terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Chega de Estupidez – estudo etimológico das palavras Umbanda e Kimbanda
Por Mário Filho*
Introdução
Muitos escritores de livros de Umbanda separam Kimbanda de Quimbanda, o que é um grande erro! São apenas grafias diferentes, a primeira do Quimbundo e do Umbundu e a outra do Português, que significam a mesma coisa. Os portugueses transliteraram a palavra kimbanda para quimbanda, sendo este termo mais utilizado fora de Angola.
Crê-se, no Brasil, infelizmente, que Kimbanda ou Quimbanda seria uma prática de magia negra, com a utilização dos Exus e Pombagiras (Bombogiras) para a realização de feitiços e trabalhos maléficos. Dão a essas entidades o status de criaturas malévolas por excelência, sendo a Kimbanda o culto ou prática onde eles devem se manifestar. O intuito desse artigo é evitar esse entendimento estúpido.
Quero destacar, inicialmente, que a Kimbanda (ou a palavra em português Quimbanda) não tem nada a ver com os demônios da Goécia, com Magia Negra, ou qualquer coisa nesse sentido, nem mesmo o trabalho exclusivo com Exus ou Pombagiras. Esse é um erro crasso! O panteão da Kimbanda possui todos os seres que se manifestam na Umbanda e em outros cultos afro-brasileiros ou afro-ameríndios. Não se agüenta mais ver os “adolescentes revoltadinhos” e “satanistas de carpete” atribuírem à Kimbanda um culto satânico de destruição e morte. Chega dessas idiotices e imbecilidades! Veem-se sites, aos montes, afirmando que Exu Marabô é o demônio Put Satanakia ou que Exu Tranca-Ruas é o demônio Tarchimache. Quanta irresponsabilidade. O pior é que muitos acreditam nisso!!! Apenas como esclarecimento: esses nomes vêm do livro chamado de Grande Grimório, escrito pelo Papa Honorius I ou Honorius III (não se sabe ao certo), fruto da imaginação demoníaca que os católicos medievais tinham a respeito do mundo espiritual, que deveria ser habitado por demônios e seres malévolos.
Alguns ditos “acadêmicos” de Umbanda escrevem muitos disparates a respeito do vocábulo Kimbanda, tal como o “Mestre” Itaoman, influenciado pela Umbanda Esotérica de W.W. da Matta e Silva (diria, eu, Umbanda esquisotérica) que diz, referindo-se a uma pretensa guerra mágica espiritual entre o “bem e o mal”:
Ergueu-se, assim, dos confins do Reino das Sombras, sob o impulso do ódio de uma das partes e da maldade da outra, do sangue derramado pelos dois lados, uma “Corrente Maléfica”, que atraiu os piores Magos Negros de todas as épocas, formando-se a “Kimbanda”, que é o ponto de perversidade das raças martirizadas.[1]
Nós não mais podemos ler tantos absurdos como, por exemplo, o que escreve MAES (1997, 165-166), canalizador de uma bazófia transmissão do espírito Ramatis:
o umbandista é o médium, o cavalo, o mago ou o filho do terreiro que deve praticar unicamente o bem; o quimbandeiro é o médium, o cavalo, o mago ou o filho do terreiro que pratica exclusivamente o mal. O primeiro é o intérprete das origens angélicas, o segundo é o marginal, o feiticeiro o discípulo das fontes diabólicas.[2]
Quanta imbecilidade em tão poucas linhas! Será que isso foi realmente canalizado de um espírito “de luz”, como se apregoa? É claro que não! Isso apenas representa a pequenez mental do pretenso médium, este sim nas trevas da ignorância! O que escreve é a vazão de seus pensamentos tacanhos e sem conhecimento, eivados por uma total ignorância da origem histórica dos cultos afro-brasileiros.
A Kimbanda, assim como todos os demais cultos afro-brasileiros ou afro-ameríndios, tem panteão próprio, bastante semelhante à Umbanda brasileira e que não tem nenhuma ligação com o mal, com anjos caídos e com demônios. Aos idiotas e imbecis que pensam diferente só dou um conselho: vão estudar!!
