quarta-feira, 31 de julho de 2013

A lei federal 10 639/03 Entrevistando Professores.

 
 

Ação docente e promoção de justiça e  igualdade na escola

 



Um dos aspectos da educação brasileira contemporânea é a implementação de políticas públicas com finalidade de promover justiça e igualdade, numa escola pública de qualidade acessível às populações historicamente alijadas de seu direito à educação. Evidenciamos a perspectiva anti-racista da Lei no. 10639/03, que trouxe obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Afro-Brasileiras. Porém, para que uma formação escolar com perspectivas de combate ao racismo seja implementada, é fundamental discutir condições de preparação e atuação dos professores: consideramos a docência aspecto central para a promoção de condições não discriminatórias na escola. Entrevistamos docentes de escolas públicas e privadas com o objetivo de conhecer o alcance das medidas legais e as condições de sua implementação. Os resultados mostram que ainda é necessário investimento na formação docente de modo a proporcionar conhecimento da Lei no. 10 639, embora os professores afirmem sua importância. Quanto às condições para a realização de práticas pedagógicas que combatam ao racismo nas escolas públicas e privadas, observou-se que já existe uma variedade de materiais didáticos à disposição. É possível concluir que a Lei 10 639, enquanto política de combate ao racismo na escola, tem gerado avanços nas práticas pedagógicas para uma formação de uma sociedade brasileira mais justa.
 
A Educação, as escolas e as práticas pedagógicas têm se transformado historicamente. Diferentes momentos históricos são caracterizados por elementos sociais, políticos, econômicos e culturais que lhe são próprios e, inexoravelmente, influenciam os projetos formativos e educativos em desenvolvimento. Analisar as práticas pedagógicas em seu movimento social mais amplo e na internalidade das instituições escolares requer que caracterizemos duas dimensões fundantes: a política e a técnica. A dimensão técnica está relacionada às variáveis metodológicas que estão em ação nas propostas educativas escolares, em formas de intervenção que se dão com base em modelos teóricos. Por sua vez, no plano político situamos as questões do contexto educacional em que se desenvolve a prática em sua dimensão técnica. Considerar tais dimensões não significa, contudo, dissociá-las. As práticas pedagógicas precisam ser compreendidas em sua natureza técnica e política, sem o que o entendimento das funções educativas sociais fica incompleto.
As possibilidades de transformação na educação contemporânea implicam discutir modelos teóricos e condicionantes sócio-político-culturais dos contextos educativos e das práticas pedagógicas. Na complexidade do cenário mundial, a ação institucional da escola busca estar em consonância com as propostas que objetivam a construção de melhores condições de vida humana para todos os sujeitos. Embora em pleno século XXI, quando muitas nações já equacionaram a questão da universalização da educação básica de qualidade, o Brasil ainda é cenário de profundas desigualdades quanto ao acesso e permanência de alguns extratos da população na escola. Eis porque a exclusão dos negros tem sido objeto freqüente de atenção da pesquisa educacional. Processos de exclusão foram produzidos ao longo de nossa história, sendo a questão étnico-racial uma das complexas e polêmicas problemáticas em evidência. Argumentos diversos e muitas vezes opostos têm nutrido a discussão, contrapondo elementos para um debate em torno dos quadros de (in)justiça e (des)igualdade característicos de nosso país. A denúncia sobre a ausência de crianças, adolescentes e jovens (e mesmo adultos) negros e de outros grupamentos étnicos na Educação Básica como na Superior pôs em evidência um conjunto de reivindicações
  
conhecidas como
ações afirmativas. E cabe à escola  e, dentro dela, sobretudo aos professores um papel formativo no combate ao racismo e à discriminação que perpassam os ambientes escolares.
As ações afirmativas significam uma gama de políticas públicas e privadas instituídas por vias voluntárias, facultativas ou mesmo compulsórias, que objetivam mudanças de cunho sócio-cultural mais amplas, no cenário da sociedade e com ênfase nas possibilidades de transformação por meio das instituições educativas. No âmbito da educação nacional, o Ministério de Educação e Cultura (MEC), através da recentemente criada Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD) e de uma diretoria específica, a do Departamento de Educação para a Diversidade e Cidadania, objetivam planejar, orientar e acompanhar a formulação e a implementação de políticas educacionais, tendo em vista as diversidades de grupos étnico-raciais como as comunidades indígenas e as populações afrodescendentes. Nesse contexto, a escolarização como estratégia pra a formação de uma sociedade mais justa, igualitária e não-discriminatória é um dos focos, bem como questões relacionadas ao anti-racismo no Brasil de forma mais ampla.
Uma das medidas efetivas para o combate à discriminação nas escolas brasileiras diz respeito à implementação da Lei no. 10 639/03. Tal lei, sancionada em 9 de janeiro de 2003, tornou obrigatório, nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais (públicos) e particulares, o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileiras, contemplando o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, valorizando a participação do povo negro nas áreas social, política e econômica. Em parte de seu texto, acrescenta à nossa Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional .

 
 
 
Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.
O preconizado pela legislação educacional diz respeito, então, entre outras questões didático-pedagógicas, à natureza do currículo nas escolas. Sabemos que como elemento histórico que se realizada em um conjunto de condições sociais, políticas e culturais, o currículo pode vir a ser utilizado com finalidades formativas que atendam a orientações de cunho parcial, com uma intencionalidade comprometida.  as propostas educativas podem levar em conta três aspectos do currículo: formais, reais e ocultos. Assim, as intenções educativas e formativas se apóiam, concomitantemente: no currículo formal constituído por programas, grades curriculares e normas, no currículo real que se relaciona com a vivência dos sujeitos institucionais e ainda num currículo oculto, que expressa características das instituições, suas representações e crenças, bem como seu modo informal de engendrar o saber escolar. Por sua vez, Apple (1994) evidencia que o estudo do currículo envolve aspectos da realidade vivida, angústias e temores dos contextos escolares. Assim, admite que as teorias, diretrizes e práticas envolvidas na educação refletem os acontecimentos do cotidiano escolar, superando uma racionalidade formal ou técnica. Atendendo às necessidades de orientação de natureza curricular, o Conselho Nacional de Educação homologou, em 2004, o projeto de resolução que "Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana". Assim, o campo curricular constituiu-se em uma porta de entrada fundamental para que a proposição legal que a política educacional preconizada pela Lei 10 639/03 se efetivasse. E também, por isso, considerando os professores como importantes agentes articuladores da questão curricular nas instituições, acabou-se delegando a esses profissionais um papel estratégico.
 
 
 
DENISE BASTOS Na busca de atingir tais objetivos, mobilizações e discussões foram empreendidas. O MEC promoveu Fóruns Estaduais de Educação e Diversidade Étnico-Racial. Paralelamente, se incentivou a produção de material de estudo e pesquisa para os educadores brasileiros, atentando para a dinâmica das relações raciais em nosso país. A formulação e a implementação de políticas de inclusão social é uma das metas.
No âmbito das escolas, o novo cenário configurado solicitou transformações nas práticas pedagógicas, de modo que os pressupostos éticos e conteúdos inerentes à Lei 10 639/03 efetivamente atingissem as salas de aula e gerassem um efeito formador promotor de uma nova condição humana e cidadã.

 
obre a metodologia da pesquisa
Nesta pesquisa, a discussão sobre a atividade docente diante das determinações legais trazidas pela Lei Federal 10 639/03 foi embasada em pesquisa bibliográfica e na realização de entrevistas com 4 professores de Anos Iniciais do Ensino Fundamental que trabalham em instituições localizadas na cidade de  cabo frio rj. Quanto ao perfil dos docentes entrevistados, temos o professora , 32 anos, do sexo feminino, graduada em Artes e  
História e atua há 17 anos; professor , 35 anos, do sexo masculino, com graduação em História, com 15 anos de experiência; professor , 35 anos, sexo feminino, cursou Magistério (nível médio), graduações de História e Filosofia e trabalha como docente há 17 anos; professora , 47 anos, sexo feminino, graduada em Pedagogia e História e trabalha como professora há 30 anos. Os professores A e B atuam em escolas públicas, enquanto C e D trabalham em escolas privadas. Entre os depoentes, a professora A é negra, o que deve ser levado em conta, já que a construção da identidade da mesma influencia na sua atuação e também no tratamento dos preconceitos no cotidiano escolar
Os professores foram entrevistados nas escolas onde atuam. O roteiro das entrevistas constava das seguintes questões dados do perfil; conhecimento da Lei 10 639/03 e sua visão a respeito formação específica para a docência considerando a implementação da Lei materiais didáticos disponíveis para a atuação do professor; práticas pedagógicas antiracistas.

