UMA
ANÁLISE DO POEMA “SAUDAÇÃO A PALMARES”
Introdução
Este trabalho é parte de uma pesquisa
feita no curso de Letras da Universidade Estadual de Londrina sob a orientação
do professor Marcio Renato Pinheiro da Silva. Neste trabalho, será feita a
análise de um poema romântico de acordo com os estratos gráfico, fônico,
lexical, sintático e semântico. Optou-se pela escolha do poeta condor Castro
Alves.
O poeta dos escravos, como ficou
cognominado, se diferenciou dos demais escritores românticos de sua época, pois
suas obras não foram marcadas pelo egotismo, mas sim pela poesia de caráter
social, em que se comprometia com um mundo mais justo, sendo assim, considerado
um porta-voz da causa abolicionista. O poema selecionado foi “Saudação a
Palmares” que retrata a vida no quilombo.
Análise
Ao analisar um poema consideram-se
cinco estratos. São eles: estrato gráfico, fônico, lexical, sintático e
semântico.
Estrato
Gráfico
Em uma análise de poema, a primeira
observação é quanto à sua configuração gráfica. O título é o que analisamos de
imediato, pois engloba espacialmente as demais partes do poema. Pode-se dizer que a
intenção do título é chamar a atenção do leitor. Está relacionado ao conteúdo
sugerido pelo poema. “Saudação a Palmares” remete ao maior quilombo que existiu
no Brasil. Através do léxico “saudação”, é expressado
uma exaltação à liberdade almejada pelos escravos. É um poema solidário à memória do famoso Quilombo dos
Palmares - símbolo da resistência
escrava - localizado em Alagoas e destruído em 1695. O poeta ressalta a coragem
dos quilombolas, entre outras qualidades, quando estes enfrentavam os capitães
do mato.
Nesse estrato, é preciso observar
ainda, a divisão estrófica. São sete estrofes compostas por oito versos cada. Ao
longo do poema aparecem travessões que quebram a estrutura linear do discurso e
indicam sobreposição de idéias e sentimentos, sugerindo um livre fluxo da
consciência. Temos um exemplo no terceiro verso da sétima estrofe “– Aos urros da
cachoeira –“, através deste travessão ocorre a quebra da idéia expressada nos
versos antecedentes e, ao mesmo tempo, enfatiza o caráter guerreiro da busca
pela liberdade (urros). A natureza (cachoeira) representa o cenário da luta pela
liberdade.
É recorrente também a utilização das
reticências. Estas, por sua vez, sugerem uma continuidade da idéia já expressa,
cabendo ao leitor finalizar essa idéia conforme seu entendimento no decorrer do
poema. Como nos exemplos transcritos dos últimos versos da última estrofe
“Ninho, onde em sono atrevido, / Dorme o condor... e o bandido!... / A
liberdade... e o jaguar!”. Neste trecho o autor fala que dorme o condor, que
nesse caso é uma metáfora do eu-lírico, comum à obra
de Castro Alves, e com o uso das reticências, deixa implícito
a conseqüência desse ato – fazer a crítica através do poema não elimina e
nem ameniza o sofrimentos dos escravos. Já no que se refere ao bandido (senhores
de escravos), a exclamação seguida de reticências indicam uma indignação maior,
uma vez que estes são os que provocam a exploração. Na última estrofe, as
reticências representam a resistência ao regime escravocrata e a idealização da
conquista da liberdade através da fuga para o quilombo.
Vale
ressaltar aqui também, a ocorrência das aspas uma única vez no verso quinto da
quarta estrofe “Descei de cada horizonte... / Senhores! Eis-me de fronte!”. Nesse caso, as aspas indicam o
distanciamento do eu-lírico que o utiliza uma outra
voz para transmitir sua mensagem, ou seja, é a inserção do discurso direto.
Assim, dá uma maior veracidade à representação intencionada (ressaltar a coragem
dos quilombolas).
Estrato
Fônico
O estudo da versificação consiste na
observação do ritmo da repetição e das figuras de som
(rimas).
Cada estrofe contém oito versos e
estes, porém, são divididos aleatoriamente em redondilha maior e em versos octassílabos. A rima é emparelhada (aaa – ccc) e interpolada (b...b) em
todas estrofes. As rimas são, em sua maioria, graves; com algumas exceções, em
que são esdrúxulas.