Esse artigo tem como base a obra “O que é Umbanda”, de Armando Cavalcanti Bandeira (Rio de Janeiro: Ed. Eco, 1970, pág. 31-37), publicado no site Povo de Aruanda http://www.povodearuanda.com.br/?tag=cavalcanti-bandeira&paged=2, utilizando-se, ainda, várias fontes de pesquisa, inclusive de textos escritos em Angola e em outros países.
Análise
Tem havido muita confusão entre os termos umbanda e quimbanda, inclusive nos significados etimológicos.
Há páginas e mais páginas escritas sobre o uso do termo Umbanda. Quer-se acreditar que a primeira vez que foi empregado teria sido na famosa reunião espírita em Niterói - Rio de Janeiro, quando houve a segunda manifestação do Caboclo das Sete Encruzilhadas. Este fato é o mito fundador da Umbanda. No entanto, é inverídico. Conforme exporemos ao longo deste artigo, ver-se-á que a palavra Umbanda já havia sido registrada no Séc. XVII em terras, hoje, Angolanas.
Queremos, de uma vez por todas, dizer que aquilo que as pessoas dizem modernamente ser Kimbanda ou Quimbanda não tem nada a ver com a origem do termo. O uso incorreto da palavra Kimbanda ou Quimbanda é fruto do mar de ignorância histórica que banha nossos Terreiros de cultos afro-brasileiros. A má fama da Kimbanda ou Quimbanda advém de desgraças históricas: a escravidão e a imposição do cristianismo católico em terras Bantu.
No final do Séc. XV Dom João de Portugal enviou uma expedição ao Congo, composta por padres, monges, soldados, camponeses e profissionais liberais com o intuito de formar uma sociedade nos moldes europeus. Esse envio foi em atendimento à requisição do Rei, o Manicongo, que foi batizado como Católico e queria que seu reino fosse como a Europa. O Manicongo enviou seu filho a Roma (Vaticano) para estudar e se tornar Padre. Este, D. Henrique I, foi o primeiro Bispo negro (1521). O Manicongo e seus sucessores obrigaram todos os súditos a se tornarem católicos. No entanto, essa não foi uma opção agradável a eles, sendo que muitos preferiam se manter ligados a sua religião tradicional.
Dessa forma aqueles que praticavam o catolicismo eram homens de Deus e tinham uma religião correta. Aqueles que seguiam a religião tradicional, como a Kimbanda, entre outros cultos tradicionais bantu, foram considerados homens do diabo, pois professavam uma religião primitiva e atrasada, típica do demônio. Esse entendimento chegou até nós através da escravidão. Os navios negreiros traziam os quimbandeiros, ou seja, aqueles que “seguiam o diabo”. Os responsáveis pelo tráfico escravo já humilhavam essas pessoas por se tratarem de “seguidores do demônio”. O batismo católico compulsório, feito antes do embarque nos navios, não livrava os escravos de serem mais humilhados.
Ao chegarem aqui, esses escravos continuaram com sua prática religiosa, mesmo sofrendo todo tipo de perseguição, utilizando-se de vários subterfúgios para isso, como a sincretização de seu panteão com os santos católicos, por exemplo. Aliado a isso houve uma incorporação do valor “ser do demônio” como uma estratégia de proteção, pois ao assumirem serem adeptos da Kimbanda causavam medo nos senhores feudais e em outros negros, que, por receio, muitas das vezes, não os agrediam e lhes davam um status superior.
Além da escravidão e da imposição do catolicismo na África há um outro motivo que nunca poderá ser olvidado: o preconceito, oriundo do racismo, conforme aponta Phaf-Rheinberger & PINTO (orgs., 2008, p. 161-162):
A Umbanda vem de Angola. Neste país o termo significa “medicina tradicional” ou “prática tradicional de cura”. Aquele que é responsável por essa prática médica é chamado de Kimbanda. No Brasil esse conceito angolano foi reinterpretado. Umbanda tornou-se algo como uma religião que promove o contato com o mundo transcendental, através da iniciação do médium. Da mesma forma é usada, por vezes, como sinônimo do conceito brasileiro de magia branca (magia boa, magia de cura). A palavra Kimbanda surge no Brazil com a grafia Quimbanda, mudando-se totalmente seu sentido original. Não se refere mais a uma pessoa, mas a uma força oposta à magia de cura, sendo chamada de magia negra.
