva na
fundação da Umbanda, uma nova religião brasileira. Para a burguesia intelectual
branca do sudeste, a França era o maior expoente das mais novas correntes
culturais e espirituais. Assim, o Espiritismo de Allan Kardec, que foi praticado
primeiro em Paris por volta de 1855 pelo francês Hippolyte Léon Denizard Rivail
(1804-69), rapidamente se espalhou no sudeste brasileiro. Essa nova forma de
Espiritismo misturava filosofia, ciência e religião. As idéias de Kardec sobre a
imortalidade da alma e a comunicação com os espíritos combinavam com o
evolucionismo social, o positivismo de Comte, o magnetismo, conceitos Hindus de
reencarnação e karma e os ensinamentos cristãos da caridade.
Os que primeiramente abraçaram o Kardecismo foram as classes médias brancas.
Isso incluía os imigrantes europeus, especialmente médicos, advogados,
intelectuais e oficiais do exército. Os espíritas eram perseguidos pela Igreja
Católica, mas a separação entre a igreja e o Estado tornou possível ao
Espiritismo ganhar chão. O governo republicano continuou perseguindo as
organizações espíritas por causa da prática ilegal da medicina, mas apesar
disso, muitos governadores estavam envolvidos com o movimento kardecista que era
menos estigmatizado que o Espiritismo Afro-brasileiro. Foi introduzida uma
distinção entre baixo espiritismo que era relacionado com as religiões
afro-brasileiras e a população negra do setor mais baixo e o alto
espiritismo que estava relacionado Espiritismo Kardecista e a população
branca dos setores mais altos. ( 1993)
No Espiritismo Kardecista brasileiro, as noções de evolução de Kardec
combinam com os conceitos de reencarnação e karma. Neste tipo particular de
evolucionismo cultural os espíritos de povos como os astecas, egípcios e
chineses são vistos como representantes de civilizações mais desenvolvidas,
enquanto os espíritos dos africanos e dos índios brasileiros são vistos como
inferiores e pertencentes a culturas inferiores. A estes espíritos inferiores é
recusada a admissão nas sessões espíritas. A maioria dos espíritos que
participam das sessões espíritas são renomados cientistas, especialmente
médicos, incluindo os que foram praticantes do Espiritismo Kardecista
brasileiro.
Desde o início os centros de espiritismo kardecista brasileiro ofereceram
serviços de saúde ao doentes e pobres. Não houve, entretanto, recrutamento entre
as classes baixas. Ao contrário, a distância social entre ricos e pobres foi
mantida firmemente. ( 1994)
Macumba
Além do Espiritismo Kardecista, a Umbanda tem um importante predecessor na
Macumba. O termo Macumba se refere a várias misturas de afro-brasileiras com
outras religiões que se originaram no sudeste brasileiro, especialmente no Rio
de Janeiro. Macumba é também um termo depreciativo para baixo
espiritismo. Acredita-se que a Macumba se originou no Rio de Janeiro e sua
imediações, onde a população dos ex-escravos eram em grande escala do Congo, da
Angola e de Moçambique, e foram agrupados de acordo com as nações.
A Macumba no Rio era caracterizada por um ecletismo religioso distinto, e
pelo fato de que se difundiu entre grupos étnicos de quase todos os setores
sociais. Entre as várias tradições religiosas que entram na Macumba estão o
Candomblé, o culto aos Caboclos. e o
Espiritismo Kardecista. Com a Macumba apareceram dois arquétipos diferentes: o
Caboclo (o índio brasileiro) e o Preto Velho (um espírito de
escravo), ambos assumiram grande importância na fundação da Umbanda mais
tarde.
João do Rio, um jornalista que descreve o ecletismo religioso que se
desenvolveu no Rio na virada do século, refere-se a numerosos especialistas que
eram representantes da população negra dos setores baixos. Os especialistas eram
consultados por uma clientela que vinha do setor médio e das elites. Eles
recorriam aos especialistas religiosos, e pagavam bem para serem salvos de
situações críticas envolvendo doenças, amor, dinheiro, poder...(Rio
1976[1904])
A heterogeneidade étnica e social dos membros e clientes da Macumba fez dela
uma religião que pode mediar os antagonismos religiosos entre baixo
espiritismo e alto espiritismo. Desta forma a Macumba antecipou a
Umbanda.
Uma Renovação Religiosa
A Umbanda é freqüentemente vista como a maior síntese entre as tradições
religiosas Afro-brasileiras e Ameríndias, o Espiritismo Kardecista e o
Catolicismo. Por seu sincretismo e caráter eclético, a Umbanda tem sido
percebida como uma religião que reúne os vários grupos étnicos brasileiros, sua
cultura e tradições religiosas, e assim reflete a miscigenação que compõe a
sociedade brasileira. A Umbanda é vista como uma tentativa de formular uma
religião nacional, de criar uma religião democrática que seria capaz de unir os
vários grupos étnicos e classes sociais.
Enquanto a Umbanda é freqüentemente classificada como religião
Afro-brasileira, essa questão é muito discutida entre os especialistas do
Brasil. A tendência original de ver a Umbanda como religião Afro-brasileira
parece refletir preconceitos generalizados contra as religiões Afro-brasileiras
e uma inclinação para transformá-las em folclore. Há ainda muita discordância e
confusão sobre a Umbanda entre os especialistas. Ela tem sido interpretada às
vezes como uma religião de negros brasileiros, dos oprimidos, dos imigrantes
europeus e das classes médias. Atualmente estas posições parecem verdadeiras. Os
estudiosos brasileiros geralmente concordam que ela é somente uma religião
brasileira, isto é, uma religião que faz bricolage, um coerente
ajuntamento de quase tudo o que existe nas tradições religiosas do Brasil e que
expressa certa "brasilinidade" (Ortiz 190 : 107-08). Tal como a Umbanda é vista
como sendo mediadora, inclusiva, assim é a cultura e a sociedade que a reflete.
(Da Matta 1995). Os especialistas tem visto a Umbanda como uma religião criada
pela classe média e ao mesmo tempo como uma religião que une a classe média
branca e a classe baixa de cor. Por ter sido interpretada e distanciada de
outras tradições Afro-brasileiras por meio da desafricanização, embranquecimento
e abrasileiramento, a Umbanda se ajusta à ideologia dominante da "democracia
racial". ( 1991).
A Fundação da Umbanda
O fundador da Umbanda é freqüentemente identificado com um homem chamado
Zélio de Moraes, do Rio de Janeiro. Zélio era branco, classe média, e filho de
um espírita kardecista. Ele afirma que em 1920 o espírito de um padre jesuíta se
revelou a ele e lhe disse que ele seria o fundador de uma nova religião,
genuinamente brasileira que seria dedicada a dois espíritos brasileiros: O
Caboclo e o Preto Velho. Estes eram precisamente os dois tipos de
espíritos que haviam sido rejeitados como inferiores pelos kardecistas. Nos
meados dos anos 20, Zélio fundou seu primeiro centro de Umbanda em Niterói e nos
anos seguintes vários outros centros de Umbanda foram fundados por iniciativa do
povo lá.