Estrato
Lexical
Neste estrato é necessária a
verificação de metaplasmos e de escolhas lexicais. No primeiro caso, encontramos
a apócope (eliminação de um elemento no final da palavra) que pode ser vista no
segundo verso da primeira estrofe “Ninho d´águias atrevido”. No quarto verso da
quarta estrofe e no quarto verso da sexta estrofe, há a síncope (eliminação de
um elemento no interior da palavra) “E olhaste rindo p´ra o val” e “Guardaste p´ra um nobre amor”; em ambos os exemplos
há a eliminação da vogal a.
Na escolha lexical há o predomínio dos
adjetivos, que enfatiza sua descrição. O autor optou por um vocabulário
rebuscado, obtendo assim uma linguagem retórica e um estilo muito
elevado.
Estrato
Sintático
Aqui, ocorrem certos desvios no que se
refere à forma da frase, visando às relações sintagmáticas entre palavras.
Repete, ao longo do poema, a exclamação “Salve!” como forma de exaltar sua
admiração pelo país, mas também explicita seu desejo de mudança.
Observa-se a digressão, expressada
graficamente por travessões, como já foi citado no estrato gráfico. Ocorre o
polissíndeto (uso de sinais de coordenação) dando uma continuidade nas idéias,
como no exemplo da segunda estrofe “E
ao longe os latidos soam... / E as
trompas da caça atroam... / E os
corvos negros revoam...”.
Algumas vezes, aparece a elipse que
consiste na omissão do sujeito, do artigo, do verbo ou objeto: “Nos altos cerros
erguido / Ninho d´águias atrevido”. Neste trecho ocorre a omissão do verbo ter ou
haver, ficando subentendido e, por fim, conferindo rapidez e concisão
ao discurso. A reticência que foi exemplificada anteriormente no estrato
gráfico, caracteriza-se também como uma figura de estilo referente à incompletude da frase pela omissão voluntária de algo que se
poderia ou deveria dizer.
Uma das figuras de estilo mais
abundante no decorrer do poema é o hipérbato, definido como inversão da posição
natural dos sintagmas na frase chamando a atenção para o texto e criando um
efeito de estranhamento que denuncia a função poética da linguagem, por exemplo “Verdes serras onde os palmares / - como indianos
cocares - / No azul dos colúmbios ares / Desfraldam-se
em mole arfar”. Na ordem direta ficaria “ Verdes serras
onde os palmares / - como indianos cocares - / Desfraldam-se em mole arfar / No
azul dos colúmbios ares”.
A apóstrofe é muito recorrente,
geralmente acompanhada pela exclamação, é uma interpelação direta que expressa
uma emoção viva e profunda, ao mesmo tempo que amplia e
enfatiza o significado dos conceitos.
Estrato
Semântico
Sem dúvida, o nível mais importante da
análise poemática é o semântico. Tem a finalidade de
captar a significação ou as possíveis significações.
O poema inicia apresentando o Quilombo
dos Palmares por meio de saudações. Em
seguida retrata a vida dentro dos quilombos, mostrando a apreensão em que eles
viviam enquanto sentiam a presença constante da ameaça. Ao mesmo tempo
reverenciam o lugar através de uma linguagem figurada. Estas,
indicam que a criação do quilombo foi uma alternativa para a escravidão.
O quilombo garantia uma segurança, atribuindo aos escravos sentimentos de força,
poder e coragem que o permitiam sentirem-se superiores aos senhores enquanto
estavam na região dos quilombos. O texto combate o
mito da passividade e da submissão do escravo frente ao senhor
branco.
Após
isso, o eu-lírico descreve a beleza da mulher negra.
Há a exaltação de sua coragem e faz uma referência à
deusa Diana, deusa da caça da mitologia Romana onde ele saúda sua força e sua
qualidade de caçadora protegendo o Palmares dos caçadores.
De modo geral, essa poesia social é
uma forma de expressar as mudanças político-sociais da época. Faz isso adotando
imagens grandiosas através da hipérbole e das metáforas. Assim, percebe-se a
referência ao quilombo como uma grande conquista dos escravos e evidencia um
soberbo elogio à revolta negra uma vez que ressalta os atributos positivos
presente nos africanos revoltos.
Dessa forma, Castro Alves concebe a
poesia como sendo, também, um engajamento social, sendo, aí, o poeta uma espécie
de porta-voz dos anseios coletivos daí, o tom grandiloqüente de sua poesia de
caráter social. Por fim, convém ressaltar que isso trata-se de algo comum ao Romantismo, a uma época em que a
cisão entre consciência individual e consciência coletiva (cisão, esta, advinda
da estruturação mais complexa e segmentada de uma sociedade de classes), embora
o houvesse, era, ainda, algo discreta.
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