 
 

docência
anos anos iniciais do ensino fundamental e a implementação da lei 10 639/03 limites e possibilidades
 
A opção pelas entrevistas como estratégia metodológica teve o objetivo de identificar os mecanismos políticos, sociais, econômicos e culturais associados à exclusão das crianças negras nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental com base na análise do discurso dos professores sobre seu conhecimento e suas práticas diante do atendimento à proposta curricular preconizada pela Lei 10 639/03. Nesse sentido, identificando, de acordo com a ótica docente, quais as possibilidades de atuação anti-racista nas salas de aula da escola contemporânea.


 

Oconhecimento docente sobre aLei 10 639/03
Quando questionados sobre a existência da Lei 10 639/03, apenas o professor A confirmou o seu conhecimento a respeito. Os demais professores revelaram que precisavam de esclarecimentos sobre a questão. Acreditamos que isso exemplifica o quadro geral da educação brasileira quanto à penetração da lei nas instituições escolares e à preparação docente para cumpri-la. Embora decorridos aproximadamente 6 anos desde que a medida legal foi sancionada, ainda há um longo caminho a percorrer no sentido de que as determinações da Lei 10 639/03 sejam incorporadas ao cotidiano escolar, integrando o currículo efetivamente.
 Vem a pergunta: Como implementar práticas anti-racistas se sequer os professores conhecem a legislação a respeito? Vislumbramos que quando essa nova perspectiva de educação anti-racista é incorporada à formação do professor, os resultados começam a aparecer. Na fala do professor A: "Extremamente importante, a partir da lei o processo de mudança da forma como o negro é representado. Conseguimos ver e discutir diferentes questões, antes não abordadas"Obviamente, a questão é bastante complexa e não
 

Cabe aqui lembrar que a sanção da Lei, bem como de outras medidas de ação afirmativa, são frutos históricos de muitas lutas dos movimentos sociais com ênfase na discussão e transformação das condições de vida de populações negras, indígenas – entre outras. Este aspecto não é o foco de nosso trabalho, mas defendemos a importância de recordá-lo. As transformações no cenário da educação são apenas uma  
das interfaces importantes na luta por condições de justiça e igualdade no Brasil.
 
será resolvida apenas por iniciativas de formação de professores restritas a uma visão de racionalidade técnica e instrumental, que pense a preparação docente com base na abordagem de

conteúdos relacionados à condição das populações vitimadas por exclusão e injustiça social, mas sem solicitar o necessário engajamento ético e político que, mais tarde, será vivido na escola.
"Observo a lei 10639/96 como um divisor de águas, antes dela pouco se sabia sobre a história dos negros e afrodescendentes, hoje com certeza não exploramos tudo sobre o assunto, mas já é um começo, a lei foi e é necessária". Indo ao encontro do argumento supracitado, esta fala mostra que pode se sustentar um discurso político sobre a questão racial na escola, mas isso não implica uma ação e comprometimento reais do professor no atendimento à proposta.


Como a legislação em vigor prevê que os estabelecimentos escolares de Ensino Fundamental e Médio, oficiais e particulares, obrigatoriamente trabalhem o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira, é natural entender que os processos de formação de professores previstos nas políticas públicas educacionais deveriam, desde então, privilegiar a abordagem desses conteúdos programáticos. Afinal, os tradicionais cursos de licenciatura não abordavam questões como o estudo da História da África e dos africanos, a luta dos negros, a cultura e a contribuição do povo negro na formação da sociedade brasileira. Porém, novos cursos já começam a incorporar disciplinas abordando os aspectos destacados na Lei 10 639/03. A modificação nas instituições formadoras de professores é um fator contribuinte para que comecem a chegar às escolas profissionais que incorporem não somente conteúdos, mas posturas políticas comprometidas com uma abordagem não preconceituosa da questão racial no Brasil. Pois para que um currículo modificado seja implementado, a função docente é essencial. Chamamos a atenção, portanto, para a questão da formação inicial e continuada nesta direção.
Em função disso, perguntou-se aos entrevistados sobre a oferta e freqüência a cursos de formação com foco na implementação de
políticas e práticas previstas pela Lei 10 639/03. Os professores  foram unânimes em afirmar que até o presente momento, nunca lhes foi feito qualquer convite para participarem de cursos com ênfase no atendimento às novas exigências legais. Porém, o professor entrevistado  lembrou que "A princípio não, após o concurso sim através de oficinas ofertadas pelo município". Nesse caso, se referiu primeiro à formação inicial universitária (em que não houve abordagem da questão racial) e, depois, falou da existência de propostas formativas em nível municipal. Percebemos, portanto, que no sistema público de educação já existem iniciativas de formação de professores para o atendimento à lei. Porém, ficou claro nas respostas dos professores das escolas privadas que a perspectiva anti-racista que a Lei 10 639/03 preconiza parece ainda não fazer parte do cotidiano daquelas instituições.  a professora afirma "A lei fará, com que os professores procurem subsídios, informações, reflexões para o trabalho em sala". No seu discurso, constrói uma perspectiva idealizada sobre a prática docente  "politicamente correta" - considerando o efetivo combate à discriminação nas escolas, mas sem implicações para a própria prática, porque até o momento não houve qualquer mobilização de sua parte ou da unidade onde leciona.
E para que a proposta educativa vislumbrada seja realizada, as intenções formativas precisam estar incorporadas aos programas, às grades curriculares e às normas, bem como ao currículo real que está relacionado à vivência dos sujeitos institucionais. Nesse âmbito, são importantes a produção e disponibilização de materiais pedagógicos para apoio a administradores, professores e alunos, com objetivo de atingir os propósitos anti-racistas da lei para a escola brasileira, nos planos de sua gestão e docência.
Quando questionados sobre a existência de material disponível para uma prática educativa conforme a Lei, tivemos diferentes respostas dos professores. O professor  informou que as apostilas utilizadas na sua escola não privilegiam esta nova abordagem "Há necessidade de capacitação dos professores, os livros materiais e apostilas devem ser atualizados e contemplar o assunto"   lembrou, ainda, que há material encaminhado pelo MEC na biblioteca. o professor  afirmou que não havia nenhum tipo de material .
na escola que proporcionasse essa abordagem positiva sobre a questão racial no Brasil. Considerou que as apostilas que utilizam nas aulas também não contemplam as modificações curriculares exigidas: "Não, nessa e na outra escola trabalhamos com material apostilado, a apostila não contempla especificamente a etnia negra".  O professor esta , demonstrando maior comprometimento,
 

A escola tem a sua disposição os livros enviados pela Secretaria de Educação, mas quando o professor introduz a temática dentro da sala de aula se faz necessário diferentes livros. No meu caso específico como trabalho a arte em sua abrangência quando sinto falta de materiais aqui dentro da escola eu mesmo vou pesquizar,  e como ocorreu uma aceitação muito boa na escola por parte dos alunos sobre a arte afrobrasileira, eles mesmos sempre têm uma nova informação que é valorizada.


