DIÁSPORA NEGRA PARA O TERRITÓRIO BRASILEIRO
A Europa tinha necessidade de ouro e prata. A Espanha tinha seu poder sobre o México e o Peru de
onde dispunha metais preciosos. Portugal tinha o ouro que fosse buscar na África, em Mina. Naquela época,
o Brasil nada mais era do que uma colônia de segunda importância. A atividade mercantilista do tráfico de
africanos visava permitir a acumulação do capital na Europa e, também, para a Igreja Católica, que naquela
época, justificou com o argumento da “salvação da alma”, que pelo batismo, buscou minorizar a força do ato
do tráfico.
Outras formas de aceitação pacífica do tráfico, segundo Koster,
no Brasil, havia muita gente que foi
convencida de que os africanos eram salvos da morte pelos mercadores de escravos e, se não fossem
comprados pelos europeus seriam assassinados pelos seus próprios conterrâneos.
O
primeiro ciclo da Guiné, segundo Verger2, teve tal denominação no século XVI, para definir a costa
oeste da África, ao norte do equador, seria em torno de 1540. Os portugueses tinham fortalezas e
entrepostos por toda a costa da África. Os portugueses faziam pouco comércio de escravos com a Costa do
Ouro, onde se encontrava um de seus mais antigos estabelecimentos: o Castelo de São Jorge da Mina.
Nesse lugar o objeto do tráfico era o ouro. Estabelecidos estes princípios da moeda de troca ser o ouro,
navegadores portugueses trocavam barras de ferro por escravos no Congo para permutar, em seguida, por
ouro, tais escravos, no castelo de São Jorge da Mina.
Bem estabelecidos em seu forte de “Arguim”, ao norte do rio Senegal, os portugueses fizeram da
Alta Guiné o mais importante núcleo de obtenção de africanos antes do século XVII.
Os portugueses, no comando de Dom Afonso, transformaram, pelas mais diversas e sórdidas
práticas, o próprio rei do Congo em uma figura clerical, quase um profeta, conhecedor do evangelho e da
política de Portugal. Assim o Congo passou a ser um espelhamento da corte de Lisboa, ascendendo do culto
à natureza à cristandade, todo o povo congolês assimilou as práticas de Portugal.
O rei Mbanza Congo perde o seu nome africano e recebe através do batismo o nome de São
Salvador, passando o seu reinado a compor as mesmas hierarquias que existia na corte portuguesa, com
príncipes, infantes, duques, marqueses, condes, viscondes e barões, com direito a igrejas e escolas. O
governador da Ilha de São Tomé, Fernando de Melo, depois de conseguir monopolizar o comércio desde a
costa da Guiné até o sul do Congo, controlou também o comércio de Dom Afonso, que perde a autoridade
passando aos traficantes de escravos o controle do reino do Congo.
No Brasil, utilizando uma técnica irracional de plantio, o português incendiou o Nordeste do Brasil
para plantação de cana-de-açúcar, apelando para a coivara, pois precisava de mais terras para plantar,
destruiu matas, fez perder a maior parte das madeiras de lei, modificou o clima, o regime dos rios,
propiciando as grandes secas atuais e, ainda, eliminou a grande parte da fauna regional. Enquanto o
português provocava esse desastre ecológico o negro africano escravizado, no Brasil, era produto e
produtor.
Mas se o açúcar se transformou em um bom negócio, foi porque da África vieram bons agricultores,
pois quando da expansão banto ao final da pré-história africana, na sua migração em território africano do
norte para o sul, conquistaram culturas e as suas práticas agrárias, também, foram assimiladas, neste
sentido, todo povo de origem banto conhece a terra e o Congo fez parte desta rota, como Angola, Cabinda,
Moçambique, entre outros.
O Brasil se transforma no maior produtor de açúcar do mundo em torno de 1550, pelo trabalho do
povo africano, tornando-se a liderança do mercado exterior. O açúcar brasileiro já saía pronto para o
consumo, era açúcar claro em contraste com o açúcar mascavo, produzido nas Antilhas, que era escuro, o
brasileiro era quase branco. Mas quem produziu todo este volume de riqueza foram os africanos. Deste
modo, o mercado do açúcar brasileiro chamou a atenção de outras potências européias.
No começo do
segundo ciclo de Angola, no final do século XVI, e durante o século XVII (Verger:
2002, 28), os holandeses, invade o Brasil entre 1630 e 1680, através da Compainha Holandesa das Índias
Ocidentais, financia os senhores de engenho, e em 1639, apenas com nove anos de ocupação exportaram 9
mil toneladas de açúcar. A invasão pacífica,
a priori, não modifica os modos de produção, pelo contrário,
aproveita-se do sistema escravista vigente no Brasil e fortalece seus negócios.
Naquela época, a predominância da importação de africanos bantos é colocada em evidência, pelo
fato de haver no porto da Bahia, quando da tomada desta cidade pelos holandeses, em 1624, seis navios
vindos de Angola, contra um da Guiné
5. Essas importações de escravos advindos de Angola, obrigou uma
expedição brasileira, a partir do Rio de Janeiro, e ir recuperar Angola para o tráfico português. Entre 1641 e
1648, Angola permanece na posse dos holandeses, cortando, por alguns anos, o reabastecimento da Bahia
dos escravos de lá originários, em proveito de Pernambuco, ocupada pelos holandeses.
O auge do período do açúcar produzido no Brasil, 50 anos é passado nas mãos dos holandeses. Ao
serem expulsos os holandeses conseguiram levar do Brasil 30 mil toneladas de açúcar.