Por que isso aconteceu? Reinterpretações possuem um propósito psicológico. Elas satisfazem as necessidades das pessoas que podem ser inconscientes. Estamos assistindo ao que uma sociedade essencialmente racista está fazendo com a terminologia africana. Enquanto a Umbanda com uma prática de cura de fundo religioso é aceita no Brasil, o praticante africano desta arte de cura não é aceito. Assim, a idéia original do termo quimbanda foi despersonalizada. Tornou-se um símbolo das forças do mal, da bruxaria. Os conceitos angolanos originais do termo foram reinterpretados em termos de uma dicotomia bastante racista, sendo o negro sinônimo de demoníaco e o branco de bondoso.[3]
Para BANDEIRA a palavra Kimbanda, oriunda da língua Quimbundo, não pode ser confundida com feiticeiro, pois designa funções diferentes: o curandeiro é o Kimbanda, o feiticeiro é o Muloji. Para afirmar isso vale-se das palavras do Padre Antonio Miranda de Magalhães, que viveu muitos anos em Angola e publicou o livro “Alma Negra”, editado em Lisboa, em 1936, no qual afirma que o mezinheiro, preparador de ervas, não deve ser confundido com o feiticeiro[4]. Ilustra isso com uma expressão, em quimbundo, que define muito bem a diversidade funcional entre os dois: O KIMBAND ‘EKI KI MULOJI É (Este curandeiro não é feiticeiro); e outra frase: NGEJIAMI UMBANDA (Conheci a arte de curar)
BANDEIRA nos lembra que em 1894 Heli de Chatelain, em seu livro Folktales of Angola, registrava o termo Umbanda e Kimbanda e mostrava a sua derivação gramatical e significado, como é encontrado em qualquer dicionário Kimbundo ou Quimbundo (como é grafado em português), assim, nada há de mais claro e positivo. Isso, é claro, vai de encontro aos inúmeros livros umbandistas que afirmam que o termo foi utilizado pela primeira vez no Brasil, quando do evento conhecido como a segunda manifestação do Caboclo das Sete Encruzilhadas. Ora, sabe-se que quando do início da Umbanda havia uma luta para dar um nome adequando àquele movimento. Primeiramente se pensava em usar o termo Embanda (Imbanda, plural de Kimbanda, que será explicado ao longo deste artigo), porém não soava bem. A opção foi o uso do termo já grafado (desde o séc. XVII) e conhecido entre os descendentes angolanos, ou seja, o termo Umbanda.
Etimologicamente o substantivo KIMBANDA (que significa, em Angola: curandeiro, médico ocultista), sendo que ao se substituir o prefixo KI por U, forma-se um nome abstrato, o qual designa arte ou ofício. UMBANDA, então, é a arte de curar, ofício de ocultista.
BANDEIRA afirma, em síntese:
UMBANDA: Termo da língua quimbundo, comum a várias tribos e línguas africanas especialmente entre os Umbundos e, segundo o etnólogo Carlos Estermann (1960) é bastante usado entre os Nhaneka-Umbi e igualmente conhecido pelos Cunhamas, embora nestes com menos freqüência em seus cultos; entretanto não se restringe a Angola, pois, é encontrado na Guiné nos cânticos de invocação espiritual. Abrange alguns significados semelhantes: arte de curar, magia, segundo o Padre Domingos V. Balão[5] e J. Cordeiro da Mata[6].
(…) bruxaria, magia, arte ou magia de encantar[7].
(…) ciência médica ou ciências médicas; originando-se de KIMBANDA, médico[8].
(….) arte de curar originando-se do verbo KUBANDA, subir de onde deriva o vocábulo KIMBANDA, curandeiro, do qual resulta o substantivo UMBANDA[9].