 
Outro depoente também evidenciou a preocupação com um material didático que suportasse uma atividade docente engajada no combate aos preconceitos étnicos, posicionando a contribuição africana no mesmo nível daquela de outros povos "A escola disponibiliza, mas continuo sentindo falta de um acervo maior, melhor elaborado, nesse momento toda literatura é bem-vinda. Quando falo em um acervo maior, comparo com os demais acervos sobre portugueses, alemães e os outros povos"De fato, entendemos também que embora o mercado editorial já tenha feito alguns investimentos em materiais cujo conteúdo está comprometido com a transformação social embasada no abandono de visões estigmatizadas e preconceituosas construídas ao longo da história quanto às populações africanas e afro-brasileiras, sua disponibilidade para os professores e para as crianças em formação nas bibliotecas e salas de aula das escolas brasileiras ainda é um tanto quanto rara.
A atuação desses professores vai ao encontro do que foi preconizado no parecer CNE/CP no. 003/2004, que estabelecia as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
 
 
A escola tem papel preponderante na eliminação das discriminações e para a emancipação dos grupos discriminados, ao propiciar acesso aos conhecimentos científicos, a registros culturais diferenciados, à conquista de racionalidade que rege as relações sociais e raciais, a conhecimentos avançados, indispensáveis para a consolidação e concerto das nações como espaços democráticos e igualitários.
Em nossa pesquisa, um dos objetivos foi subsidiar práticas pedagógicas que atendam à proposta curricular de abordagem da história e geografia africanas, bem como da cultura afro-brasileira para os anos iniciais do Ensino Fundamental, fornecendo alguma orientação para a formação de professores sob perspectiva anti-racista. Nesse sentido, recomendo a obra
(A África na sala de aula: visita à história contemporânea,) de Leila Leite Hernandez, que detalha as transformações na geografia africana decorrentes da colonização, os movimentos de resistência das populações locais, chegando à nova ordem política no continente africano. Quanto ao trabalho com as crianças nos anos iniciais, localizamos o livro didático( África e Brasil Africano,) de Marina de Mello e Souza, ricamente ilustrado, que pode auxiliar o professor na exploração crítica das relações entre a sociedade africana e a nacional, enfatizando a contribuição dos africanos para a sociedade brasileira contemporânea.
Com relação à literatura para uso docente como dos próprios alunos dos Anos Iniciais, apresentamos uma lista de títulos selecionados, separados por editora da Ática, Aulas de carnaval (Ricardo Azevedo - 1º a 4º séries), Menina bonita do laço de fita (Ana Maria Machado), O amigo do rei (Ruth Rocha), Berimbau (Raquel Coelho), Tanto tanto (Trish Cocke), De onde você veio (Liliana e Michele Iacocca) e As diferenças (Unicef); da Editora do Brasil, Manuela (Regina Rénno), Pretinho: meu boneco querido (Maria Cristina Furtado), Histórias africanas para contar e recontar (Rogério Andrade Barbosa); da Editora Saraiva, O negrinho do pastoreio (Sônia Junqueira); da Companhia Editora Nacional, encontramos No país do saci (Beatrice Tanaka), O cabelo de Lelê e os paradidáticos O mundo do trabalho (Pierre Verger), Influência, Crianças e A vida em sociedade.
Melhoramentos temos O menino marrom (Ziraldo). Essa lista significa apenas uma pequena amostra do material diversificado hoje existente e que pode auxiliar nas práticas pedagógicas anti-racistas. Do mesmo modo, evidencia a importância do trabalho formativo na infância como alicerça para a elaboração de uma sociedade mais fraterna.


escola as perspectivas de uma educação anti-racista


 
Mas como combater o racismo? Como se cumprem os papéis das escolas e de seus atores na configuração de uma educação anti-racista? É importante lembrar que
O sucesso das políticas públicas de Estado, institucionais e pedagógicas, visando a reparações, reconhecimento e valorização da identidade, da cultura e da história dos negros brasileiros depende necessariamente de condições físicas, materiais, intelectuais e afetivas favoráveis para o ensino e para aprendizagens; em outras palavras, todos os alunos negros e não negros, bem como seus professores, precisam sentir-se valorizados e apoiados. Depende também, de maneira decisiva, da reeducação das relações entre negros e brancos, o que aqui estamos designando com relações étnico-raciais.
Perguntei  aos professores sobre as práticas que eles entendem como anti-racistas. Um professor assim se posicionou, abordando aspectos humanistas da formação "Trabalhar a formação humana, cidadania, ética, valores humanos  Já outro comentou: "Nós, como professores, devemos ter, claro que preconceito e discriminação não devem ter espaço no ambiente escolar" 

 Nesse sentido, chamaram a atenção para uma realidade idealizada, sob a qual podemos perceber a questão do
mito da igualdade racial disseminado na sociedade brasileira, que serve para escamotear as situações de desigualdade social existentes. Sabemos que não é fácil elaborar uma nova leitura da realidade que situe os sujeitos em condições de igualdade a despeito de seu pertencimento étnico-racial, pois há uma herança.

 
histórica de preconceito enraizada em nosso meio social que tem sido escamoteada, invisibilizada!
Noutra fala, vemos a questão da prática do professor relacionada à perspectiva didática de como evitar aulas marcadas por preconceito "Primeiramente dar atenção a todas as etnias que compõem a formação do povo brasileiro. Sem exaltar ou inferiorizar qualquer povo. Mas principalmente de alguma forma tentar reverter anos de esquecimento da participação dos negros para o nosso país"

Mais do que isto, ainda nesse depoimento podemos perceber o amálgama entre a dimensão técnica e a dimensão política presentes na atividade do professor. Defende-se uma docência que reúna não apenas um conhecimento sobre a cultura negra na África e no Brasil, mas que ponha em questão aspectos éticos, de humanização e hominização.
A professora  avançou na mesma direção em sua resposta
Acredito que quando trabalhamos algo sobre a etnia negra devemos primeiramente desmistificar preconceitos enraizados na nossa sociedade. Aqui na escola meu primeiro passo em sala foi aplicar um questionário no qual uma das perguntas era sobre qual a etnia esse aluno pertencia. Obtive diferentes respostas, como você pode perceber 80% dos nossos alunos são negros, mas menos de 15% deles afirmou pertencer à raça negra. Para eles ser negro não era algo positivo, com o passar das aulas pude perceber que o sentimento de orgulho aflorou e até mesmo aqueles não negros passaram a ter interesse sobre o povo africano e a história deles no Brasil.


No seu discurso encontramos um detalhamento dos procedimentos docentes que esta professora adota e uma abordagem de questões curriculares que busca combater o preconceito

Além da história da arte, música e até mesmo a religião porque não podemos trabalhar sobre a cultura negra sem passar por esse tema, e aqui na escola os alunos se envolveram de tal forma que o nosso trabalho do ano é apresentado em um festival

que acontece há dois anos no dia 20 de novembro.
Na fala desse professor é possível estimar o alcance social da penetração das práticas educativas orientadas pelo combate ao racismo e discriminação. A proposta precisa chegar às salas de aula, mas é vital que a extrapole contagiando os demais sujeitos nos diversos espaços da escola. E desse modo, caminhamos na direção de uma contribuição das instituições educacionais à sociedade.

alguns elementos para conclusão


Diante do conteúdo das falas  do docentes, assim como constatando a existência de material bibliográfico com perspectiva anti-racista disponível para os educadores, concluímos que alguns avanços já se instalam nas escolas brasileiras, impulsionados pelos espaços abertos pela Lei 10 639/03. Todavia, o processo histórico de criação de condições políticas, sociais e culturais favoráveis à efetiva implementação do conjunto de ações constitutivas de uma educação escolar anti-racista, numa sociedade de justiça e igualdade, apenas foi iniciado. A luta deve continuar! Assim, finalizamos .
Combater o racismo, trabalhar pelo fim da desigualdade social e racial, empreender reeducação das relações étnico-raciais, não são tarefas exclusivas da escola. As formas de discriminação de qualquer natureza não têm o seu nascedouro na escola, porém o racismo, as desigualdades e discriminações correntes na sociedade perpassam por ali. Para que as instituições de ensino desempenhem a contento o papel de educar, é necessário que se constituam em espaço democrático, de produção e divulgação de conhecimentos e de posturas que visam a uma sociedade justa. A escola tem papel preponderante na eliminação das discriminações e para a emancipação dos grupos discriminados, ao proporcionar acesso aos conhecimentos científicos, a registros culturais diferenciados, à conquista de racionalidade que rege as relações sociais e raciais.