Como Zélio, os primeiros fundadores de centros de Umbanda eram antigos
kardecistas e da classe média branca. Eles tinham achado o Espiritismo
Kardecista inadequado, e tinham portanto começado a freqüentar os terreiros
de Macumba nas favelas do Rio de Janeiro. Lá eles adquiriram gosto pelos
espíritos africanos e indígenas da Macumba, aos quais acharam muito mais
competentes e eficientes que os espíritos Kardecistas para lidar com doenças e
outros problemas. Além do mais, os rituais da Macumba eram considerados mais
emocionantes que as sessões pouco ritualizadas do Espiritismo Kardecista. Se os
kardecistas foram inspirados por certos aspectos da Macumba, entretanto eles
repeliram outros como os sacrifícios de animais, os espíritos "demoníacos", a
conduta freqüentemente grosseira e o ambiente social baixo dos centros de
Macumba.
A Desafricanização das Tradições Afro-Brasileiras Na Umbanda
A Umbanda pode ser considerada uma síntese de diferentes tradições religiosas
representadas pelos vários grupos étnicos e sociais do Brasil, que são
freqüentemente antagônicos. Entretanto os umbandistas tem freqüentemente uma
atitude ambígua em relação às tradições Afro-brasileiras. Isto reflete as
tendências sócio-culturais dominantes na sociedade brasileira.
A Umbanda se originou num período político turbulento que testemunhou, entre
outros fenômenos, a emergência de movimentos nacionalistas e facistas. Esse
desenrolar político culminou na ditadura de 1937, com o chamado Estado
Novo. Foi durante este período de grande nacionalismo que a ideologia da
democracia racial começou. De acordo com
esta ideologia, que era baseada no igualitarismo racial, os vário grupos teriam
tido igual importância na formação da civilização brasileira. Esta ideologia deu
assim um ímpeto na crença de que o preconceito racial não existia no Brasil.
Seus efeitos já tinham começado a se fazer sentir no final da década de 1920,
com a nacionalização e institucionalização da cultura Afro-brasileira. Práticas
culturais como o carnaval e as escolas de samba, que tinham sido relegadas ao
mais baixo status por causa de sua associação com a classe social dos negros
eram agora reconhecidas como componentes importantes da cultura nacional ,Os estudiosos brasileiros também começaram a se interessar
seriamente pela cultura Afro-brasileira, que desde o início era considerada de
um ponto de vista folclórico. Ao mesmo tempo a ditadura aboliu os movimentos
negros que lutavam contra a discriminação racial, que continuou profundamente
enraizada na realidade social.
O espiritismo, especialmente o baixo espiritismo representado
pelas religiões Afro-brasileiras, era ainda proibido por lei. Durante o período
da ditadura, que também representa os anos de formação da Umbanda, a perseguição
a pessoas envolvidas no espiritismo se intensificou. Com toda a certeza era a
perseguição a pessoas envolvidas no baixo espiritismo (isto é, em
religiões Afro-brasileiras), que levou os umbandistas a se identificarem com o
espíritas (termo usado pelos espíritas kardecistas para se
identificarem). Escolhendo esta auto identificação os umbandistas se associaram
com o Kardecismo e com o alto espiritismo. Parece que o termo
espírita foi usado para esconder nomes e para dissociar praticantes das
novas religiões de sua ascendência Afro-brasileira, um gesto que traz a
reminiscência da máscara católica das religiões Afro-brasileiras durante certo
tempo.
Como foi mencionado, a ideologia da democracia brasileira era, e é,
manifestada como uma hegemonia branca. Este estado de coisas revela-se como
primeira tentativa de legitimar a Umbanda como religião. A legitimação envolve a
desafricanização e o esbranqueamento da Umbanda. Em 1939 alguns fundadores dos
centros originais da Umbanda do Rio de Janeiro, inclusive Zélio de Moraes,
estabeleceram a primeira federação da umbanda, a União Espírita da Umbanda do
Brasil (UEUB). A federação foi criada para organizar a Umbanda como uma
religião coerente e hegemônica e assim obter legitimação social. Em 1941 a UEUB
realizou a primeira conferência sobre o Espiritismo da Umbanda, que foi uma
tentativa para definir e codificar a Umbanda como uma religião com direitos
próprios, e como uma religião que une todas as religiões, raças e
nacionalidades. A conferência é ainda conhecida por promover maior dissociação
com as religiões Afro-brasileiras. Os participantes concordaram em fazer dos
trabalhos de Allan Kardec a doutrina fundante da Umbanda. Mas os espíritos
fundamentais da Umbanda, os Caboclos e o Pretos Velhos ainda
permanecem como espíritos muito evoluídos. Pode-se afirmar que os participantes
se esforçaram para legitimar a Umbanda como uma religião bastante evoluída. Por
exemplo declarou-se que a Umbanda existiu como uma religião organizada por
bilhões de anos, e estava assim à frente de outras religiões.
Neste esforço para legitimar a Umbanda como uma religião original e evoluída,
os participantes procuraram cortá-la de suas raízes Afro-brasileiras. A origem
da Umbanda foi traçada no Oriente de onde, se dizia, teria se espalhado para a
Lemúria (um continente perdido), e daí para a África. Na África, continua a estória, a Umbanda degenerou em
feiticismo. Desta forma foi trazida para o Brasil pelos escravos negros.
(Federação Espírita de Umbanda 1942: 44-47). A influência africana da Umbanda
não era assim negada, mas olhada como uma corrupção da tradição religiosa
original, na sua fase anterior de evolução. A Umbanda, teria ficado exposta ao
barbarismo africano, na forma vulgar dos costumes, praticada por povos de
costumes rudes, defeitos psicológicos e étnicos. (Ibid.: 116). Outro jeito de
sublinhar o caráter africano da Umbanda foi expresso no reconhecimento de que
ela se originou na África, mas na África oriental (Egito), portanto na
parte mais ocidental e civilizado do Continente.
Um dos objetivos da conferência era desta forma traçar as raízes
genuínas da Umbanda do Oriente. A invenção de raízes orientais- somada
à negação das africanas- refletiu na definição do termo Umbanda, que se
crê geralmente ser derivado da língua Banto. Declarou-se que umbanda
teria vindo do Sânscrito aume bhanda, termos que foram
traduzidos como "o limitado no ilimitado", "Princípio Divino, luz radiante,
fonte de vida eterna, evolução constante" ,Os participantes se
esforçaram em associar a Umbanda com coisas como as tradições religiosas
esotéricas européias e as novas correntes religiosas da Índia, representada pela
Vivekananda.
A influência africana da Umbanda foi reconhecida como uma mal necessário que
serviu meramente para explicar sua chegada e desenvolvimento no Brasil. O
Candomblé, centralizado no nordeste do Brasil, era olhado como um estágio
anterior da Umbanda, que havia se desenvolvido no sudeste. O Candomblé estava
ainda marcado pela barbárie dos rituais africanos e assim associado com a
magia negra. A lavagem branca da origem da Umbanda era expressa em termos
como umbanda pura, umbanda limpa, umbanda branca e umbanda da
linha branca no sentido de "magia branca". Estes termos contrastavam com
magia negra e linha negra que estavam associados com o mal. Além
disso, a divisão dos espíritos estabelecida, desenhou a linha entre aqueles da
direita (bons), representados pela Umbanda, e os espíritos da
esquerda (maus), representados pela magia negra. As únicas instâncias de
identificação positiva da influência africana da Umbanda tem a ver com os
Pretos Velhos (que eram vistos como pessoas simples e humildes, mas
espíritos muito evoluídos), e com a África como um continente heróico e
sofredor.