BATSTONE (1997, p. 108) define a palavra Umbanda:
A palavra Umbanda vem originalmente da língua Kimbundo (uma das línguas falada em Angola) sendo usada para descrever objetos religiosos e o líder religioso, também chamado de Kimbanda. No Brasil a palavra Umbanda foi aplicada, a partir dos anos 1930 (gn), para designar um novo sistema religioso de grande apelo para a classe média, que sintetizou elementos nativos brasileiros, bem como elementos africanos e europeus. Da cultura indígena se apropriou do herbalismo e da imagem heróica do Caboclo; dos africanos se apropriou de elementos rituais do Candomblé, da Europa absorveu o catolicismo popular e o espiritismo de Allan Kardec (Kloppenburg, 196; Birman, 1983)[10].
O etnólogo e historiador Oscar Ribas, define a Umbanda como ciência de Quimbanda, referindo-se sobre a origem quanto ao termo KUBANDA. BANDEIRA supõe que se trata do verbo “subir”, pois o espírito segundo a concepção bantu, vem de baixo (da terra) para cima, e não de cima para baixo, como os espíritas acreditam.[11]
BANDEIRA cita a etnologista Ana de Sousa Santos, do Instituto de Investigação Científica de Angola, que faz um estudo detalhado sobre o vocábulo Kimbanda (1960):
Se na combinação de regras gramaticais se pode aceitar o modo como se articula o prefixo e radical de “Kubanda” para resultar “KIMBANDA” , e a relação desses vocábulos com “umbanda” tal como apresenta Cavalcante Bandeira, de acordo com o que preceitua José L. Quintão , a verdade é que em razão funcional e etimológica do termo “Kubanda” tal ligação deve ser rejeitada. Por isso, diz muito bem o autor: “Não podemos entender a modificação de sentido por falta de relação direta ou indireta da palavra “banda” que hoje na concepção usada não tem qualquer relação com o Quimbanda. De fato, o termo “kimbanda” (quimbanda), a nosso ver não derivou de “Kubanda”, subir, galgar, mas certamente de “kubanda” (note-se que há variações e pronúncia) consertar, remendar. Ora, visto uma das funções do curandeiro ser exatamente a de consertar os males físicos dos mortais, é muito natural que dali proviessse sua origem, ou então de “Kubanda”, sinônimo de prescrever, visto que receita, aconselha, prescreve, etc (…) mas há mais.também ao verbo “kubanda” é atribuído o significado de desvendar. Outorgando-se à missão do “kimbanda” cuidar do mistério das enfermidades psíquicas que, como se sabe, para isso, esse agente recorre às cerimônias de adivinhação, assim se estabelece mais uma relação entre “Kubanda” e “Kimbanda”. Quanto à “kubanda” (ou banda) com o significado de subir, só aparece em toda a atividade de “kimbanda” e em práticas religiosas ou mágicas religiosas, pelo menos dentro do que temos conhecimento durante as sessões dos “ilundu” (espíritos), quando o médium começa a entrar em transe, mas só no sentido de incitamento e aplauso. Com respeito ao vocábulo “umbanda”, se ele não pode servir para rotular um culto africano, como muito bem salienta Cavalvanti Bandeira, pode-se admitir que entre os bantos ele seja como que uma convergência de elementos culturais religiosos. Em Luanda, tem a “umbanda” ainda hoje uma feição característica apreciável como expressão de um processo ritualista orientado por uma entidade – a mãe de umbanda – (Many ia umbanda)- ou pai de umbanda (Pai ia umbanda), conforme for o sexo feminino ou masculino . Modernamente há nesta sociedade quem traduza essa expressão por madrinha ou padrinho.[12]
Assim, o Kimbanda é um médico, que utiliza a Umbanda, ciência(s) médica(s). No Candomblé de tradição bantu, ou conhecido como Candomblé Angola, Kimbanda é o nome do Rito praticado, sendo o Sacerdote chamado de Táta Kimbanda (Pai de Quimbanda), assim como é chamado, também, no culto de Kimbanda, o Sacerdote.