ABRAÇO A TODOS E BOA LEITURA












 
 
 
 

População Negra: Espelho, espelho meu...


Viver em sociedade implica a necessidade de uma postura em relação às diferenças e essa tende a ser uma condição comum até para quem busca compreender a ética ou a justiça. Mas, e quando as diferenças não são perceptíveis? Ou melhor, o que ocorre quando, em vez de reconhecê-las (e valorizá-las), passamos ao largo e assumimos o posicionamento de quem prefere fingir que elas não existem?

A História oficial relegou aos negros o papel secundário, dificultando o caminho em direção à sua inclusão social e criando um estado de desigualdade difícil de ser alterado. Difícil, mas não impossível ser apresentada ao longo desses quase 512 anos de existência, um episódio marcante é contado com relação à luta pela liberdade do negro, em um país onde o trabalho escravo foi durante muito tempo explorado e os próprios escravos humilhados a severas punições se descumprissem o mandado, é possível encontrar as personalidades negras brasileiras que a duras penas conseguiram dar a volta por cima.


O primeiro passo para mudar esse quadro é o entendimento de que há, sim, uma discriminação racial. Ela acontece ora de maneira mais explicita, como nas piadas, ora de maneira mais velada. O número reduzido de negros ocupando cargos mais altos nas empresas é um bom exemplo. De um modo ou de outro, a ação silenciosa do preconceito tem mantido os índices de desigualdades em patamares inaceitáveis para um país que se pretende democrático. De posse dos números e observando a realidade com alguma isenção, devemos deixar de lado o mito de que as condições são iguais.

Vale ressaltar que a desigualdade não se reflete apenas nos indicadores sociais ou nos desníveis de renda: essa é a expressão mais evidente do racismo. Ela evidencia uma estrutura cultural e social que acaba por mascar uma discriminação mais profunda: a desvalorização, desumanização e desqualificação, ou o não reconhecimento simbólico das tradições, saberes e fazeres do povo afro-descendente.


Identidade, quem somos?

A identidade de um povo, num Estado nacional, pode se transformar, lentamente, seguindo as modificações históricas ou de forma mais veloz, sobretudo em períodos de guerra ou de grandes transformações locais ou mundiais. Muitas vezes tais mudanças são geradas durante certo tempo e, a partir de algum movimento, tornam-se visíveis.

Assim sendo, para entender o presente, é preciso compreender o que a história significa no passado e para o futuro e, ainda, a diferença entre a história, os pontos de vista históricos e as interpretações da história.
O Estado brasileiro, escravista durante mais de trezentos anos, reestruturado por conceitos republicanos excludentes, impôs e estimulou, ao longo da história, conceitos de nacionalidade que determinaram um discurso cultural distante da realidade multi-cultural do país.
A cultura brasileira, essencialmente permeada por valores femininos, negros, caboclos, indígenas, definida por encontros e conflitos, foi mediada, durante anos, pelo discurso da democracia racial e sua manifestação material legitimada a partir de uma leitura política branca.
A rica diversidade da cultura dos povos de origem européia aqui recriada, as africanidades brasileiras, as contribuições asiáticas, judias e árabes, as expressões indígenas resultantes dos conflitos da colonização, as características de nossa 'antropofagia', nossa identidade construída com referência em uma diversidade hierarquizada -, nem sempre essa dinâmica foi considerada pelo discurso que justifica e teme as desigualdades estruturais.
Começa, porém, a ser desenhada uma cultura de democracia participativa, que necessariamente inclui a cidadania cultural. O Brasil, Estado/nação, vive, neste momento, um período privilegiado no que diz respeito às possibilidades de concretizar transformações fundamentais abortadas em vários períodos da história. As profundas transformações dos conceitos de identidade nacional são então amparadas por uma política cultural inclusiva, que começa a se materializar valorizando a diversidade e desestruturando a hierarquia herdada da escravidão.
Espelho, espelho meu...



Multi-cultural...

O mercado foi motivado, surgiram e foram ampliadas várias publicações destinadas ao público negro. Uma nova estética, mais inclusiva, começa a ser visível na moda. A comunicação, inicialmente a oficial e agora, lentamente, a comercial, começa a tratar o negro como pessoa e a incluir imagens de seres humanos dos vários grupos étnicos.
0 mercado cultural, entretanto, continua excludente e o financiamento a produções negras muito tímidas. Há ainda uma imensa distância entre o discurso cultural e a prática da inclusão. Os produtos do teatro, da música, da dança, da literatura, do cinema, da televisão e da pintura, apresentados no cotidiano, estão longe de refletir a dinâmica social. Os produtores, com referência nos conceitos criados pelo mito da democracia racial, tratam o negro como segmento, de forma descontextualizada e eventual.
Por sua vez, os movimentos negros, que motivaram com seu ativismo histórico as mudanças atuais, têm sido parceiros críticos do Estado e começam a atuar junto a outros setores para aprofundar as transformações e para garantir que a agenda do governo seja agilizada. A descrença nas instituições e a indiferença em relação à representação política começam a serem transformadas no conjunto da população.
Nota-se uma profunda transformação em curso na identidade nacional. A compreensão das africanidades, aqui recriadas como parte do ethos brasileiro, muda as referências e rompe as limitações impostas por um falso eurocentrismo e põe por terra os conceitos de raça e de fragmentação da diversidade. A inclusão valorizada do negro desmobiliza a necessidade de se provar que o diferente é melhor ou pior, além de permitir trocas mais profundas e prazerosas entre os humanos de várias origens....


Transformação em curso na identidade nacional e a compreensão das africanidades...
Mudanças não se processam da noite para o dia, nem tão pouco sem o envolvimento de parte expressiva da população. Para estabelecer o equilíbrio nessas relações, é necessária a participação de vários setores da sociedade civil, governos e ONGs e, principalmente, veículos de comunicação. Não se pode esquecer que, historicamente, a mídia, de maneira geral, sempre produziu conteúdo identificado com critérios e valores europeus, levando a uma "escassez de respeito ao déficit de reconhecimento da civilização e da população descendente de africanos", no dizer do professor Júlio César de Tavares. Basta percorrer a programação da TV, freqüentar as redações de jornais e revistas, analisar seu conteúdo, buscar referencias sobre os temas ou assuntos vinculados à cultura negra para constatar que os afro-descendentes não estão representados de acordo com sua presença numérica e simbólica na nossa sociedade. Chega-se a conclusão de que os veículos não sabem lidar com as diferenças: então se tem uma comunicação influenciada ideologicamente, ainda que de maneira sutil. O pior resultado dessa prática é o racismo.
Com isso, não só esse país como o mundo todo teve uma dificuldade grandiosa em aceitar que a condição de todas as pessoas era a mesma, independente de raça, credo ou religião. A história do negro foi prejudicada e os livros esqueceram-se de destacar grandes pessoas que lutaram pela igualdade racial e lutam até hoje.

Não vos alerto por represália

Nem cobro meus direitos por vingança.
Só quero
Banir de nossos peitos
Esta goma hereditária e triste
Que muito me magoa
E tanto te envergonha.
 