A atitude dos participantes em relação à herança religiosa africana era assim
caracterizada pela ambigüidade. Elas eram positivas e negativas, oscilando da
tentativa de dissocia-los das tradições religiosas africanas até sua atitude
distintamente paternalista para com a África, a quem classificavam com a imagem
de humilde escrava. Os negros brasileiros eram aceitos porque afinal
tinham alma branca.
A Desafricanização na Cosmologia da Umbanda
A cosmologia da Umbanda é dividida em três níveis: o mundo astral, a terra, e
o mundo inferior ou submundo. O mundo astral é presidido por deus, e é
seguido por várias linhas. Cada linha é guiada por um orixá, que
freqüentemente corresponde a um santo católico. O mundo astral é um lar
hierárquico, onde cada figura religiosa é colocada segundo o seu nível de
evolução espiritual. Nos níveis mais baixos, estão os fundadores espirituais da
Umbanda: os Caboclos e Pretos Velhos. A terra constitui a
plataforma para espíritos que experienciam sua encarnação humana em diferentes
níveis de evolução espiritual. Ela é visitada por espíritos do mundo astral, que
são incorporados pelos médiuns nos centros de umbanda, ajudando deste modo os
seres humanos. O submundo, freqüentemente denominado quimbanda, é o
domínio da magia negra. Ela representa uma anti-estrutura da Umbanda. O
submundo é habitado por espíritos que viveram sua encarnação com caráter
duvidoso (desonestos, prostitutas...). Eles são vistos como maus por falta de
evolução espiritual. Estes espíritos também podem subir à terra, causando danos
que devem ser desfeitos pelos espíritos do mundo astral que devem descer para
isto.
Os especialistas que focalizam a desafricanização da Umbanda, tem procurado
mostrar como a África e as tradições religiosas Afro-brasileiras são
re-interpretadas na sua cosmologia. Na Umbanda os orixás afro-brasileiros foram
marginalizados e tem menos importância que no Candomblé, onde todas as
cerimônias estão centradas neles, que são incorporados pelos
filhos-de-santos. Nas cerimônias da Umbanda, os orixás são
periféricos. Devido à sua posição elevada na hierarquia, eles permanecem na
esfera astral, porém raramente são incorporados pelos médiuns. Parece que os
espíritos menos evoluídos e mais baixos da terra, os Caboclos e Pretos
Velhos, tem tomado na Umbanda a posição que os orixás
tradicionalmente ocupam no Candomblé.
Desde o século XIX, há tradição oral e escrita referente a estas duas
figuras. O Caboclo é geralmente descrito como o representante de um
indígena inculto, selvagem e orgulhoso e se tornou símbolo da antiga idade do
ouro do Brasil. O Preto Velho tem sido representado como um Tio Tomás,
humilde e fiel como escravo. Tem sido enfatizado que apesar das diferenças entre
os dois tipos de espíritos, ambos são marcados pelo processo de aculturação e
civilização, e partilham a experiência histórica comum de terem sido
escravizados. A substituição dos orixás pelos Pretos Velhos tem
sido interpretada como uma expressão do estrangeiro -África- sendo substituído
pelo nacional - Brasil. A substituição dos orixás orgulhosos e livres
pelos Pretos Velhos e escravos, também tem sido interpretada como um
símbolo da transformação da África (de ter sido livre na África e se tornado
escravo no Brasil). Essa substituição tem sido vista como uma instância de sua
aculturação, domesticação e embranquecimento da identidade africana na sua
transformação em identidade afro-brasileira e nacionalidade brasileira.
O brincalhão Exu, que entre outras coisas representa o mensageiro dos
orixás no Candomblé, é outra figura africana e afro-brasileira que foi
reinterpretada e marginalizada na Umbanda. Exu foi associado com o demônio antes
da fundação da Umbanda. Nesta religião, entretanto, essa figura maligna foi
complementada. Exu se tornou o representante do demônio, do perigo e da
imoralidade. Por causa destas característica, parece que os primeiros
umbandistas associaram Exu com africanos e escravos rebeldes. Exu foi portanto
segregado da Umbanda, e se tornou o legislador da quimbanda, do
submundo.
Outra reinterpretação umbandista coloca Exu na ordem evolucionista de
precedência conforme o modelo kardecista; ele é reduzido a um espírito menos
evoluído que todavia tem potencial para evoluir e se tornar um espírito
bom. Alguns umbandistas distinguem entre Exu pagão e Exu batizado,
que se submeteu à doutrinação e encontrou o caminho certo da escada da evolução.
Esta distinção reflete algo do caráter original ambivalente de Exu, apesar do
rito de passagem do batismo, que define a distinção que é certamente novo.
Novamente este batismo do Exu pagão tem sido interpretado como uma expressão e
aculturação e domesticação do mal, do perigo e da imoralidade.
Reafricanização Incipiente
O fim do regime autoritário em 1945 abriu caminho para a democratização. Isto
também significou que a perseguição sistemática aos umbandistas parou. Entre os
umbandistas, isto desencadeou um distanciamento na identificação com o
Espiritismo Kardecista e abriu a possibilidade para outras identificações
diferentes e novas definições da Umbanda. Este novo desenvolvimento pode ser
interpretado como uma reafricanização incipiente da Umbanda. Também como
alternativa à Umbanda Branca, apareceu a Umbanda Africana. Esta
buscou suas origens na África, não na Índia, e exaltou a herança africana.
A mudança democrática capacitou a Umbanda de se espalhar e se tornar mais
visível no sudeste brasileiro por meio de programas de rádio, jornais e da
fundação de várias federações da Umbanda. No início dos anos 60, apesar do fim
da perseguição governamental, a Igreja Católica liderou uma cruzada contra a
Umbanda. Depois do Concílio Vaticano II (1962-1965), entretanto, a Igreja
Católica no Brasil parou a perseguição, e começou a dialogar com as religiões
não-cristãs. No Brasil esta resolução levou muitos padres católicos a se dar
conta que o futuro do Catolicismo no país passa pela habilidade de lidar com as
religiões Afro-brasileiras (Boff 1977). A Igreja Católica no Brasil começou a
adotar um pluralismo litúrgico, incorporando elementos das religiões
Afro-brasileiras em certas missas. Além disso a Igreja começou a reconhecer
oficialmente a Umbanda como religião. Esta mudança significou que a Umbanda e
outras religiões Afro-brasileiras puderam ganhar melhor posição no campo
religioso.
Durante a ditadura militar (1964-1985) a Umbanda obteve reconhecimento
oficial e legitimação.Isto está
relacionado ao projeto nacionalista da ditadura. Presumivelmente os militares
apoiaram a interpretação de democracia racial brasileira branca da Umbanda. O
regime militar diretamente apoiou a Umbanda para usá-la para manipular as
massas, causando o desprezo dos que estavam na oposição ao governo. Da mesma
forma o regime também usou a Umbanda contra a Igreja Católica no Brasil,
especialmente contra os clérigos que se opuseram a ele.