JAMES e BROADHEAD na obra Historical dictionary of Angola (2004, p. 79) dão o seguinte significado à palavra Kimbanda: Adivinho que herdou ou adquiriu as habilidades necessárias para se comunicar com o mundo espiritual. (...) O Kimbanda pode manter contato com os espíritos dos antepassados para saber se eles foram ofendidos por alguém e, em caso afirmativo, como resolver a questão.[13]
O escritor, músico e compositor Nei Lopes, em seu famoso "Novo Dicionário banto do Brasil" (p. 187), dá para o vocábulo Quimbanda um dos seguintes significados: Sacerdote de cultos de origem banta. Do quimbundo kimbanda, sacerdote e médico ritual correspondente ao quicongo nganga. O termo se distingue de outro como o quimbundo muloji e o quicongo ndoki, que designam o feiticeiro, agente de práticas que objetivam malefícios[14].
Para RIBAS (1989, pág. 29) o Kimbanda desempenha as funções de adivinho e de médico, ambas necessárias para a cura de doenças. Cita outros agentes religiosos angolanos tais como muloji (feiticeiro), o kilamba (ministro do culto de espíritos ctónicos designados por yanda[15][14]), ou múkua-mbamba (homem-do-chicote que persegue os feiticeiros). Os dois primeiros agentes, o kimbanda e o mulôji, distinguem-se na sua prática e ciência, respectivamente umbanda, como arte de curar e uanga, como feitiço, malefício[16].
O adivinho que promove a ligação entre vivos e mortos pode acumular o papel do Kimbanda, o que detém poderes para curar doenças do corpo ou da alma, mediante rituais de invocação dos espíritos dos antepassados, oferendas e “limpeza” dos elementos atingidos pelo malefício.
TENGUNA (2008, p. 156) diz que
os sacerdotes encarregados de chamar os espíritos do passado, do funeral do rei e da investidura de um novo rei, dos rituais de iniciação na idade adulta das moças e rapazes eram chamados de kimbandas, pessoas de ambos os sexos, especialmente preparados para exercer essas funções e era entre eles que se encontravam os “artistas”: os contadores de histórias, os músicos, os dançarinos e os artistas plásticos, os escultores e os pintores de estatuetas e das máscaras. Chamavam os espíritos benéficos e tinham, evidentemente, competência de curar doenças e resolver conflitos sociais. Faziam-no frequentemente por adivinhação, ou seja, consultando os espíritos. (...)
Também havia espíritos do mal. Estes não eram chamados pelo Kimbanda e sim pelo Muloji (o feiticeiro ou bruxo) e eram pagos para causar desgraças a alguém.[17]
O etnólogo Arthur Ramos (1934) em seu livro "O Negro brasileiro" nos informa: Em Angola o kimbanda kia diahamba, aquele que evoca os espíritos, se distingue do kimbanda kia kusaa, o curandeiro. No Brasil o mesmo Embanda (Imbanda) cumpre as duas funções.
Em Angola a palavra Imbanda[18] é o plural de Kimbanda. Mbanda (Umbanda) é a arte de curar desenvolvida e praticada pelos Imbanda[19] bantu, passada por tradição oral de geração em geração com bastante zelo. Esta arte ainda é praticada em toda Angola como parte do sistema religioso tradicional. Muitas gerações angolanas foram salvas de pestes, epidemias, doenças incuráveis, doenças espirituais e emocionais, através desta arte milenar de curar. Desde tempos mais remotos Angola foi sempre terra de muitas artes curativas, praticadas pelos Imbanda, também conhecidos como Otyimbanda (curandeiros).
O Kimbanda também lança mão de métodos de adivinhação (ngmbo ya cisuka) e vatícinio, sendo os mais conhecidos o transe, o muxacato, jimbamba (búzios), o trabalho com os Inkice (divindades semelhantes aos Orixás), etc. Através desses vários métodos o kimbanda desvenda as origens das doenças, indica às pessoas as causas ambientais, espirituais ou mágicas das doenças e as aconselha com receitas da mesma ordem, não deixando, nunca, de recorrer à farmácia da natureza. Faz, também, o diagnostico tradicional e já utilizava, no passado, antes da colonização, p.ex., o cordão umbilical para tratar doenças da infância. A zooterapia foi também muito usada, para tratar doenças mentais. A massagem tradicional angolana foi e ainda é muito usada pelos Imbanda.