 
 
 
 
 
Presidência da República
Casa CivilSubchefia para Assuntos Jurídicos


Institui o Estatuto da Igualdade Racial; altera as Leis nos 7.716, de 5 de janeiro de 1989, 9.029, de 13 de abril de 1995, 7.347, de 24 de julho de 1985, e 10.778, de 24 de novembro de 2003.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

TÍTULO I

DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Art. 1o Esta Lei institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica.

Parágrafo único. Para efeito deste Estatuto, considera-se:

I - discriminação racial ou étnico-racial: toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada;

II - desigualdade racial: toda situação injustificada de diferenciação de acesso e fruição de bens, serviços e oportunidades, nas esferas pública e privada, em virtude de raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica;

III - desigualdade de gênero e raça: assimetria existente no âmbito da sociedade que acentua a distância social entre mulheres negras e os demais segmentos sociais;

IV - população negra: o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam autodefinição análoga;

V - políticas públicas: as ações, iniciativas e programas adotados pelo Estado no cumprimento de suas atribuições institucionais;

VI - ações afirmativas: os programas e medidas especiais adotados pelo Estado e pela iniciativa privada para a correção das desigualdades raciais e para a promoção da igualdade de oportunidades.

Art. 2o É dever do Estado e da sociedade garantir a igualdade de oportunidades, reconhecendo a todo cidadão brasileiro, independentemente da etnia ou da cor da pele, o direito à participação na comunidade, especialmente nas atividades políticas, econômicas, empresariais, educacionais, culturais e esportivas, defendendo sua dignidade e seus valores religiosos e culturais.

Art. 3o Além das normas constitucionais relativas aos princípios fundamentais, aos direitos e garantias fundamentais e aos direitos sociais, econômicos e culturais, o Estatuto da Igualdade Racial adota como diretriz político-jurídica a inclusão das vítimas de desigualdade étnico-racial, a valorização da igualdade étnica e o fortalecimento da identidade nacional brasileira.

Art. 4o A participação da população negra, em condição de igualdade de oportunidade, na vida econômica, social, política e cultural do País será promovida, prioritariamente, por meio de:

I - inclusão nas políticas públicas de desenvolvimento econômico e social;

II - adoção de medidas, programas e políticas de ação afirmativa;

III - modificação das estruturas institucionais do Estado para o adequado enfrentamento e a superação das desigualdades étnicas decorrentes do preconceito e da discriminação étnica;

IV - promoção de ajustes normativos para aperfeiçoar o combate à discriminação étnica e às desigualdades étnicas em todas as suas manifestações individuais, institucionais e estruturais;

V - eliminação dos obstáculos históricos, socioculturais e institucionais que impedem a representação da diversidade étnica nas esferas pública e privada;

VI - estímulo, apoio e fortalecimento de iniciativas oriundas da sociedade civil direcionadas à promoção da igualdade de oportunidades e ao combate às desigualdades étnicas, inclusive mediante a implementação de incentivos e critérios de condicionamento e prioridade no acesso aos recursos públicos;

VII - implementação de programas de ação afirmativa destinados ao enfrentamento das desigualdades étnicas no tocante à educação, cultura, esporte e lazer, saúde, segurança, trabalho, moradia, meios de comunicação de massa, financiamentos públicos, acesso à terra, à Justiça, e outros.

Parágrafo único. Os programas de ação afirmativa constituir-se-ão em políticas públicas destinadas a reparar as distorções e desigualdades sociais e demais práticas discriminatórias adotadas, nas esferas pública e privada, durante o processo de formação social do País.

Art. 5o Para a consecução dos objetivos desta Lei, é instituído o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir), conforme estabelecido no Título III.

TÍTULO II

DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

CAPÍTULO I

DO DIREITO À SAÚDE

Art. 6o O direito à saúde da população negra será garantido pelo poder público mediante políticas universais, sociais e econômicas destinadas à redução do risco de doenças e de outros agravos.

§ 1o O acesso universal e igualitário ao Sistema Único de Saúde (SUS) para promoção, proteção e recuperação da saúde da população negra será de responsabilidade dos órgãos e instituições públicas federais, estaduais, distritais e municipais, da administração direta e indireta.

§ 2o O poder público garantirá que o segmento da população negra vinculado aos seguros privados de saúde seja tratado sem discriminação.

Art. 7o O conjunto de ações de saúde voltadas à população negra constitui a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, organizada de acordo com as diretrizes abaixo especificadas:

I - ampliação e fortalecimento da participação de lideranças dos movimentos sociais em defesa da saúde da população negra nas instâncias de participação e controle social do SUS;

II - produção de conhecimento científico e tecnológico em saúde da população negra;

III - desenvolvimento de processos de informação, comunicação e educação para contribuir com a redução das vulnerabilidades da população negra.

Art. 8o Constituem objetivos da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra:

I - a promoção da saúde integral da população negra, priorizando a redução das desigualdades étnicas e o combate à discriminação nas instituições e serviços do SUS;

II - a melhoria da qualidade dos sistemas de informação do SUS no que tange à coleta, ao processamento e à análise dos dados desagregados por cor, etnia e gênero;

III - o fomento à realização de estudos e pesquisas sobre racismo e saúde da população negra;

IV - a inclusão do conteúdo da saúde da população negra nos processos de formação e educação permanente dos trabalhadores da saúde;

V - a inclusão da temática saúde da população negra nos processos de formação política das lideranças de movimentos sociais para o exercício da participação e controle social no SUS.

Parágrafo único. Os moradores das comunidades de remanescentes de quilombos serão beneficiários de incentivos específicos para a garantia do direito à saúde, incluindo melhorias nas condições ambientais, no saneamento básico, na segurança alimentar e nutricional e na atenção integral à saúde.

CAPÍTULO II

DO DIREITO À EDUCAÇÃO, À CULTURA, AO ESPORTE E AO LAZER

Seção I

Disposições Gerais

Art. 9o A população negra tem direito a participar de atividades educacionais, culturais, esportivas e de lazer adequadas a seus interesses e condições, de modo a contribuir para o patrimônio cultural de sua comunidade e da sociedade brasileira.

Art. 10. Para o cumprimento do disposto no art. 9o, os governos federal, estaduais, distrital e municipais adotarão as seguintes providências:

I - promoção de ações para viabilizar e ampliar o acesso da população negra ao ensino gratuito e às atividades esportivas e de lazer;

II - apoio à iniciativa de entidades que mantenham espaço para promoção social e cultural da população negra;

III - desenvolvimento de campanhas educativas, inclusive nas escolas, para que a solidariedade aos membros da população negra faça parte da cultura de toda a sociedade;

IV - implementação de políticas públicas para o fortalecimento da juventude negra brasileira.

Seção II

Da Educação

Art. 11. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, é obrigatório o estudo da história geral da África e da história da população negra no Brasil, observado o disposto na Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

§ 1o Os conteúdos referentes à história da população negra no Brasil serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, resgatando sua contribuição decisiva para o desenvolvimento social, econômico, político e cultural do País.

§ 2o O órgão competente do Poder Executivo fomentará a formação inicial e continuada de professores e a elaboração de material didático específico para o cumprimento do disposto no caput deste artigo.

§ 3o Nas datas comemorativas de caráter cívico, os órgãos responsáveis pela educação incentivarão a participação de intelectuais e representantes do movimento negro para debater com os estudantes suas vivências relativas ao tema em comemoração.

Art. 12. Os órgãos federais, distritais e estaduais de fomento à pesquisa e à pós-graduação poderão criar incentivos a pesquisas e a programas de estudo voltados para temas referentes às relações étnicas, aos quilombos e às questões pertinentes à população negra.