No anos sessenta, durante a repressão da era militar, a contracultura chegou
da Europa e dos Estados Unidos ao Brasil. O movimento contracultural se espalhou
nos centros urbanos do sudeste brasileiro, adotado pelas classes médias brancas,
particularmente por intelectuais, estudantes e especialistas. Os movimentos de
esquerda se levantaram em protesto e em solidariedade com os marginalizados, os
pobres e os negros. Como na Europa e nos Estados Unidos, a contracultura dos
anos sessenta envolveu a busca de alternativas para a racionalidade ocidental. A
classe média branca do sudeste, de forma crescente, se voltou para o oriental, o
místico e o ocultismo, na busca das origens da cultura brasileira. Sua atenção
se voltou para a Bahia, o berço do Candomblé. A ambivalência religiosa e
cultural da Bahia Afro-brasileira se tornou a representante do remanescente
autêntico da verdadeira cultura brasileira. Logo a cultura popular brasileira
adotou a Bahia e sua cultura e tradições religiosas. Os poetas da música popular
começaram a se referir aos mistérios do Candomblé, às grandes
mães-de-santos e aos orixás.
Durante a década de sessenta a cultura e a religião afro-brasileira se
tornaram assim menos estigmatizadas pelas classes médias brancas do sudeste.
Como conseqüência, o Candomblé começou se tronar visível nesta região.
O Alastramento e a Africanização do Candomblé no Sudeste do Brasil
Durante os anos setenta, a linha dura do regime militar no Brasil foi
afrouxado e a proibição contra o culto do Candomblé e outras religiões
Afro-brasileiras chegou ao fim em 1977. O número de registros do Candomblé
cresceu consideravelmenteForam
constituídas muitas novas federações do Candomblé e reorganizadas outras tantas
da Umbanda e então incluídos nelas novos centros de Candomblé. Este
desdobramento reflete a africanização estrutural da Umbanda e a sua
reaproximação com as religiões Afro-brasileiras. Uma das conseqüências do novo
reconhecimento do Candomblé e sua adaptação estrutural pelas federações da
Umbanda foi que os pais-de-santos dos centros da Umbanda foram
incorporados e, em larga escala, praticados no Candomblé. Mais ainda, os
pais-de-santos umbandistas começaram a ir à Bahia para serem iniciados
nos centros de Candomblé. Ser feito no Candomblé se tornou a legitimação da competência dos líderes
umbandistas. A incorporação do Candomblé na Umbanda, deu origem a uma síntese
denominada "umbandomblé" e "candombanda" e causou surpresa aos especialistas,
pelo fato de que a Umbanda não só representava uma prática religiosa distinta,
mas também uma combinação de tradições que abrangem desde o Espiritismo até ao
Candomblé (Negrão 1993: 64-66).
Até 1987 o número de centros de Candomblé registrados em São Paulo chegaram a
2.500, enquanto o número de centros de Umbanda teve apenas um ligeiro
crescimento depois da queda da ditadura militar. Por trás do crescimento do
Candomblé no sudeste estão principalmente muitos pais-de-santos que
transformaram seus centros de Umbanda em centros de Candomblé e que foram, em
muitos casos, seguidos por seus adeptos e clientes. Muitos centros de Umbanda
estão assim num período de transição para o Candomblé e são salvos pela
transformação (como o Candomblé é uma religião mais exigente que a Umbanda).
Antes os umbandistas recrutaram muitos membros do Candomblé, porém agora o curso
do recrutamento está indo na direção oposta.
Outro fator que contribuiu para o desenvolvimento do Candomblé no sudeste foi
a onda migração do nordeste, que tem crescido desde os anos sessenta. Entre os
migrantes tem vindo muitos pais-de-santos, que trazem consigo seus
centros de Candomblé ou abrem filiais de seus centros no sudeste. O transplante
ou desenvolvimento de novos centros de Candomblé no sudeste é um fenômeno novo.
Mas a composição de seus seguidores também é nova, desde que as classes baixas
negras e as classes médias brancas estão igualmente representadas. Entre os
pais-de-santos negros e brancos, o conceito de nação foi revitalizado e
forma parte de sua auto imagem religiosa. Os pais-de-santos buscam sua
identidade no local das áreas geográficas e das tradições culturais na África,
pelas quais eles legitimam a pureza e a autenticidade de suas práticas
religiosas. Por isso a genealogia religiosa dos novos pais-de-santos é
fortemente ligada com a legitimação. No marketing de um centro de Candomblé é
muito importante ser capaz de traçar uma linha ininterrupta de ligação religiosa
com o Candomblé da centros mais antigos e de maior prestígio da Bahia.
Parece que muitos ex-pais-de-santos viram a Umbanda como um estágio no
seu caminho para o Candomblé. Eles consideram o Candomblé como uma religião mais
pura e estética, com forte raízes e tradições culturais. O Candomblé é também
considerada mais eficaz magicamente e mais forte. Finalmente, ao dar suas razões
por terem mudado para o Candomblé, os pais-de-santos declaram freqüentemente que
ele não é mais uma religião estigmatizada e perseguida no Brasil .
No despertar do recente crescimento das religiões Afro-brasileiras no sudeste
do Brasil, está acontecendo também um processo de reafricanização nestas
religiões. O esforço de purificar o Candomblé dos elementos sincréticos como
Caboclos e Pretos Velhos
representa o reverso do processo de desafricanização e sincretismo que aconteceu
na Umbanda. De acordo com isto, os centros de Candomblé estão começando a
celebrar festas de despedida em honra dos Caboclos e Pretos Velhos
da Umbanda. Além disso, há esforços para purificar o Candomblé de seus elementos
católicos, a fim de retornar às tradições genuínas da Nigéria e do BeninUma expressão que salienta a africanização
do Candomblé é o cultivo das tradições religiosas e culturais da Nigéria, por
meio do estudo da língua Yorubá e da mitologia dos orixás, através da
peregrinação à Nigéria. Alguns dos pais-de-santos reafricanizados mesmo se
dissociam do Candomblé como um produto afro-brasileiro. Ao invés disso, escolhem
o nome de sua religião como tradição do orixá ou culto do
orixá
De modo geral parece que as religiões Afro-brasileiras se tornaram mais
visíveis na sociedade do sudeste brasileiro. Pais-de-santos aparecem na
mídia com suas revistas próprias e seus próprios programas de rádio e televisão.
Ele ainda aparecem a caráter nas novelas e como adivinhos, fazendo prognóstico
sobre eventos de importância política e social. O Candomblé se tornou também
alvo de comercialização. O número crescente de anúncios de objetos rituais e
pacotes de viagem ao locais sagrados dos orixás na Nigéria acontece, na maioria
das vezes, devido ao interesse comercial profano. Sua existência, entretanto, é
evidência do interesse no Candomblé. Desde os anos setenta, os imigrantes
nigerianos , que originalmente vem ao Brasil como estudantes de intercâmbio, se
estabelecem no sudeste do Brasil e ganham a vida importando e vendendo objetos
rituais vindos da Nigéria. O primeiro mercado dos orixás foi estabelecido em São
Paulo em 1996. Adicionalmente, o desenvolvimento no campo da educação reflete
crescente interesse na cultura e na religião afro-brasileira e nas raízes
culturais africanas. Desde 1977, especialistas nigerianos visitantes, tem
oferecido cursos de cultura e língua Yorubá na Universidade Estadual de São
Paulo (USP). Cursos como estes tem atraído tanto estudantes, intelectuais como
praticantes do Candomblé. A partir dos final da década de setenta, outras
instituições educacionais em São Paulo, tem também começado a oferecer cursos de
língua e religião Yorubá, (incluindo mitologia, dança e música para os orixás).
Estas instituições funcionam, de alguma maneira, como porta de entrada para os
centros de Candomblé .