Na província do Bengo, estão situados os dois principais centros de devoções de Angola, onde o sincretismo entre as tradições angolanas e católicas, andam de mãos dadas, como também se observa nos diversos rincões brasileiros. Os rios Bengo, Kwanza, Ndanji, Lagoa da Ibendua e outros cursos de água, fazem parte do grande misticismo do Bengo, pela crença popular na kianda (singular de yanda), a divindade feminina da mitologia Bantu, que habita as aguas. Observamos que rituais da Sagrada Tradição angolana são realizados, desde os tempos mais remotos, nos rios e lagoas mencionados. Artes curativas tradicionais são mais uma evidência do misticismo do Bengo. Umbanda é uma das artes de curar desenvolvida e praticada pelos povos bantu, e continuada pelos seus descendentes, os angolanos.
Energúmenos, que desconhecem tudo aquilo que escrevemos anteriormente, falam as piores sandices que se podem imaginar, citando, por exemplo, a chamada “kimbanda malei”, sendo esta oriunda da “má lei” para alguns idiotas ou do termo malé (do yorùbá Ìmàle), que designa o seguidor da religião islâmica, dizendo que a Kimbanda seria a reunião das práticas dos feiticeiros muçulmanos.Será que essas pessoas realmente tem alguma ligação com o mundo espiritual? Parece-nos que não, pois se os tivessem, de verdade, saberiam que estão erradas, pelo simples fatos de que seus "guias espirituais" os corregiriam.
Um “autor” de historinhas para boi dormir, escreveu o seguinte: “Malei é uma palavra que realmente deriva do povo Malê – portanto encontramos uma forte presença de magia árabe/sufi e Marabô realmente é o chefe dessa linha, por causa de sua conexão com os feiticeiros muçulmanos do norte da África Ocidental, chamados de Marabos”. É difícil de entendermos como alguém pode se dizer kimbandeiro e escrever essa idiotice. Vamos esclarecer alguns fatos:
Malei vem do Orixá Mallet que Zélio Fernandino de Moraes, o precursor da Umbanda, incorporava, e que se dizia ser um “tipo de Ogum” e protegia Zélio. Malê não era um povo, mas era como os negros não muçulmanos chamavam os negros muçulmanos, conforme citei anteriormente. O Exu Marabô, ao qual o “autor” se refere, cujo nome não tem nenhuma ligação com o termo Marabout, do árabe Murabit (aquele que guarnece, em alusão aos guardiões das fortalezas muçulmanas), pois os Marabout são professores do Alcorão, conselheiros políticos e religiosos, alguns praticam a magia tradicional africana, sendo que na linguagem berbere é sinônimo de santo e de pessoa pia, enquanto que o nome Marabô, dado ao Exu, vem do Orìkí Barabo, que podemos traduzir, como o Rei do Corpo e da Floresta Sagrada - Oba Ara Igbó, o qual encontramos, por exemplo, em uma das cantigas, feita em língua Yorùbá (portanto não tem nada a ver com a língua Kimbundu), na tradição do Candomblé, em homenagem ao Òrìsà Èsù, :
A jí ki Barabo e mo jùbá, àwa kò sé
A jí ki Barabo e mo jùbá, e omodé ko èkó ki
Barabo e mo juba Elégbára Èsù l’ò
Acordamos e cumprimentamos Barabo, que vós não nos façais mal
Acordamos e cumprimentamos Barabo, a criança aprende na escola
Apresento meus respeitos a Barabo, o Senhor da Força, Èsù dos caminhos.
Portanto, vê-se, claramente que Barabo é um Oriki, uma louvação, a Èsù, que pela sua derivação lingüística acabou se tornando Marabô.