Art. 13. O Poder Executivo federal, por meio dos órgãos competentes, incentivará as instituições de ensino superior públicas e privadas, sem prejuízo da legislação em vigor, a:

I - resguardar os princípios da ética em pesquisa e apoiar grupos, núcleos e centros de pesquisa, nos diversos programas de pós-graduação que desenvolvam temáticas de interesse da população negra;

II - incorporar nas matrizes curriculares dos cursos de formação de professores temas que incluam valores concernentes à pluralidade étnica e cultural da sociedade brasileira;

III - desenvolver programas de extensão universitária destinados a aproximar jovens negros de tecnologias avançadas, assegurado o princípio da proporcionalidade de gênero entre os beneficiários;

IV - estabelecer programas de cooperação técnica, nos estabelecimentos de ensino públicos, privados e comunitários, com as escolas de educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e ensino técnico, para a formação docente baseada em princípios de equidade, de tolerância e de respeito às diferenças étnicas.

Art. 14. O poder público estimulará e apoiará ações socioeducacionais realizadas por entidades do movimento negro que desenvolvam atividades voltadas para a inclusão social, mediante cooperação técnica, intercâmbios, convênios e incentivos, entre outros mecanismos.

Art. 15. O poder público adotará programas de ação afirmativa.

Art. 16. O Poder Executivo federal, por meio dos órgãos responsáveis pelas políticas de promoção da igualdade e de educação, acompanhará e avaliará os programas de que trata esta Seção.

Seção III

Da Cultura

Art. 17. O poder público garantirá o reconhecimento das sociedades negras, clubes e outras formas de manifestação coletiva da população negra, com trajetória histórica comprovada, como patrimônio histórico e cultural, nos termos dos arts. 215 e 216 da Constituição Federal.

Art. 18. É assegurado aos remanescentes das comunidades dos quilombos o direito à preservação de seus usos, costumes, tradições e manifestos religiosos, sob a proteção do Estado.

Parágrafo único. A preservação dos documentos e dos sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos, tombados nos termos do § 5o do art. 216 da Constituição Federal, receberá especial atenção do poder público.

Art. 19. O poder público incentivará a celebração das personalidades e das datas comemorativas relacionadas à trajetória do samba e de outras manifestações culturais de matriz africana, bem como sua comemoração nas instituições de ensino públicas e privadas.

Art. 20. O poder público garantirá o registro e a proteção da capoeira, em todas as suas modalidades, como bem de natureza imaterial e de formação da identidade cultural brasileira, nos termos do art. 216 da Constituição Federal.

Parágrafo único. O poder público buscará garantir, por meio dos atos normativos necessários, a preservação dos elementos formadores tradicionais da capoeira nas suas relações internacionais.

Seção IV

Do Esporte e Lazer

Art. 21. O poder público fomentará o pleno acesso da população negra às práticas desportivas, consolidando o esporte e o lazer como direitos sociais.

Art. 22. A capoeira é reconhecida como desporto de criação nacional, nos termos do art. 217 da Constituição Federal.

§ 1o A atividade de capoeirista será reconhecida em todas as modalidades em que a capoeira se manifesta, seja como esporte, luta, dança ou música, sendo livre o exercício em todo o território nacional.

§ 2o É facultado o ensino da capoeira nas instituições públicas e privadas pelos capoeiristas e mestres tradicionais, pública e formalmente reconhecidos.

CAPÍTULO III

DO DIREITO À LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E DE CRENÇA E AO LIVRE EXERCÍCIO DOS CULTOS RELIGIOSOS

Art. 23. É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.

Art. 24. O direito à liberdade de consciência e de crença e ao livre exercício dos cultos religiosos de matriz africana compreende:

I - a prática de cultos, a celebração de reuniões relacionadas à religiosidade e a fundação e manutenção, por iniciativa privada, de lugares reservados para tais fins;

II - a celebração de festividades e cerimônias de acordo com preceitos das respectivas religiões;

III - a fundação e a manutenção, por iniciativa privada, de instituições beneficentes ligadas às respectivas convicções religiosas;

IV - a produção, a comercialização, a aquisição e o uso de artigos e materiais religiosos adequados aos costumes e às práticas fundadas na respectiva religiosidade, ressalvadas as condutas vedadas por legislação específica;

V - a produção e a divulgação de publicações relacionadas ao exercício e à difusão das religiões de matriz africana;

VI - a coleta de contribuições financeiras de pessoas naturais e jurídicas de natureza privada para a manutenção das atividades religiosas e sociais das respectivas religiões;

VII - o acesso aos órgãos e aos meios de comunicação para divulgação das respectivas religiões;

VIII - a comunicação ao Ministério Público para abertura de ação penal em face de atitudes e práticas de intolerância religiosa nos meios de comunicação e em quaisquer outros locais.

Art. 25. É assegurada a assistência religiosa aos praticantes de religiões de matrizes africanas internados em hospitais ou em outras instituições de internação coletiva, inclusive àqueles submetidos a pena privativa de liberdade.

Art. 26. O poder público adotará as medidas necessárias para o combate à intolerância com as religiões de matrizes africanas e à discriminação de seus seguidores, especialmente com o objetivo de:

I - coibir a utilização dos meios de comunicação social para a difusão de proposições, imagens ou abordagens que exponham pessoa ou grupo ao ódio ou ao desprezo por motivos fundados na religiosidade de matrizes africanas;

II - inventariar, restaurar e proteger os documentos, obras e outros bens de valor artístico e cultural, os monumentos, mananciais, flora e sítios arqueológicos vinculados às religiões de matrizes africanas;

III - assegurar a participação proporcional de representantes das religiões de matrizes africanas, ao lado da representação das demais religiões, em comissões, conselhos, órgãos e outras instâncias de deliberação vinculadas ao poder público.

CAPÍTULO IV

DO ACESSO À TERRA E À MORADIA ADEQUADA

Seção I

Do Acesso à Terra

Art. 27. O poder público elaborará e implementará políticas públicas capazes de promover o acesso da população negra à terra e às atividades produtivas no campo.

Art. 28. Para incentivar o desenvolvimento das atividades produtivas da população negra no campo, o poder público promoverá ações para viabilizar e ampliar o seu acesso ao financiamento agrícola.

Art. 29. Serão assegurados à população negra a assistência técnica rural, a simplificação do acesso ao crédito agrícola e o fortalecimento da infraestrutura de logística para a comercialização da produção.

Art. 30. O poder público promoverá a educação e a orientação profissional agrícola para os trabalhadores negros e as comunidades negras rurais.

Art. 31. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.

Art. 32. O Poder Executivo federal elaborará e desenvolverá políticas públicas especiais voltadas para o desenvolvimento sustentável dos remanescentes das comunidades dos quilombos, respeitando as tradições de proteção ambiental das comunidades.

Art. 33. Para fins de política agrícola, os remanescentes das comunidades dos quilombos receberão dos órgãos competentes tratamento especial diferenciado, assistência técnica e linhas especiais de financiamento público, destinados à realização de suas atividades produtivas e de infraestrutura.

Art. 34. Os remanescentes das comunidades dos quilombos se beneficiarão de todas as iniciativas previstas nesta e em outras leis para a promoção da igualdade étnica.

Seção II

Da Moradia

Art. 35. O poder público garantirá a implementação de políticas públicas para assegurar o direito à moradia adequada da população negra que vive em favelas, cortiços, áreas urbanas subutilizadas, degradadas ou em processo de degradação, a fim de reintegrá-las à dinâmica urbana e promover melhorias no ambiente e na qualidade de vida.

Parágrafo único. O direito à moradia adequada, para os efeitos desta Lei, inclui não apenas o provimento habitacional, mas também a garantia da infraestrutura urbana e dos equipamentos comunitários associados à função habitacional, bem como a assistência técnica e jurídica para a construção, a reforma ou a regularização fundiária da habitação em área urbana.