Os Significados da Reafricanização
Os estudiosos que pesquisam a Umbanda ou o Candomblé discutem atualmente se o
Candomblé está competindo com a Umbanda (isto é se está uma transferência geral
da Umbanda para o Candomblé). Apesar da Umbanda ser ainda muito mais espalhada
do que o Candomblé, e de seus membros continuarem olhando o Candomblé com
preconceito, o Candomblé parece estar crescendo no sudeste às custas da Umbanda.
O Candomblé também se estende a todas as camadas da sociedade brasileira.
Apesar da pesquisa no crescimento e reafricanização das religiões
Afro-brasileiras ser ainda incipiente, tem já aparecido interpretações
divergentes do fenômeno. O sociólogo brasileiro Reginaldo Prandi tem argumentado
que mudança da Umbanda para o Candomblé está continuando e esta mudança é o
reflexo de certas mudanças sociais , a Umbanda é uma
religião cuja ideologia reflete a sociedade de ontem (isto é, a moderna classe
social que apareceu nos anos 1920, era caracterizada pela crença no
nacionalismo, na igualdade e na mobilidade social). Este tipo de sociedade não
se concretizou. Devido às crises políticas e às mudanças sociais que ocorreram
durante o regime militar posterior, o povo perdeu seu senso de segurança e sua
crença na sociedade e na mobilidade social. Na visão de Prandi, o Candomblé está
mais afinado com a sociedade contemporânea. Ele caracteriza o Candomblé como uma
religião não ética, onde o valor das coisas mundanas está localizada no
indivíduo. Assim o candomblé se ajusta na sociedade hedonista, narcisista, pós
ética - em outras palavras, pós moderna- de hoje .
Outra hipótese que Prandi defende é que o Candomblé, como foi transplantado
do nordeste para o sudeste do Brasil, sofreu a passagem de uma religião étnica
para universal. Prandi afirma que a popularização do Candomblé, que tem se dado
através da música e dos meios de comunicação desde os anos sessenta, tem
preparado o caminho para o crescimento e reconhecimento da cultura e da religião
afro-brasileira e africana. Esta redescoberta da África tem atraído a classe
média branca aos centros de Candomblé, algo que tem contribuído para a
legitimação e popularização do mesmo. De acordo com Prandi, a reafricanização
não tem nada a ver com a cor da pele ou com a identidade afro-brasileira. A
religião e a cultura afro-brasileiras perderam quase toda a sua identidade
étnica e a ligação com a população afro-brasileira. Ao invés, Prandi vê a
reafricanização como uma espécie de invenção das tradições intelectualizadas,
nas quais o retorno às raízes africanas representa a busca da origem e da
autenticidade (Ibid.: 118). A argumentação de Prandi é diretamente apoiada em
outros argumentos, os quais, por exemplo, afirmam que o Candomblé tem conseguido
uma aceitação geral pelo setor dominante branco da sociedade brasileira, em
parte como resultado de ter sido marcado como uma religião autêntica e pura.
O ponto de vista de Prandi em relação a reafricanização representa o
Candomblé como um expressão do culturalismo. Os elementos culturais aparecem
livremente flutuando a ponto de perder qualquer relação com o estrato
sócio-econômico ou categoria etno-histórica. Outros estudiosos tomaram outro
caminho e relacionam o crescimento e a reafricanização das religiões
afro-brasileiras diretamente a questões étnicas e políticas. Assim a antropóloga
norte-americana Diana Brown liga o crescimento do Candomblé no sudeste ao
aumento da consciência da racial da ascendência africana entre os brasileiros.
Brown chama a atenção para o fato de que o crescimento do Candomblé, com
respeito ao espaço e ao tempo, coincide com o aparecimento do interesse cultural
e político pela identidade africana entre os negros brasileiros (isto é, com os
movimentos de consciência racial que começaram no fim dos anos sessenta) Mas Brown nega que há explicação clara e ambígua para o
desabrochamento do Candomblé no sudeste brasileiro. Ela argumenta em particular
que se tem que levar em conta as diferenças entre a identificação das classes
médias brancas e das classes baixas negras com o Candomblé.
Os pontos de vista diversos discutidos aqui, representam duas interpretações
do recente crescimento e reafricanização do Candomblé no sudeste do Brasil. Uma
apela à universalidade e ao multiculturalismo do Candomblé e outra destaca
questões políticas e étnicas. Na primeira interpretação , o candomblé é parte de
um repertório simbólico e é uma entre muitas identidades religiosas no
supermercado multicultural e plurireligioso da sociedade moderna, onde cada
indivíduo é livre para escolher e combinar os elementos das várias e multiformes
identidades religiosas. O outro ponto de vista considera que o Candomblé está
ligado com a consciência étnica e política na luta contra a discriminação que
tem crescido desde os anos setenta entre a população afro-brasileira. Aqui o
Candomblé aparece como uma fonte na luta política onde a reinvenção das
tradições religiosas africanas podem ser usadas como meio de mobilização étnica
e caminho para despertar a consciência do povo e construir uma identidade
étnica. Os dois pontos de vista não se excluem. É como se aos olhos das classes
médias brancas o Candomblé não fosse mais uma expressão da identidade
afro-brasileira, enquanto ao mesmo tempo, ele pode se constituir em fonte de
consciência étnica e mobilização entre a população afro-brasileira.
Na minha pesquisa sobre a reafricanização do Candomblé no sudeste brasileiro,
observei uma forte diferença no envolvimento nas religiões afro-brasileiras de
negros e brancos. Entre os dois grupos há no momento sérias controvérsias a
respeito da definição do Candomblé, da africanidade e da negritude. Os mais
africanizados- isto é os que estudam mitologia Yorubá e vão em peregrinação a
África- tendem a ser brasileiros brancos da classe média. Eles geralmente tentam
se dissociar do Candomblé, que consideram uma religião Afro-brasileira
sincrética "impura". Preferem definir sua religião como afro-descendente,
denominando-a de Tradição do Orisa ou Culto do Orixá. Há apenas
uma representação pequena de negros brasileiros nos centros religiosos dos
praticantes destes "afro-descendentes".
Os negros brasileiros parecem predominar nos centros tradicionais
afro-brasileiros do Candomblé, que inclui uma forte representação de
participantes dos Movimentos Negros. Ligam seu envolvimento religioso à
consciência racial e à luta contra a discriminação. Eles se dissociam dos
movimentos de brasileiros brancos mais africanizados, reprovando-os por ignorar
a realidade social que os negros brasileiros enfrentam, e por cultuar somente
a África, aos invés de ligar a África com o Brasil. Eles destacam que a cultura
africana existe no Brasil, que o Candomblé sincrético é parte da história social
e da identidade dos negros brasileiros. Apesar das controvérsias entre negros e
brancos, eles se unem em federações e organizações, como praticantes de
religiões afro-brasileiras.
Interpretando o crescimento e a reafricanização das religiões
afro-brasileiras, os pontos de vista culturalista e etnico-político não são
sim ou não, mas podem acontecer simultaneamente. O
desafio está em reconhecer que o Candomblé não pode mais ser visto sem a
dimensão ambígua. Após ter sido olhado como uma espécie de "gueto cultural",
como um fenômeno cultural restrito principalmente ao nordeste, o Candomblé agora
se espalha por todo o país, e é adotada por larga escala de grupos sociais e
étnicos, onde cada um a interpreta de seu próprio jeito. Um dos desafios no
estudo das religiões afro-brasileiras hoje parece ser os vários sentidos que
elas tomaram na sociedade intercultural do sudeste do Brasil, onde questões
relacionadas à raça são marcadas por complexidade desencontrada e
ambigüidade.