Conclusão
As práticas dos Imbanda, provenientes de crendices ou não, são artes que existem realmente e as terapêuticas tradicionais dão e sempre deram muito bom resultado. Sem terem apoio da ciência moderna, ou da medicina ocidental, os Kimbandas (Imbanda), prestam um serviço à comunidade, sendo capazes de diagnosticar, prevenir, tratar e curar as doenças próprias da época, hereditárias ou não. Com os seus conhecimentos e experiência em terapêuticas obtidas a partir dos seus conhecimentos da natureza e dos recursos naturais agrícolas, florestais, hídricos, e minerais os kimbanda asseguraram, no passado, a saúde pública em Angola. Presentemente, apesar de continuarem com as suas práticas de medicina tradicional, são mais procurados pelas suas capacidades como xamâs.
Desde a antiguidade, Angola foi sempre terra de muitas artes curativas, praticadas pelos imbanda, também conhecidos como quimbandas e curandeiros. Homens e mulheres, verdadeiros artesãos da cura, abençoados por Nzambi (Deus) com o dom de curar, conhecedores e bastante experientes em terapias sobrenaturais e naturais. Os grandes mestres Kimbanda, da “região dos Ambundu”, eram e são da província do Bengo, nomeadamente do Dande. Eles asseguraram, durante muitos séculos, a saúde publica em todas as tribos de Angola, sem necessitar de fundos internacionais ou apoios de governo e/ou OMS. Para promover e salvar esse grande carisma de curar, oferecido por Nzambi (Deus) aos angolanos, está-se, hoje, a organizar na diáspora, a revista M’banda, de medicina natural angolana, onde as terapêuticas, são organizadas a partir de recursos naturais, agrícolas, florestais, marinhos, hídricos, e minerais de Angola. No passado, famílias portuguesas, aderiam a esta arte, para resolver situações que a medicina não conseguia debelar. A terapêutica tradicional angolana comporta duas partes distintas: parte sobrenatural e a parte farmacológica.
O Kimbanda, aquele que está apto a oferecer a cura física e espiritual das pessoas, sempre trabalhou a fim de restaurar a ordem moral da comunidade em que estava inserido. O universo moral bantu, oferecido pelas artes do Kimbanda, foi explicitamente usado como um escudo psicológico, que deu à população grande nível de auto-confiança e lhes permitiu enfrentar a dominação e exploração levada à cabo pela colonização portuguesa. Era o que lhes dava alento para continuarem a sobreviver.
Durante a cruenta guerra civil em Angola, acontecida após a independência desse país, os Imbanda tiveram papel proponderante, pois eram eles que ofereciam auxílio psicológico às vítimas da guerra (vítimas de estupro, soldados em crise, órfãos, viúvas etc). Como é possível uma arte tão bela e maravilhosa ter recebido a pecha, em nossa pátria, de coisa do mal, do demônio, da ignorância? Ora, poupem-me!!!!
A diferenciação que muito se faz entre Umbanda e Quimbanda, infelizmente, se dá pelo projeto iniciado nos anos 1940 de embranquecimento da Umbanda, fruto do racismo e do eurocentrismo que grassava na classe média daquela época. O 1º Congresso de Espiritismo de Umbanda foi o carro-chefe desse entendimento, quando se concluiu que era necessário tirar da Umbanda “as práticas primitivas dos negros africanos”. Desse forma, a Quimbanda seria o contraponto da Umbanda, esta dos brancos e evoluídos, aquela dos negros e atrasados. Uma dicotomia que se observa na sociedade em geral. Não podemos mais admitir isso! É chegada a hora de haver seriedade naquilo que se faz e pratica.
Para encerrar quero dizer que o simples fato de inúmeros idiotas e imbecis, que se auto-intitulam “Pais de Santo” ou “Mães de Santo”, dizerem que praticam a Quimbanda, que trabalham com Exus e Pombagiras, que são aptos a fazer malefícios, feitiços e amarrações, prometendo trazer “a pessoa amada em sete dias ou seu dinheiro de volta”, não faz com que a Quimbanda se resuma ao que falam. São um bando de safados e sem-vergonha, que exploram as crendices dos incautos. Mais uma vez, poupem-me!!!
Mario Filho

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