Art. 36. Os programas, projetos e outras ações governamentais realizadas no âmbito do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), regulado pela Lei no 11.124, de 16 de junho de 2005, devem considerar as peculiaridades sociais, econômicas e culturais da população negra.

Parágrafo único. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios estimularão e facilitarão a participação de organizações e movimentos representativos da população negra na composição dos conselhos constituídos para fins de aplicação do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS).

Art. 37. Os agentes financeiros, públicos ou privados, promoverão ações para viabilizar o acesso da população negra aos financiamentos habitacionais.

CAPÍTULO V

DO TRABALHO

Art. 38. A implementação de políticas voltadas para a inclusão da população negra no mercado de trabalho será de responsabilidade do poder público, observando-se:

I - o instituído neste Estatuto;

II - os compromissos assumidos pelo Brasil ao ratificar a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 1965;

III - os compromissos assumidos pelo Brasil ao ratificar a Convenção no 111, de 1958, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata da discriminação no emprego e na profissão;

IV - os demais compromissos formalmente assumidos pelo Brasil perante a comunidade internacional.

Art. 39. O poder público promoverá ações que assegurem a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho para a população negra, inclusive mediante a implementação de medidas visando à promoção da igualdade nas contratações do setor público e o incentivo à adoção de medidas similares nas empresas e organizações privadas.

§ 1o A igualdade de oportunidades será lograda mediante a adoção de políticas e programas de formação profissional, de emprego e de geração de renda voltados para a população negra.

§ 2o As ações visando a promover a igualdade de oportunidades na esfera da administração pública far-se-ão por meio de normas estabelecidas ou a serem estabelecidas em legislação específica e em seus regulamentos.

§ 3o O poder público estimulará, por meio de incentivos, a adoção de iguais medidas pelo setor privado.

§ 4o As ações de que trata o caput deste artigo assegurarão o princípio da proporcionalidade de gênero entre os beneficiários.

§ 5o Será assegurado o acesso ao crédito para a pequena produção, nos meios rural e urbano, com ações afirmativas para mulheres negras.

§ 6o O poder público promoverá campanhas de sensibilização contra a marginalização da mulher negra no trabalho artístico e cultural.

§ 7o O poder público promoverá ações com o objetivo de elevar a escolaridade e a qualificação profissional nos setores da economia que contem com alto índice de ocupação por trabalhadores negros de baixa escolarização.

Art. 40. O Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat) formulará políticas, programas e projetos voltados para a inclusão da população negra no mercado de trabalho e orientará a destinação de recursos para seu financiamento.

Art. 41. As ações de emprego e renda, promovidas por meio de financiamento para constituição e ampliação de pequenas e médias empresas e de programas de geração de renda, contemplarão o estímulo à promoção de empresários negros.

Parágrafo único. O poder público estimulará as atividades voltadas ao turismo étnico com enfoque nos locais, monumentos e cidades que retratem a cultura, os usos e os costumes da população negra.

Art. 42. O Poder Executivo federal poderá implementar critérios para provimento de cargos em comissão e funções de confiança destinados a ampliar a participação de negros, buscando reproduzir a estrutura da distribuição étnica nacional ou, quando for o caso, estadual, observados os dados demográficos oficiais.

CAPÍTULO VI

DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO

Art. 43. A produção veiculada pelos órgãos de comunicação valorizará a herança cultural e a participação da população negra na história do País.

Art. 44. Na produção de filmes e programas destinados à veiculação pelas emissoras de televisão e em salas cinematográficas, deverá ser adotada a prática de conferir oportunidades de emprego para atores, figurantes e técnicos negros, sendo vedada toda e qualquer discriminação de natureza política, ideológica, étnica ou artística.

Parágrafo único. A exigência disposta no caput não se aplica aos filmes e programas que abordem especificidades de grupos étnicos determinados.

Art. 45. Aplica-se à produção de peças publicitárias destinadas à veiculação pelas emissoras de televisão e em salas cinematográficas o disposto no art. 44.

Art. 46. Os órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica ou fundacional, as empresas públicas e as sociedades de economia mista federais deverão incluir cláusulas de participação de artistas negros nos contratos de realização de filmes, programas ou quaisquer outras peças de caráter publicitário.

§ 1o Os órgãos e entidades de que trata este artigo incluirão, nas especificações para contratação de serviços de consultoria, conceituação, produção e realização de filmes, programas ou peças publicitárias, a obrigatoriedade da prática de iguais oportunidades de emprego para as pessoas relacionadas com o projeto ou serviço contratado.

§ 2o Entende-se por prática de iguais oportunidades de emprego o conjunto de medidas sistemáticas executadas com a finalidade de garantir a diversidade étnica, de sexo e de idade na equipe vinculada ao projeto ou serviço contratado.

§ 3o A autoridade contratante poderá, se considerar necessário para garantir a prática de iguais oportunidades de emprego, requerer auditoria por órgão do poder público federal.

§ 4o A exigência disposta no caput não se aplica às produções publicitárias quando abordarem especificidades de grupos étnicos determinados.

TÍTULO III

Do Sistema NACIONAL DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL

(SINAPIR)

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÃO PRELIMINAR

Art. 47. É instituído o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir) como forma de organização e de articulação voltadas à implementação do conjunto de políticas e serviços destinados a superar as desigualdades étnicas existentes no País, prestados pelo poder público federal.

§ 1o Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão participar do Sinapir mediante adesão.

§ 2o O poder público federal incentivará a sociedade e a iniciativa privada a participar do Sinapir.

CAPÍTULO II

DOS OBJETIVOS

Art. 48. São objetivos do Sinapir:

I - promover a igualdade étnica e o combate às desigualdades sociais resultantes do racismo, inclusive mediante adoção de ações afirmativas;

II - formular políticas destinadas a combater os fatores de marginalização e a promover a integração social da população negra;

III - descentralizar a implementação de ações afirmativas pelos governos estaduais, distrital e municipais;

IV - articular planos, ações e mecanismos voltados à promoção da igualdade étnica;

V - garantir a eficácia dos meios e dos instrumentos criados para a implementação das ações afirmativas e o cumprimento das metas a serem estabelecidas.

CAPÍTULO III

DA ORGANIZAÇÃO E COMPETÊNCIA

Art. 49. O Poder Executivo federal elaborará plano nacional de promoção da igualdade racial contendo as metas, princípios e diretrizes para a implementação da Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial (PNPIR).

§ 1o A elaboração, implementação, coordenação, avaliação e acompanhamento da PNPIR, bem como a organização, articulação e coordenação do Sinapir, serão efetivados pelo órgão responsável pela política de promoção da igualdade étnica em âmbito nacional.

§ 2o É o Poder Executivo federal autorizado a instituir fórum intergovernamental de promoção da igualdade étnica, a ser coordenado pelo órgão responsável pelas políticas de promoção da igualdade étnica, com o objetivo de implementar estratégias que visem à incorporação da política nacional de promoção da igualdade étnica nas ações governamentais de Estados e Municípios.

§ 3o As diretrizes das políticas nacional e regional de promoção da igualdade étnica serão elaboradas por órgão colegiado que assegure a participação da sociedade civil.

Art. 50. Os Poderes Executivos estaduais, distrital e municipais, no âmbito das respectivas esferas de competência, poderão instituir conselhos de promoção da igualdade étnica, de caráter permanente e consultivo, compostos por igual número de representantes de órgãos e entidades públicas e de organizações da sociedade civil representativas da população negra.

Parágrafo único. O Poder Executivo priorizará o repasse dos recursos referentes aos programas e atividades previstos nesta Lei aos Estados, Distrito Federal e Municípios que tenham criado conselhos de promoção da igualdade étnica.