No seu trabalho Identidade Cultural e Processo Global, o antropólogo
norte-americano Jonathan Friedman argumenta que quando um centro hegemônico
começa a declinar torna-se crescentemente difícil de manter a identidade
dominante. Uma crise na sociedade maior leva ao enfraquecimento do poder e da
identidade do grupo dominante, e oferece a oportunidade a grupos reprimidos
anteriormente de reforçar sua identidade cultural Como
identidades modernas fracassam, identidades culturais emergentes e processo
étnico aparecerão como alternativas, incluindo movimentos indígenas e movimentos
religiosos fundamentalistas. Cada movimento representa a emergência de novo
primitivismo, uma busca de significado primordial .
Na explicação da mudança da desafricanização para a reafricanização da
religião Afro-brasileira, faz sentido aplicar a teoria de Friedman, juntamente
com as hipóteses de Prandi, recordando a mudança da Umbanda para o Candomblé
como expressão de mudança social. A Umbanda se originou com a sociedade moderna
brasileira, como a religião brasileira, ajuntando os vários grupos étnicos do
Brasil e sintetizando suas crenças. No processo assimilativo da desafricanização
e embranquecimento, fazendo o afro-brasileiro se tornar apenas brasileiro, a
Umbanda se ajustou à ideologia dominante da sociedade moderna. Ela viveu seu
momento auge durante a ditadura militar nacionalista. Quando a crença na nação e
nos valores da sociedade moderna falharam durante o regime militar, no entanto,
alternativas política , culturais e identidades religiosas começaram a aparecer.
Simultaneamente, houve um afrouxamento gradual da política repressiva da
ditadura. Quando o regime militar finalmente acabou em 1985, o crescimento do
número de centros de Umbanda estagnou, enquanto outras identidades culturais
começaram a emergir. Depois de terem sido reprimidas, a cultura e as religiões
afro-brasileiras tem tomado agora novas formas de construção de identidade numa
sociedade inter-cultural onde a identidade é questão de livre escolha. A
identificação com a religião afro-brasileira agora parece englobar desde a busca
de primitivismo de brasileiros brancos até as raízes culturais e as exigências
de consciência racial de brasileiros negros.
Os especialistas que focalizam a desafricanização da Umbanda, tem procurado mostrar como a África e as tradições religiosas Afro-brasileiras são re-interpretadas na sua cosmologia. Na Umbanda os orixás afro-brasileiros foram marginalizados e tem menos importância que no Candomblé, onde todas as cerimônias estão centradas neles, que são incorporados pelos filhos-de-santos. Nas cerimônias da Umbanda, os orixás são periféricos. Devido à sua posição elevada na hierarquia, eles permanecem na esfera astral, porém raramente são incorporados pelos médiuns. Parece que os espíritos menos evoluídos e mais baixos da terra, os Caboclos e Pretos Velhos, tem tomado na Umbanda a posição que os orixás tradicionalmente ocupam no Candomblé.
Desde o século XIX, há tradição oral e escrita referente a estas duas figuras. O Caboclo é geralmente descrito como o representante de um indígena inculto, selvagem e orgulhoso e se tornou símbolo da antiga idade do ouro do Brasil. O Preto Velho tem sido representado como um Tio Tomás, humilde e fiel como escravo. Tem sido enfatizado que apesar das diferenças entre os dois tipos de espíritos, ambos são marcados pelo processo de aculturação e civilização, e partilham a experiência histórica comum de terem sido escravizados. A substituição dos orixás pelos Pretos Velhos tem sido interpretada como uma expressão do estrangeiro -África- sendo substituído pelo nacional - Brasil. A substituição dos orixás orgulhosos e livres pelos Pretos Velhos e escravos, também tem sido interpretada como um símbolo da transformação da África (de ter sido livre na África e se tornado escravo no Brasil). Essa substituição tem sido vista como uma instância de sua aculturação, domesticação e embranquecimento da identidade africana na sua transformação em identidade afro-brasileira e nacionalidade brasileira.
O brincalhão Exu, que entre outras coisas representa o mensageiro dos orixás no Candomblé, é outra figura africana e afro-brasileira que foi reinterpretada e marginalizada na Umbanda. Exu foi associado com o demônio antes da fundação da Umbanda. Nesta religião, entretanto, essa figura maligna foi complementada. Exu se tornou o representante do demônio, do perigo e da imoralidade. Por causa destas característica, parece que os primeiros umbandistas associaram Exu com africanos e escravos rebeldes. Exu foi portanto segregado da Umbanda, e se tornou o legislador da quimbanda, do submundo.
Outra reinterpretação umbandista coloca Exu na ordem evolucionista de precedência conforme o modelo kardecista; ele é reduzido a um espírito menos evoluído que todavia tem potencial para evoluir e se tornar um espírito bom. Alguns umbandistas distinguem entre Exu pagão e Exu batizado, que se submeteu à doutrinação e encontrou o caminho certo da escada da evolução. Esta distinção reflete algo do caráter original ambivalente de Exu, apesar do rito de passagem do batismo, que define a distinção que é certamente novo. Novamente este batismo do Exu pagão tem sido interpretado como uma expressão e aculturação e domesticação do mal, do perigo e da imoralidade.
A mudança democrática capacitou a Umbanda de se espalhar e se tornar mais visível no sudeste brasileiro por meio de programas de rádio, jornais e da fundação de várias federações da Umbanda. No início dos anos 60, apesar do fim da perseguição governamental, a Igreja Católica liderou uma cruzada contra a Umbanda. Depois do Concílio Vaticano II (1962-1965), entretanto, a Igreja Católica no Brasil parou a perseguição, e começou a dialogar com as religiões não-cristãs. No Brasil esta resolução levou muitos padres católicos a se dar conta que o futuro do Catolicismo no país passa pela habilidade de lidar com as religiões Afro-brasileiras (Boff 1977). A Igreja Católica no Brasil começou a adotar um pluralismo litúrgico, incorporando elementos das religiões Afro-brasileiras em certas missas. Além disso a Igreja começou a reconhecer oficialmente a Umbanda como religião. Esta mudança significou que a Umbanda e outras religiões Afro-brasileiras puderam ganhar melhor posição no campo religioso.
Durante a ditadura militar (1964-1985) a Umbanda obteve reconhecimento oficial e legitimação.Isto está relacionado ao projeto nacionalista da ditadura. Presumivelmente os militares apoiaram a interpretação de democracia racial brasileira branca da Umbanda. O regime militar diretamente apoiou a Umbanda para usá-la para manipular as massas, causando o desprezo dos que estavam na oposição ao governo. Da mesma forma o regime também usou a Umbanda contra a Igreja Católica no Brasil, especialmente contra os clérigos que se opuseram a ele.
No anos sessenta, durante a repressão da era militar, a contracultura chegou da Europa e dos Estados Unidos ao Brasil. O movimento contracultural se espalhou nos centros urbanos do sudeste brasileiro, adotado pelas classes médias brancas, particularmente por intelectuais, estudantes e especialistas. Os movimentos de esquerda se levantaram em protesto e em solidariedade com os marginalizados, os pobres e os negros. Como na Europa e nos Estados Unidos, a contracultura dos anos sessenta envolveu a busca de alternativas para a racionalidade ocidental. A classe média branca do sudeste, de forma crescente, se voltou para o oriental, o místico e o ocultismo, na busca das origens da cultura brasileira. Sua atenção se voltou para a Bahia, o berço do Candomblé. A ambivalência religiosa e cultural da Bahia Afro-brasileira se tornou a representante do remanescente autêntico da verdadeira cultura brasileira. Logo a cultura popular brasileira adotou a Bahia e sua cultura e tradições religiosas. Os poetas da música popular começaram a se referir aos mistérios do Candomblé, às grandes mães-de-santos e aos orixás.
Durante a década de sessenta a cultura e a religião afro-brasileira se tornaram assim menos estigmatizadas pelas classes médias brancas do sudeste. Como conseqüência, o Candomblé começou se tronar visível nesta região.
Até 1987 o número de centros de Candomblé registrados em São Paulo chegaram a 2.500, enquanto o número de centros de Umbanda teve apenas um ligeiro crescimento depois da queda da ditadura militar. Por trás do crescimento do Candomblé no sudeste estão principalmente muitos pais-de-santos que transformaram seus centros de Umbanda em centros de Candomblé e que foram, em muitos casos, seguidos por seus adeptos e clientes. Muitos centros de Umbanda estão assim num período de transição para o Candomblé e são salvos pela transformação (como o Candomblé é uma religião mais exigente que a Umbanda). Antes os umbandistas recrutaram muitos membros do Candomblé, porém agora o curso do recrutamento está indo na direção oposta.
Outro fator que contribuiu para o desenvolvimento do Candomblé no sudeste foi a onda migração do nordeste, que tem crescido desde os anos sessenta. Entre os migrantes tem vindo muitos pais-de-santos, que trazem consigo seus centros de Candomblé ou abrem filiais de seus centros no sudeste. O transplante ou desenvolvimento de novos centros de Candomblé no sudeste é um fenômeno novo. Mas a composição de seus seguidores também é nova, desde que as classes baixas negras e as classes médias brancas estão igualmente representadas. Entre os pais-de-santos negros e brancos, o conceito de nação foi revitalizado e forma parte de sua auto imagem religiosa. Os pais-de-santos buscam sua identidade no local das áreas geográficas e das tradições culturais na África, pelas quais eles legitimam a pureza e a autenticidade de suas práticas religiosas. Por isso a genealogia religiosa dos novos pais-de-santos é fortemente ligada com a legitimação. No marketing de um centro de Candomblé é muito importante ser capaz de traçar uma linha ininterrupta de ligação religiosa com o Candomblé da centros mais antigos e de maior prestígio da Bahia.
Parece que muitos ex-pais-de-santos viram a Umbanda como um estágio no seu caminho para o Candomblé. Eles consideram o Candomblé como uma religião mais pura e estética, com forte raízes e tradições culturais. O Candomblé é também considerada mais eficaz magicamente e mais forte. Finalmente, ao dar suas razões por terem mudado para o Candomblé, os pais-de-santos declaram freqüentemente que ele não é mais uma religião estigmatizada e perseguida no Brasil .
No despertar do recente crescimento das religiões Afro-brasileiras no sudeste do Brasil, está acontecendo também um processo de reafricanização nestas religiões. O esforço de purificar o Candomblé dos elementos sincréticos como Caboclos e Pretos Velhos representa o reverso do processo de desafricanização e sincretismo que aconteceu na Umbanda. De acordo com isto, os centros de Candomblé estão começando a celebrar festas de despedida em honra dos Caboclos e Pretos Velhos da Umbanda. Além disso, há esforços para purificar o Candomblé de seus elementos católicos, a fim de retornar às tradições genuínas da Nigéria e do BeninUma expressão que salienta a africanização do Candomblé é o cultivo das tradições religiosas e culturais da Nigéria, por meio do estudo da língua Yorubá e da mitologia dos orixás, através da peregrinação à Nigéria. Alguns dos pais-de-santos reafricanizados mesmo se dissociam do Candomblé como um produto afro-brasileiro. Ao invés disso, escolhem o nome de sua religião como tradição do orixá ou culto do orixá
De modo geral parece que as religiões Afro-brasileiras se tornaram mais visíveis na sociedade do sudeste brasileiro. Pais-de-santos aparecem na mídia com suas revistas próprias e seus próprios programas de rádio e televisão. Ele ainda aparecem a caráter nas novelas e como adivinhos, fazendo prognóstico sobre eventos de importância política e social. O Candomblé se tornou também alvo de comercialização. O número crescente de anúncios de objetos rituais e pacotes de viagem ao locais sagrados dos orixás na Nigéria acontece, na maioria das vezes, devido ao interesse comercial profano. Sua existência, entretanto, é evidência do interesse no Candomblé. Desde os anos setenta, os imigrantes nigerianos , que originalmente vem ao Brasil como estudantes de intercâmbio, se estabelecem no sudeste do Brasil e ganham a vida importando e vendendo objetos rituais vindos da Nigéria. O primeiro mercado dos orixás foi estabelecido em São Paulo em 1996. Adicionalmente, o desenvolvimento no campo da educação reflete crescente interesse na cultura e na religião afro-brasileira e nas raízes culturais africanas. Desde 1977, especialistas nigerianos visitantes, tem oferecido cursos de cultura e língua Yorubá na Universidade Estadual de São Paulo (USP). Cursos como estes tem atraído tanto estudantes, intelectuais como praticantes do Candomblé. A partir dos final da década de setenta, outras instituições educacionais em São Paulo, tem também começado a oferecer cursos de língua e religião Yorubá, (incluindo mitologia, dança e música para os orixás). Estas instituições funcionam, de alguma maneira, como porta de entrada para os centros de Candomblé .
Apesar da pesquisa no crescimento e reafricanização das religiões Afro-brasileiras ser ainda incipiente, tem já aparecido interpretações divergentes do fenômeno. O sociólogo brasileiro Reginaldo Prandi tem argumentado que mudança da Umbanda para o Candomblé está continuando e esta mudança é o reflexo de certas mudanças sociais , a Umbanda é uma religião cuja ideologia reflete a sociedade de ontem (isto é, a moderna classe social que apareceu nos anos 1920, era caracterizada pela crença no nacionalismo, na igualdade e na mobilidade social). Este tipo de sociedade não se concretizou. Devido às crises políticas e às mudanças sociais que ocorreram durante o regime militar posterior, o povo perdeu seu senso de segurança e sua crença na sociedade e na mobilidade social. Na visão de Prandi, o Candomblé está mais afinado com a sociedade contemporânea. Ele caracteriza o Candomblé como uma religião não ética, onde o valor das coisas mundanas está localizada no indivíduo. Assim o candomblé se ajusta na sociedade hedonista, narcisista, pós ética - em outras palavras, pós moderna- de hoje .
Outra hipótese que Prandi defende é que o Candomblé, como foi transplantado do nordeste para o sudeste do Brasil, sofreu a passagem de uma religião étnica para universal. Prandi afirma que a popularização do Candomblé, que tem se dado através da música e dos meios de comunicação desde os anos sessenta, tem preparado o caminho para o crescimento e reconhecimento da cultura e da religião afro-brasileira e africana. Esta redescoberta da África tem atraído a classe média branca aos centros de Candomblé, algo que tem contribuído para a legitimação e popularização do mesmo. De acordo com Prandi, a reafricanização não tem nada a ver com a cor da pele ou com a identidade afro-brasileira. A religião e a cultura afro-brasileiras perderam quase toda a sua identidade étnica e a ligação com a população afro-brasileira. Ao invés, Prandi vê a reafricanização como uma espécie de invenção das tradições intelectualizadas, nas quais o retorno às raízes africanas representa a busca da origem e da autenticidade (Ibid.: 118). A argumentação de Prandi é diretamente apoiada em outros argumentos, os quais, por exemplo, afirmam que o Candomblé tem conseguido uma aceitação geral pelo setor dominante branco da sociedade brasileira, em parte como resultado de ter sido marcado como uma religião autêntica e pura.
O ponto de vista de Prandi em relação a reafricanização representa o Candomblé como um expressão do culturalismo. Os elementos culturais aparecem livremente flutuando a ponto de perder qualquer relação com o estrato sócio-econômico ou categoria etno-histórica. Outros estudiosos tomaram outro caminho e relacionam o crescimento e a reafricanização das religiões afro-brasileiras diretamente a questões étnicas e políticas. Assim a antropóloga norte-americana Diana Brown liga o crescimento do Candomblé no sudeste ao aumento da consciência da racial da ascendência africana entre os brasileiros. Brown chama a atenção para o fato de que o crescimento do Candomblé, com respeito ao espaço e ao tempo, coincide com o aparecimento do interesse cultural e político pela identidade africana entre os negros brasileiros (isto é, com os movimentos de consciência racial que começaram no fim dos anos sessenta) Mas Brown nega que há explicação clara e ambígua para o desabrochamento do Candomblé no sudeste brasileiro. Ela argumenta em particular que se tem que levar em conta as diferenças entre a identificação das classes médias brancas e das classes baixas negras com o Candomblé.
Os pontos de vista diversos discutidos aqui, representam duas interpretações do recente crescimento e reafricanização do Candomblé no sudeste do Brasil. Uma apela à universalidade e ao multiculturalismo do Candomblé e outra destaca questões políticas e étnicas. Na primeira interpretação , o candomblé é parte de um repertório simbólico e é uma entre muitas identidades religiosas no supermercado multicultural e plurireligioso da sociedade moderna, onde cada indivíduo é livre para escolher e combinar os elementos das várias e multiformes identidades religiosas. O outro ponto de vista considera que o Candomblé está ligado com a consciência étnica e política na luta contra a discriminação que tem crescido desde os anos setenta entre a população afro-brasileira. Aqui o Candomblé aparece como uma fonte na luta política onde a reinvenção das tradições religiosas africanas podem ser usadas como meio de mobilização étnica e caminho para despertar a consciência do povo e construir uma identidade étnica. Os dois pontos de vista não se excluem. É como se aos olhos das classes médias brancas o Candomblé não fosse mais uma expressão da identidade afro-brasileira, enquanto ao mesmo tempo, ele pode se constituir em fonte de consciência étnica e mobilização entre a população afro-brasileira.
Na minha pesquisa sobre a reafricanização do Candomblé no sudeste brasileiro, observei uma forte diferença no envolvimento nas religiões afro-brasileiras de negros e brancos. Entre os dois grupos há no momento sérias controvérsias a respeito da definição do Candomblé, da africanidade e da negritude. Os mais africanizados- isto é os que estudam mitologia Yorubá e vão em peregrinação a África- tendem a ser brasileiros brancos da classe média. Eles geralmente tentam se dissociar do Candomblé, que consideram uma religião Afro-brasileira sincrética "impura". Preferem definir sua religião como afro-descendente, denominando-a de Tradição do Orisa ou Culto do Orixá. Há apenas uma representação pequena de negros brasileiros nos centros religiosos dos praticantes destes "afro-descendentes".
Os negros brasileiros parecem predominar nos centros tradicionais afro-brasileiros do Candomblé, que inclui uma forte representação de participantes dos Movimentos Negros. Ligam seu envolvimento religioso à consciência racial e à luta contra a discriminação. Eles se dissociam dos movimentos de brasileiros brancos mais africanizados, reprovando-os por ignorar a realidade social que os negros brasileiros enfrentam, e por cultuar somente a África, aos invés de ligar a África com o Brasil. Eles destacam que a cultura africana existe no Brasil, que o Candomblé sincrético é parte da história social e da identidade dos negros brasileiros. Apesar das controvérsias entre negros e brancos, eles se unem em federações e organizações, como praticantes de religiões afro-brasileiras.
Interpretando o crescimento e a reafricanização das religiões afro-brasileiras, os pontos de vista culturalista e etnico-político não são sim ou não, mas podem acontecer simultaneamente. O desafio está em reconhecer que o Candomblé não pode mais ser visto sem a dimensão ambígua. Após ter sido olhado como uma espécie de "gueto cultural", como um fenômeno cultural restrito principalmente ao nordeste, o Candomblé agora se espalha por todo o país, e é adotada por larga escala de grupos sociais e étnicos, onde cada um a interpreta de seu próprio jeito. Um dos desafios no estudo das religiões afro-brasileiras hoje parece ser os vários sentidos que elas tomaram na sociedade intercultural do sudeste do Brasil, onde questões relacionadas à raça são marcadas por complexidade desencontrada e ambigüidade.
No seu trabalho Identidade Cultural e Processo Global, o antropólogo norte-americano Jonathan Friedman argumenta que quando um centro hegemônico começa a declinar torna-se crescentemente difícil de manter a identidade dominante. Uma crise na sociedade maior leva ao enfraquecimento do poder e da identidade do grupo dominante, e oferece a oportunidade a grupos reprimidos anteriormente de reforçar sua identidade cultural Como identidades modernas fracassam, identidades culturais emergentes e processo étnico aparecerão como alternativas, incluindo movimentos indígenas e movimentos religiosos fundamentalistas. Cada movimento representa a emergência de novo primitivismo, uma busca de significado primordial .
Na explicação da mudança da desafricanização para a reafricanização da religião Afro-brasileira, faz sentido aplicar a teoria de Friedman, juntamente com as hipóteses de Prandi, recordando a mudança da Umbanda para o Candomblé como expressão de mudança social. A Umbanda se originou com a sociedade moderna brasileira, como a religião brasileira, ajuntando os vários grupos étnicos do Brasil e sintetizando suas crenças. No processo assimilativo da desafricanização e embranquecimento, fazendo o afro-brasileiro se tornar apenas brasileiro, a Umbanda se ajustou à ideologia dominante da sociedade moderna. Ela viveu seu momento auge durante a ditadura militar nacionalista. Quando a crença na nação e nos valores da sociedade moderna falharam durante o regime militar, no entanto, alternativas política , culturais e identidades religiosas começaram a aparecer. Simultaneamente, houve um afrouxamento gradual da política repressiva da ditadura. Quando o regime militar finalmente acabou em 1985, o crescimento do número de centros de Umbanda estagnou, enquanto outras identidades culturais começaram a emergir. Depois de terem sido reprimidas, a cultura e as religiões afro-brasileiras tem tomado agora novas formas de construção de identidade numa sociedade inter-cultural onde a identidade é questão de livre escolha. A identificação com a religião afro-brasileira agora parece englobar desde a busca de primitivismo de brasileiros brancos até as raízes culturais e as exigências de consciência racial de brasileiros negros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário