segunda-feira, 19 de agosto de 2013

UMA ANÁLISE DO POEMA “SAUDAÇÃO A PALMARES”



Introdução

Este trabalho é parte de uma pesquisa feita no curso de Letras da Universidade Estadual de Londrina sob a orientação do professor Marcio Renato Pinheiro da Silva. Neste trabalho, será feita a análise de um poema romântico de acordo com os estratos gráfico, fônico, lexical, sintático e semântico. Optou-se pela escolha do poeta condor Castro Alves.

O poeta dos escravos, como ficou cognominado, se diferenciou dos demais escritores românticos de sua época, pois suas obras não foram marcadas pelo egotismo, mas sim pela poesia de caráter social, em que se comprometia com um mundo mais justo, sendo assim, considerado um porta-voz da causa abolicionista. O poema selecionado foi “Saudação a Palmares” que retrata a vida no quilombo.


Análise

Ao analisar um poema consideram-se cinco estratos. São eles: estrato gráfico, fônico, lexical, sintático e semântico.


Estrato Gráfico

Em uma análise de poema, a primeira observação é quanto à sua configuração gráfica. O título é o que analisamos de imediato, pois engloba espacialmente as demais partes do poema. Pode-se dizer que a intenção do título é chamar a atenção do leitor. Está relacionado ao conteúdo sugerido pelo poema. “Saudação a Palmares” remete ao maior quilombo que existiu no Brasil. Através do léxico “saudação”, é expressado uma exaltação à liberdade almejada pelos escravos. É um poema solidário à memória do famoso Quilombo dos Palmares - símbolo da resistência escrava - localizado em Alagoas e destruído em 1695. O poeta ressalta a coragem dos quilombolas, entre outras qualidades, quando estes enfrentavam os capitães do mato.

Nesse estrato, é preciso observar ainda, a divisão estrófica. São sete estrofes compostas por oito versos cada. Ao longo do poema aparecem travessões que quebram a estrutura linear do discurso e indicam sobreposição de idéias e sentimentos, sugerindo um livre fluxo da consciência. Temos um exemplo no terceiro verso da sétima estrofe – Aos urros da cachoeira –“, através deste travessão ocorre a quebra da idéia expressada nos versos antecedentes e, ao mesmo tempo, enfatiza o caráter guerreiro da busca pela liberdade (urros). A natureza (cachoeira) representa o cenário da luta pela liberdade.

É recorrente também a utilização das reticências. Estas, por sua vez, sugerem uma continuidade da idéia já expressa, cabendo ao leitor finalizar essa idéia conforme seu entendimento no decorrer do poema. Como nos exemplos transcritos dos últimos versos da última estrofe “Ninho, onde em sono atrevido, / Dorme o condor... e o bandido!... / A liberdade... e o jaguar!”. Neste trecho o autor fala que dorme o condor, que nesse caso é uma metáfora do eu-lírico, comum à obra de Castro Alves, e com o uso das reticências, deixa implícito a conseqüência desse ato – fazer a crítica através do poema não elimina e nem ameniza o sofrimentos dos escravos. Já no que se refere ao bandido (senhores de escravos), a exclamação seguida de reticências indicam uma indignação maior, uma vez que estes são os que provocam a exploração. Na última estrofe, as reticências representam a resistência ao regime escravocrata e a idealização da conquista da liberdade através da fuga para o quilombo.

Vale ressaltar aqui também, a ocorrência das aspas uma única vez no verso quinto da quarta estrofe “Descei de cada horizonte... / Senhores! Eis-me de fronte!”. Nesse caso, as aspas indicam o distanciamento do eu-lírico que o utiliza uma outra voz para transmitir sua mensagem, ou seja, é a inserção do discurso direto. Assim, dá uma maior veracidade à representação intencionada (ressaltar a coragem dos quilombolas).


Estrato Fônico

O estudo da versificação consiste na observação do ritmo da repetição e das figuras de som (rimas).

Cada estrofe contém oito versos e estes, porém, são divididos aleatoriamente em redondilha maior e em versos octassílabos. A rima é emparelhada (aaaccc) e interpolada (b...b) em todas estrofes. As rimas são, em sua maioria, graves; com algumas exceções, em que são esdrúxulas.


Estrato Lexical

Neste estrato é necessária a verificação de metaplasmos e de escolhas lexicais. No primeiro caso, encontramos a apócope (eliminação de um elemento no final da palavra) que pode ser vista no segundo verso da primeira estrofe “Ninho d´águias atrevido”. No quarto verso da quarta estrofe e no quarto verso da sexta estrofe, há a síncope (eliminação de um elemento no interior da palavra) “E olhaste rindo p´ra o val” e “Guardaste p´ra um nobre amor”; em ambos os exemplos há a eliminação da vogal a.

Na escolha lexical há o predomínio dos adjetivos, que enfatiza sua descrição. O autor optou por um vocabulário rebuscado, obtendo assim uma linguagem retórica e um estilo muito elevado.


Estrato Sintático

Aqui, ocorrem certos desvios no que se refere à forma da frase, visando às relações sintagmáticas entre palavras. Repete, ao longo do poema, a exclamação “Salve!” como forma de exaltar sua admiração pelo país, mas também explicita seu desejo de mudança.

Observa-se a digressão, expressada graficamente por travessões, como já foi citado no estrato gráfico. Ocorre o polissíndeto (uso de sinais de coordenação) dando uma continuidade nas idéias, como no exemplo da segunda estrofe “E ao longe os latidos soam... / E as trompas da caça atroam... / E os corvos negros revoam...”.

Algumas vezes, aparece a elipse que consiste na omissão do sujeito, do artigo, do verbo ou objeto: “Nos altos cerros erguido / Ninho d´águias atrevido”. Neste trecho ocorre a omissão do verbo ter ou haver, ficando subentendido e, por fim, conferindo rapidez e concisão ao discurso. A reticência que foi exemplificada anteriormente no estrato gráfico, caracteriza-se também como uma figura de estilo referente à incompletude da frase pela omissão voluntária de algo que se poderia ou deveria dizer.

Uma das figuras de estilo mais abundante no decorrer do poema é o hipérbato, definido como inversão da posição natural dos sintagmas na frase chamando a atenção para o texto e criando um efeito de estranhamento que denuncia a função poética da linguagem, por exemplo “Verdes serras onde os palmares / - como indianos cocares - / No azul dos colúmbios ares / Desfraldam-se em mole arfar”. Na ordem direta ficaria “ Verdes serras onde os palmares / - como indianos cocares - / Desfraldam-se em mole arfar / No azul dos colúmbios ares”.

A apóstrofe é muito recorrente, geralmente acompanhada pela exclamação, é uma interpelação direta que expressa uma emoção viva e profunda, ao mesmo tempo que amplia e enfatiza o significado dos conceitos.


Estrato Semântico

Sem dúvida, o nível mais importante da análise poemática é o semântico. Tem a finalidade de captar a significação ou as possíveis significações.

O poema inicia apresentando o Quilombo dos Palmares por meio de saudações. Em seguida retrata a vida dentro dos quilombos, mostrando a apreensão em que eles viviam enquanto sentiam a presença constante da ameaça. Ao mesmo tempo reverenciam o lugar através de uma linguagem figurada. Estas, indicam que a criação do quilombo foi uma alternativa para a escravidão. O quilombo garantia uma segurança, atribuindo aos escravos sentimentos de força, poder e coragem que o permitiam sentirem-se superiores aos senhores enquanto estavam na região dos quilombos. O texto combate o mito da passividade e da submissão do escravo frente ao senhor branco.

Após isso, o eu-lírico descreve a beleza da mulher negra. Há a exaltação de sua coragem e faz uma referência à deusa Diana, deusa da caça da mitologia Romana onde ele saúda sua força e sua qualidade de caçadora protegendo o Palmares dos caçadores.

De modo geral, essa poesia social é uma forma de expressar as mudanças político-sociais da época. Faz isso adotando imagens grandiosas através da hipérbole e das metáforas. Assim, percebe-se a referência ao quilombo como uma grande conquista dos escravos e evidencia um soberbo elogio à revolta negra uma vez que ressalta os atributos positivos presente nos africanos revoltos.

Dessa forma, Castro Alves concebe a poesia como sendo, também, um engajamento social, sendo, aí, o poeta uma espécie de porta-voz dos anseios coletivos daí, o tom grandiloqüente de sua poesia de caráter social. Por fim, convém ressaltar que isso trata-se de algo comum ao Romantismo, a uma época em que a cisão entre consciência individual e consciência coletiva (cisão, esta, advinda da estruturação mais complexa e segmentada de uma sociedade de classes), embora o houvesse, era, ainda, algo discreta.

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