CAPÍTULO IV

Das Ouvidorias Permanentes E DO ACESSO À JUSTIÇA E À SEGURANÇA

Art. 51. O poder público federal instituirá, na forma da lei e no âmbito dos Poderes Legislativo e Executivo, Ouvidorias Permanentes em Defesa da Igualdade Racial, para receber e encaminhar denúncias de preconceito e discriminação com base em etnia ou cor e acompanhar a implementação de medidas para a promoção da igualdade.

Art. 52. É assegurado às vítimas de discriminação étnica o acesso aos órgãos de Ouvidoria Permanente, à Defensoria Pública, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, em todas as suas instâncias, para a garantia do cumprimento de seus direitos.

Parágrafo único. O Estado assegurará atenção às mulheres negras em situação de violência, garantida a assistência física, psíquica, social e jurídica.

Art. 53. O Estado adotará medidas especiais para coibir a violência policial incidente sobre a população negra.

Parágrafo único. O Estado implementará ações de ressocialização e proteção da juventude negra em conflito com a lei e exposta a experiências de exclusão social.

Art. 54. O Estado adotará medidas para coibir atos de discriminação e preconceito praticados por servidores públicos em detrimento da população negra, observado, no que couber, o disposto na Lei no 7.716, de 5 de janeiro de 1989.

Art. 55. Para a apreciação judicial das lesões e das ameaças de lesão aos interesses da população negra decorrentes de situações de desigualdade étnica, recorrer-se-á, entre outros instrumentos, à ação civil pública, disciplinada na Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985.

CAPÍTULO V

DO FINANCIAMENTO DAS INICIATIVAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL

Art. 56. Na implementação dos programas e das ações constantes dos planos plurianuais e dos orçamentos anuais da União, deverão ser observadas as políticas de ação afirmativa a que se refere o inciso VII do art. 4o desta Lei e outras políticas públicas que tenham como objetivo promover a igualdade de oportunidades e a inclusão social da população negra, especialmente no que tange a:

I - promoção da igualdade de oportunidades em educação, emprego e moradia;

II - financiamento de pesquisas, nas áreas de educação, saúde e emprego, voltadas para a melhoria da qualidade de vida da população negra;

III - incentivo à criação de programas e veículos de comunicação destinados à divulgação de matérias relacionadas aos interesses da população negra;

IV - incentivo à criação e à manutenção de microempresas administradas por pessoas autodeclaradas negras;

V - iniciativas que incrementem o acesso e a permanência das pessoas negras na educação fundamental, média, técnica e superior;

VI - apoio a programas e projetos dos governos estaduais, distrital e municipais e de entidades da sociedade civil voltados para a promoção da igualdade de oportunidades para a população negra;

VII - apoio a iniciativas em defesa da cultura, da memória e das tradições africanas e brasileiras.

§ 1o O Poder Executivo federal é autorizado a adotar medidas que garantam, em cada exercício, a transparência na alocação e na execução dos recursos necessários ao financiamento das ações previstas neste Estatuto, explicitando, entre outros, a proporção dos recursos orçamentários destinados aos programas de promoção da igualdade, especialmente nas áreas de educação, saúde, emprego e renda, desenvolvimento agrário, habitação popular, desenvolvimento regional, cultura, esporte e lazer.

§ 2o Durante os 5 (cinco) primeiros anos, a contar do exercício subsequente à publicação deste Estatuto, os órgãos do Poder Executivo federal que desenvolvem políticas e programas nas áreas referidas no § 1o deste artigo discriminarão em seus orçamentos anuais a participação nos programas de ação afirmativa referidos no inciso VII do art. 4o desta Lei.

§ 3o O Poder Executivo é autorizado a adotar as medidas necessárias para a adequada implementação do disposto neste artigo, podendo estabelecer patamares de participação crescente dos programas de ação afirmativa nos orçamentos anuais a que se refere o § 2o deste artigo.

§ 4o O órgão colegiado do Poder Executivo federal responsável pela promoção da igualdade racial acompanhará e avaliará a programação das ações referidas neste artigo nas propostas orçamentárias da União.

Art. 57. Sem prejuízo da destinação de recursos ordinários, poderão ser consignados nos orçamentos fiscal e da seguridade social para financiamento das ações de que trata o art. 56:

I - transferências voluntárias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

II - doações voluntárias de particulares;

III - doações de empresas privadas e organizações não governamentais, nacionais ou internacionais;

IV - doações voluntárias de fundos nacionais ou internacionais;

V - doações de Estados estrangeiros, por meio de convênios, tratados e acordos internacionais.

TÍTULO IV

DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 58. As medidas instituídas nesta Lei não excluem outras em prol da população negra que tenham sido ou venham a ser adotadas no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios.

Art. 59. O Poder Executivo federal criará instrumentos para aferir a eficácia social das medidas previstas nesta Lei e efetuará seu monitoramento constante, com a emissão e a divulgação de relatórios periódicos, inclusive pela rede mundial de computadores.

Art. 60. Os arts. 3o e 4o da Lei no 7.716, de 1989, passam a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 3o ........................................................................
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, por motivo de discriminação de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, obstar a promoção funcional.” (NR)
“Art. 4o ........................................................................
§ 1o Incorre na mesma pena quem, por motivo de discriminação de raça ou de cor ou práticas resultantes do preconceito de descendência ou origem nacional ou étnica:
I - deixar de conceder os equipamentos necessários ao empregado em igualdade de condições com os demais trabalhadores;
II - impedir a ascensão funcional do empregado ou obstar outra forma de benefício profissional;
III - proporcionar ao empregado tratamento diferenciado no ambiente de trabalho, especialmente quanto ao salário.
§ 2o Ficará sujeito às penas de multa e de prestação de serviços à comunidade, incluindo atividades de promoção da igualdade racial, quem, em anúncios ou qualquer outra forma de recrutamento de trabalhadores, exigir aspectos de aparência próprios de raça ou etnia para emprego cujas atividades não justifiquem essas exigências.” (NR)

Art. 61. Os arts. 3o e 4o da Lei no 9.029, de 13 de abril de 1995, passam a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 3o Sem prejuízo do prescrito no art. 2o e nos dispositivos legais que tipificam os crimes resultantes de preconceito de etnia, raça ou cor, as infrações do disposto nesta Lei são passíveis das seguintes cominações:
...................................................................................” (NR)
“Art. 4o O rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, nos moldes desta Lei, além do direito à reparação pelo dano moral, faculta ao empregado optar entre:
...................................................................................” (NR)

Art. 62. O art. 13 da Lei no 7.347, de 1985, passa a vigorar acrescido do seguinte § 2o, renumerando-se o atual parágrafo único como § 1o:

“Art. 13. ........................................................................
§ 1o ...............................................................................
§ 2o Havendo acordo ou condenação com fundamento em dano causado por ato de discriminação étnica nos termos do disposto no art. 1o desta Lei, a prestação em dinheiro reverterá diretamente ao fundo de que trata o caput e será utilizada para ações de promoção da igualdade étnica, conforme definição do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, na hipótese de extensão nacional, ou dos Conselhos de Promoção de Igualdade Racial estaduais ou locais, nas hipóteses de danos com extensão regional ou local, respectivamente.” (NR)

Art. 63. O § 1o do art. 1o da Lei no 10.778, de 24 de novembro de 2003, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 1o .......................................................................
§ 1o Para os efeitos desta Lei, entende-se por violência contra a mulher qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, inclusive decorrente de discriminação ou desigualdade étnica, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público quanto no privado.
...................................................................................” (NR)

Art. 64. O § 3o do art. 20 da Lei no 7.716, de 1989, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso III:

“Art. 20. ......................................................................
.............................................................................................
§ 3o ...............................................................................
.............................................................................................
III - a interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na rede mundial de computadores.
...................................................................................” (NR)

Art. 65. Esta Lei entra em vigor 90 (noventa) dias após a data de sua publicação.

Brasília, 20 de julho de 2010; 189o da Independência e 122o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Eloi Ferreira de Araújo