Os ingleses vão produzir também o açúcar em Barbados
7, em 1627, e em 1946 fornece as primeiras
cargas para a Inglaterra. Depois que os portugueses mostraram como era lucrativo o mercado açucareiro,
além da Inglaterra a França também entrou no negócio de açúcar, produzindo-o nas Guianas.
Em 1696, quando o preço do açúcar brasileiro começa a cair em Barbados, já tinha cerca de 30 mil
escravos africanos produzindo mais de 10 mil toneladas de açúcar, e é conhecido no mundo como o celeiro
da América.
O
terceiro ciclo da Costa da Mina, que durou até meados de 1775, no século XVIII, faz chegar ao
Brasil africanos denominados negros minas, não sendo estes oriundos da Costa do Ouro, mas, sim
originários de quatro portos que ficavam a leste, ao longo da costa do Daomé. Depois de expulsos do Brasil
os holandeses impuseram sanções aos portugueses na costa africana, onde tinham o domínio, só
autorizando aos portugueses a praticar o tráfico de escravos em quatro portos: Grande Popo, Uidá, Jaquin e
Apá, sob a condição de antes deixar como taxa, no castelo de São Jorge da Mina, dez por cento do seu
carregamento de tabaco (fumo de rolo). Isto porque foi a única mercadoria autorizada para usar no tráfico
nos quatro portos estabelecidos, mas Portugal não produzia tabaco, a Bahia era o principal produtor e
exportador, e naquele momento, o tabaco que era comercializado no tráfico era o de terceira qualidade, pois
os de primeira eram exportados para a Europa.
Pernambuco, também produzia fumo, e também se beneficiou. Além do fumo, a cachaça e outros
gêneros de menor importância foram usados no tráfico. Assim, para trazer os africanos para o Brasil,
Portugal tinha de fazer seus negreiros comprar o fumo de rolo na Bahia para só então ir às costas da África,
pagando, em fumo, a taxa contratada com os holandeses. Estes africanos eram negros sudaneses,
islamizados ou não, na maioria iorubás da Costa dos Escravos, chegando à Bahia com a denominação de
nagôs.
Para voltar a abundância do mercado, os armadores brasileiros não deixaram de contribuir com as
pequenas guerras entre as nações da Costa da Mina e, principalmente, com o aparecimento do temido rei
do Daomé. Em 1743, os portugueses foram atacados e perderam o castelo de São João da Ajuda, agora
para os próprios africanos. Portugal, porém chegou a um bom acordo, construindo uma nova fortaleza e
continuou a comprar os prisioneiros de guerras da Costa da Mina. Firmando-se as relações com o Daomé,
sem que abandonassem a atitude superior, que tanto irritavam os seus aliados da Europa.
Como prova de boa vizinhança, o Daomé, manda para o rei de Portugal: 4 negros, 3 negras, 6
panos de algodão e um carneiro. No meio do século XVIII, os jêjes dominavam os nagôs e os venderam em
massa. Somente a abolição do tráfico iria interromper essas relações, que se faziam cada vez mais estreitas
entre a Bahia e a Costa da Mina. Em 1733, na Costa da Mina se estabelecera o negro João de Oliveira que
fez às suas custas, abrir dois núcleos de negócios, sustentando várias guerras, afim de que os navios
chegados da Bahia e de Pernambuco garantissem seu tráfico com negros iorubás.
Neste sentido, o negro sudanês ou iorubá, pelas suas características étnicas e religiosas, marcado
pelo espírito do inconformismo e de rebeldia, delinearam o perfil da Bahia, a partir do século XVIII, de forma
singular, bastante diversa das demais cidades do Brasil. Essa predominância da Costa da Mina na Bahia,
ocorre no Rio de Janeiro, mas com a predominância do negro banto, de origem de Angola e Congo.
Na metade do século XVIII, o açúcar brasileiro começa a se recuperar, então a Inglaterra começa a
lutar violentamente contra o tráfico de escravos e, um dos seus principais interesses era prejudicar a
produção açucareira no Brasil, pois sem mão-de-obra suficiente, o Brasil, seu concorrente forte no mercado,
iria ser prejudicado.
12 E assim aconteceu, porém o ouro é descoberto em Minas e salva Portugal de mais
uma crise econômica. O açúcar relegado ao segundo plano faz imigrar a grande maioria dos escravos para
Minas. A notícia das descobertas, tanto esperada pelos portugueses, também despertou a cobiça dos
aventureiros, e o português atirou-se às minas com uma imensa avidez.
O ouro brasileiro é passado às mãos dos britânicos em conseqüência do Tratado de Methuen,
assinado em 1703, seria impossível que os ingleses se lançassem à aventura do seu imperialismo, pelo
menos da forma eficiente que se deu, sem o ouro brasileiro. A grande ironia da história é que o ouro
brasileiro vai financiar o grande imperialismo do qual vai ser uma das suas principais vítimas. Portugal lucra
menos com o ouro da colônia do que tinha lucrado com a produção de açúcar, quando estava sob o jugo
dos holandeses.
Apesar da grande produção, atingindo o auge em 1750, a decadência começa em 1760,
contribuindo para essa queda as precárias técnicas da mineração, como também a exploração clandestina
dos negros no ouro e nas pedras preciosas. Porém, exatamente como aconteceu na mudança do ciclo do
açúcar para o do ouro, surge à nova saída, o café.
O café começou a ser plantado pelos africanos no Brasil antes do final do século XVIII, de tal modo
que, quando o ouro já não é mais importante, os cafezais poderiam sustentar as necessidades brasileiras.
Na verificação do ciclo do café uma coisa tem que ser registrada, outra vez muda-se o produto, mas a forma
de produção continua sendo o escravo. Porém, com os cafezais começará a decomposição do sistema
escravista brasileiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário